Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
83/20.9T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: AGRAVAMENTO DOS DANOS
CINTO DE SEGURANÇA
PERDA DO DIREITO À VIDA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS DOS FAMILIARES
Nº do Documento: RP2022101383/20.9T8PVZ.P1
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Num sinistro rodoviário, do qual adveio a morte de um jovem de 24 anos, saudável, trabalhador, era jovial, sociável, expansivo e alegre, gozando da estima de quem com ele convivia, que em nada contribuiu para o sinistro (culpa exclusiva do condutor do carro em que seguia como passageiro), mas contribuiu para o agravamento dos danos por não usar cinto de segurança, mostra-se equilibrado:
· atribuir ao lesado 20% da culpa no agravamento dos danos;
· fixar a indemnização pela perda do direito à vida em € 90.000,00, responsabilizando a Seguradora na medida da sua responsabilidade, que é de 80%;
· considerando que entre o sinistro e o óbito decorreu cerca de 1 hora e 30 minutos, atribuir o montante de € 10.000,00 a título de indemnização pelos danos sofridos pela vítima;
· relativamente aos danos morais sofridos pelos progenitores com a morte do filho, atento o diferente grau de intimidade e relacionamento, atribuir à mão uma compensação de € 40.000,00, e ao pai € 30.000,00.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 82/20.9T8PVZ.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha histórica do processo
1. AA instaurou a presente ação contra X... - Companhia de Seguros S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 124.940,00 €, acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação.
Fundamentou o seu pedido nos danos decorrentes de um acidente de viação, imputável ao segurado da Ré, e do qual veio a resultar a morte do seu filho, BB.
Em contestação, a Ré impugnou a factualidade alegada. Igualmente suscitou a preterição de litisconsórcio necessário (a Autora está desacompanhada do pai do falecido BB), bem como a contribuição da vítima no agravamento dos danos, já que circulava sem cinto de segurança.
Por fim, deduziu incidente de intervenção principal provocada de CC, pai do falecido BB e ainda a intervenção acessória do seu segurado DD, que na altura do acidente conduzia influenciado pelo álcool, apresentando uma taxa de alcoolemia de 0,65 g/l.
Em intervenção espontânea, veio o “Instituto de Segurança Social, IP” deduzir pedido de reembolso no valor de 1.286,70 €, relativo a subsídio por morte pago à Autora. A Ré impugnou também a factualidade pertinente ao pedido.
Os incidentes de intervenção foram admitidos e citados CC e DD.
CC ofereceu articulado próprio, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 83.040,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal.
DD apresentou contestação, alegando que o acidente não teve como causa o álcool, mas sim num despiste provocado por gravilha e areia que se encontrava na estrada.
No despacho saneador, procedeu-se à fixação do objeto do litígio e à enumeração dos temas da prova.Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que condenou a Ré:
- a pagar à autora a quantia de 74.397,32 €, sendo que sobre o valor de 74.000,00 € (correspondente a danos não patrimoniais) acrescem juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento e sobre o valor de 397,32 € (correspondente a danos patrimoniais) acrescem juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a citação até efetivo e integral pagamento;
- a pagar ao interveniente principal a quantia de 66.397,32 €, sendo que sobre o valor de 66.000,00 € (correspondente a danos não patrimoniais) acrescem juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento e sobre o valor de 397,32 € (correspondente a danos patrimoniais) acrescem juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a notificação do articulado apresentado pelo interveniente principal até efetivo e integral pagamento
- a pagar ao interveniente “Instituto de Segurança Social, IP” a quantia de 1.029,36 €, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a citação até efetivo e integral pagamento.

2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Ré, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Os factos provados em sentença, conjugados com as circunstâncias em que o falecido BB se fazia transportar no veículo seguro (conduzido por quem já havia ingerido várias bebidas alcoólicas, e que desde o inicio do percurso da viagem revelou comportamento temerário na sua condução, ao ponto daquele o advertir dessa insegurança), revelam que a opção da infeliz vítima em não colocar o cinto de segurança – no inicio, ou mesmo durante, o percurso automóvel – foi um ato voluntário e consciente da parte deste.
2. Ato esse, que potenciou exponencialmente o resultado danoso que veio a acontecer, uma vez que estando o tejadilho do veículo aberto, e os passageiros do banco de trás, como o BB, totalmente soltos de qualquer retenção em caso de acidente (colisão ou capotamento), a projeção do corpo para fora do veículo sempre seria uma possibilidade com alto grau de probabilidade.
3. No caso, o corpo do BB foi projetado para obstáculo imóvel e resistente, cujo impacto causa graves lesões no corpo humano, como o foi no caso.
4. O uso de cinto de segurança é potencialmente redutor da gravidade das lesões sofridas em acidente de viação, razão pela qual se mostra obrigatório o seu uso, seja no condutor, seja nos passageiros do banco da frente e no banco de trás – artº 82º, nº 1 C. Estrada.
5. As lesões sofridas pelo falecido BB - traumáticas abdominopélvicas e do membro inferior direito -, bem como as demais observadas no resto do corpo, dificilmente teriam ocorrido caso este se tivesse mantido no lugar de passageiro, imobilizado e protegido com o uso de cinto de segurança.
6. Os demais passageiros sofreram ferimentos ligeiros.
7. Sendo expectável que o BB também não sofreria lesões graves caso tivesse usado cinto de segurança, pois que foram as lesões sofridas no embate da árvore, por projeção para fora do veículo, que conduziram ao seu falecimento, nomeadamente as lesões traumáticas abdominopélvicas e do membro inferior, não teriam ocorrido em caso de imobilização do seu corpo dentro do veículo. 8. A conjugação de todos os factos – condutor do veículo em estado de alcoolemia, condução perigosa e em excesso de velocidade, tejadilho aberto e não colocação de cinto de segurança - deveria ter conduzido ao reconhecimento de uma repartição de culpas na ocorrência danosa, no sentido de se repartir, pelo menos, 60% para o condutor e 40% para o falecido.
9. Em matéria de concurso do facto culposo do lesado para a produção dos danos ou para o seu agravamento, o nº 1 do art. 570º do Cód. Civil faculta ao Tribunal que reduza ou mesmo, exclua, a indemnização devida a quem contribuiu para o agravamento do dano, se um facto seu «tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos», sendo que, em consonância com tal normativo, essa decisão deve estar balizada pela gravidade das culpas de ambas as partes e pelas consequências que delas resultaram.
10. A sentença faz errada aplicação e viola o artº 570, nº 1 do Código Civil, devendo merecer ponderada correção, nos termos expostos.
11. O falecido BB tinha, à data do acidente de viação, 24 anos de idade.
12. Vários arrestos jurisprudenciais fixam o dano morte entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, sendo estes os valores predominantes na orientação jurisprudencial.
13. Na consideração do quantum a arbitrar, tem o Tribunal de observar o artº 496º, nº 4 CC, levando em conta as circunstâncias referidas no artº 494º CC, ou seja, entre outros fatores, o grau de culpabilidade do agente e as demais circunstâncias do caso.
14. Não se podendo ignorar que o próprio BB contribuiu para o resultado danoso que culminou no seu falecimento.
15. Pelo que, invocando-se os vários acórdãos alegados neste recurso, se entende dever ser corrigida a sentença, reduzindo-se o valor a atribuir pelo dano morte para valor não superior a € 70.000,00.
16. Violou a sentença os artºs 496º, nº 4 e 494º CC.
17. A sentença em crise fixou os danos sofridos pela vítima, entre o acidente e a sua morte em € 15.000,00.
18. Este valor mostra-se excessivo, dado os factos provados a este respeito, nomeadamente a circunstância de o infeliz BB já ter chegado ao Hospital cadáver.
19. O quantum indemnizatório é fixado por recurso a critérios de equidade, e em observação do que determina o artº 496º CC.
20. Mostra-se adequado a fixação de um valor indemnizatório a este respeito não superior a € 10.000,00.
21. Violou a sentença os artºs 496º, nº 4 e 494º CC.
22. Ainda no quantum fixado na sentença ao desgosto e sofrimento dos pais pelo falecimento de BB, e considerando que esta indemnização é valorizada através de critérios de equidade, mostram-se excessivas as indemnizações de € 40.000,00 para a autora e € 30.000,00 para o pai interveniente.
23. A soma destes valores praticamente iguala o valor do dano morte, o que realça a desconformidade com os arrestos jurisprudenciais invocados nas alegações, e que servem de orientação para a definição da indemnização devida a este título.
24. Razão pela qual, e na esteira do acórdão do STJ de 18/06/2015, procº 2567/09.9TBABF.E1, se entende ser equitativo o valor de € 20.000,00 para cada um dos pais, merecendo a sentença em crise correção, como ora reclamado.
25. A sentença recorrida violou os princípios do nº4 do artº 496º CC e 464º CC, merecendo a sua revogação, nos termos expostos.
Nestes termos e no demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e a sentença revogada, em conformidade com as conclusões do presente recurso.»

3. Apenas a Autora contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. OS FACTOS
Foram os seguintes os factos considerados na douta sentença:
«Factos Provados:
1.1. Cerca das 03:10 horas do dia 14.03.2018 ocorreu um acidente na Avenida ..., da cidade de Vila do Conde, em que intervieram os veículos: ..-AX-.., ligeiro de mercadorias, propriedade de “M..., S.A.” e conduzido pelo interveniente acessório DD; e ..-..-HG, ligeiro especial (autocaravana), propriedade de EE.
1.2. O condutor do veículo ..-AX-.. era o presidente da associação de estudantes, tendo estado nas celebrações da semana académica que decorreu, designadamente, na ..., em Vila do Conde.
1.3. Deslocou-se depois para o “...”, próximo do ..., em Vila do Conde, onde ingeriu pelo menos uma bebida alcoólica.
1.4. A dada altura decidiu sair do “...” para dar boleia a um amigo, o FF, o que fez na companhia de mais dois amigos, o GG e o filho da autora e do interveniente principal, BB.
1.5. O veículo ..-AX-.. circulava pela Avenida ..., no sentido ... – centro da cidade de Vila do Conde.
1.6. Circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido.
1.7. Tinha chovido e existia água da chuva no piso.
1.8. No momento em que perdeu o controlo do veículo circulava a uma velocidade de cerca de 110 Km/hora, sendo que no local o limite de velocidade é de 50 Km/hora.
1.9. O condutor do veículo ..-AX-.., antes de iniciar a sua marcha, abriu o tejadilho daquele veículo, um Nissan ... (tipo pick-up), e iniciou a sua marcha tento engrenado todas as velocidades de que dispunha aquele veículo.
1.10. Antes de ir para o “...”, na ocasião a que se alude em 1.2., o condutor do veículo ..-AX-.. tinha ingerido bebidas alcoólicas.
1.11. O condutor do veículo ..-AX-.. perdeu o controlo do mesmo, despistando-se para a sua esquerda, com o que o veículo ..-AX-.. atravessou a Avenida ... da direita para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, tendo deixado marcado no pavimento daquela avenida um rasto de derrapagem com a extensão de 27,80 metros.
1.12. Após, invadiu o passeio do seu lado esquerdo, onde danificou uma árvore ali existente.
1.13. Prosseguiu a sua marcha, derrubando um pino em pedra, danificando um muro e derrubando um sinal vertical de sinalização ali existente.
1.13. Invadiu o parque de estacionamento para autocaravanas ali existente, onde se encontrava estacionado o veículo ..-..-HG.
1.14. Danificou uma outra árvore que se encontrava já no interior do parque de estacionamento, contra a qual foi projetado um dos passageiros do veículo ..-AX-.., o BB, que ali ficou caído.
1.15. Durante o percurso descrito em 1.12. a 1.14. capotou.
1.16. Imobilizou-se tombado sobre a sua lateral direita no interior do parque de estacionamento para autocaravanas, sem a roda da frente do lado esquerdo que perdeu no percurso descrito em 1.12. a 1.14.
1.17. Os dois passageiros que seguiam no veículo ..-AX-.. no banco de trás não haviam colocado o cinto de segurança.
1.18. O filho da autora e do interveniente principal, BB, era passageiro do veículo ..-AX-.., no qual era transportado gratuitamente.
1.19. Em consequência do acidente sofreu:
- infiltração sanguínea difusa do couro cabeludo e aponevrose epicraniana em ambas as regiões temporais, parietais (de modo mais evidente à esquerda) e frontal, bem como deambos os músculos temporais;
- áreas focais de hemorragia subaracnoideia nas regiões frontoparietal à esquerda, adjacentes à foice dural e occipital à direita, sem outras alterações objetiváveis;
- infiltração sanguínea do tecido celular subcutâneo e muscular adjacente à fratura costal de seguida descrita, bem como na região paravertebral, bilateralmente - à direita no terço proximal do tórax e à esquerda nos terços proximal e médio, e na região dos arcos costais médios e posteriores no terço médio do hemitórax direito;
- fractura transversal, infiltrada de sangue, do arco posterior da 10ª costela direita;
- extensa rotura muscular na região lombar à direita, com infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes;
- infiltração sanguínea da parede abdominal anterior nos quadrantes inferiores e da escavação pélvica;
- vestígios de sangue liquido na cavidade pélvica;
- laceração infiltrada de sangue, de orientação vertical, transfixiva, imediatamente inferior à emergência da artéria mesentérica inferior, com 4 cms de comprimento, e moderada infiltração sanguínea do tecido conjuntivo peri-aórtico;
- fratura cominutiva dos ossos ilíaco e púbico à direita;
- fratura do osso púbico à esquerda (esta de localização paramediana e afastamento dos topos);
- lacerações infiltradas de sangue da artéria e veia ilíacas externas à direita e várias lacerações nos planos musculares adjacentes às supra referidas fraturas, com extensa infiltração sanguínea dos tecidos moles, incluindo da região inguinal e do triangulo femoral à direita;
- luxação femoral com hematoma adjacente ao colo e terço proximal da diáfise femorais e extensa infiltração sanguínea dos planos musculares contíguos do membro inferior direito.
1.20. As lesões traumáticas abdominopélvicas e do membro inferior direito foram a causa direta e necessária da sua morte.
1.21. No local do acidente foi assistido pelo INEM.
1.22. Após, foi transportado para o S.U. do Hospital ..., onde, não obstante as manobras realizadas pelo INEM, deu entrada já cadáver.
1.23. BB não teve morte imediata e esteve consciente antes de morrer.
1.24. Sentiu a iminência da morte, o que lhe causou agonia, amargura e angústia.
1.25. Os ferimentos que apresentava causaram-lhe sofrimento.
1.26. O BB nasceu a .../.../1993.
1.27. Era jovial, sociável, expansivo e alegre, gozando da estima de quem com ele convivia.
1.28. Era solteiro e não tinha descendentes, deixando como herdeiros os seus pais, a autora e o interveniente principal.
1.29. Desde o ano de 2008, quando a autora se divorciou do pai do falecido BB, foi-lhe entregue a guarda do mesmo, tendo, por força dessa guarda, sido ela que sempre o acompanhou, aconselhou e apoiou nos bons e maus momentos por que foi passando na vida.
1.30. Ver a vida do seu filho, com apenas 24 anos de idade, terminar de forma trágica, abrupta e prematura provocou-lhe desgosto do qual jamais irá recuperar.
1.31. Provocou, provoca e irá continuar a provocar-lhe dor e sofrimento.
1.32. Constituíam uma família feliz, onde existia amizade e cumplicidade.
1.33. O falecido BB trabalhava na ... em Vila do Conde, onde auferia um salário correspondente ao valor do salário mínimo nacional.
1.34. No funeral do seu filho BB a demandante e o interveniente principal gastaram a quantia de 2.280,00 €, tendo recebido, no total, a título de subsídio por morte, a quantia de 1.286,70 €, que a autora dividiu em partes iguais com o seu ex-marido.
1.35. Por via do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., a ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros ..-AX-...
1.36. Com base no falecimento de BB, o interveniente “Instituto de Segurança Social, IP” pagou à autora, a título de subsídio por morte, a quantia de 1.286,70 € a que se alude em 1.34.
1.37. BB ocupava o lugar direito do banco traseiro do veículo ..-AX-.., juntamente com GG que ocupava o lugar esquerdo desse banco traseiro.
1.38. Os cintos de segurança dos lugares traseiros do veículo ..-AX-.. apresentavam-se em bom estado de funcionamento, constituindo a decisão de não os usar um ato voluntário dos seus ocupantes.
1.39. No acidente o falecido BB foi projetado para o exterior do veículo ..-AX-.., o qual na altura tinha o tejadilho aberto.
1.40. As lesões sofridas pelo falecido BB, caso este se tivesse mantido no lugar de passageiro, imobilizado com o uso de cinto de segurança, não seriam, pelo menos, tão extensas.
1.41. O óbito foi confirmado às 04:39 horas, o que indica ter ocorrido um período de tempo de cerca de 1 hora e 30 minutos após o acidente.
1.42. BB não residia em casa de sua mãe, antes vivia com a sua namorada.
1.43. A autora tem emprego.
1.44. Na sequência do acidente o interveniente acessório DD, condutor do veículo ..-AX-.., foi submetido, às 04:30 horas, a exame de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,65 g/l.
1.45. Posteriormente, às 05:25, foi efetuada recolha de sangue, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 0,60 g/l que, depois de descontado o valor de incerteza, corresponde a 0,52 g/l.
1.46. O interveniente principal amava o seu filho BB.
1.47. Era um jovem que cultivava a amizade e que gozava de boa reputação no meio social onde estava inserido, sendo querido e respeitado por todos os que com ele conviviam.
1.48. Era um jovem dedicado à família, mantendo uma relação próxima com o pai, pese embora este resida no Luxemburgo, existindo entre ambos laços de afeto.
1.49. A morte do BB causou ao interveniente principal desgosto para o resto da vida.
1.50. Ver a vida daquele seu filho, com apenas 24 anos de idade, terminar de forma trágica, abrupta e prematura provocou-lhe desgosto do qual jamais irá recuperar.
1.51. O veículo ..-AX-.. era conduzido pelo interveniente acessório, que o fazia com autorização do seu proprietário.
1.52. Na noite do dia 13 para 14 de Março de 2018, o interveniente acessório, tal como os demais passageiros que o acompanhavam, participavam numa festa académica.
1.53. O interveniente acessório, presidente da associação de estudantes, integrava a comissão organizadora desse evento e trabalhava na realização do mesmo.
1.54. Nessa noite ingeriu bebidas alcoólicas, tal como o BB e o GG.
1.55. O BB apresentava uma taxa de alcoolemia de 0,96,g/l.
1.56. No “...” o interveniente acessório encontrava-se na companhia dos seus amigos BB, GG e, ainda, do FF, que havia conhecido nessa noite e que decidiu ir embora.
1.57. Como o FF tinha a sua viatura no centro da cidade, a cerca de 30 minutos a pé e estava a chover, o interveniente acessório decidiu, por cortesia, transportá-lo até ao seu veículo.
1.58. Os outros dois amigos do interveniente acessório (BB e GG), decidiram também acompanhar o interveniente acessório, ocupando os lugares traseiros do veículo ..-AX-.. e aquele FF o lugar da frente.
1.59. O interveniente acessório colocou o seu cinto de segurança, o mesmo fazendo o FF.
1.60. O interveniente acessório encontrava-se no “...” a controlar as entradas.
1.61. O interveniente acessório tinha o seu veículo estacionado nas proximidades do “...”.
1.62. O piso da via era em alcatrão.
1.63. O piso estava molhado, mas encontrava-se em bom estado.
1.64. Uns metros antes da passadeira existente na via, antes do parque que autocaravanas, ao fazer uma curva à esquerda, o veículo ..-AX-.. perdeu a aderência, saiu da trajetória e, apesar de o interveniente ter procurado recuperá-la e controlar o veículo, o mesmo entrou em despiste.
1.65. Após essa curva a via configura uma reta.
1.66. Antes de se deslocar para o “...” o interveniente acessório ingeriu bebidas alcoólicas.
Factos Não Provados:
2.1. BB era saudável e fisicamente bem constituído.
2.2. Do seu salário o falecido BB entregava à sua mãe, aqui autora, com quem vivia, a quantia mensal de 150,00 €, 12 vezes por ano, para, desse modo, a ajudar nas despesas com a sua roupa e alimentação.
2.3. E a autora poderia contar com essa ajuda por mais cerca de 8 anos (ou mais), pois não lhe era conhecida intenção de casar, não obstante as namoradas que ia tendo.
2.4. No momento do acidente o veículo ..-AX-.. circulava sob a direção efetiva da sua proprietária e no seu interesse.
2.5. As lesões que causaram a morte do BB tiveram o efeito de o deixar imediatamente inanimado, não mais dando sinal de vida.
2.6. Inexistiu perceção de dores ou temor por parte da vítima.
2.7. O BB era um jovem dinâmico e desportista.
2.8. A ingestão de bebidas alcoólicas pelo interveniente acessório cessou antes da ida para o “...”, local onde não ingeriu bebidas alcoólicas.
2.9. Na ocasião a que se alude em 1.59., o interveniente acessório não se apercebeu se os seus amigos dos bancos traseiros colocaram o cinto de segurança.
2.10. O interveniente acessório estava calmo e compenetrado na organização do evento académico.
2.11. Dada a rugosidade do piso, o facto de o mesmo estar molhado não tinha repercussões na sua aderência.
2.12. A cerca de 20 metros da passadeira existente na via, antes do parque de autocaravanas, o interveniente acessório sentiu que as rodas do veiculo passaram sobre um material estranho à via e impercetível, que veio a apurar tratar-se de gravilha e areia arrastada pelas águas das chuvas do descampado existente à direita, entre a margem do ... e a via, formando-se, assim, naquele local da via, um lastro de areia escura e gravilha que se confundia com o piso.
2.13. No momento em que o veículo pisou esse lastro de areia e gravilha, perdeu a aderência e saiu da trajetória.
2.14. Dada a imprevista existência de areia e gravilha na via, o veículo derrapou, despistando-se.
2.15. O BB e o GG foram projetados pelo vidro traseiro que se desintegrou.
2.16. O interveniente acessório, apesar do ambiente de festa académica, não ingeriu qualquer bebida alcoólica durante jantar.
2.17. No momento em que resolveu transportar o FF até ao seu veículo, o interveniente acessório não sentiu qualquer efeito do álcool, designadamente, perda de juízo critico, de reflexos e de reação.
2.18. Por se sentir sóbrio, atento e desperto, não teve receio de ser eventualmente sujeito a operações de controlo de alcoolemia.
2.19. O interveniente acessório estava convencido que o pouco álcool que havia ingerido nessa noite não era suficiente para ultrapassar o minino legal permitido e, por isso, tomou a resolução de transportar o FF.»

5. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR:
· Se é de alterar a repartição de responsabilidades na eclosão do acidente
· Se é de alterar a indemnização pela perda do direito à vida
· Se é de alterar a indemnização pelos danos sofridos pela vítima
· Se é de alterar a indemnização devida aos pais da vítima
Uma nota prévia: a abordagem dos vários items sujeitos a recurso suscita o funcionamento da equidade.
Neste âmbito, na procura duma aplicação mais ou menos uniforme do direito, art.º 8º nº 3 do Código Civil (CC), a jurisprudência tem adiantado que não pode confundir-se equidade com a subjetividade do julgador.
Na verdade, «(…) - não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.
Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação (…) do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – (…)». [1]
Será esse o caminho que aqui tentaremos trilhar.

5.1. Da repartição de responsabilidades
Na sentença considerou-se que a vítima BB contribuiu para o agravamento dos danos que sofreu, em virtude de circular sem cinto de segurança, pelo que se fixou a culpa nas proporções de 80% para o condutor, e 20% para a vítima.
A Recorrente considera ser mais ajustada a proporção 60%-40%.
De acordo com o art.º 570º nº 1 do CC, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Ponderando a gravidade das culpas, regista-se que estão apenas em causa os danos causados pelo sinistro em termos de nexo de causalidade, ou seja, os resultantes do facto e por ele causados (art.º 483º, 563º e 798º do CC). [2]
Com interesse, extrai-se dos factos provados que a vítima BB ocupava o lugar direito do banco traseiro do veículo e, por decisão sua, não usava o cinto de segurança. Caso se tivesse mantido imobilizado com o uso de cinto de segurança, as lesões que sofreu não seriam tão extensas.
E é este o comportamento censurável que pode ser atribuído à vítima, já que não respeitou o art.º 82º nº 1 do Código da Estrada (CE) que, na seção das “regras especiais de segurança”, prescreve que os passageiros são também obrigados ao uso de cinto de segurança.
Sabe-se também que o BB foi projetado para fora do veículo e ali ficou caído. E esta projeção aconteceu porque o condutor do veículo decidiu abrir o tejadilho antes de iniciar a marcha. Ficou também provado que o BB foi projetado quando o veículo embateu já na 2ª árvore, a que existia no parque de estacionamento.
E terá sido a combinação destas 2 circunstâncias (ausência do conto, mas também o tejadilho aberto) que possibilitaram a projeção da vítima para fora do carro.
Na verdade, não se pode dizer que a ausência do cinto tenha sido a única causa; para tanto, basta o facto de o outro passageiro, GG, que circulava também no banco traseiro, se encontrar também sem o cinto de segurança e, apesar disso, não ter sofrido igual sorte.
Temos para nós que o que mais provocou a gravidade do sinistro foi o tipo de condução efetuada pelo condutor: à noite, com chuva e piso molhado, abriu o tejadilho e iniciou a sua marcha tento engrenado todas as velocidades de que dispunha aquele veículo (!); dá-se nota que, mesmo nessas circunstâncias (noite/chuva/água no piso), conduzia a 110 km/hora , perdeu o controlo do mesmo, despistando-se para a sua esquerda, atravessou a Avenida ... da direita para a esquerda, deixou um rasto de derrapagem de 27,80 metros (esta travagem revela imperícia), após o que invadiu o passeio do seu lado esquerdo, onde danificou uma árvore ali existente; prosseguindo a marcha, ainda derrubou um pino em pedra, danificou um muro e derrubou um sinal vertical de sinalização; neste ínterim, capotou e perdeu a roda da frente esquerda; por fim, invadiu o parque de estacionamento para autocaravanas ali existente, onde ainda danificou uma outra árvore que lá se encontrava e onde por fim se imobilizou.
Uma dinâmica de sinistro deste tipo, dizem-nos as regras da experiência ser de molde a provocar danos bem graves nos ocupantes do veículo. É certo que a vítima não usava cinto de segurança; porém, o GG também não usava o cinto e não teve ferimentos da gravidade da vítima.
Este Tribunal da Relação do Porto, acórdão de 14/03/2016, processo nº 424/13.3T2AVR.P1, numa situação de não uso do cinto de segurança, atribuiu à vítima 10% da culpa pelo agravamento dos danos.
Assim ponderadas a gravidade das culpas do condutor e da vítima e das consequências que resultaram do sinistro, concordamos com o juízo efetuado em 1ª instância, considerando equitativo atribuir ao lesado 20% da culpa no agravamento dos danos.

5.2. Da indemnização pela perda do direito à vida
Na sentença atribui-se € 90.000,00 pelo dano morte - perda do direito à vida. A Recorrente considera-o exagerado e pugna pela sua fixação em € 70.000,00.
Relembrando o atrás referido sobre a preocupação duma aplicação mais ou menos uniforme do direito, numa jurisprudência evolutiva e atualística, balizada pela obtenção possível da segurança na aplicação do direito e da efetividade do o princípio da igualdade, é certo que o Supremo Tribunal de Justiça vem atribuindo pelo dano morte valores indemnizatórios que oscilam entre os 50 e os 80.000 mil euros.
Sobre o tema, permitimo-nos transcrever aqui a resenha jurisprudencial do STJ efetuada num acórdão de 08/06/2021, no processo nº 2261/17.7T8PNF.P1.S1, Relator: Maria João Vaz Tomé:
«- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2020 (Rijo Ferreira), proc. n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1, “(…) VIII - Não é de censurar a fixação em € 54.000,00 e € 16.000,00 a indemnização pela perda do direito à vida e demais danos morais pela morte de indivíduo com 75 anos que foi sujeito a várias hospitalizações durante 1 mês e a 3 meses de tratamento ambulatório, não recuperou a marcha, viveu os últimos 4 meses de vida entre a cama e a cadeira de rodas dependendo de terceiros quando antes era pessoa autónoma, daí decorrendo afectação funcional, do bem-estar físico e psíquico, da autonomia pessoal e liberdade ambulatória, da capacidade de afirmação pessoal, da imagem perante os outros e si próprio, e o inerente sofrimento físico e psíquico”[28];
- conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019 (Pinto de Almeida), proc. n.º 1580/16.4T8AVR.S1, “(…) II - Provando-se que a vítima, à data da morte, tinha 72 anos, era uma pessoa activa, gozava de boa saúde, era sociável e alegre, dedicava-se a uma agricultura para consumo familiar, sendo estimado e considerado no meio onde vivia, fazendo parte de uma tuna, e era bom marido, pai e avô, deverá ser fixado em € 70.000,00 o montante (anteriormente fixado em € 60.000,00) pela perda do direito à vida. (…)”;
- no acórdão de 19 de dezembro de 2018 (Távora Victor), proc. n.º 1178/16.7T8VRL.L1, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “(…) III - Na fixação da indemnização decorrente da perda do direito à vida pesam as circunstâncias de cada caso, sendo que, no caso de uma vítima de 61 anos de idade, estimada e inserida no meio em que vivia e susceptível de ganhar o seu sustento, mostra-se adequado fixar a indemnização a título do dano morte no montante de € 60.000,00.
- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2018 (Salreta Pereira), proc. n.º 370/12.8TBOFR.C1.S2, “(…) II - Os valores de € 65.000 e de € 30.000 fixados a título de indemnização pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos filhos da vítima, estão em consonância com os critérios praticados pelo STJ. (…)” - no caso apreciado por este acórdão, a vítima tinha, à data da morte, 44 anos de idade;
- conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de março de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 209/13.7TBTMR.E1.S1, “I - Resultando dos factos provados que: (i) o atropelamento do peão, ocorrido em 31-12-2011, pelas 19h40m, teve lugar no momento em que o veículo transpunha o eixo médio da faixa de rodagem para passar a circular no corredor mais à esquerda; (ii) que o veículo circulava com a luz dos médios ligados; (iii) que o troço da via antecedente ao local do embate se estendia numa reta de, pelo menos, 200 metros; (iv) que a travessia do peão se processou no campo visual do referido condutor a uma distância de 30 metros; (v) que a estrada, nessa zona, era marginada por habitações; (vi) que o veículo seguia a cerca de 80km/hora; (vii) que o peão empreendeu a travessia numa estrada nacional e (viii) que podia alcançar a aproximação de veículos, é de concluir que tanto o condutor do veículo como o peão violaram as normas estradais, contribuindo ambos para a produção acidente. II - O condutor do veículo, porque seguia a cerca de 80km/hora quando as circunstâncias enunciadas em I, designadamente o facto de ser previsível a travessia de peões à hora em referência (19h40m), lhe impunham que moderasse especialmente a velocidade, de modo a permitir a execução de manobra de desvio ou de paragem ante a eventual travessia de peões, dentro da zona de visualização de que dispunha (arts. 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, al. c), ambos do CEst). III - O peão porque empreendeu a travessia numa estrada nacional e podendo alcançar a aproximação de veículos, fê-lo sem se assegurar de que podia realizar essa travessia em segurança, violando o disposto no art. 101.º, n.º 1, do CEst. IV - Face aos descritos factos, é adequado distribuir as responsabilidades concorrentes do condutor do veículo e do peão para a produção do acidente na proporção de 60% para o primeiro e de 40% para o segundo, uma vez que, estando aquele habilitado para o exercício da condução automóvel, requer-se dele um maior nível de exigência e um maior domínio das circunstâncias envolventes, mormente da distância visualizável que dispõe à sua frente para poder suster a marcha em caso de um previsível surgimento de peões na via. V - No que toca à indemnização pelo dano morte, tendo em conta que o peão contava então com 79 anos de idade, era saudável, ativo e jovial, ocupando-se no cultivo da terra e noutras atividades agrícolas, bem como que a jurisprudência tem oscilado entre os € 50.000 e os € 80.000, é ajustado um valor na ordem dos € 65.000, o qual, atendendo à quota de responsabilidade de 60% imputada ao condutor do veículo, fica reduzido a € 39.000. (…)”.».
Para além destes, podemos ainda citar outros arestos, onde se analisaram casos em que as vítimas tinham idades mais consentâneas com a vítima destes autos:
Acórdão de 13/05/2021, proferido no processo nº 10157/16.3T8LRS.L1.S1 – vítima com “45 anos de idade e um bom relacionamento com o seu único filho”, o STJ manteve os € 80.000,00 atribuídos pela Relação.
Acórdão de 10/05/2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), - manteve-se os € 75.000,00 para ““a vítima tinha 41 anos de idade, havia constituído família, tendo projectos em comum com a sua família” e com uma repartição de culpas entre 60 % para o arguido e 40 % para a vitima
Acórdão de 12/09/2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), - vítima com 19 anos de idade, estudante universitário, jovem, saudável e alegre, o STJ ficou a indemnização em € 70.000,00
Acórdão de 19/02/2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1) – atribuiu-se € 100.000,00 numa situação de uma vítima de 49 anos, “um profissional de nível superior e de reconhecido mérito como também um pai e um marido extremoso”, gozando de excelente saúde
Acórdão de 11/02/2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1) – estava em causa um jovem adulto de 31 anos, tendo-se a indemnização cifrado em € 70.000,00
Acórdão de 30/04/2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1) – sendo a vítima um jovem de 19 anos de idade, o STJ manteve os € 80.000,00 fixados pela Relação
Acórdão de 18/06/2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) – “vítima com 20 anos, solteiro, vivia com os pais e uma irmã, tinha começado a trabalhar recentemente como motorista, se encontrava numa fase pujante da vida e que foi embatido na sua faixa de rodagem por um veículo que se pôs de imediato em fuga, é adequado o montante indemnizatório de € 80.000, pela perda do direito à vida, tal como fixado pela Relação”.
Face aos anos decorridos relativamente aos doutos arestos, é de ponderar a necessidade da sua atualização.
Aqui, temos um jovem de que, à data, tinha 24 anos, saudável e com largos anos de expetativa de vida, trabalhador, que em nada contribuiu para o sinistro (culpa exclusiva do condutor do carro em que seguia como passageiro), era jovial, sociável, expansivo e alegre, gozando da estima de quem com ele convivia.
Reputamos como adequada a indemnização atribuída de € 90.000,00. Que, como bem se decidiu em 1ª instância, a Ré apenas será responsabilizada pelo montante de € 72.000,00, correspondente à medida da sua responsabilidade, que é de 80%.

5.3. Da indemnização pelos danos sofridos pela vítima
Pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima BB, entendeu-se na sentença fixá-los em € 15.000,00; ponderando a responsabilidade da Ré, de 80%, condenou-se esta valor total de 12.000,00 €, cabendo € 6.000,00 à Autora e € 6.000,00 ao interveniente principal.
A Recorrente considera mais ajustado o montante de € 10.000,00.
Estamos perante o dano intercalar, o dano do sofrimento da vítima entre o momento em que ocorreu o sinistro e a sua morte, dano esse com cobertura legal no art.º 496º do CC.
Também neste âmbito, é jurisprudência uniforme que o cálculo da indemnização deve ser efetuado em função do caso concreto, mais uma vez por apelo à equidade, ponderadas a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período da respetiva duração, etc.
No caso, as lesões sofridas foram múltiplas e muito graves, causando-lhe naturalmente sofrimento. Foi assistido no local pelo INEM e depois transportado para o S.U. do Hospital ..., onde, não obstante as manobras realizadas pelo INEM, deu entrada já cadáver. Esteve consciente antes de morrer, sentindo a iminência da morte, o que lhe causou agonia, amargura e angústia. É certo que este sofrimento terá durado algumas horas [3], dado que entrou já cadáver no hospital. Porém, a intensidade do sofrimento terá sido enorme, atendendo às múltiplas lesões provocadas pelo sinistro.
Não obstante, face ao nº 4 do art.º 496º do CC, temos de ter em conta que se provou também que a extensão desses danos se ficaram a imputar à vítima, face ao não uso do cinto de segurança.
Assim, neste ponto, ponderando o tempo do sofrimento e a contribuição da vítima, consideramos mais justo e equilibrado o montante de € 10.000,00 pugnado pela Recorrente.
Sendo a medida da responsabilidade da Recorrente de 80%, irá ela pagar € 8,000,00, sendo devidos € 4.000,00 a cada um dos progenitores.

5.4. Da indemnização a atribuir aos pais da vítima
A título de danos não patrimoniais, a M.mª Juíza considerou equilibrado atribuir uma compensação de € 40.000,00 à Autora e de € 30.000,00 ao interveniente principal relativamente aos danos por eles sofridos com a morte do filho. [4] A Recorrente pugna por um montante de € 20.000,00 para cada um.
Também aqui nos situamos no âmbito da equidade, como critério decisório.
Olhando o que a jurisprudência tem decidido em casos semelhantes:
Num caso muito similar (vítima com 24 anos de idade, saudável, alegre, feliz, cheio de vida, com um futuro promissor e risonho), por acórdão de 23/02/2016, processo nº 74/12.1SRLSB.L1.S1, o STJ atribuiu o montante de € 24.000,00, a título de indemnização por danos morais a cada um dos pais.
No acórdão do STJ de 09/09/2014, atribuiu-se a cada um dos filhos, a esse mesmo título, € 10.000,00. [5]
E, ainda do mesmo STJ, acórdão de 07/10/2021, processo nº 14810/15.0T8LRS.L2.S1, decidiu-se: “II. Apesar de o falecimento do pai ter causado a ambos os autores enorme tristeza, sofrimento e consternação, justifica-se que ao 2º autor, que tinha 4 anos, à data do acidente, que saía quase diariamente com o pai para brincar, que “sente num enorme tristeza e desgosto por não ter o seu pai presente e sente muito a sua falta”, seja atribuída indemnização por danos não patrimoniais superior à do 1º autor, de 18 anos, que, não obstante manter contacto com o pai, falando com ele ao telefone e via Skype, e deslocar-se a Portugal nas férias para estar com o pai, residia já no Canadá; ao primeiro deve ser, assim, mantida a indemnização de 40.000€ (que não pode ser aumentada) e ao segundo reduzida a indemnização para 35.000€.”»
Ainda no acórdão do STJ de 08/06/2021, processo nº 2261/17.7T8PNF.P1.S1, o Tribunal considerou ajustado o valor € 20.000,00 arbitrado pelo Tribunal da Relação, para cada um dos filhos da vítima, pelo danos não patrimoniais sofridos por cada filho devido ao falecimento do pai. [6]
O Tribunal da Relação do Porto, acórdão de 24/02/2022, processo nº 2374/20.8T8PNF.P1, vítima de 33 anos, atribuiu-se € 30.000,00 à viúva e € 25.000,00 a cada um dos filhos, de 4 e 13 anos de idade.
No já referido acórdão de 14/03/2016 deste Tribunal da Relação do Porto, processo nº 424/13.3T2AVR.P1, atribuiu “aos pais pela morte do filho com 25 anos de idade, pessoa saudável, jovem alegre, jovial, dinâmico e trabalhador, responsável e com imensos projetos para o seu futuro” o montante indemnizatório de € 60.000,00 pelos danos morais por eles sofridos em consequência dessa perda.
Tudo visto, partilhando do entendimento do acórdão citado no introito desta apreciação, de que nestes recursos, em que está apenas em causa “reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto”, o que importa essencialmente verificar, é “se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis”, temos de concluir que a indemnização arbitrada seguem essas orientações, pelo que se mantém o decidido em primeira instância.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, no parcial provimento do recurso, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em revogar a sentença recorrida na parte atinente à indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima entre o momento do acidente e o óbito, que agora se fixam no montante de € 10.000,00, ficando a cargo da Recorrente 80% do mesmo.
Em tudo o mais, mantém-se integralmente o decidido em 1ª instância.
Custas do recurso na proporção do decaimento.

Porto, 13 de outubro de 2022
Isabel Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
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[1] Acórdão do STJ, de 21.01.2016 (processo 1021/11.3TBABT.E1.S1, Relator: Lopes do Rego), disponível em www.gde.mj.pt, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[2] Quanto à ocorrência do sinistro, ninguém discute ser ele imputável apenas ao condutor do veículo, em que a vítima seguia como passageiro.
[3] Lê-se na sentença: «De facto, o óbito foi confirmado às 04:39 horas, o que indica ter ocorrido um período de tempo de cerca de 1 hora e 30 minutos após o acidente.»
[4] Condenou-se ainda a Ré a pagar os danos materiais (despesas de funeral). Como a Recorrente não os questiona, firmou-se a decisão da 1ª instância.
[5] Em abono da transparência, diga-se que atribuiu € 20.000,00 a título de compensação pelas dores sofridas pela vítima, entre o momento do embate e o seu decesso, desconhecendo-se a duração desse momento.
[6] Com interesse, escalpelizou-se neste acórdão um «caso em que estava em causa a diferenciação da compensação atribuída por danos não patrimoniais a cada um dos progenitores de uma vítima falecida, “em geral, ainda que a relação entre progenitores e um filho (que vem a falecer) não seja aquela que o legislador pudesse ter abstratamente idealizado, na dúvida sobre os diferentes níveis de intensidade dessas relações, a expressão “em conjunto”, usada pelo art.496º, n.2, deve entender-se como referindo-se a uma repartição igualitária entre os progenitores. Até porque medir a intensidade de relações afetivas entre os sujeitos para daí fazer depender a atribuição de diferentes montantes indemnizatórios não é, certamente, uma tarefa fácil e que conduza a resultados cientificamente inquestionáveis”. Não sendo de excluir, em termos abstratos, que a expressão “em conjunto” possa permitir uma repartição do montante indemnizatório, entre os diversos membros de uma categoria de beneficiários, que não seja aritmeticamente igualitária, certo é, que no caso concreto, a insuficiência de elementos probatórios não permite pôr em causa a repartição feita pelo acórdão recorrido.»