Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10883/18.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
DESOCUPAÇÃO DA CASA DE HABITAÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS
Nº do Documento: RP2019010710883/18.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º687, FLS.278-288)
Área Temática: .
Sumário: I - O pedido de diferimento da desocupação é aplicável no âmbito do arrendamento para habitação e tem como fundamento a verificação de razões sociais imperiosas suscetíveis de obstar à entrega imediata do imóvel, após a extinção do contrato de arrendamento.
II - O diferimento da desocupação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, apenas podendo ser deferido se estiver em causa algum dos seguintes fundamentos: tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, tal ser devido a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; o arrendatário ser portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 10.883/18.2T8PRT.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

A Herança de B… requereu o presente procedimento especial de despejo contra C…, relativo ao prédio sito na Avenida …, nº .., …, freguesia de …, concelho do Porto, por falta de pagamento das rendas convencionadas, no âmbito do contrato de arrendamento celebrado para fins habitacionais.

Notificada, a arrendatária veio, ao abrigo do disposto no artigo 15º-N, nº 1, do NRAU, requerer o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para a habitação, pedindo o período máximo de 5 meses, para que lhe seja possibilitada “a obtenção de uma de uma resposta humana digna e em tempo útil, por parte dos serviços competentes, às suas graves carências económicas e sociais, designadamente a necessidade de encontrar uma habitação”.

A senhoria/requerente apresentou contestação, concluindo que o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação não deverá ser concedido, uma vez que não se verifica nenhum dos requisitos exigidos pelo artigo 15º-N do NRAU.

Foi proferida a seguinte decisão:
«Sobre os fundamentos do diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, mostram-se provadas por documento o valor dos rendimentos auferidos, reveladores da debilidade económica da requerente do diferimento da desocupação. Mostra-se, ainda, provada a duração do incumprimento contratual.
Dispõe o artigo 15.º-N, nº 2, do NRAU: “O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:
a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;
b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%”.
Por força do disposto no artigo 15º-O, nº 4, do NRAU, “o diferimento não pode exceder o prazo de cinco meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão que o conceder”.
Resulta dos factos provados que a falta de pagamento da renda se deve a carência de meios do arrendatário, pelo que se encontra preenchida a hipótese contida na alínea a) citada. Não há, pois, impedimento legal ao diferimento do despejo.
Questão diferente é a de saber se tal diferimento deve ter lugar. Aqui, há que “ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas”. Cobra aqui especial relevo a duração do incumprimento da requerente, tempo durante o qual, estando de boa-fé, deveria ter procurado soluções alternativas de alojamento.
Note-se que apenas se justifica o diferimento do despejo por largos meses se for previsível que, neste período, a situação económica ou habitacional da requerente sofrerá alguma alteração. Caso contrário, o adiar do despejo não tem outro significado que não seja permitir à requerida que continue a habitar no locado gratuitamente; e daqui a cinco meses estaremos na mesma situação que estávamos há cinco meses atrás.
Do exposto resulta que é ajustado garantir que o/a requerido/a (no PED) disponha de um prazo para encontrar uma nova habitação, desde que foi notificada/citada para despejar o locado (sem ultrapassar o limite de cinco meses desde a presente decisão: artigo 15º-O, nº 4, do NRAU).
Daqui decorre ser ajustado conceder ao/à requerido/a mais algum tempo para proceder à desocupação do locado. Tem, assim, o/a requerido/a tempo para preparar a solução habitacional residual que, nenhuma outra logrando, terá sempre disponível: Linha Nacional de Emergência Social – LNES – 144.
O direito à renda – que cabe ao senhorio – fica assegurado através do Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artigo 15º-N, nº 3, do NRAU)».
Decisão:
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o pedido de diferimento de desocupação do imóvel, admitindo este diferimento por 30 dias, contados da data da presente decisão.

Inconformada, a requerida/arrendatária recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
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Com interesse para a decisão do recurso consideram-se assentes os seguintes factos:
1. Faz parte da herança de B… a fração autónoma designada pela letra H do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida …, nº .., …, freguesia …, concelho do Porto.
2. No dia 4 de novembro de 2013, a herança de B…, representada pela cabeça-de-casal D…, deu de arrendamento para habitação da requerida C… a referida fração autónoma, mediante o pagamento da renda anual €3.000,00, a pagar em duodécimos de €250,00.
3. A requerida C… não efetua o pagamento da renda convencionada, desde novembro de 2015.
4. Face ao não pagamento das rendas referentes aos meses de dezembro de 2015 e seguintes, a ora requerente declarou resolvido o contrato de arrendamento em questão.
5. A título de Rendimento Social de Inserção, a requerida C… recebe a quantia mensal de €180,99.
6. A requerida C… nasceu a 13 de agosto de 1961.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se deve ser determinado o diferimento da desocupação do imóvel arrendado, pelo período de cinco meses.

I. A requerida/apelante, invocando motivos de índole económica e problemas de saúde, pretende que seja determinado o diferimento da desocupação do imóvel arrendado, pelo período de cinco meses.
O pedido de diferimento da desocupação é aplicável no âmbito do arrendamento para habitação e tem como fundamento a verificação de razões sociais imperiosas suscetíveis de obstar à entrega imediata do imóvel, após a extinção do contrato de arrendamento.
Nos termos do artigo 15º-N, nº 2, do NRAU, o diferimento da desocupação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, apenas podendo ser deferido se estiver em causa algum dos seguintes fundamentos:
a) Tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, tal ser devido a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;
b) O arrendatário ser portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Na sua decisão, o juiz deve ainda ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas.
Relativamente ao fundamento previsto na alínea b) do citado artigo 15º – deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% – o mesmo não se verifica, pois, embora alegue problemas de saúde do foro psiquiátrico e oftalmológico, a apelante não junta prova documental, nomeadamente atestado médico de incapacidade emitido pelo Ministério da Saúde.
Já quanto ao fundamento de carência de meios do arrendatário, tendo em conta o Rendimento Social de Inserção auferido pela apelante, a sua verificação é clara e, nesse sentido, como se decidiu, inexiste impedimento legal ao diferimento da desocupação.
No entanto, a pretensão formulada pela requerida/apelante de ver o período de diferimento da desocupação do imóvel arrendado prolongado para o máximo legal de cinco meses não pode ser atendida.
Em boa verdade, a requerida C… não efetua o pagamento da renda convencionada desde novembro de 2015, sobrevive, como alega, há aproximadamente 7 (sete) anos, com um valor não superior a €180,99, e não sendo previsível que tal situação se venha a alterar, o tempo decorrido desde o início do incumprimento contratual, acrescido do mês de diferimento concedido pela decisão recorrida, considera-se bastante para que tivessem sido procuradas e encontradas soluções de habitação alternativas.
Como resulta da decisão recorrida, o adiamento do despejo pelo período de cinco meses apenas mantinha a situação existente, permitindo que a requerida continuasse a habitar o imóvel arrendado sem o correspondente pagamento da renda devida.
Improcede, deste modo, o recurso da requerida C….
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 7.1.2019
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido