Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2006/10.2TXPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
PARECERES
Nº do Documento: RP201009222006/10.2TXPRT-C.P1
Data do Acordão: 09/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os pareceres emitidos pelas entidades competentes não são vinculativos, constituindo, apenas, um importante contributo informativo sobre aspectos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução durante o período de reclusão, a projectos futuros de vida, etc., que habilita o tribunal a fazer uma avaliação global orientada pelos princípios jurídicos que regem esta matéria.
II - Apesar de, nos relatórios apresentados, não haver referência a qualquer relutância no meio ambiente à libertação do condenado, o certo é que a gravidade do crime pelo qual está a cumprir pena, as circunstâncias específicas que rodearam a sua prática, as consequências perniciosas associadas à disseminação de estupefacientes (heroína e cocaína) por um elevado número de consumidores e o facto de ser a segunda vez que é condenado pela prática de crime desta natureza são de molde a provocar grande alarme e convocam fortíssimas exigências de prevenção geral, de tal forma que a expiação de metade da pena não se apresenta como suficiente para as satisfazer e transmitiria à comunidade uma imagem enfraquecida das capacidades do sistema judicial na contenção e dissuasão da prática deste tipo de crimes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 2006/10.2TXPRT-C.P1


Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Nos autos de processo gracioso de concessão de liberdade condicional que, com o nº 2006/10.2TXPRT-C, correm termos no .º juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto, foi proferido despacho negando a concessão de liberdade condicional ao recluso B………., devidamente identificado nos autos.
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, pretendendo que seja revogada e substituída por outra que lhe conceda a liberdade condicional, para o que formulou as seguintes conclusões:

1. O arguido preenche os requisitos, formais e materiais, para obter o regime de adaptação à liberdade condicional, como melhor se demonstrará.
2. De todos os relatórios existentes nos presentes autos e que se destinaram a instruir o próprio processo de liberdade condicional - relatório da equipa do IRS, relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do arguido, parecer elaborado pelo director do Estabelecimento Prisional, resulta de sobremaneira que o ora recorrente se encontra, claramente, na situação de lhe ser concedida liberdade condicionai - alíneas a e b) do n.° 2 do artigo 61.° do Código Penal.
3. Dos autos resulta que o recluso recorrente manifesta arrependimento pelo sucedido e afirma não se identificar com os comportamentos ligados à prática do crime - neste sentido vide suas declarações prestadas em Conselho.
4. Resultando claramente que o arguido interiorizou a prática do crime.
5. Trabalhou como empregado de bar de guardas e actualmente na messe sita no exterior das instalações do EP, sendo dedicado ao trabalho e desempenha a sua função com brio profissional.
6. Beneficia de medidas de flexibilizacão da pena, como resulta da Douta decisão ora posta em crise. Gozou várias saídas precárias que decorreram com sucesso e encontra-se em R.A.V.I.
7. Trata-se de um indivíduo com um bom suporte familiar, recebendo visitas de familiares, designadamente pais e esposa. Tem feito um grande investimento pessoal no sentido de demonstrar que não é na prisão que pretende passar a sua vida, sendo tal esforço feito é real e sincero.
8. Aquando do seu regresso a casa dispõe de todo o apoio dos seus familiares de quem tem visitas semanais assíduas, como resulta dos registos dos serviços prisionais e dos relatórios sociais que instruem os presentes autos de liberdade condicional e da própria decisão de que ora se recorre: "...não obstante o bom trajecto prisional evidenciado pelo recluso que tem vindo a procurar valorizar-se em termos pessoais e a beneficiar, com êxito, de medidas de flexibilizacão da pena (licenças de saída e R.A.I, que tem vindo a decorrer com normalidade) e a existência de condições objectivas favoráveis existentes em meio livre (familiares e laborais) realidades que, de resto, já se verificavam aquando do anterior de pena..."
9. Todos os pareceres exigidos por lei para apreciação da liberdade condicional, são favoráveis ao arguido, tendo o Mm° Juiz, feito tábua rasa dos mesmos, tomando apenas em consideração as quantidades de produtos estupefacientes que eram imputadas ao arguido em 1ª Instância, sem sequer ter o cuidado de verificar a sentença condenatória do arguido, cujas quantidades nem sequer ascendiam a metade.
10. Não pode o Mm° Juiz efectuar um segundo julgamento ao arguido, muito menos não conceder uma antecipação de liberdade com todos os requisitos formais favoráveis ao arguido, nomeadamente a interiorização da prática do crime por parte do mesmo e tendo apenas em linha de conta o argumento que antecede.
11. O despacho de indeferimento da concessão da liberdade condicional, contém conclusões que não podiam ser retiradas das diligências de prova nas quais o mesmo se baseou e nada do que é referido nos relatórios vem plasmado na douta decisão final.
12. No despacho recorrido não se faz qualquer referência concreta ao teor dos relatórios juntos aos autos e, claro, por isso mesmo não argumenta no sentido de contrariar as indicações positivas resultante daqueles mesmos relatórios, antes se limitando a um enunciado geral e abstracto sobre os fins das penas e a sua relevância determinante no caso em apreço.
13. Tem-se em conta apenas elementos negativos, designadamente o período de tempo no qual o arguido desenvolveu a actividade ilícita, bem como o facto de o arguido ter já averbada uma condenação anterior (reincidência).
14. A verdade é que não poderá, salvo o devido respeito o tribunal de Execução de penas efectuar novo julgamento no âmbito do processo gracioso de apreciação da liberdade condicional o que, indirectamente - valorando o período a que o arguido se dedicou ao tráfico e o facto desta ser a segunda condenação - salvo o devido respeito, faz.
15. Ao contrário do decidido as necessidades de prevenção, quer gerai, quer especial, são reduzidas porquanto, o recluso, já tinha per si abandonado voluntariamente a prática do crime.
16. A concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade no sistema progressivo, representando uma transição entre o cárcere e a vida livre.
17. Voltando a questão da apreciação do crime e do seu modus operendi tão valorado na decisão ora posta em crise, importa referir que na fase de execução da pena, não são considerados os mesmos elementos que determinam, na fase do julgamento, a condenação numa determinada fase.
18. Tendo em conta que o condenado já cumpriu parte da pena de prisão, em ambiente fechado e sujeito ao escrutínio das autoridades prisionais, importa sobretudo avaliar a evolução da personalidade do recluso candidato à liberdade condicional, a comparação desta evolução com as condições que vigoravam na altura do cumprimento do crime, se o mesmo tem condições de inserção social e profissional.
19. O recorrente já cumpriu mais de metade da pena em que foi condenado pêlos crimes pêlos quais se encontra em cumprimento de pena e, segundo o teor dos relatórios sociais, apresenta condições de personalidade favoráveis e de inserção social que favorecem um juízo de recuperação e de integração do mesmo, e que assim justificam uma libertação antecipada.
20. Também a maioria da jurisprudência mais recente dos nossos tribunais superiores têm seguido o entendimento que neste recurso se defende, neste sentido vide Acórdão de 10.03.2010 proferido no âmbito do processo Rec. Penal n° 757/05.2TXPRT.P1 - 1aª Sec.
21. Ora no caso concreto do recluso ora recorrente, dúvidas não restam, salvo o devido respeito por opinião contrária, de que a vida anterior ligada ao crime pertence definitivamente ao passado, como resulta da sua expressa declaração de arrependimento e da sua mudança de atitude perante a vida e perante a sociedade, o que demonstra uma clara interiorização do crime, como espelha a sua conduta posterior e a sua excelente integração prisional.
22. De igual forma e tendo por base os relatórios juntos aos autos, bem como os pareceres acerca do recluso, demonstram inequivocamente a evolução da sua personalidade durante a execução da pena e todo o seu comportamento, designadamente o escrupuloso cumprimento dos termos das saídas precárias, demonstram que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes.
23. No caso concreto e em face dos relatórios sociais parece resultar que a pena imposta e já cumprida pelo arguido satisfaz em pleno as necessidades de prevenção geral, pelo que lhe deve ser concedida a liberdade condicional.
24. Todos os elementos relativos ao recluso são de natureza a formular um juízo prognóstico favorável sobre a condução de vida do recorrente no futuro, sendo de prever que o cumprimento de metade pena será suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade de prevenção especial.

Na resposta, o MºPº pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, considerando que, não obstante ser certo que os crimes de tráfico de estupefacientes, pelo seu número e pelas suas consequências reconhecidamente potenciadoras de mais criminalidade, reforçam as exigências de prevenção geral e específica atenção à ideia de reafirmação da validade e vigência da norma violada, lhe parece ser seguro que não será a libertação antecipada e sob controle do recorrente que porá em perigo a ordem e paz social ou provocará as expectativas comunitárias quanto à punição deste tipo de crimes.
O recurso foi admitido e a decisão recorrida sustentada tabelarmente.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, considerando que, no caso, as necessidades de prevenção especial e geral não permitem que se considerem verificados os requisitos constantes das als. a) e b) do nº 2 do art. 61º do C. Penal de que depende a concessão da liberdade condicional facultativa.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação
Dos autos retiram-se os seguintes elementos, com interesse para a decisão do recurso:
- o recorrente foi condenado, por acórdão proferido em 29/5/08 (cfr. fls. 84-112) e transitado - foi confirmado pela Relação do Porto em 17/9/08 (cfr. fls. 52-76), de cujo acórdão foi rejeitado pelo STJ, em 26/1/09, o recurso que dele pretendeu interpor (cfr. fls. 77-83) -, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
- o recorrente foi detido em 4/9/07 e manteve-se preso desde então e ininterruptamente, à ordem dos autos principais, tendo atingido o meio da pena em 4/6/10, estando os 2/3 previstos para 4/5/11, os 5/6 para 4/4/12 e o termo para 4/3/13 (cfr. fls. 50);
- do seu CRC consta uma outra condenação pela prática, em 20/5/98, de um crime de tráfico de estupefacientes, também p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, e de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 6º da Lei nº 22/97 de 27/6, pelos quais foi punido, por acórdão proferido em 23/6/00, com a pena única de 5 anos de prisão e 90 dias de multa, pena esta que cumpriu, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional em 22/1/01 e a definitiva com efeitos reportados a 20/5/03 (cfr. fls. 127-129);
- conforme resulta da nota biográfica elaborada pelo E.P. do Porto, nada consta do seu cadastro disciplinar, tendo beneficiado de uma saída precária prolongada e de uma saída de curta duração, que decorreram sem incidentes, encontrando-se em RAVI desde 22/3/10 (cfr. fls. 121-122);
- o relatório da Direcção-Geral de Reinserção Social (cfr. fls. 113-118), apresenta a seguinte conclusão:
“B………. apresenta um comportamento de mudança da sua conduta desviante, com orientação para a reentrada na vida pró-social e profissional de forma regular e normalizada.
Apesar de alguma confusão de sentimentos e valores relativamente a algumas dimensões da sua vida passada, idêntica os problemas com se defronta actualmente, e manifesta capacidade de definir objectivos e concretizar projectos de realização pessoal e profissional que lhe permite reinserir-se na sociedade de forma autónoma e responsável.
Estes serviços consideram estar reunidas condições suficientes à execução da liberdade condicional.”
O relatório de liberdade condicional elaborado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (cfr. fls. 123-126), termina com a avaliação e o parecer seguintes:
“Trata-se de um recluso que já cumpriu uma pena de prisão pelo mesmo tipo de crime e na qual beneficiou de liberdade condicional. Ao longo da execução da actual pena, tem mantido um projecto investido e o seu comportamento está isento de qualquer reparo. Encontra-se ocupado desde a sua entrada no EP, está colocado em RAVi, mantém bom relacionamento interpessoal e revela interiorização da condenação e consciência crítica em relação aos factos que praticou, pelo que, parece-nos ser de bom prognóstico a concessão da medida de flexibilização em apreço.
O parecer é favorável. “
- foram juntos aos autos:
• uma declaração, datada de 23/4/10 e emitida por C………., na qual este afirma estar na disposição de dar trabalho ao recluso, pessoa que já conhece de longa data e cujo bom comportamento e boa integração laboral pode atestar, logo que ele seja devolvido à liberdade (cfr. fls. 130);
• um diploma emitido pela Escola Profissional de D………. em nome do recorrente, com data de 31/7/95, mencionando ter ele concluído nessa escola, com aproveitamento, o curso de modelador de calçado (cfr. fls. 131);
- foi realizada a reunião do Conselho Técnico, à qual o MºPº não esteve presente, ficando a constar da respectiva acta que os seus membros emitiram parecer favorável à concessão da liberdade condicional, devendo esta medida ser sujeita, no caso de vir a ser concedida, às condições de o condenado residir em morada a fixar pelo tribunal, aceitar a tutela da competente equipa da D.G.R.S., dedicar-se ao trabalho com regularidade e manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes (cfr. fls. 132);
- após essa reunião, foi o recluso ouvido pelo juiz do TEP, tendo dito que cometeu o crime devido a dificuldades económicas relacionadas com a exploração do restaurante, pois tinha acumulado dívidas, que procurou pagar; que se encontra arrependido dos factos ilícitos por si praticados e reconhece não ter recorrido à melhor via para a resolução dos seus problemas; que nunca foi consumidor de drogas; que no estabelecimento prisional trabalha na messe dos funcionários; que pretende ir residir com a mulher e trabalhar numa fábrica de componentes para calçado; e que consente na aplicação da liberdade condicional (cfr. fls. 134);
- o MºPº emitiu parecer no qual, tendo em atenção os elementos constantes dos relatórios juntos aos autos, a pena aplicada, o tempo de prisão cumprido, a autocensura relativamente ao crime cometido, o suporte familiar existente, as perspectivas de ocupação laboral, a evolução positiva do comportamento do recluso traduzida, nomeadamente, nos demonstrados hábitos de trabalho e na vontade de mudança, manifestou o entendimento de que a liberdade condicional podia ser concedida e acompanhada de adequado plano de reinserção social;
- seguidamente, foi proferida a decisão recorrida (a fls. 137-139), cujo teor é o seguinte:

Corre o presente processo de liberdade condicional referente ao condenado B………., identificado nos autos.
Foram elaborados os pertinentes relatórios.
Reuniu o Conselho Técnico e procedeu-se à audição do recluso.
O Ministério Público teve vista do processo.
Cumpre decidir, nada obstando.
O condenado cumpre a pena de 5 anos e 6 meses de prisão, à ordem do processo n.º 30/06.9GCFLG, do ..º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, no âmbito do qual foi condenado pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, cometido desde o princípio do mês de Outubro de 2006, até, pelo menos, finais de Julho ou princípios de Agosto de 2007 (v. fl. 40).
Atingiu o meio da pena em 26.06.2010, atingirá os dois terços da mesma em 26.10.2010, estando o seu termo previsto para 26.06.2011.
O crime de tráfico em presença, cometido ao longo de um considerável lapso temporal, reveste-se de acentuada gravidade, resultando fortes as (notórias) exigências de prevenção ao nível geral que operam no caso em análise, atento o elevado número de vezes que este tipo de crime é cometido entre nós.
Trata-se, neste âmbito, de preservar a ideia da reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática desse crime (v., a propósito do requisito da alínea b), do n.º 2, do artigo 61.º, do Código Penal, as Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, ed. Rei dos Livros, 1993, p. 62), o que se mostra incompatível com a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena de prisão, antes demandando acrescido período de prisão efectiva.
Por outro lado, o recluso encontra-se detido pela segunda vez em cumprimento de pena de prisão efectiva pela prática do mesmo tipo de crime.
Beneficiou anteriormente de liberdade condicional, regime que, como se vê, não foi suficiente para o afastar, definitivamente, da criminalidade.
Com efeito, foi libertado em 22.01.2001 no âmbito de uma pena de 5 anos de prisão, tendo o respectivo regime de liberdade condicional terminado em 20.05.2003 (cf. fls. 51, 57 e 79 do apenso B).
A partir de Outubro de 2006 retomou a actividade de tráfico de estupefacientes, o que é revelador de ausência de intimidação perante a pena de prisão anteriormente cumprida.
Deste modo, visto todo o descrito quadro, afiguram-se muito acentuadas as necessidades de prevenção especial que operam no caso em análise.
Todas estas circunstâncias desaconselham a aplicação, uma vez mais, do regime da liberdade condicional neste momento do cumprimento da pena, não obstante o bom trajecto prisional evidenciado pelo recluso, que tem vindo a procurar valorizar-se em termos pessoais e a beneficiar, com êxito, de medidas de flexibilização da pena (licenças de saída e R.A.I., que têm vindo a decorrer com normalidade), e a existência de condições objectivas favoráveis existentes em meio livre (familiares e laborais), realidades que, de resto, já se verificavam aquando do anterior cumprimento de pena (cf. a decisão liberatória de fl. 51 do apenso B).
Pelo exposto, entendo não resultar preenchido o condicionalismo previsto no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, razão pela qual decido não colocar o condenado B………., com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional.
Notifique e comunique, aguardando os autos renovação da instância para 04.05.2011 (n.º 3 da citada norma legal).

- antes de interpor o presente recurso, o recorrente ainda veio requerer a antecipação da liberdade condicional (cfr. fls. 143), pretensão que foi rejeitada por se ter considerado que continuavam inteiramente válidos os fundamentos de facto e de direito que presidiram à decisão de indeferir a concessão de liberdade condicional (cfr. fls. 146), sem que o recorrente tivesse reagido contra essa decisão.

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, as questões suscitadas pelo recorrente reconduzem-se a determinar se, no caso, se verificam preenchidos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional e se, na sua apreciação, o tribunal de execução de penas valorou indevidamente os antecedentes criminais do recorrente

Vejamos.
O instituto da liberdade condicional tem em vista evitar uma transição brusca entre a reclusão prisional e a liberdade total através da criação de uma fase intermédia que permite aos delinquentes condenados a penas de prisão de média e longa duração uma gradual preparação para o reingresso na vida livre, mantendo-os no entanto sob a tutela estadual e, eventualmente, sujeitos ao cumprimento de determinadas regras de conduta ou em regime de prova.
A liberdade condicional pode revestir as modalidades de facultativa e obrigatória, como resulta claramente do art. 61º do C. Penal, cujo nº 1 faz depender a sua aplicação, em qualquer dos casos, do consentimento do condenado.
No que toca à liberdade condicional facultativa (única que aqui nos interessa e relativamente à qual desapareceu, com as alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007 de 4/9, a anterior restrição que impedia a sua aplicação a condenados em pena superior a 5 anos de prisão pela prática de crime contra as pessoas ou de crime de perigo comum[2]), a sua aplicação vem regulada nos nºs 2 e 3 do referido art. 61º com a especificação dos requisitos formais e de fundo de que depende e aos quais, necessariamente, acresce o requisito geral constante do nº 1 do mesmo preceito.
No caso, e porque apenas se mostra cumprida metade da pena que foi aplicada ao recorrente, o preceito aplicável é o do nº 2, que dispõe que:
“O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”
Para além do requisito de ordem formal constante do corpo desta norma - que no caso se mostra inequivocamente preenchido, já que o recorrente deu o seu consentimento – a concessão da liberdade condicional, nos casos em que já foi alcançado o meio da pena, mas ainda não os 2/3 da mesma, depende não só de um juízo de prognose favorável especial-preventivamente orientado, assente na ponderação de razões de prevenção especial, quer negativa (expectativa fundada de que o condenado não tornará a delinquir), quer positiva (existência de condições objectivas e subjectivas favoráveis à sua reinserção social), para o qual devem ser considerados “todos os elementos já referidos a propósito do prognóstico para efeito de suspensão da execução da prisão, nomeadamente as concretas circunstâncias do facto, a vida anterior do agente[3] e a sua personalidade; e, além destes, (…) também a evolução da personalidade durante a execução da prisão”[4], mas também – e diferentemente do que sucede nos casos de liberdade condicional obrigatória, conforme resulta do estatuído no nº 3 do citado art. 61º - de exigências de tutela do ordenamento jurídico, consubstanciadas na reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática do(s) crime(s), com as quais se tem em vista a realização do fim de prevenção geral (de integração).
Quando se mostrem verificados todos os requisitos – e só quando tal suceda -, não pode o tribunal recusar (porque se trata de um poder vinculado) a colocação do condenado em liberdade condicional.

Resulta do que se acaba de referir que não assiste qualquer razão ao recorrente quando se insurge contra o facto de, na decisão recorrida, terem sido valorados os seus antecedentes criminais. A consideração das condenações anteriores por ele sofridas e das circunstâncias em que praticou as condutas delituosas que as fundamentaram, longe de constituir um segundo julgamento que implique a violação do ne bis in idem, deriva, ao invés, da necessidade de formular o juízo de prognose implicitamente requerido para determinar se, no caso, se verificam ou não os pressupostos impostos pela lei para a concessão da liberdade condicional.
Por outro lado, não obstante os pareceres emitidos pelas entidades competentes serem todos eles favoráveis à concessão da liberdade condicional, certo é que os mesmos não são vinculativos[5], constituindo apenas um importante contributo informativo acerca de importantes aspectos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução do seu comportamento durante o período de reclusão, a projectos futuros de vida, de forma a habilitar o tribunal a decidir sobre aquela medida. E compreende-se que assim seja, porque a ponderação cometida ao juiz do TEP envolve uma avaliação global, distanciada e não condicionada por factores emotivos, de todos os aspectos do caso concreto, que não se esgota na leitura dos factos – e os que vêm vertidos nos relatórios e pareceres são trazidos em grande parte pelo próprio e pelas pessoas que lhe são próximas, compreensivelmente orientados no sentido do objectivo almejado, como bem faz notar o Sr. PGA - e do que deles se pode apreender, mas vai mais além, apreciando as suas implicações em termos jurídicos.
E, analisando tudo o que de relevante se colhe dos autos, entendemos ser incontornável o acerto e a justeza da argumentação desenvolvida pelo Sr. PGA, em defesa da decisão recorrida, no parecer que emitiu.
De facto, quer do ponto de vista das exigências de prevenção especial, quer do das de prevenção geral, não é possível concluir que, no caso em apreço, se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional.
Quanto às referidas em primeiro lugar, e não obstante ser inegável que a evolução do comportamento do recorrente durante o período já sofrido de reclusão tem aspectos muito positivos, não podemos deixar de realçar a gravidade da conduta que lhe valeu uma segunda condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado (desenvolvida com a ajuda de dois colaboradores, durante largos meses, envolvendo quantidades apreciáveis de duas drogas ditas “duras” que andaram na ordem das 70 a 80 grs. por semana, e tendo na sua posse 159 grs. de uma delas bem como uma avultada quantia em dinheiro, proveniente da venda daqueles produtos e bem reveladora dos lucros que a mesma certamente lhe propiciou) depois de ter cumprido durante um período assaz longo a pena de prisão que lhe havia sido aplicada pelo anterior e de ter então beneficiado da liberdade condicional, sem que essas circunstâncias o tenham demovido de tornar a delinquir, desta feita com a “justificação” de que precisava de dinheiro para pagar as dívidas resultantes da exploração de estabelecimentos de restauração. O facto de os “ensaios” de retorno ao meio livre, dois apenas, terem decorrido sem o registo de quaisquer incidentes, se bem que seja um ponto a favor do recorrente, não constitui, por si só, um indicador de peso relativamente à conduta que ele irá adoptar de futuro, quando liberto das condicionantes, nomeadamente de ordem psicológica, que a obrigação de regresso ao estabelecimento prisional após um período curto de liberdade e a necessidade de manter um padrão de conduta que sabe estar a ser observada e avaliada naturalmente implicam. Além disso, a existência de condições objectivas favoráveis no meio livre, nomeadamente o suporte familiar e as perspectivas de ocupação profissional, não são, no caso, de molde a conferir suficiente suporte à expectativa de que, doravante, o recorrente irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, uma vez que no passado, quando lhe foi concedida a liberdade condicional em 22/1/01, elas já existiam e não constituíram entrave a que tornasse a delinquir, como, aliás, bem se aponta na decisão recorrida. Daí que concordemos plenamente com a conclusão do Sr. PGA, quando considera que “perante a personalidade de alguém que, não sendo sequer consumidor e apesar de estar inserido familiar e profissionalmente, já por duas vezes se deixou tentar pelos elevados lucros que o tráfico de estupefacientes proporciona, na mira de dinheiro fácil, parece evidente que são prementes as necessidades de prevenção especial.” Em suma, fundar um novo juízo de prognose favorável assente em indicadores que a experiência já demonstrou terem falhado seria, pelo menos nesta fase, correr um risco que ultrapassa aquilo que a prudência e o bom senso aconselham.
A acrescer a estas exigências, são também relevantes e não podem ser ignoradas as relativas à prevenção geral. Não obstante não haver nos relatórios apresentados a referência a qualquer relutância no meio comunitário à aceitação da libertação do recorrente (ao invés, refere-se a fls. 117 que ele “é conhecido na comunidade de residência e não foram identificadas reacções negativas, estando facilitadas as oportunidades de reentrada na vida social e inserção na comunidade” e que “Não existem factores de risco no meio social, nem dificuldades de integração social”), é sabido que a gravidade do crime que motivou a sua condenação e as circunstâncias que rodearam a sua prática, com a disseminação de estupefacientes tão perniciosos como a heroína e a cocaína por um apreciável número de consumidores - e para mais quando é a segunda vez que é condenado pela prática de crime dessa natureza -, são de molde a provocar grande alarme e convocam fortíssimas exigências de prevenção geral, de tal forma que a expiação em regime de reclusão da parte da pena já cumprida não se apresenta como suficiente para as satisfazer e transmitiria à comunidade uma imagem enfraquecida da capacidade do sistema judicial na contenção e dissuasão da prática de crimes daquela natureza. Ainda para mais quando a pena imposta, numa moldura penal de prisão de 4 a 12 anos, foi fixada em 5 anos e 6 meses, situando-se não muito longe do mínimo legal, razão pela qual até por aqui o cumprimento de apenas metade da pena não se pode considerar como suficiente para assegurar as finalidades que subjazem à aplicação das penas.[6]

Por todo o exposto, conclui-se que não se podem considerar preenchidos os requisitos das als. a) e b) do nº 2 do art. 61º do C. Penal, tal como foi considerado na decisão recorrida.
Assim, e sem necessidade de mais alongadas considerações, entendemos que bem andou a decisão recorrida ao denegar, nesta fase e porque prematura, a liberdade condicional ao recorrente.

4. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgam improcedente o recurso e confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.

Porto, 22 de Setembro de 2010
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas

____________________
[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] O que, como defende o Sr. PGA e merece a nossa total concordância, “não invalida que, nesses casos, o tribunal deva ser particularmente exigente na verificação dos requisitos para que possa ser concedida tal liberdade a meio da pena”.
[3] Relativamente à qual também relevam, obviamente, os antecedentes criminais registados no respectivo CRC.
[4] cfr. Fig. Dias, Direito Penal Português, pág. 539.
[5] cfr. Acs. RP 28/5/08, proc. nº 0842588 e RC 8/8/08, proc. nº 16482/02.3TXLSB-A.C1.
[6] Como se refere no Ac. RL 22/10/09, proc. nº 3394/06.TXLSB-3: “Uma vez que a pena concreta não pode ultrapassar a medida da culpa e é determinada, dentro de uma moldura de prevenção geral, por critérios de prevenção especial, o juízo previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 61.º está directamente dependente da maior ou menor proximidade da pena que foi estabelecida em relação à medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. Se a pena imposta tiver dado satisfação plena às necessidades de prevenção geral deve considerar-se que o cumprimento de metade dessa pena é suficiente para a defesa da ordem e da paz social. Se, por imposição dos critérios de prevenção especial, ela tiver ficado aquém dessa medida, coincidido ou estando próxima do limite mínimo da moldura de prevenção, o cumprimento de metade da pena não será suficiente para satisfazer aqueles fins.”