Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
354/10.0TTBRG.1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
FACTOR DE BONIFICAÇÃO
DATA DA CONSOLIDAÇÃO DO AGRAVAMENTO
Nº do Documento: RP20200331354/10.0TTBRG.1.P1
Data do Acordão: 03/31/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I- A aplicação do fator de bonificação 1.5, nos termos estabelecidos no ponto 5, al. a), parte final, da TNI aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, pressupõe que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”, condição imposta no artigo 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, para haver lugar à alteração da prestação que se encontra fixada.
II- Deve ser aplicado o fator de bonificação 1.5, no âmbito de um incidente de revisão da incapacidade, num caso em que o sinistrado, não tendo 50 anos de idade no momento do pedido de revisão, essa vem a completar na sua pendência, desde que em momento anterior à data que se vier a apurar que corresponde ao momento da alteração/agravamento da incapacidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 354/10.0TTBRG.1.P1
Tribunal: Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro
Requerente/sinistrado: B…
Requerida/responsável: C… – Companhia de Seguros, SA.
______
Relator: Nélson Fernandes
1º adjunto: Des. Rita Romeira
2º adjunto: Des. Teresa Sá Lopes
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B… apresentou, em 18 de outubro de 2018, requerimento de revisão da incapacidade permanente para o trabalho fixada anteriormente em 15,12%, alegando o agravamento das sequelas de que é portador em virtude das lesões sofridas no acidente, sendo entidade responsável Companhia de Seguros D…, S.A., C… – Companhia de Seguros, SA.

1.1 Aquando da realização do exame de revisão, nos termos do nº 7 do artigo 147.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), iniciado em 4 de janeiro de 2019, o Perito médico solicitou a realização de um exame complementar de diagnóstico e a informação clínica da Seguradora, bem como os relatórios dos exames realizados por esta.

1.1.1 Realizado o exame de diagnóstico e junta a informação clínica da Seguradora, na continuação do exame a que se alude em 1.1, o Perito médico entendeu que o Sinistrado carecia de medidas terapêuticas tendentes a melhorar o seu quadro vascular venoso do membro inferior direito, preconizando para o efeito a sua reobservação nos serviços clínicos da Seguradora, especialidade de cirurgia vascular, o que se determinou.

1.1.2 A Seguradora reobservou o Sinistrado e, considerando então não existir agravamento das sequelas resultantes do acidente, não instituiu qualquer terapêutica, dando-lhe alta em 23 de maio de 2019, sem alteração da situação clínica.

1.1.3 Em 14 de junho de 2019 veio a ser concluído o exame de revisão, considerando o Perito médico que a situação clínica e médico-legal do sinistrado se agravou, propondo uma IPP de 22,058%.

1.2 Não se conformando com tal resultado, a Seguradora requereu a realização de exame por junta médica, que veio a ter lugar em 21 de outubro de 2019, tendo os Peritos médicos intervenientes concluído, por unanimidade, que a situação clínica do sinistrado piorou, com agravamento das dores e edema no tornozelo direito, propondo um agravamento da IPP para 25,275%, com aplicando à soma das IPP parciais (16,85%) do fator de bonificação 1,5%, porquanto o Sinistrado, nascido em 6 de setembro de 1969, completara em 6 de setembro de 2019 cinquenta anos de idade.

1.2.1 Notificada do auto da junta médica, veio a Seguradora requerer que os Peritos esclarecessem qual a data de consolidação do agravamento da situação clínica e médico-legal do Sinistrado e se de acordo com essa data seria de aplicar o fator 1.5, atendendo à idade.

1.2.1.1 Os Peritos do Tribunal e do Sinistrado responderam que a data da consolidação do agravamento foi 21 de outubro de 2019, data em que observaram o Sinistrado e valorizaram as sequelas, mantendo a aplicação do fator 1,5%, enquanto o Perito da seguradora, por sua vez, respondeu que a consolidação do agravamento ocorreu em 18 de outubro de 2018 (data de entrada do pedido de revisão), afastando a aplicação do fator 1,5%.

1.3 Posteriormente veio a ser proferida decisão final, de cujo dispositivo consta, no que ao recurso importa, fixando-se ainda em € 10.035,84 o valor do incidente, o seguinte:
“Destarte, aplicando os citados normativos à matéria de facto assente nos autos, nos termos do disposto no art. 145º, nº 5 do C.P.T. julga-se procedente o presente incidente e, em consequência:
a)- Declara-se que o sinistrado em consequência do acidente de trabalho em apreço nos presentes autos, apresenta uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 25,275% a partir de 21.10.2019.
b)- Aumenta-se para € 2.266,41 (12.810,00x070x,025275) trezentos e quinze euros e setenta e nove) a pensão anual devida ao sinistrado a partir de 21.10.2019, condenando-se a seguradora a pagar-lhe o respectivo capital de remição, obedecendo o cálculo às regras constantes da Portaria nº11/2000 de 13.1, levando-se em conta a remição da pensão inicial.
(...)”

2. Inconformada, apresentou a Seguradora requerimento de interposição do recurso, finalizando as suas alegações com as conclusões seguintes:
“1.ª – As presentes alegações de recurso visam a revogação da sentença proferida pelo tribunal “a quo” por discordar da decisão que recaiu sobre o incidente de revisão da incapacidade permanente para o trabalho, fixada anteriormente, apresentado pelo sinistrado, nomeadamente por esta sentença ter aplicado o factor de bonificação 1,5, não tendo o sinistrado 50 anos à data pedido de revisão.
2.ª - Pensamos que a sentença está inquinada, porquanto, o sinistrado veio em 18/10/2018, deduzir o incidente de revisão da incapacidade permanente para o trabalho, fixada anteriormente 15,12%, alegando o agravamento das sequelas de que é portador em virtude das lesões sofridas no acidente em apreço nos autos, data em que ainda não completara 50 anos.
3.ª - E tendo apenas completado 50 anos em 06.09.2019, depois de concluído o exame singular que ocorrera em 14.06.2019.
4.ª - Nesta acção com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado B…, e responsável, a Companhia de Seguros D…, S.A., o primeiro veio em 18.10.2018, deduzir o incidente de revisão da incapacidade permanente para trabalho, fixada anteriormente 15,12%, alegando o agravamento das sequelas de que é portador em virtude das lesões sofridas no acidente em apreço nestes autos.
5.ª - O exame de revisão iniciou-se no dia 4.1.2019, no qual o perito médico solicitou a realização de um exame complementar de diagnóstico e a informação clinica da seguradora, bem como os relatórios dos exames por realizados por esta.
6.ª - Realizado o exame de diagnóstico realizado e junta a informação clinica da seguradora, na continuação do exame, o perito médico entendeu que o sinistrado carecia de medidas terapêuticas tendentes a melhorar o seu quadro vascular venoso do membro inferior direito, preconizando para o efeito a sua reobservação nos serviços clínicos da seguradora, especialidade de cirurgia vascular, o que se determinou.
7.ª - A seguradora reobservou o sinistrado, e considerando não existir agravamento das sequelas resultantes do acidente, não institui qualquer terapêutica, dando-lhe alta em 23.5.2019, sem alteração da situação clínica.
8.ª - Em 14.6.2019, foi concluído o exame de revisão e considerando o perito médico que a situação clinica e médico-legal do sinistrado se agravou, propôs uma IPP de 22,058%.
9.ª - Não se conformando com tal resultado, a seguradora requereu a realização de junta médica, a qual veio a ter lugar em 21.10.2019,tendo os peritos médicos intervenientes concluído, por unanimidade, que a situação clinica do sinistrado piorou, com agravamento das dores e edema no tornozelo direito, propôs um agravamento da IPP para 25/275%, aplicando à soma das IPP parciais (16,85%), o factor de bonificação 1,5%, porquanto o sinistrado, nascido em 6.9.1969, completou em 6.9.2019, cinquenta anos de idade.
10.ª - A seguradora notificada do auto da junta médica veio requerer que os peritos esclarecessem qual a data de consolidação do agravamento da situação clínica e médico-legal do sinistrado e se de acordo com essa data seria de aplicar o factor 1.5, atendendo à idade.
11.ª - Os peritos do tribunal e do sinistrado responderam que a data da consolidação do agravamento foi 21.10.2019, data em que observaram o sinistrado e valorizaram as sequelas, mantendo aplicação do factor 1,5%.
12.ª - O perito da seguradora respondeu que a consolidação do agravamento foi em 18.10.2018 (data do pedido de revisão), afastando á aplicação do factor 1,5%.
13.ª - A questão que se coloca é apenas se deve ser aplicado o factor de bonificação 1,5, não tendo o sinistrado 50 anos à data do pedido de revisão.
14.ª - Por douta sentença de fls.., o Meritíssimo Tribunal “a quo” entendeu que apresentando o sinistrado um agravamento das sequelas e tendo completado os 50 anos antes da decisão, deve ser-lhe aplicado o correspondente factor de bonificação.
15.ª - Contudo, não pode a Seguradora Apelante concordar com o douto entendimento do Meritíssimo Tribunal, “a quo” na medida em que a consolidação do agravamento foi em 18/10/2018, data do pedido de revisão, e nessa data o Sinistrado ainda não tinha 50 anos, e como tal não se pode aplicar o factor de bonificação de 1,5.
16.ª - Na verdade, entende a recorrente que à data em que o Sinistrado veio apresentar o seu requerimento de revisão da incapacidade, em 18.10.2018, alegando o seu agravamento, ainda não tinha 50 anos de idade. E como tal, não há lugar à aplicação do factor de bonificação de 1,5.
17.ª - E veio requerer a revisão dessa incapacidade em 18.10.2018, data em que ainda não completara 50 anos, tendo completado 50 anos em 6.9.2019, depois de concluído o exame singular e antes de realizada a junta médica.
18.ª - A sentença enferma de erro de julgamento e interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais, como infra se verá.
19.ª - Pelas razões e fundamentos que adiante melhor se explicitarão, no caso em apreço, se impõe, considera a recorrente que o Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação da lei e não atendeu sequer às normas legais aplicáveis à situação sub judice, motivo por que a douta sentença deve ser revogada.
20.ª - Porquanto a data para efeitos da fixação da incapacidade e do pagamento da pensão é a da formulação do pedido de revisão.
21.ª - O Incidente de revisão da incapacidade inicia-se a requerimento do sinistrado ou da entidade responsável, prevendo-se que o pedido possa ser deduzido por simples requerimento, desde que seja fundamentado.
22.ª - Aliás, a própria denominação de “revisão” só pode querer dizer que a sua situação clínica irá ser reapreciada (“revista”).
23.ª - E para que tal aconteça necessário se torna que o Sinistrado o tenha requerido em Tribunal, fundamentadamente, indicando – e provando – as razões desse agravamento e os termos em que se repercutam na sua capacidade de ganho, enquanto geradora de uma incapacidade maior do que aquela que lhe foi fixada judicialmente.
24.ª - Provada a modificação, nos termos alegados, após a realização das respectivas diligências que se mostrem necessárias, com o Sinistrado a ser submetido à indispensável perícia médica, maxime por Junta Médica, estão reunidas as condições para que o Tribunal decida o incidente de revisão e fixe a incapacidade resultante dessas perícias.
25.ª - Assim, temos que o reconhecimento do agravamento deverá operar a partir da data em que o foi apresentado o requerimento deste incidente de revisão.
26.ª - A jurisprudência está consolidada no sentido de considerar a data para efeitos da fixação da incapacidade e do pagamento da pensão a da formulação do pedido de revisão (cfr. acórdãos da Relação do Porto de 07.04.2016; 15.12.2016; da Relação de Lisboa sw 08.02.2012; 01.03.2016; 18.05.2016 e da Relação de Guimarães de 15.12.2016 in www.dgsi.pt).
27.ª - Se assim é, desnecessário se torna ordenar a realização de quaisquer outras diligências para o apuramento da data a partir da qual se verificou o agravamento do estado do sinistrado para efeitos do pagamento da pensão, uma vez que o mesmo deve ser reportado à data da formulação do pedido de revisão, ou seja, em 18 de Outubro de 2018.
28.ª - Não tendo o sinistrado 50 anos de idade à data do pedido de revisão, não poderia o Tribunal “a quo” aplicar o factor de bonificação de 1,5 ao aqui sinistrado.
29.ª - Bem como a consolidação do agravamento foi em 18.10.2018, data do pedido de revisão, data em que o sinistrado ainda não completara 50 anos de idade.
30.ª - Logo estaria afastada a aplicação do factor de bonificação de 1,5.
31.ª - Por todas estas razões a sentença recorrida deverá ser revogada na parte em que aplicou o factor de bonificação 1,5, ao agravamento da incapacidade permanente, porquanto o sinistrado não tinha 50 anos quando dá entrada do pedido de revisão.
32.ª - A douta sentença recorrida contempla um erro de julgamento, contendo uma incorrecta apreciação do direito e devia ter decidido de forma diferente, de forma a não aplicar o factor de bonificação de 1.5%.
33.ª - Motivo pelo qual deverá ser revogada e substituída por outra que, em face do supra expendido, não aplique ao sinistrado o factor de bonificação de 1,5, ao agravamento da incapacidade permanente, porquanto o sinistrado não tinha completado 50 anos quando da entrada do pedido de revisão.
TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO E PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO NA MEDIDA ACIMA ASSINALADA, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA.”

2.1 Contra alegou o Sinistrado, representado pelo Ministério Público, sem formular conclusões, defendendo a final que que sentença recorrida não violou qualquer preceito legal, devendo manter-se inalterada.
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Respeitadas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil / CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir prende-se com saber se a decisão recorrida aplicou adequadamente a lei ao ter considerado aplicável no caso o fator 1.5 à incapacidade, por o Sinistrado ter atingido na pendência do incidente de revisão, a idade de 50 anos.

III - Fundamentação
1. Os factos a atender para apreciação do recurso resultam da decisão recorrida e do relatório que anteriormente se elaborou.

2. Discussão / o Direito do caso
A única questão a decidir, em face das conclusões apresentadas pela Recorrente, prende-se com saber se a decisão recorrida aplicou adequadamente a lei ao ter considerado aplicável no caso o fator 1.5 à incapacidade, por o Sinistrado ter atingido, na pendência do incidente de revisão, a idade de 50 anos.
Sustenta a Recorrente, diversamente do decidido, que a data a atender para efeitos da fixação da incapacidade e do pagamento da pensão é a da formulação do pedido de revisão – sendo que para que tal aconteça necessário se torna que o sinistrado indique e prove as razões desse agravamento e os termos em que se repercutam na sua capacidade de ganho, enquanto geradora de uma incapacidade maior do que aquela que lhe foi fixada judicialmente –, mais acrescentando que, estando a jurisprudência consolidada no sentido de considerar que é essa data a atender para efeitos da fixação da incapacidade e do pagamento da pensão, desnecessário se torna ordenar a realização de quaisquer outras diligências para o apuramento da data a partir da qual se verificou o agravamento do estado do sinistrado, razão pela qual, não tendo no caso o Sinistrado 50 anos de idade na data do pedido de revisão, em que se consolidou o agravamento da incapacidade, não poderia o Tribunal “a quo” aplicar o fator de bonificação de 1,5 ao aqui sinistrado. Em face do exposto, defende que a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que aplicou o fator de bonificação 1.5, ao agravamento da incapacidade permanente, por incorrer em erro de julgamento, com uma incorreta apreciação do direito, sendo substituída por outra que não aplique tal fator de bonificação.
Defendendo por sua vez o Ministério Público, em representação do Sinistrado, a adequação do julgado, importando verificar de que lado está a razão e o Direito, a tal tarefa nos dedicaremos de seguida.
Para o efeito, em termos de quadro normativo aplicável, prevendo-se expressamente a admissibilidade da revisão das pensões no artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro[1], que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, sem esquecermos ainda o regime processual estabelecido nesse âmbito (incidente de revisão da incapacidade em juízo), assim os artigos 145.º e 146.º do CPT, importa também, no que se refere à específica questão da aplicação do fator de bonificação da incapacidade, esse que é afinal objeto do presente recurso, ter em consideração o que resulta da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), que consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, pois que é aplicável, como resulta do seu artigo 6.º, alíneas a) e c), aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor e a todas as peritagens de danos corporais efetuadas após a sua entrada em vigor.
A TNI, como aliás se deixou expresso no n.º 1 das Instruções Gerais (Anexo I) “tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho”, sendo que, como resulta depois do seu n.º3, “a cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade”.
Resulta ainda expressamente do n.º 5 da mesma tabela, com relevância para a questão controvertida que é objeto do presente recurso, no que ao caso importa, que na determinação do valor da incapacidade a atribuir, para além e sem prejuízo das normas que são específicas de cada capítulo ou número, “Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor” (alínea a).
Não relevando para o caso as demais situações também previstas no indicado n.º 5, debruçando-nos apenas sobre a causa de atribuição da bonificação que nos ocupa, assim a que atende à idade da vítima (quando essa tiver 50 ou mais anos), sem esquecermos aliás que a sua aplicação só é possível quando o sinistrado não tiver dessa beneficiado, percebe-se que a razão da sua atribuição reside na própria consideração de que o envelhecimento da pessoa – fenómeno universal, irreversível e inevitável, não obstante diferir em face de diversos fatores de pessoa para pessoa –, enquanto processo biológico progressivo e natural, se caracteriza pela diminuição das funções celulares e pela diminuição da capacidade funcional, sendo que, o que de resto emerge em geral nomeadamente do conhecimento / ciência médica, também é comummente reconhecido que a partir dos cinquenta anos se acentua esse processo, que se vai agravando, progressivamente, com o aumento da idade. Daí que o legislador, na consideração pois daquela realidade, reconhecendo assim que em termos gerais e abstratos a vitima de um acidente de trabalho, que fique com determinada incapacidade permanente, tendo cinquenta ou mais anos de idade, terá por essa razão uma dificuldade acrescida para o desempenho de uma atividade profissional, tenha entendido que deve ser atribuída a bonificação do analisado fator 1.5[2].
Uma segunda nota se impõe de seguida assinalar, mais uma vez com relevância para a decisão do caso, assim no sentido de deixar claro que a TNI, como aliás já o dissemos antes, é aplicável a todas as peritagens de danos corporais efetuadas após a sua entrada em vigor, o que abrange pois necessariamente quer as peritagens que pela primeira vez, na sequência do acidente de trabalho, tenham por objeto aquela avaliação no processo então instaurado, quer também, do mesmo modo, ainda, as que têm lugar posteriormente, assim as realizadas no âmbito dos incidentes de revisão da incapacidade que venham a processar-se. Ou seja, a TNI, e pois as suas normas, entre as quais a antes analisada, são aplicáveis a essas duas realidades.
Depois, ainda no âmbito da questão que nos ocupa, estando-se no caso perante um incidente de revisão, em que se tem por incontrovertida (pois que não é aqui questionada tal problemática no recurso) a verificação de uma alteração, por agravamento, da incapacidade atribuída anteriormente ao Sinistrado, não temos então dúvidas em afirmar que, na avaliação a efetuar, se imporá, no que ao caso importa, verificar se ocorrem ou não os pressupostos que estão na base da atribuição do analisado fator 1.5.
É que, e aqui entramos já na apreciação da questão que na nossa ótica se assume como fulcral para a apreciação dos argumentos da Recorrente, afigura-se-nos desde logo que nesses se acabam por confundir realidades distintas, em particular quando se faz referência ao que se diz ser afirmado pela Jurisprudência para estes casos. No entanto a essa questão apenas voltaremos mais tarde, por entendermos que para o efeito se impõem algumas considerações prévias, assim as que faremos de seguida.
No âmbito do incidente de revisão uma das questões que pode ser levantada tem a ver com a data em que deve produzir efeitos, em caso de procedência, a alteração da pensão, por não resultar da lei norma que expressamente o estabeleça. Na verdade, quer em face do regime que resulta das normas de natureza processual (CPC e CPT, enquanto reguladoras do modo como deve ser exercido o direito pelo interessado e depois como deve/pode ser afirmação esse direito pelo tribunal), quer ainda, por outro lado, das normas específicas em que se prevê o direito, em que se inclui também o fator de bonificação que é objeto do presente recurso, nada se diz a esse respeito. Assim é não obstante, diga-se, haver que distinguir entre umas e outras dessas normas, pois que uma coisa será saber se destas últimas resulta a atribuição do direito, no caso a aplicação do aludido fator, e outra, já distinta, o saber se as primeiras, ou seja as de processo, impedem ou limitam o modo como pode/deve ser afirmado esse direito. Dito de outro modo, sendo aquelas dirigidas ao ato de avaliação (reavaliação) da situação do sinistrado, assim em termos de apurar se ocorreu ou não alteração da incapacidade e em caso afirmativo em que termos, então as mesmas não poderão deixar de ser atendidas, seja pelos peritos médicos seja depois pelo próprio Tribunal, caso se verifique o pressuposto de base, no caso a constatação de que, havendo agravamento da incapacidade, no momento em que esse se consolidou a vítima tenha ou não cinquenta anos ou mais de idade, sendo que, verificando-se este pressuposto, terá de operar então a aplicação do correspondente fator de bonificação. Depois, verificado que esteja tal agravamento da incapacidade da vítima do acidente, fixada a incapacidade com aplicação do aludido fator, teremos de verificar, mas apenas então, se do regime processual pode resultar alguma limitação àquela afirmação.
As observações que fizemos anteriormente são justificadas pela afirmação da Recorrente de que tem sido afirmado (pela doutrina e jurisprudência) que se deverá atender, para efeitos de vigência da nova pensão, incluindo pois da obrigação do seu pagamento, à data do pedido de revisão.
É que, admitindo-se que possa ser esse o caso, desde logo em face do regime processual, para os casos em que se tenha apurado que tal data corresponde à da alteração, como ainda, o que se admite, que assim possa ser também nos casos em que se não tenha apurado a data da alteração, já quando assim não for, ou seja se outra data tiver sido determinada como sendo a da alteração, necessária e obrigatoriamente a esta se terá em princípio de atender. Ou seja, apenas se deverá atender à data do pedido se não tiver resultado da instrução do incidente, assim nomeadamente aquando da concretização daquele primeiro momento de avaliação e afirmação do agravamento da incapacidade, que deva ser considerada data diversa, assim exatamente a que se tenha demonstrado corresponder à da consolidação daquele agravamento, pois que é este que determina a afirmação do direito à nova pensão, sendo que, porém, nada impedindo que se atenda a esta data da consolidação da alteração se for posterior à do pedido de revisão, desde que incluída na pendência do incidente, já nos casos em que essa seja anterior àquela data do pedido, então, aqui também por decorrência do regime processual, não se nos afigura possível que essa data possa ser considerada, retroativamente pois e sem que o processo estivesse pendente ao momento do pedido de revisão, devendo antes atender-se, em tais casos, para efeitos de afirmação e vigência da nova pensão, à data do pedido de revisão – ou seja, se nada tiver sido apurado ou ainda porventura que se venha a apurar que a consolidação do agravamento ocorreu anteriormente, a obrigação de pagamento, não podendo reportar-se retrativamente para além da data em que ocorreu o pedido de revisão, funcionando este como interpelação do responsável, a esta data deverá atender – nada impedindo, no entanto, que possa ser, como o dissemos, posterior.
Carece pois de fundamento legal o entendimento da Recorrente, que expressa ao longo das suas conclusões, de que o reconhecimento do agravamento deva operar necessariamente a partir da data em que o foi apresentado o requerimento do incidente de revisão, como também a sua afirmação de que, por ser assim, desnecessário se torna ordenar a realização de quaisquer outras diligências para o apuramento da data a partir da qual se verificou o agravamento do estado do sinistrado para efeitos do pagamento da pensão.
Na verdade, afastando esse entendimento e em particular esta sua última afirmação, é pressuposto que se avalie, em respeito pelo regime legal, da alteração/agravamento da incapacidade, como ainda, em respeito também pelo que resulta da TNI, nos termos antes expostos, que sendo possível se determine qual a data desse agravamento, data essa que, também como se viu, será a tida em conta para a eventual aplicação, de acordo com aquela TNI, do fator de bonificação que é objeto do recurso.
O regime que se referiu não é contrariado, assim o consideramos, pelo que é afirmado na jurisprudência citada no presente recurso, sendo que, esclareça-se também, em qualquer dos Acórdãos citados se tratou situação similar à que aqui se aprecia, ou seja em que, iniciado o incidente de revisão num momento em que o sinistrado não tem ainda cinquenta anos de idade, essa veio porém a atingir na pendência desse mesmo incidente, mas num momento anterior àquele que se considerou ser o da consolidação do agravamento da incapacidade. Aliás, vendo tal Jurisprudência, o que afirmámos anteriormente como sendo o nosso entendimento resulta também, desde logo, do primeiro dos excertos transcrito nas alegações pela Apelante, ou seja do Acórdão desta Secção e Relação de 7 de abril de 2016[3], pois que desse consta, precisamente, “citando aliás o Acórdão também desta mesma Secção de 29 de maio de 2006, que “[r]equerida a revisão da incapacidade, a lei não define a data a partir da qual passa a vigorar a pensão cujo montante foi alterado. Daí que se tenha vindo a entender que, não fixando o exame médico a data em que se verificou o agravamento ou a melhoria das lesões, a determinar um novo montante para a pensão, se deve atender à data em que a revisão foi requerida pois, tratando-se embora de algo aleatório, tem o condão de ser um critério prático e seguro. Noutra ordem de considerações, estabelece-se o mesmo critério, mas por analogia com o estatuído para a fixação ou alteração dos alimentos. [Cfr. Carlos Alegre, in PROCESSO ESPECIAL DE ACIDENTES DE TRABALHO, 1986, pág. 199 e os Acórdãos da Relação do Porto de 07-03-2005 e de 12-12-2005, proferidos nos processos n.º 0416936 e n.º 0513681, ambos in www.dgsi.pt].» De facto, como nesse Acórdão se refere expressamente, deverá atender-se à data em que a revisão foi requerida, citando, “não fixando o exame médico a data em que se verificou o agravamento ou a melhoria das lesões, a determinar um novo montante para a pensão”, afirmação esta que, nos termos em que o dissemos anteriormente, está em conformidade com o entendimento que afirmámos.
Aplicando pois o entendimento que antes afirmámos, voltando ao caso, contata-se que na junta médica, pronunciando-se aliás expressamente a impulso da aqui Recorrente que pediu tais esclarecimentos quando notificada do resultado da junta médica, os Peritos médicos consideraram, maioritariamente, que a data da consolidação do agravamento foi 21 de outubro de 2019, data em que observaram o Sinistrado e valorizaram as sequelas, mantendo a aplicação do fator 1.5%, enquanto o Perito da seguradora, por sua vez, respondeu que a consolidação do agravamento ocorreu em 18 de outubro de 2018 (data de entrada do pedido de revisão), afastando a aplicação do fator 1.5%.
Pois bem, na decisão recorrida, afrontando-se diretamente a questão, considerou-se, por apresentar o Sinistrado um agravamento das sequelas e tendo completado os 50 anos antes da decisão, que deve ser-lhe aplicado o correspondente fator de bonificação, fazendo-se ainda constar, para fundamentar esse entendimento, que “os peritos do tribunal e do sinistrado fixaram a data da consolidação do agravamento em 21.10.2019, data em que o sinistrado já tinha completado 50 anos, por isso, entendemos ser de reportar a essa data a nova IPP e a pensão a fixar”, mais acrescentando que, “nesta situação particular em que o sinistrado completa 50 anos na pendência do incidente, não aplicar o factor de bonificação por o mesmo não ter os 50 anos de idade à data do pedido de revisão, provavelmente conduziria a negar-lhe tal aplicação, pois para a obter teria que deduzir novo incidente, no qual não se verificando o agravamento da IPP não lhe seria aplicado, sendo o mesmo gravemente prejudicado”.
Sendo assim, pelas razões que referimos anteriormente, acatando o parecer maioritário dos Peritos médicos quanto à data a atender para a consolidação da alteração, como ainda ao ter tido em conta, para efeitos da aplicação do fator de bonificação (decorrente da circunstância de, nessa data, o Sinistrado já ter cinquenta anos de idade), precisamente essa data, não nos merece censura a decisão recorrida, por estar deste modo conforme com a solução legal que entendemos deve ser dada a estes casos, ao declarar que o Sinistrado, em consequência do acidente de trabalho em apreço nos presentes autos, apresenta uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 25,275% (ou seja, com inclusão do fator em causa), a partir de 21.10.2019.
Em face do exposto, claudicando as conclusões do recurso que defendiam solução diversa, porque outras questões não são colocadas nessas conclusões a respeito do demais decidido, assim quanto às alíneas b) e c) do dispositivo da decisão recorrida, nada mais se nos impõe apreciar.

Improcedendo o recurso, por aplicação do regime que decorre do artigo 527.º do CPC, a Recorrente é responsável pelas custas.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 31 de março de 2020
(acórdão assinado digitalmente pelo relator e 1.ª adjunta, constando manifestação de concordância da 2.ª adjunta em documento autónomo, por impossibilidade técnica de a mesma aceder ao sistema informático)
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[1] Com a redação seguinte:
“1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento.

3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.”
[2] Em conformidade aliás com o referido entendimento, veja-se que a Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, que regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho (de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho), impondo ao empregador, no que respeita à prevenção, o dever de realizar “exames de saúde adequados a comprovar e avaliar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da actividade, bem como a repercussão desta e das condições em que é prestada na saúde do mesmo” (artigo 108.º, n.º 1), faz porém distinção quanto a tal exigência em função da idade dos trabalhadores, assim nomeadamente que, devendo tais exames ser realizados com a periodicidade bianual para a generalidade dos trabalhadores, já diversamente devem ser “anuais para os menores e para os trabalhadores com idade superior a 50 anos” (n.º3, al. a), do mesmo artigo).
[3] Relator Desembargador António José Ramos, disponível em www.dgsi.pt.