Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1/13.9PEVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA BACELAR
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
SMS [SHORT MESSAGE SERVICE]
FORMALIDADES DAS OPERAÇÕES
NULIDADE DE SENTENÇA
NULIDADE
Nº do Documento: RP201505131/13.9PEVNG.P1
Data do Acordão: 05/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Só podem valer como prova em julgamento as comunicações [no caso, uma sms] que o Ministério Público mandar transcrever (ao órgão de polícia criminal que tiver efetuado a interceção e gravação) e indicar como meio de prova na acusação.
II – O art. 190.º, do CPP, trata de forma não diferenciada a inobservância de requisitos e condições de admissibilidade e o mero incumprimento de certas formalidades de procedimento da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas.
III – A inobservância das regras do art. 188.º, do CPP, constitui nulidade que impede toda e qualquer utilização do material probatório assim obtido.
IV – Trata-se, portanto, não de uma nulidade da sentença, mas de uma invalidade que atinge apenas essas concretas conversações ou comunicações telefónicas, impedindo a sua utilização em juízo como meio que contribua para a formação da convicção dos juízes do julgamento.
V – Arredado esse elemento probatório, impõe-se determinar se existem outros que permitam concluir pela responsabilidade criminal do arguido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 1/13.9PEVNG, da Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Central – 3.ª Secção Criminal – J3, o Ministério Público acusou
1. B…, divorciado, nascido a 1 de janeiro de 1978, em …, Vila Nova de Gaia, filho de C… e de D…, residente na Rua …, n.º …, ..º andar esquerdo, …, Vila Nova de Gaia, atualmente preso preventivamente à ordem dos presentes autos;
2. E…, solteiro, nascido a 1 de fevereiro de 1979, em …, Vila Nova de Gaia, filho de C… e de D…, residente na …, n.º .., casa esquerda, …, Vila Nova de Gaia, sujeito à medida de coação de permanência na habitação, à ordem do presentes autos;
3. F…, solteiro, nascido a 10 de abril de 1986, em …, Vila Nova de Gaia, filho de C… e de D…, residente na Rua …, n.º.., ..º andar, em …, Vila Nova de Gaia;
4. G…, casado, nascido a 26 de abril de 1978, em …, Baião, filho de H… e de I…, residente na …, n.º .., …, Baião;
5. J…, solteiro, nascido a 10 de abril de 1993, na …, Porto, filho de K… e de L…, residente na …, n.º …, ..º andar esquerdo, em …, Gondomar;
6. M…, solteira, nascida a 26 de junho de 1992, em …, Porto, filha de N… e de O…, residente na …, n.º …, ..º andar esquerdo, em …, Gondomar;
7. P…, solteiro, nascido a 29 de março de 1976, em …, Vila Nova de Gaia, filho de Q… e de S…, residente na Rua …, n.º .., em Vila Nova de Gaia;
imputando,
- aos Arguidos B…, E…, F… e G…, a prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-C do mesmo diploma legal;
- aos Arguidos J… e M…, a prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência ao artigo 21.º, n.º 1, e à Tabela I-C do mesmo diploma legal;
- ao Arguido P…, a prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência ao artigo 21.º, n.º 1, e à Tabela I-C do mesmo diploma legal.

O Arguido G… requereu a abertura da instrução, tendo sido pronunciado pelos factos e crime constantes da acusação.

Contestou a Arguida M…, oferecendo o merecimento dos autos.
Contestou o Arguido J…, oferecendo o merecimento dos autos e o que em seu favor resultar do julgamento.
Contestou o Arguido B..., reiterando o declarado em sede de primeiro interrogatório judicial e invocando factos relativos às suas condições de vida.
Contestou o Arguido F…, oferecendo o merecimento das suas declarações em audiência de julgamento e invocando factos relativos às suas condições de vida.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, por acórdão proferido e depositado em 25 de novembro de 2014, foi decidido:
«1) Absolve o arguido P… da prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25.º al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência ao artigo 21.º, n.º 1 do aludido diploma legal e à tabela I-C que lhe está anexa de que vinha acusado;
2) Condena os arguidos
a) B… como ao-autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º n.º 1 do D.L. 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
b) E… como ao-autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º n.º 1 do D.L. 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
c) F… como ao-autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º n.º 1 do D.L. 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 4 (anos) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
d) G… como autor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, a), ambos do D.L. 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
e) J… como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, a), ambos do D.L. 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 8 (oito) meses de prisão, substituída pela prestação de 240 (duzentos e quarenta) horas de trabalho gratuito a favor da entidade a designar oportunamente.
f) M… como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, a), ambos do D.L. 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, substituída pela prestação de 480 (quatrocentos e oitenta) horas de trabalho gratuito a favor da entidade a designar oportunamente.
3) Mais condena cada um dos arguidos B…, E…, F…, G…, J… e M… no pagamento da taxa de justiça de 4 UC’s e todos, solidariamente, nas demais custas.
4) Pelos fundamentos contantes do precedente n.º III-3, suspende a execução da pena de prisão ora imposta ao arguido F… pelo período de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses, com sujeição a regime de prova.
5) Pelos fundamentos contantes do precedente n.º III-3, suspende a execução da pena de prisão ora imposta ao arguido G… pelo período de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses.
6) Declara perdidos a favor de Estado:
a) Toda a droga apreendida que deverá ser oportunamente destruída;
b) A bolsa, o saco plástico, o telemóvel Nokia …., telemóvel Samsung apreendidos ao arguido E… (autos de apreensão de fls. 8-10, 11-12 e 475), os telemóveis e facas apreendidos ao arguido G… (autos de apreensão de fls. 466,469 e 539), os telemóveis, as facas, a agenda, o pedaço de papel, o talão de compra, o bloco de apontamentos, as caixas, os plásticos apreendidos ao arguido E… (autos de apreensão de fls. 472, 484-485, 503 e 555-556), os telemóveis, o envelope, a navalha apreendidos ao arguido F… (auto de apreensão de fls. 521), os telemóveis, o rolo, a faca, a folha de agenda, a tábua apreendidos aos arguidos J… e M… (auto de apreensão de fls. 663-665), ordenando a sua oportuna destruição;
c) As importâncias em dinheiro apreendidas ao arguido E… (autos de apreensão de fls. 8-10 e 475), as importâncias em dinheiro apreendidas ao arguido G… (autos de apreensão de fls. 466 e 539), as importâncias em dinheiro apreendidas ao arguido B… (autos de apreensão de fls. 472 e 484-485) e a importância em dinheiro apreendida ao arguido F… (auto de apreensão de fls. 521);
d) O veículo automóvel ..-..-SO apreendido ao arguido G… (auto de apreensão de fls. 469);
e) Os veículos automóveis ..-..-MH ..-FM-.. e 69-II-21 apreendidos ao arguido B… (autos de apreensão de fls. 495, 499 e 506).
f) Ordena a restituição à T… do telemóvel identificado no seu requerimento de fls. 1363 e apreendido a fls. 11-12

Inconformado com tal decisão, o Arguido E… dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1 – O recorrente impugna a medida da pena que lhe foi aplicada.
2 – A matéria de facto não é questionada.
3 – A questão passa por se colocar se as exigências de prevenção especial são de tal ordem onerosas por o recorrente ter sido condenado por um crime de consumo e por um outro há mais de 7 anos, por ter transportado e, consequentemente, detido produto estupefaciente, que não permitam situar a pena abaixo dos 5 anos de prisão.
4 – O recorrente, fazendo apelo ao facto de ter começado por auxiliar na actividade, depois, ter passado a vender estupefaciente de forma autónoma e nesta ter uma dimensão temporal e lucrativa sem relevo no enriquecimento patrimonial e não se ter estendido ao longo de largo lapso temporal, pugna, depois de reduzida a pena pela suspensão da execução da pena.
5 – Efectivamente os seus antecedentes não o impedem de provar face à sociedade que não só não reincidirá, na prática de crimes, como, com a injunção de provar que trabalha e não consome, a realização da justiça se mostra mais acautelada e a comunidade mais pacificada pela garantia do respeito da lei e valores comunitários.
6 – Não fora a dimensão da actividade que o acórdão dá nota e não sofre contestação, não fora a expressão parca do seu lucro, não fora a delimitação temporal do seu ilícito e não fora a sua postura em julgamento e o presente recurso nem sequer faria sentido.
7 – No caso do recorrente, é acto de justiça baixar a pena para 4 anos e 8 meses e, uma vez reduzida a pena, suspende-la na sua execução, obrigando o recorrente a provar que trabalha e que não consome produtos estupefacientes.
8 – A decisão recorrida violou os artigos 40º, 71º e 50º do CP.

Revogando-se a decisão recorrida nos termos sobreditos, far-se-á justiça.»

Inconformado com tal decisão, o Arguido J… dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«a. Ao arguido foi imputada a prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21º nº 1 e 25º a) ambos do D.L. 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-C anexa.
b. Foi condenado na pena de 8 (oito) meses de prisão, substituída pela prestação de 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho gratuito a favor de entidade a designar posteriormente.
c) Na sentença foi considerada como matéria de facto provada, subjacente à sua fundamentação:
● Alínea 11º da matéria de facto provada: “Para o efeito, o arguido B… utilizava o telemóvel com o nº (…), sendo seus clientes habituais, entre outros, U… (…) bem como os arguidos J… e a sua companheira, a arguida M…, a quem o mesmo vendeu haxixe em dias não concretizados, em número de vezes não apuradas e em quantidades igualmente não apuradas, sendo que estes dois últimos destinavam parte do produto que adquiriram à venda de terceiros”
● Alínea 12º: “Os arguidos J… e M…, que viviam em união de facto, haviam combinado entre si, em data não apurada mas que se situará pelo menos no mês de Julho de 2013, dedicarem-se à venda de canábis a terceiros que os procurassem para o efeito adquirindo o produto a B…, para posterior venda aos seus clientes, sempre que fossem contactados, principalmente, via telefone, por estes para o efeito”
● Alínea 13º: “Tal actividade desenvolvida em conjunto pelos arguidos J… e M… perdurou pelo menos desde o mês de Julho de 2013 até ao mês de Outubro do mesmo ano”
● Alínea 33º: “No dia 2 de Julho de 2013, pelas 22H25, depois de ter sido contactado telefonicamente para o efeito pela arguida M…, o arguido B… deslocou-se à Rua …, …, Vila Nova de Gaia, e entregou ao arguido J…, uma placa de haxixe, para que este, de acordo com o plano que tinha delineado com a sua companheira M…, a vendesse a terceiros”
● Alínea 34º: “De seguida, o arguido J… deslocou-se à estação de metro de …, na …, …, Vila Nova de Gaia, onde se encontrou com dois indivíduos e a arguida M… que o aguardavam nesse local”
● Alínea 35º: “O arguido J… tinha na sua posse: ---- 1 (um) pedaço de haxixe, com o peso líquido de 6,653 gramas;
- uma placa de pólen de haxixe, com o peso líquido de cerca de 95,372 gramas”
● Alínea 67º: “Entre os dias 24 e 26 de Agosto de 2013, a arguida M… através do telemóvel nº ………, contactou o arguido B… e solicitou-lhe a venda de três placas de haxixe, que destinava a vender a um cliente dela e ao arguido J…”
● Alínea 68º: “No dia 26 de Agosto de 2013, o arguido B… vendeu à arguida M… as três placas de pólen de haxixe, para vender posteriormente a terceiros juntamente com o arguido J…, tendo-se encontrado, para concretizar a referida entrega, em Vila Nova de Gaia, pelas 10H59, o que veio a suceder”
● Alínea 136º: “No dia 11 de Outubro de 2013, pelas 13H40, os Arguidos J… e M… tinham na sua posse, mais concretamente pelas 13H40, na Rua … nº .., .º andar frente, Porto, residência dos arguidos:
- 2 (dois) telemóveis de marca Samsung, com os IMEI’s ……………/.. e …………../.. contendo ambos cartões afetos à operadora V…, referentes aos nºs ……… e ………, com os pin’s …. e …. respetivamente;
- 1 (um) rolo de película aderente supostamente utilizado para acondicionar estupefaciente;
- 1 (uma) tábua de cozinha em madeira, utilizada para cortar haxixe;
- 1 (uma) faca de cozinha com cabo em madeira utilizada para cortar haxixe;
- Vários pedaços de haxixe, envoltos em película aderente com o peso líquido de cerca de 5,906 gramas;
- 1 (um) folha de uma agenda onde se encontravam inscritos vários números de telemóvel dos quais se destaca um número ………, contacto pertencente ao arguido B…”
● Alínea 143º: “O arguido J… e a arguida M… destinavam parte da canábis, resina que tinham em sua posse e que adquiriram ao arguido B…, à venda a terceiros e parte desse mesmo produto era destinado ao consumo pessoal de cada um desses arguidos”
● Alínea 144º: “A reduzida quantidade de canábis q1ue os arguidos J… e M… adquiriram ao arguido B…, não lhe permitiria realizar número elevado de vendas ou cedências, nem retirar das primeiras lucros avultados”
● Alínea 145º: “Os arguidos J… e M… sabiam que não lhes era lícito deter, vender, receber, comprar, transportar, ceder, guardar, adquirir ou distribuir, canábis, resina, substâncias cuja natureza estupefaciente e características psicotrópicas bem conheciam e, não obstante, quiseram fazê-lo, agindo da forma descrita”
● Alínea 146º: “Os arguidos J… e M… actuaram na sequência de um plano conjunto e em conjugação de esforços, como forma de melhor levarem a cabo tal actividade”
● Alínea 147º: “Os telemóveis que lhes foram apreendidos aos arguidos eram utilizados para os contactos relativos a comercialização de produtos estupefacientes, nomeadamente, para contactarem entre eles e serem contactados pelos indivíduos a quem o vendiam”
● Alínea 148º: “O dinheiro apreendido era proveniente de vendas de produto estupefaciente por eles, anteriormente, realizadas”
● Alínea 149º: “Os instrumentos apreendidos eram utilizados pelos arguidos para o corte e doseamento do produto estupefaciente”
● Alínea 158º: “O arguido J… concluiu o 3º ciclo do ensino básico
(…) Á data dos factos o arguido vivia com a namorada M… em habitação arrendada, encontrava-se laboralmente inactivo, subsistindo do Rendimento Social de Inserção, sendo apoiado pelos pais da namorada.
Mantinha consumo de haxixe, adição que partilhava com a namorada M… – (sublinhado nosso)
(…) O arguido tem procurado trabalho e mantém consumos de haxixe.
d. Relativamente à motivação da decisão de facto, é mencionado na sentença que: “No que concerne aos factos provados o Tribunal alicerçou-se nas regras de experiência comum, em conjugação com o conjunto da prova produzida(…)”
e. Contudo, a defesa considera, salvo o devidos respeito que a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão sub judice, uma vez que o Tribunal deixou de investigar matéria de facto com interesse fundamental para a decisão desta causa, mesmo que o desfecho fosse outro, ora vejamos:
f. O Tribunal tem conhecimento que o arguido tem hábitos de adição ao haxixe, assim como a sua namorada, contudo, e não obstante, o mesmo ter confessado tal dependência, nunca o Tribunal a quo tentou averiguar ou até colocar a hipótese de estarmos perante um mero consumidor e não traficante, sendo esta questão uma das lacunas no apuramento da matéria de facto, indispensável para a decisão de Direito. Por outro lado,
g. Como conjunto de prova produzida no que respeita ao arguido J… diz ainda a decisão sub judice ter atendido:
Às declarações dos seguintes arguidos:
A) “J… quanto ao facto de ter adquirido haxixe ao arguido B… e às suas condições pessoais.”
“B…, que confirmou ter vendido haxixe ao J….”
B) “Nos depoimentos prestados em audiência pelas seguintes testemunhas
1) W…, agente da PSP, que participou na detenção do arguido J… ocorrida em Julho de 2013, tendo deposto de forma isenta e credível
2) X…, agente da PSP que participou na detenção do arguido J… ocorrida em Julho de 2013, tendo prestado o sue depoimento de forma isenta e conveniente.
Relativamente às declarações dos arguidos importa referir que, das declarações dos mesmo, apenas se pode subsumir
o consumo de estupefaciente por parte do arguido J…
Já quanto à prova testemunhal, não está em causa a forma isenta e credível dos testemunhos, mas apenas serem os mesmos vazios de conteúdo, uma vez que se reportam à detenção do arguido, como é referido na sentença, ficando por aí…
Note-se que nada, mais é dito em sede de prova testemunhal na sentença relativamente a este arguido, e porque será? Porque em bom rigor, não há prova, uma vez que nada foi visto!
O Tribunal atendeu ainda à prova documental: relatório de vigilância do encontro entre os arguidos B… e J… (em que o arguido mencionou ter vendido e outro comprado!) à transcrição das escutas (em que o Tribunal apenas fundamentou a sua convicção atendendo ao relacionamento do arguido J… e da sua companheira M… e ao facto do arguido ser tratado pro “J…” em certas mensagens…
h. A defesa perante o exposto, questiona onde estão os factos provados que constituem prova cabal para fundamentar a decisão, considerando ainda, salvo melhor opinião, que não foram apurados os factos essenciais e necessários para a decisão da causa, uma vez que a prova nunca pode basear-se numa intuição de verdade de proposição.
i. Igual relevância reveste o ponto 2 da decisão: “Matéria de facto não provada”:
Importa para o efeito que não se conseguiu provar(…)
“e) – que o acordo firmado entre os arguidos J… e M… aludido no ponto 12 dos factos provados tenha ocorrido no início de 2013”
E, mais importante ainda:
“j) – que o arguido J… iria vender a placa de haxixe aludida no ponto 33) dos factos provados aos dois indivíduos referidos no ponto 34) dos factos provados”
j. Embora o arguido tenha sido detido neste hiato temporal para efeitos do art. 141º do CPP, o certo é que nem neste momento foi presenciada qualquer transacção ou qualquer outro tipo de prova que complete de forma inequívoca o elemento subjectivo do artigo 25º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
k. Não está em causa a detenção pelo arguido J… de substância estupefaciente, sendo esta detenção o único facto provado nesta audiência, que faz parte do tipo legal de crime que lhe é imputado, contudo tal detenção também existe quando o arguido é um mero consumidor.
l. Contudo, sem mais considerações e averiguações concretas (exigíveis até pelo princípio da imediação da prova) foi imputada a este jovem, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a) do DL 15/93 de 22/01, sem qualquer prova que o produto se destinasse à venda ou cedência a terceiros.
m. Perante o exposto, torna-se imperativo invocar o artigo 410º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por:
● Não existir prova da cedência a terceiros do produto estupefaciente, no sentido da venda do produto
(remete-se aqui para a matéria de facto não provada);
● Não existir prova de qualquer transação ou vantagem económica proveniente de acto que se relacione com o tráfico;
● E, mais importante ainda, em momento algum da sentença é mencionado ter o Tribunal diligenciado no sentido de aferir, não tendo assim feito qualquer menção em sede de audiência, ao consumo médio individual diário de haxixe do arguido J… e, se a quantidade que o mesmo detinha era superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias.
n. afigura-se pertinente invocar a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em que é relatora a Ex.ma Desembargadora Dr.ª Ana Bacelar, podendo-se ler no sumário que:
I- A detenção de substância estupefaciente para consumo próprio constitui crime ou contraordenação em conforme a quantidade seja, ou não, superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
II- A determinação do consumo médio individual de quem detém substância estupefaciente para consumo próprio revela-se, pois, fundamental para determinar o tipo de ilícito cometido.
III- Padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do C.P.P.), de conhecimento oficioso, a decisão em que não vem determinado o consumo médio individual de quem detém substância estupefaciente para consumo próprio.”
o. No caso em apreço, o Tribunal recorrido, não tomou em consideração, que o haxixe detido pelo arguido J…, se destinava a duas pessoas, pois era para consumo dele e da sua companheira M…, assim como não atendeu especificamente às suas necessidades diárias em termos de adição, uma vez que o mesmo é consumidor há anos.
p. Para a determinação do estado de toxicodependência é essencial não só identificar a natureza da substância, com vista à demonstração de que ela integra as referidas tabelas, como ainda também a percentagem do princípio activo existente no produto apreendido.
q. É necessário saber se o produto era “puro”, pois se o grau de pureza for diminuto, mais quantidade precisará o consumidor para satisfazer as suas necessidades.
r. Concluindo, sempre seria necessário atender também à prova pericial, para ajudar a aferir a adição do arguido, sendo que, relativamente a este ponto nem uma palavra é dita na sentença, relativamente ao arguido J….
s. Pelo que, perante o material probatório que o Tribunal recorrido dispunha, deveria ter ficado, pelo menos em dúvida, sobre os factos considerados provados e se o arguido os praticou, mas, não! Nem sequer pensou no princípio in dubio pro reo, por considerar desde o início que o arguido era traficante, não interessando assim ao Tribunal a versão do mesmo como consumidor unicamente.
t. Não restam dúvidas à defesa que a pena a que o arguido foi condenado, é injusta, não existindo matéria probatória para fundamentar tal decisão, por insuficiência manifesta de elementos essenciais de prova que nem sequer estão mencionados, nem considerados na sentença, pelo que:
u. Estamos perante um dos vícios previstos no artigo 41.º, n.º 2 do Código de Processo Penal devendo a pena aplicada ao arguido ser dada sem efeito, pois o mesmo não exerceu qualquer tipo de tráfico, sem deixar de se considerar que o arguido é consumidor, pois essa qualificação é a única que a prova permite que lhe seja atribuída!

Nestes termos e nos mais de direito que V.Ex.ª doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída pelos Venerandos Desembargadores, por outra que melhor se adapte à pretensão supra exposta, assim se fazendo a esperada e habitual JUSTIÇA!»

Inconformada com tal decisão, a Arguida M… dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. De acordo com a decisão recorrida foram julgados como provados, e com relevância para o presente recurso, os seguintes factos:
11 – Para o efeito, o arguido M… utilizava o telemóvel com o número ………, sendo seus clientes habituais, entre outros, U…, Y…, Z…AB…, AC…, AD…, AE…, AF…, AG…, bem como, os arguidos J… e a sua companheira, a arguida M…, a quem o mesmo vendeu haxixe em dias não concretizados, em número de vezes não apuradas e em quantidades igualmente não apuradas, sendo que estes dois últimos destinavam parte do produto que adquiririam à venda a terceiros.
12 – Os arguidos J… e M…, que viviam em união de facto, haviam combinado entre si, em data não apurada mas que situará pelo menos no mês de Julho de 2013, dedicarem-se à venda de canábis a terceiros que os procurassem para o efeito, adquirindo o produto ao arguido B…, para posterior venda aos seus clientes, sempre que fossem contactados, principalmente via telefone, por estes para o efeito.
13 – Tal actividade desenvolvida em conjunto pelos arguidos J… e M… perdurou pelo menos desde o mês de Julho de 2013 até ao mês de Outubro do mesmo ano.
33 – No dia 2 de Julho de 2013, pelas 22h25, depois de ter sido contactado telefonicamente para o efeito pela arguida M…, o arguido B… deslocou-se à Rua …, …, Vila Nova de Gaia, e entregou ao arguido J… uma placa de haxixe, para que este, de acordo com o plano que tinha delineado com a sua companheira M…, a vendesse a terceiros.
67 – Entre os dias 24 e 26 de Agosto, a arguida M… através do telemóvel n° ………, contactou o arguido B… e solicitou-lhe a venda de três placas de haxixe, que destinava a vender a um cliente dela e do arguido J….
68 – No dia 26 de Agosto de 2013, o arguido B… vendeu à arguida M… as três placas de pólen de Haxixe, para esta vender posteriormente a terceiros, juntamente com o arguido J…, tendo-se encontrado, para concretizar a referida entrega, em Vila Nova de Gaia, pelas 10h59m, o que veio a suceder.
143 – O arguido J… e a arguida M… destinavam parte da canábis resina que tinham na sua posse e que adquiriam ao arguido B…, à venda a terceiros e parte desse mesmo produto era destinado ao consumo pessoal de cada um desses arguidos.
144 – A reduzida quantidade de canábis que os arguidos J… e M… adquiriram ao arguido B…, não lhe permitiria realizar número elevado de vendas ou cedências, nem retirar das primeiras lucros avultados.
145 – Os arguidos J… e M… sabiam que não lhes era lícito deter, vender, receber, comprar, transportar, ceder, guardar, adquirir ou distribuir canábis, resina, substância cuja natureza estupefacientes e características psicotrópicas bem conheciam e, não obstante, quiseram fazê-lo, agindo da forma descrita.
146 – Os telemóveis que lhes foram apreendidos aos arguidos eram utilizados para os contactos relativos á comercialização de produto estupefaciente, nomeadamente, para contactarem entre eles e serem contactados pelos indivíduos a quem o vendiam.
148 – O dinheiro apreendido era proveniente de vendas de produto estupefaciente, por eles, anteriormente realizadas.
152 – Agiram os arguidos B…, E…, F…, G…, J… e M… voluntária, livre e conscientemente, com conhecimento do carácter proibido e criminalmente punido das suas condutas.
2. Quanto à arguida aqui recorrente, o tribunal recorrido fundou a sua convicção nos seguintes meios de prova:
● Nas declarações do arguido J…, quanto ao facto da arguida ser sua companheira e consumidora de haxixe;
● Nos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas W… e X…s;
● No teor dos seguintes documentos:
- Relatório de vigilância de fls. 26 e 27 do anexo I;
- Nos autos de transcrição das escutas telefónicas constantes nas sessões n.ºs 2736, 2737, 2780, 2781, 2790, 2793, 2796, 2797, 2817, 2818, 2823, 2828, 2831, 2835, 2836, 2837, 2838, 2839, 2842, 2843 e 2954 do alvo 58690040 (págs. 41, 42, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 54 e 55 do anexo A);
- Nos autos de transcrição das escutas telefónicas constantes nas sessões n.ºs 16101, 16102, 16127, 16128, 16129, 16130, 16131, 16133, 16135, 16144, 16294, 16272, 16274, 16439, 16449, 16450, 16455, 16457 e 16459 do alvo 58690040 (págs. 145-146 do anexo A);
- Reportagem fotográfica de fls. 668 que retrata o pedaço de haxixe e os demais objectos apreendidos ao arguido J…;
- No auto de leitura de telemóvel de fls. 1013-1015;
● Nos autos de busca e apreensão de fls. 7 e 8 do apenso 312/13.3PIVNG e fls. 663-665.
3. No entanto, uma correcta apreciação da prova produzida, conjugada com a apreciação de prova produzida mas não valorada pelo tribunal a quo no que à aqui arguida diz respeito, impõe decisão diversa.
4. Não contribuiu para a formação da convicção do tribunal, conforme consta da decisão recorrida, no que à arguida aqui recorrente diz respeito, nem as declarações prestadas pelo arguido B…, nem as declarações do arguido J…, para além do que concerne ao facto da arguida, aqui recorrente, ser sua companheira e consumidora de haxixe.
5. Porém, e conforme se irá demonstrar, as declarações do arguido B…, isoladamente, mas também conjugadas com as declarações prestadas pelo arguido J… e também com a restante prova produzida, impõe decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo.
6. Assim, relativamente às declarações prestadas pelo arguido B… interessa o seguinte:
(declarações gravadas através de sistema de gravação digital, sistema não integrado na aplicação informática em uso no tribunal, devido aos problemas técnicos sentidos na plataforma informática Citius, motivo pelo qual do ficheiro informático não consta a hora do início e fim do depoimento prestado no dia 24 de Setembro de 2014, mas correspondendo os excertos apresentados às partes feitas entre os 15m23s e 16m55s e 30m25s e 31m05s, do ficheiro informático, respectivamente).
15:23 - 16:55
Juiz - Ó Sr. Entre os vários clientes que o Sr. tinha alguma vez vendeu aos arguidos J… e M… alguma placa?
Arguido - Sim, sim.
Juiz - Ele. Quem é que o costumava contactar, o Sr. J… ou a Da M…? Arguido - Acho que era o J…. Juiz - O J…? Arguido - O J….
Juiz - E qual era, em termos de periodicidade, este Sr. contactava-o todos os dias?
Arguido - Não, não.
Juiz - Uma vez por semana?
Arguido - Era, mais ou menos.
Juiz - Uma vez por semana?
Arguido - Às vezes mais.
Juiz - Às vezes mais que uma vez?
Arguido - Às vezes demorava mais tempo.
Juiz - Mais, mas, em média, uma vez por semana iria lá comprar? Arguido - Uma ou duas vezes. Juiz - Uma ou duas vezes. Arguido -Uma ou duas semanas.
Juiz - Uma vez por semana ou duas semanas. E, em média vendia-lhe quê? Uma placa, dua placas, uma placa de cada vez?
Arguido - (imperceptível).
Juiz - E a este Sr. já lhe vendia os tais 120, 125?
Arguido - À volta disso, já não me lembro. Mas era à volta disso.
Juiz - Sabe, na altura, quando o Sr. entregava a este Sr. J…, alguma vez a Da M… estava presente? Arguido - Não sei, ele às vezes vinha com amigos, outras vezes vinha sozinho. Juiz - Mas eu estou-lhe...
Arguido - Não que eu não reparava que eu não saía.
Juiz - Não reparou? Pronto, não reparou se ela estaria, se entre esses amigos ela estaria presente. Sabe-me dizer o destino que este Sr. J… dava a esta placa? O destino que lhe dava?
Arguido - Não, devia ser para consumo. Mas, se desenrascava a outros amigos já não sei.
30:25 - 31:05
Juiz [Em conversa com um dos membros do colectivo] - Os telemóveis já o disse que era contactado por eles, não é?
Juiz - O Sr. alguma vez foi contactado, para além do Sr. J…, pela Da M…? Telefonicamente? Arguido - Não sei, talvez, com o número dela, talvez.
Juiz - Talvez? Solicitando, designadamente três placas de haxixe, em 24 a 26 de Agosto? Arguido - Não me lembro. Juiz - Não se lembra?
7. Em primeiro lugar, desde já se destaca o facto de que o tribunal recorrido atribuiu, às declarações prestadas pelo arguido B…, plena credibilidade, como resulta da própria decisão recorrida: o arguido confessou a sua apurada conduta, tendo esclarecido a participação dos arguidos E… e F… no desenvolvimento da sua actividade - cfr. página 30 da decisão recorrida.
8. Foi, basicamente, através de tais declarações confessórias que o tribunal recorrido deu como provados a esmagadora maioria dos factos imputados ao arguido B…, como melhor resulta do próprio decorrer da audiência de discussão e julgamento, em que o Ministério Público, após as declarações prestadas pelos vários arguidos, mas em especial pelo arguido B…, prescindiu da quase totalidade da prova testemunhal indicada na acusação, bem como resulta do próprio teor da decisão recorrida.
9. Para além disso, o tribunal recorrido não atribuiu credibilidade às declarações deste arguido apenas no que as mesmas tinham natureza confessória: como decorre da própria fundamentação da decisão recorrida, a convicção do tribunal relativamente às condutas dos arguidos E…, F…, G… e J… foi também formada com base nas declarações prestadas pelo arguido B… - cfr. página 30, 35, 38, 40, 43 da decisão recorrida.
10. Ou seja, o tribunal recorrido apenas não valorou as declarações prestadas pelo arguido B… no que à aqui recorrente diz respeito, o que se percebe: afinal, tais declarações eram contrárias à convicção pré-formada pelo tribunal, ou, não o sendo, permitiam, pelo menos, estabelecer dúvida razoável quanto à prática dos factos que eram imputados à aqui recorrente.
11. Consequentemente, como resulta da transcrição acima efectuada:
● O arguido B… declarou ter vendido produto estupefaciente ao arguido J…;
● O arguido B… declarou ser contactado pelo arguido J…;
● O arguido B… não se recorda de a arguida, aqui recorrente, alguma vez ter estado presente em alguma transacção efectuada entre o próprio e o arguido J…;
● O arguido B… declarou não se recordar de a arguida M… o ter contactado, entre 24 e 26 de Agosto de 2014, com vista à aquisição de três placas de haxixe.
12. Ora, o conhecimento directo de tal arguido é inegável, bem como a credibilidade atribuída pelo próprio tribunal recorrido a tais declarações.
13. Quanto às declarações prestadas pelo arguido J… interessa o seguinte:
(declarações gravadas através de sistema de gravação digital, sistema não integrado na aplicação informática em uso no tribunal, devido aos problemas técnicos sentidos na plataforma informática Citius, motivo pelo qual do ficheiro informático não consta a hora do início e fim do depoimento prestado no dia 24 de Setembro de 2014, mas correspondendo os excertos apresentados às partes feitas entre a 1h22m35s e a 1h24m56s do ficheiro informático).
01:22:35 - 01:24:56
Juiz – J…, não é?
Arguido - Exactamente.
Juiz - Sr. J…, o Sr. vem acusado de, por vezes, comprar haxixe ao Sr. B…. É verdade?
Arguido - É verdade.
Juiz - Tem que falar mais alto.
Arguido - É verdade.
Juiz - Senão não consigo ouvi-lo e não fica gravado e tem que ficar. O Sr. como é que fazia? Contactava o Sr. J…, tinha o telefone dele?
Arguido - Contactava via telefone.
Juiz - E, em média, comprava-lhe todos os meses, uma vez por mês, uma vez por semana, como é que eram esses contactos?
Arguido - Não, era dependente, era dependente, porque era para consumo.
Juiz - Para seu consumo?
Arguido - Sim, sim, porque eu sou consumidor e volto a dizer que não sou traficante. Quando acabava, quando não tinha mais nada tornava a ir buscar, mas era sempre para o meu consumo. Eu na altura não quis…
Juiz - E, já agora, o Sr. comprava, em média, o quê, uma placa, mais do que uma placa?
Arguido - Ou isso ou menos. Ou uma placa ou menos do que isso.
Juiz - O Sr. alguma vez, nessas idas ao. Quem lhe entregava era sempre o Sr. B…?
Arguido - Sim.
Juiz - Sempre o Sr. B…
Arguido - Sim, sim.
Juiz - Pagava quanto por cada placa?
Arguido - 125.
Juiz - 125. E, nessas idas, nesses encontros, o Sr. foi sempre sozinho ou por vezes ia acompanhado, designadamente com a Sr° M…?
Arguido - Não, não, não. A B… só nesta última vez é que…
Juiz - Só lá foi esta última vez.
Arguido - Quando eu fui detido, de resto, sozinho, a maioria das vezes sozinho.
Juiz - Não houve uma altura em que o Sr. lá estava com três indivíduos?
Arguido - Sim, sim.
Juiz - Um dos quais a M…?
Arguido - Sim, foi a última vez.
Juiz - Foi essa ultima vez.
Arguido - Sim, sim.
Juiz - O Sr. quantas vezes é que lá ia, mais ou menos? Em média?
Arguido - De duas em duas semanas, mais ou menos.
Juiz - De quinze em quinze dias?
Arguido - É, mais ou menos.
Juiz - Comprava uma placa de quinze em quinze dias?
Arguido - Mais ou menos, ou se calhar demorava mais porque às vezes não fumava tanto, dependendo. Como é para os dois.
Juiz - E o Sr., estes amigos que iam consigo, também iam fumar dessa placa?
Arguido - Não, porque eles iam buscar a outros lados porque eu não vendia. À partida eles não queriam nada dali.
Juiz - Não, aquela placa era só para si?
Arguido - Era só para nós, sim.
Juiz - E para a sua namorada, não?
Arguido - Também, também,
Juiz - Também?
Arguido - Para os dois.
14. Quanto ao depoimento do arguido J… desde já se realça que o tribunal recorrido foi selectivo no que diz respeito à medida em que tal depoimento fundou a sua convicção, isto é, o depoimento deste arguido fundou a convicção do tribunal mas apenas quanto ao facto da arguida, aqui recorrente, ser sua companheira e ser consumidora de haxixe, nada tendo contribuído, para a formação da convicção do tribunal, o resto do depoimento do arguido, ou seja, a sua maioria.
15. Porém, de tal depoimento resulta claro o seguinte:
● O arguido negou a prática dos factos que lhe eram imputados;
● Declarou que era ele quem contactava com o arguido B…, por telefone;
● Declarou que a arguida, aqui recorrente, não o acompanhava quando o mesmo se deslocava para adquirir haxixe, tendo-o o feito apenas no dia em que o arguido foi detido (2 de Julho de 2013);
● Afirmou que o estupefaciente que adquiria visava, por parte de arguido e recorrente, apenas e exclusivamente o seu consumo.
16. Ou seja, os depoimentos dos arguidos B… e J… são absolutamente coincidentes: o arguido J… contactava o arguido B… com vista à aquisição de produto estupefaciente, aquisição que era depois, em função de tais comunicações, concretizada.
17. Por conseguinte, destes depoimentos não resulta nenhuma prova que permita concluir que:
i. O arguido B… tinha por cliente habitual a arguida M…, a quem aquele vendeu haxixe em dias não concretizados, em número de vezes não apuradas e em quantidades igualmente não apuradas - cfr. facto provado n° 11;
ii. A arguida M… destinava parte do produto que adquiria à venda a terceiros - cfr. facto provado n° 11;
iii. Que os arguidos J… e M… haviam elaborado, entre si, em data não apurada, mas que se situará pelo menos no mês de Julho de 2013, um plano para, em conjunto se dedicarem à venda de canábis a terceiros que os procurassem para o efeito, principalmente via telefone, por estes, para o feito – cfr. facto provado nº 12;
iv. Que tal actividade desenvolvida em conjunto pelos arguidos J… e M… tenha perdurado desde o mês de Julho de 2013 até ao mês de Outubro do mesmo ano - cfr. facto provado n° 13;
v. Que tenha sido a arguida M… quem contactou telefonicamente o arguido B… no dia 2 de Julho de 2013 e que a placa de haxixe adquirida pelo arguido J… visasse a venda a terceiros, de acordo com um plano prévio elaborado por estes arguidos - cfr. facto provado n° 33;
vi. Que tenha sido a arguida M… quem contactou o arguido B…, entre os dias 24 e 26 de Agosto, com vista à aquisição de três placas de haxixe - cfr. facto provado n° 67;
vii. Que tais placas de haxixe se destinassem a venda a um cliente da arguida M… e do arguido J… - cfr. facto provado n° 67;
viii. Que no dia 26 de Agosto de 2013, a arguida M… tenha adquirido, ao arguido B…, três placas de haxixe, pelas 10h59, em Vila Nova de Gaia - cfr. facto provado n° 68.
18. Inexistindo qualquer prova produzida, no âmbito dos depoimentos prestados pelos arguidos B… e J… quanto a tais factos, que o tribunal recorrido, erradamente, julgou provados, também os factos conclusivos relacionados têm que resultar não provados, nomeadamente que:
i. Os arguidos J… e M… destinavam parte da canábis resina que tinham na sua posse e que adquiriam ao arguido B… à venda a terceiros – cfr. facto provado nº 143;
ii. As vendas ou cedências praticadas pela arguida M… não lhe permitia retirar das mesmas lucros avultados - cfr. facto provado n° 144;
iii. Que os arguidos J… e M… sabiam que não lhes era lícito deter, vender, receber, comprar, transportar, ceder, guardar, adquirir ou distribuir canábis, resina, substância cuja natureza estupefacientes e características psicotrópicas bem conheciam e, não obstante, quiseram fazê-lo, agindo da forma descrita, tendo actuado na sequência de um plano conjunto e em conjugação de esforços - cfr. factos provados n° 145 e 146;
iv. Que os telemóveis apreendidos aos arguidos eram utilizados para os contactos relativos à comercialização de produto estupefaciente, nomeadamente para serem contactados pelos indivíduos a quem o vendiam - cfr. facto provado n° 147;
v. Que o dinheiro apreendido era proveniente de vendas de produto estupefaciente realizadas pelos arguidos J… e M… (ainda hoje se pergunta, mas a qualquer um destes arguidos foi apreendido alguma quantia monetária?) - cfr. facto provado n° 148;
vi. Qua a arguida M… agiu voluntário, livre e conscientemente, com conhecimento do carácter proibido e criminalmente punido das suas condutas – cfr. facto provado nº 152.
19. O tribunal recorrido, no que à aqui recorrente diz respeito, não valorou de todo o depoimento do arguido B… e valorou erradamente o depoimento do arguido J…, erros de julgamento que expressamente se invocam e que, caso não tivessem ocorrido, isto é, se tais depoimentos tivessem sido, quanto ao primeiro, valorado, e, quanto ao segundo, valorado correctamente, a decisão do tribunal recorrido impunha-se que fosse outra.
20. Analisados os depoimentos dos arguidos B… e J…, os únicos depoimentos de arguidos com interesse no âmbito do presente recurso, será que a restante prova produzida foi suficiente para formar a convicção do tribunal recorrido, nos termos que melhor consta do acórdão condenatório? A resposta é simples: não.
21. Começaremos por analisar a prova testemunhal; como foi já alegado, face às declarações dos arguidos, o Ministério Público prescindiu de todas as testemunhas arroladas na acusação (trinta e duas), com excepção de seis: W…, X…, AF…, AG…, AH… e AI….
22. Com conhecimento directo de factos relacionados com a arguida M… e, consequentemente, com interesse para o recurso, apenas foram ouvidas duas: W… e X….
23. Relativamente ao depoimento da testemunha W…, interessa o seguinte:
(declarações gravadas através de sistema de gravação digital, sistema não integrado na aplicação informática em uso no tribunal, devido aos problemas técnicos sentidos na plataforma informática Citius, motivo pelo qual do ficheiro informático não consta a hora do início e fim do depoimento prestado no dia 1 de Outubro de 2014, mas correspondendo os excertos apresentados às partes feitas entre os 00m08s e 00m29s, do ficheiro informático, respectivamente).
00:08 – 00:29
Juiz - Sr. Agente, o Sr. conhece alguns, ou todos eles, dos senhores que estão sentados atrás de si, que estão a ser julgados? Para além destes senhores, há um deles que falta, um Sr. P…, que está a ser julgado na ausência.
Agente - Pois. De vista, de vista, conheço o segundo, penso eu, mas nenhum assim que conheça particularmente.
00:40 - 02:21
Testemunha - Penso que sou testemunha de duas detenções.
Procurador - Detenções.
Testemunha - Uma na estação de Metro ….
Procurador - Ainda se lembra da situação?
Testemunha - Sim, sim. Isto.
Procurador - Relativamente a nomes o Sr. já não se lembra?
Testemunha - Não.
Procurador - Pronto.
Testemunha - Não, não posso precisar.
Procurador - Então o que é que houve de especial lá. Foi um grupo?
Testemunha - Foi.
Procurador - O que é que chamou a atenção?
Testemunha - Chamou a atenção, pronto, nos estávamos com o Chefe.
Procurador - Certo
Testemunha - da 5ª Esquadra de Investigação Criminal que nos disse que aquele grupo teria droga, pelo menos um dos elementos e nós fizemos a abordagem e, realmente, ao chegarmos, eles ficaram nervosos e, pronto, a gente sabe quando vamos abordar um grupo que a reacção que eles têm, também. E, pronto, logo na abordagem apanhamos, ou melhor, um dos elementos disse-nos logo que tinha droga com ele, não sei quantas gramas, seis, seis gramas e qualquer coisa, mas que viemos posteriormente a encontrar mais droga com ele na roupa interior.
Procurador - Veja se recorda as pessoas que faziam parte desse grupo, o número de pessoas…
Testemunha - Eram quatro pessoas, penso eu.
Procurador - Havia alguma pessoa do sexo feminino, ou não?
Testemunha – Já não posso precisar, não posso precisar.
Procurador – Sim senhora.
24. Como resulta da transcrição, que corresponde à quase totalidade do depoimento da testemunha, a mesma não foi confrontada com o auto de detenção no qual figura como testemunha e do seu depoimento, o relato feito em tal auto não só não é confirmado, como é infirmado: em primeiro lugar porque tal auto não faz qualquer referência à existência de comunicações em tempo real com qualquer outro órgão de polícia criminal, fazendo crer a redacção do auto de notícia que a intercepção ali relatada foi absolutamente fortuita; em segundo lugar porque o mesmo não confirma a presença de qualquer elemento do sexo feminino no grupo que abordou. Por outro lado, o depoente nem sequer reconheceu a arguida aqui recorrente, presente na audiência de discussão e julgamento no dia e hora em que a testemunha depôs.
25. Ora, o conhecimento (ou desconhecimento) directo dos factos da testemunha W… é, também, inegável.
26. No entanto, tal depoimento fundou (erradamente, como bem se percebe) a convicção do tribunal recorrido no sentido da condenação da aqui recorrente.
27. Relativamente ao depoimento da testemunha X…, interessa o seguinte:
(declarações gravadas através de sistema de gravação digital, sistema não integrado na aplicação informática em uso no tribunal, devido aos problemas técnicos sentidos na plataforma informática Citius, motivo pelo qual do ficheiro informático não consta a hora do início e fim do depoimento prestado no dia 1 de Outubro de 2014, mas correspondendo os excertos apresentados às partes feitas entre os00m30s e 00m47s, entre os 01m06s e 02m12s, entre os 04m30s e 04m45s e entre 04m50s e 05m36s, do ficheiro informático, respectivamente).
00:30 – 00:47
Juiz - Sr. Agente o Sr. conhece algum dos arguidos que estão a ser julgados? Nem todos os que estão aí, melhor dizendo, para além dos que estão presentes alguns estão a ser julgados na ausência. Conhece algum deles?
Agente - Destes não me recordo, não.
01:06 - 02:12
Procurador - Sr° testemunha, mas lembra-se de nomes de pessoas, sabe do que é que estamos a tratar?
Testemunha - Processo de droga, no qual eu fiz duas detenções.
Procurador – P… diz-lhe alguma coisa?
Testemunha – P… e J….
Procurador - Qual foi a sua intervenção?
Testemunha - Eu sou o agente detentor destes dois arguidos.
Procurador - Sim senhor. Em que circunstâncias, ainda se recorda?
Testemunha – J…, foi uma detenção de haxixe, que foi efectuada na estação do Metro, na …, aqui na …, em Gaia.
Procurador - Quando isso aconteceu ele estava sozinho ou acompanhado?
Testemunha - Estava com mais dois rapazes e uma rapariga.
Procurador - E identificou essas pessoas?
Testemunha - Sim, sim, foram todos conduzidos à esquadra e foram todos identificados.
Procurador - Já agora, o que é que levou a essa intervenção? Houve alguma atitude especial?
Testemunha - Nós tivemos conhecimento...
Procurador - Ou já havia suspeitas.
Testemunha - Havia suspeitas de uma investigação de droga, da qual tivemos conhecimento que houve uma transacção, e eles foram abordados por esse motivo.
04:30 - 04:45
Juiz - Relativamente aos dois rapazes e à rapariga que estavam também com o Sr. J…, foi encontrado algum.
Testemunha - Não, não, não tinham nada com eles. Só o Sr. J… é que tinha.
Juiz - Só o Sr. J… é que tinha haxixe com ele.
04:50 - 05:36
Advogado - Sr. Agente, bom dia.
Testemunha - Bom dia.
Advogado - Quantos agentes participaram na intervenção?
Testemunha - Nós somos, trabalhamos oito, naquele dia preciso não sei lhe dizer ao certo.
Advogado - Mais de dois?
Testemunha - Sim, sim. No mínimo cinco.
Advogado - No mínimo cinco.
Testemunha - No mínimo cinco.
Advogado - Porque é que só aparecem dois no auto de notícia?
Testemunha - Achamos que não era suficiente pôr toda a gente como testemunha.
Advogado - (imperceptível) o relato que nos fez aqui não está descrito da mesma forma no auto de detenção.
Testemunha - Só o meio de comunicação é que foi através de uns colegas meus, de resto.
28. Quer a testemunha W…, quer a testemunha X…, depuseram sobre a mesma realidade: a intercepção e detenção do arguido J… em 2 de Julho de 2013, no entanto, da análise de ambos os depoimentos resultam duas versões contraditórias e incoerentes.
29. Do auto de notícia elaborado pela testemunha X…, do qual consta como testemunha W…, pode ler-se o seguinte (cfr. fls. 2-B e 3 do proc. n° 312/13.3PFVNG):
"Por à data e hora supramencionada quando me encontrava de serviço integrado na 4a EIR, desta Divisão Policial, ao passar no local acima mencionada, ter verificado um grupo de indivíduos, que ao avistarem a viatura Policial tomaram uma atitude suspeita, movimentando-se para destinos opostos mas sempre olhando de soslaio.
Da rápida intervenção Policial foi possível interceptar os quatro suspeitos, os quais ao serem questionados se eram possuidores de qualquer objecto ou produto ilícito, o J… entregou de livre e espontânea vontade um pedaço de produto suspeito de ser estupefaciente (…), tendo o mesmo assumido a sua posse de imediato.
(...) Da revista efectuada aos suspeitos foi possível verificar que o J… tinha na sua posse, escondido dentro dos boxers, uma placa de produto suspeito de ser estupefaciente (...)".
30. Nenhuma referência é feita à arguida aqui recorrente e nesse mesmo documento a testemunha W… fez constar que os suspeitos NÃO actuaram em grupo - cfr. verso fls. 2-B, proc. n° 312/13.3PFVNG.
31. Do relatório de vigilância de fls. 26 do anexo 1 consta o seguinte relato: "22h25 - O signatário vê que à Estação do Metro …, situada na …, chega um metro proveniente do Porto e que do seu interior sai um grupo de quatro indivíduos, sendo três do sexo masculino e um do sexo feminino. Um dos indivíduos do sexo masculino, que veste uma t-shirt, corsários e transporta uma mochila às costas, dirige-se à Rua …, enquanto os restantes três ficam a conversar no cais da estação.
Na Rua …, este indivíduo contacta pessoalmente com o B…, verificando-se que o B… lhe entrega uma placa de um produto de cor acastanhada que o mesmo oculta no interior dos corsários. Pouco depois, o B… abandona o local no seu carro, enquanto o outro indivíduo regressa à estação do metro, juntando-se aos restantes três indivíduos."
32. Como resulta deste documento, não só a detenção do arguido J… não resultou do acaso, enquanto a testemunha X… passava junto à estação de metro, como o próprio confirmou em sede de audiência de julgamento, como também tal agente sabia já em que local o arguido tinha ocultado a placa de haxixe que tinha acabado de adquirir ao arguido B….
33. Resulta também cristalino deste relatório de vigilância que:
● Não é a arguida M… quem se dirige ao arguido B…;
● Não é a arguida M… quem recebe uma placa de produto de cor acastanhado;
● Não é a arguida M… quem oculta tal placa na roupa interior;
● Não há qualquer referência, em tal documento, a qualquer contacto telefónico encetado pela arguida M….
34. Conjugando os depoimentos prestados pelas testemunhas W… e X…, com o auto de notícia de fls. 2-B e 3 do proc. n° 312/13.3PFVNG e de fls. 26 do anexo 1, resulta assim claro que:
● A arguida não detinha, vendeu, comprou, transportou, cedeu, guardou, adquiriu ou distribuiu produto estupefaciente - cfr. facto provado n° 145;
● A arguida não elaborou, com o arguido J…, qualquer plano conjunto em conjugação de esforços, como forma de melhor desenvolver aquela actividade - cfr. facto provado n° 146.
35. É assim manifesto que uma correcta análise e valoração dos depoimentos das testemunhas W… e X…, conjugada com uma correcta análise e valoração da prova documental junta aos autos a fls. 2-B e 3 do proc. n° 312/13.3PFVNG e de fls. 26 e 27 do anexo 1, implica que todos os factos dados como provados, relativamente à aqui recorrente B…, sejam considerados como não provados.
36. Tal análise não só permite o juízo formulado pelo tribunal recorrido como impõe que se considerem provados os factos contrários, não se tratando, portanto, da mera existência de dúvida quanto à autoria dos factos imputados à arguida.
37. Depois de analisados as declarações prestadas pelos arguidos B… e J…, os depoimentos das testemunhas W… e X…, o auto de notícia por este elaborado (cfr. fls. 2-B e 3 do proc. n° 312/13.3PFVNG), o relatório de vigilância relativo ao dia 2 de Julho de 2013 (cfr. fls. 26 e 27 do anexo 1) é imperativo concluir que, face a tais meios probatórios, nenhuma prova foi produzida que permitisse formar convicção no sentido da condenação da arguida M…, aqui recorrente.
38. Analisados tais meios probatórios, meios que fundaram a convicção do tribunal recorrido no sentido contrário àquele para que eram idóneos, resta analisar se os meros autos de transcrição das escutas telefónicas são suficientes para que o tribunal pudesse fundar a sua convicção no sentido da condenação da aqui recorrente e se, tais meios probatórios, são suficientes para não imporem decisão diversa.
39. Da decisão recorrida resulta que os autos de transcrição das escutas telefónicas assumiram especial preponderância na formação da convicção do tribunal.
40. Foi através de tal meio probatório que o tribunal, lê-se na decisão recorrida, concluiu, de forma inequívoca, que o utilizador do n° ……… era a aqui recorrente.
41. Foi também com base, exclusivamente, nesse meio probatório que o tribunal recorrido fundou a sua convicção no que concerne aos factos imputados à arguida datados de 24 a 26 de Agosto – cfr. factos provados nº 67 e 68.
42. Diz-se exclusivamente porque, quanto a tais factos:
i. O arguido B… declarou não se recordar de ter sido contactado pela arguida, aqui recorrente, entre os dias 24 e 26 de Agosto de 2013 (cfr. transcrição das declarações prestadas pelo arguido já efectuada);
ii. Não foi produzida qualquer prova testemunhal sobre tais factos;
iii. Não constam dos autos quaisquer relatórios de vigilância e/ou seguimento, quer ao arguido B…, quer à arguida M…, dos quais constem quaisquer referências a essa alegada transacção.
43. Importa portanto analisar, com minúcia, tais transcrições, isto porque, se minuciosamente analisados tais meios probatórios, e não apenas pela rama como parece ter feito o acórdão recorrido, a conclusão lógica que se impõe é apenas uma: a absolvição da recorrente.

DA UTILIZAÇÃO DE PROVA QUE NÃO PODE SER
44. Nos termos do art. 188º do CPP, durante o inquérito o Juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações, só podendo valer como prova as conversações e comunicações que o Ministério Público mandar transcrever ao órgão de polícia criminal que tiver efectuado a intercepção e gravação e indicar tais conversações ou comunicações como meios de prova – cfr. nºs 7 e 9, alínea a) do art. 188º do CPP.
45. Os requisitos são cumulativos e, portanto, as comunicações que o Ministério Público não mandar transcrever não podem valer como prova.
46. O tribunal recorrido fundou a sua convicção, no que à aqui recorrente diz respeito, entre outras, no auto de transcrição da escuta telefónica relativa à sessão 2817 – cfr. pág. 42 da decisão recorrida.
47. Como resulta da promoção de fls. 226, 227 e 228 dos autos, o Ministério Público não requereu a transcrição da sessão 2817, relativa ao alvo 58690040 B…, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 9 do art. 188º.
48. Não consta dos autos qualquer outra promoção no âmbito da qual o Ministério Público requeira a transcrição da aludida sessão.
49. Ao formar a sua convicção com base na transcrição de tal sessão, transcrição que não foi promovida pelo M.P. e que, consequentemente não foi autorizada pelo Juiz de Instrução, o tribunal recorrido fundou a sua convicção num meio probatório que não podia servir como tal, que não era apto a servir como prova, que, do ponto de vista processual, penal e do ponto de vista probatório não existe.
50. Se o tribunal recorrido não podia fazer uso de um determinado meio de prova e o fez, se esse meio de prova não podia servir para fundar a convicção do tribunal e fundou, então, em tal decisão, o tribunal a quo nega os próprios fundamentos do Estado de Direito Democrático.
51. Só são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei – cfr. art. 125º do CPP.
52. A transcrição da sessão 2871 não pode valer como prova.
53. Consequentemente, o tribunal, para fundar a sua convicção fez-se valer de prova proibida.
54. !A nulidade resultante da violação de proibições de prova é insanável” (Ac. STJ, de 5 de Junho de 1991), nulidade insanável que expressamente se invoca, por violação do disposto no art. 188º, nº 7 e nº 9, alínea a), por força das disposições dos arts. 125º, 126º, nº 3 e 190º, todos do CPP, e ainda do disposto no art. 32º, nº 8 da CRP.
55. O acórdão recorrido é assim nulo, nulidade que expressamente se invoca e nulidade que deve ser oficiosamente decretada, nos termos das disposições conjugadas dos art. 188º, nº 7 e nº 9, alínea a), por força das disposições dos arts. 125º, 126º, nº 3 e 190º, todos do CPP, e ainda do disposto no art. 32º, nº 8 da CRP.

DA CORRECTA ANÁLISE DAS ESCUTAS EFECTUADAS
56. O tribunal recorrido concluiu de forma inequívoca ser a arguida, aqui recorrente, a utilizadora do n° ……….
57. Porém, tendo o arguido J… declarado ser ele quem contactava com o arguido B…; tendo o arguido B… declarado não ter a certeza sobre se a arguida M… alguma vez tinha contactado com ele, não se recordando se, especificamente, entre os dias 24 e 26 de Agosto, tais contactos aconteceram; não tendo sido feita qualquer outra prova que infirme tais declarações, não podia o tribunal recorrido ter concluído que a arguida M…, aqui recorrente, era a utilizadora do n° ……….
58. Mas ainda que pudesse, a arguida M… ser, ou não, utilizadora de tal número é irrelevante. Isto porque, com vista à formação da convicção do tribunal recorrido, a única coisa que deveria ter relevado é se foi, ou não, a arguida M… a enviar as mensagens escritas ao arguido B…, no dia 2 de Julho de 2013, e se foi, ou não, a arguida M… a enviar as mensagens escritas ao arguido B… nos dias 24 a 26 de Agosto.
59. Ora, a globalidade da prova produzida, e já analisada nas presentes alegações, impõe resposta negativa.
60. Mas, para além de tal prova, importa ainda realçar que estão em causa, no âmbito das transcrições telefónicas efectuadas, mensagens escritas.
61. Ao contrário das conversações telefónicas, em que a voz dos intervenientes é audível e, portanto, reconhecível, nas mensagens escritas o autor das mesmas não tem qualquer característica identificadora.
62. Tanto assim é que, como melhor decorre das próprias transcrições (sessões 2736, 2737, 2780, 2781, 2790, 2793, 2796, 2797) o número ……… encontra-se associado a um indivíduo desconhecido.
63. É, assim, irrelevante, quem se arroga ser portador, proprietário ou utilizador de um determinado número de telemóvel.
64. Relevante tem que ser, apenas, quem efectivamente redigiu e enviou tais comunicações electrónicas.
65. Porque tais comunicações são, antes de mais, escritas, é impossível, salvo sob observação directa, saber quem enviou tais comunicações.
66. Não tendo existido observação directa, nem quanto à autoria das mensagens electrónicas, nem quanto à realização da alegada transacção, impõe-se que os factos provados n° 67 e 68 sejam considerados não provados.
67. Não há, portanto, nenhum elemento probatório junto aos autos que permita concluir, para lá do in dubio pro reo, ter sido a arguida, aqui recorrente, a enviar as SMS's transcritas e, erradamente, valoradas.
68. Consequentemente, nunca poderia o tribunal recorrido ter julgado como provado que foi a arguida, aqui recorrente, quem contactou com o arguido B… com vista à aquisição de uma placa de haxixe - cfr. facto provado n° 33.
69. Tal como nunca poderia o tribunal recorrido ter julgado como provado que foi a arguida quem contactou com o arguido B… entre os dias 24 e 26 de Agosto - cfr. facto provado n° 67.
70. Por outro lado, não há nenhuma comunicação electrónica transcrita nos presentes autos em que o número ……… peça, no dia 2 de Julho de 2013, ao arguido B… qualquer produto estupefaciente - cfr. sessões 2736, 2737, 2780, 2781, 2790, 2793, 2796, 2797, fls. 41 a 48 do anexo A.
71. A única comunicação em que tal pedido é efectuado consta associada ao número ……... - cfr. Sessão 2770, fls. 43 anexo A.
72. O tribunal recorrido não concluiu que tal número fosse pertença da aqui recorrente.
73. Nem o poderia fazer atenta a falta de qualquer elemento probatório nesse sentido.
74. Ou seja, errou o tribunal recorrido na análise, interpretação e valoração deste meio probatório, impondo-se decisão diversa.
75. Mais ainda, caso o tribunal recorrido tivesse analisado com o mínimo de minúcia a prova produzida, facilmente concluiria que o número ……… está associado a indivíduo desconhecido FOTOGRAFADO pelos órgãos de polícia criminal - cfr. transcrição do telefonema entre o n° ……… e o n° ………, sessão 15458, constante de fls. 123 do anexo A conjugada com relatório de seguimento e vigilância de fls. 36 do anexo 1:
o O indivíduo desconhecido solicita, às 18h32m, "uma", e combina, com o arguido B…, para pouco depois, a entrega no AJ… - cfr. Sessão 15458, constante de fls. 123 do anexo A.
o Os agentes AK… e AL… observam o arguido B…, pelas 18h54, a chegar ao AJ…, e a entregar a um indivíduo desconhecido, uma placa de um produto de cor acastanhada - cfr. fls. 36 e fotos de fls. 42 e 43, do anexo 1.
o Ora é este mesmo número quem, no dia 2 de Julho de 2013, solicita ao arguido B… "uma" - cfr. Sessão 2770, fls. 43 do anexo A.
76. É assim manifesto que, uma correcta apreciação e valoração deste meio probatório, impõe que se julgue como não provado, o facto provado n° 33.
77. Quanto aos factos de 24 a 26 de Agosto de 2013, é por demais manifesto que o tribunal fundou a sua convicção no sentido em que presumiu ser a aqui recorrente a autora de tais comunicações escritas.
78. Se a mesma se arrogou ser a utilizadora de tal número, se o órgão de polícia criminal associou a arguida a tal número, é porque deveria ser ela a autora de tais mensagens.
79. Sem conceder que tenha sido a arguida a enviar tais mensagens, porquanto quanto a tal autoria inexiste prova produzida nos autos, este raciocínio, consistindo, em abstracto, numa presunção judicial, não teria qualquer problema, excepto quando o tribunal recorrido dá o subsequente salto lógico: Se a arguida, aqui recorrente, se arrogou do facto de ser utilizadora do número de telefone, se o órgão de polícia criminal associou a arguida a tal número, deve ser ela a autora de tais mensagens e, consequentemente, foi ela quem adquiriu, do arguido B…, três placas de haxixe no dia 26 de Agosto de 2013, pelas 10h59.
80. Este salto lógico é inadmissível; as presunções judiciais só são permitidas quando haja uma relação directa e segura entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge, não podendo, contudo, colidir com o princípio in dubio pro reo - cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 28-10-2009, em que foi relator Jorge Jacob, disponível em www.dgsi.pt.
81. Ora, inexistem dos autos, e não foi produzida em julgamento, qualquer prova quanto à alegada adquisição de 26 de Agosto de 2013:
● Não há testemunhas;
● Não há transcrições de telefonemas;
● Não há relatórios de seguimento;
● Não há relatórios de vigilância;
● Não houve detenções;
● O arguido B… declarou não se recordar de ter recebido qualquer contacto da arguida M… nos dias 24 a 26 de Agosto de 2013, tendo declarado apenas que vendia, com alguma regularidade, ao arguido J… haxixe (vendas confirmadas pelo próprio arguido J… nas suas declarações);
● O arguido B… nada declarou quanto à alegada venda de 26 de Agosto de 2013, nem nenhum esclarecimento lhe foi solicitado.
82. Ora, face à ausência de qualquer prova produzida à excepção das transcrições das mensagens (cuja autoria nunca se concederá), o estabelecimento da presunção judicial acima exposta viola, como é manifesto, o princípio in dubio pro reo.
83. O arguido B… negou ter alguma vez vendido produto estupefaciente à aqui recorrente (pelo menos, em relação a qualquer venda, nada declarou, tendo declarado apenas ter vendido produto estupefaciente ao companheiro da arguida).
84 Assim, face às declarações prestadas por tal arguido, conjugadas com a ausência de qualquer outro elemento probatório, é manifesto que, quanto a estes factos, relativos a Agosto de 2013, incorreu o tribunal recorrido em erro de julgamento, não podendo ter julgado como provado, como julgou:
-> Ter sido a arguida M… quem contactou o arguido B… e lhe solicitou a venda de três placas de haxixe, e que tais placas se destinavam a venda a um cliente dela e do arguido J… - cfr. facto provado n° 67;
-> Ter a arguida adquirido, no dia 26 de Agosto de 2013, ao arguido B… três placas de pólen de haxixe, aquisição que se terá concretizado pelas 10h59 - cfr. facto provado n° 68.
85. É assim manifesto que, uma correcta apreciação e valoração da prova produzida, e o estrito cumprimento e salvaguarda do princípio constitucional in dubio pro reo, impõe que se julguem como não provados, os factos provados n° 67 e 68.
86. Não só a prova produzida impõe decisão diversa, como infirma o próprio raciocínio do tribunal recorrido:
- O tribunal concluiu que o utilizador do n° ……… solicitou, através de mensagem escrita, ao arguido B… uma placa de haxixe, quando da análise da prova documental junta aos autos resulta que o único utilizador que poderá ter feito tal pedido foi o do n° ………;
O tribunal concluiu ser a arguida, aqui recorrente, a autora de tais mensagens escritas, através das quais teria pedido o fornecimento do produto estupefaciente e combinado o local de entrega, sem dispor de qualquer elemento probatório que permita tal conclusão;
- O tribunal deu como provado a aquisição, por parte da arguida, de três placas de produto estupefaciente, sem qualquer elemento probatório que permita efectuar esse juízo presuntivo, juízo esse infirmado pela prova que consta dos autos, em especial pelas declarações do arguido B….
87. Por último:
i. Da análise dos autos, em especial do auto de apreensão de fls. 7 e 8 do processo apenso n° 312/13.3PFVNG, no que ao arguido J… diz respeito, e do auto de apreensão de fls. 663 a 665 dos autos principais, no que àquele arguido e à aqui recorrente diz respeito, resulta não ter sido apreendido, a nenhum destes arguidos e, em especial, à aqui recorrente, qualquer quantia monetária;
ii. Impõe-se assim que o facto provado n° 148 ("O dinheiro apreendido era proveniente de vendas de produto estupefaciente, por eles, anteriormente realizadas") tenha que ser julgado como não provado;
iii. No âmbito da prova produzida não foi identificado um único suposto "cliente" da aqui recorrente e do seu companheiro;
iv. De toda a prova produzida junta aos autos não consta um único contacto telefónico dos alegados "clientes" da aqui recorrente.
Inexistindo qualquer elemento probatório relativo a tais contactos telefónicos, bem como inexistindo qualquer elemento probatório relativo ao contacto, entre recorrente e o seu companheiro, via telefone para a alegada comercialização de produto estupefaciente, impõe-se que o facto provado n° 147 (Os telemóveis que lhes foram apreendidos aos arguidos eram utilizados para os contactos relativos á comercialização de produto estupefaciente, nomeadamente, para contactarem entre eles e serem contactados pelos indivíduos a quem o vendiam.) seja julgado como não provado.
88. Houve assim, erro manifesto e notório na apreciação da prova: do depoimento das testemunhas W… e X…, das declarações do arguido B… e J…, da análise da transcrição do telefonema entre o n° ……… e o n° ………, sessão 15458, constante de fls. 123 do anexo A conjugada com relatório de seguimento e vigilância de fls. 36 do anexo 1 e as fotos anexas de fls. 42 e 43 do mesmo anexo, da análise minuciosa das sessões 2736, 2737, 2780, 2781, 2790, 2793, 2796, 2797, fls. 41 a 48 do anexo A, da análise da Sessão 2770, de fls. 43 do anexo A, da análise de fls. 2-B e 3 do processo apenso n° 312/13.3PFVNG conjugada com o relatório de vigilância relativo ao dia 2 de Julho de 2013 de fls. 26 e 27 do anexo 1, da análise do auto de apreensão de fls. 7 e 8 do processo apenso n° 312/13.3PFVNG e do auto de apreensão de fls. 663 a 665 dos autos principais, bem como de toda a restante prova documental junta aos autos, a decisão recorrida considerou provados factos contrários aos resultantes da prova produzida, atribuindo à recorrente a prática de actos que as testemunhas não relataram, a partir de uma descrição que as mesmas não fizeram e que não constam de qualquer elemento documental.
89. Quando a decisão recorrida não considerou provados factos contrários aos resultantes da prova produzida, considerou factos provados em clara e manifesta violação do princípio in dubio pro reo, tendo decidido, face à imensa dúvida, que sobre a actuação da arguida paira, nos termos expostos, contra o reo.
90. Todos aqueles elementos probatórios, conjugados com toda a prova remanescente produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e com as regras da experiência, nos termos do art. 127° do CPP, impõe decisão diversa da recorrida, decisão essa só não proferida por erro de julgamento na apreciação da prova produzida, erro que se invoca.
91. Face à prova produzida e ao abrigo do princípio in dubio pro reo, impunha-se que a arguida fosse absolvida da prática dos factos pelos quais vinha acusada.
92. Como resulta do acima exposto, na dúvida, o tribunal a quo, não decidiu pro reo.

93. Em consequência, foram incorrectamente julgados os concretos pontos da matéria de facto sob os números 11 - na parte relativa à arguida M… e que desde já se destaca: "Para o efeito, o arguido B… utilizava o telemóvel com o número ………, sendo seus clientes habituais, entre outros, U…, Y…, Z…, AB…, AC…, AD…, AE…, AF…, AG…, bem como, os arguidos J… e a sua companheira, a arguida M…, a quem o mesmo vendeu haxixe em dias não concretizados, em número de vezes não apuradas e em quantidades igualmente não apuradas, sendo que estes dois últimos destinavam parte do produto que adquiririam à venda a terceiros."; 12 - Os arguidos J… e M…, que viviam em união de facto, haviam combinado entre si, em data não apurada mas que situará pelo menos no mês de Julho de 2013, dedicarem-se à venda de canábis a terceiros que os procurassem para o efeito, adquirindo o produto ao arguido B…, para posterior venda aos seus clientes, sempre que fossem contactados, principalmente via telefone, por estes para o efeito; 13 - Tal actividade desenvolvida em conjunto pelos arguidos J… e M… perdurou pelo menos desde o mês de Julho de 2013 até ao mês de Outubro do mesmo ano; 33 - No dia 2 de Julho de 2013, pelas 22h25, depois de ter sido contactado telefonicamente para o efeito pela arguida M…, o arguido B… deslocou-se à Rua …, …, Vila Nova de Gaia, e entregou ao arguido J… uma placa de haxixe, para que este, de acordo com o plano que tinha delineado com a sua companheira M…s, a vendesse a terceiros; 67 - Entre os dias 24 e 26 de Agosto, a arguida M… através do telemóvel n° ………, contactou o arguido B… e solicitou-lhe a venda de três placas de haxixe, que destinava a vender a um cliente dela e do arguido J…; 68 - No dia 26 de Agosto de 2013, o arguido B… vendeu à arguida M… as três placas de pólen de Haxixe, para esta vender posteriormente a terceiros, juntamente com o arguido J…, tendo-se encontrado, para concretizar a referida entrega, em Vila Nova de Gaia, pelas 10h59m, o que veio a suceder; 143 - O arguido J… e a arguida M… destinavam parte da canábis resina que tinham na sua posse e que adquiriam ao arguido B…, à venda a terceiros e parte desse mesmo produto era destinado ao consumo pessoal de cada um desses arguidos; 144 - A reduzida quantidade de canábis que os arguidos J… e M… adquiriram ao arguido B…, não lhe permitiria realizar número elevado de vendas ou cedências, nem retirar das primeiras lucros avultados; 145 - Os arguidos J… e M… sabiam que não lhes era lícito deter, vender, receber, comprar, transportar, ceder, guardar, adquirir ou distribuir canábis, resina, substância cuja natureza estupefacientes e características psicotrópicas bem conheciam e, não obstante, quiseram fazê-lo, agindo da forma descrita; 146 - Os arguidos J… e M… atuaram na sequência de um plano conjunto e em conjugação de esforços, como forma de melhor levarem a cabo tal actividade; 147 - Os telemóveis que lhes foram apreendidos aos arguidos eram utilizados para os contactos relativos á comercialização de produto estupefaciente, nomeadamente, para contactarem entre eles e serem contactados pelos indivíduos a quem o vendiam; 148 - O dinheiro apreendido era proveniente de vendas de produto estupefaciente, por eles, anteriormente realizadas; 152 - Agiram os arguidos B…, E…, F…, G…, J… e M… voluntária, livre e conscientemente, com conhecimento do carácter proibido e criminalmente punido das suas condutas, factos que, depois de correctamente apreciada e valorada a prova produzida, conjugada b«na sua globalidade, nos termos acima expostos, impõe-se que sejam julgados como não provados, impondo, portanto, decisão diversa.
94. O acórdão recorrido violou pois, no que à arguida aqui recorrente diz respeito, o disposto nos arts. 125º, 126º, nº 3, 127º, 188º, nºs 7 e 9, alínea a), todos do CPP, bem como o disposto no nº 8 do art. 32º da CRP, e ainda o princípio constitucional in dubio pro reo, devendo ser revogado e substituído por decisão que, julgando não provados todos os factos discriminadamente elencados e numerados, absolva a arguida da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 21°, n° 1 e 25°, alínea a) do DL 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal, disposições essas que, consequentemente, foram também violadas.
JUSTIÇA!»

Os recursos foram admitidos.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido,
(i) ao recurso interposto pelo Arguido J…, concluindo pela sua rejeição, por manifesta improcedência;
(ii) ao recurso interposto pela Arguida M…, concluindo pela sua improcedência;
(iii) ao recurso interposto pelo Arguido E…, concluindo pela sua improcedência.
*
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, revelando concordar com a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância, emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Previamente, suscita a questão da necessidade de a Arguida M… ser convidada a corrigir as conclusões da motivação do recurso que apresentou, por não constituírem súmula das razões do seu pedido.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.
*
Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[1], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[2].

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as questões:
- da (in)correta avaliação da prova produzida em julgamento;
- da violação do princípio in dubio pro reo;
- da (in)suficiência da matéria de facto para a decisão;
- da (des)adequação de pena imposta, por excesso.

Previamente, importa esclarecer:
- as razões que levaram a não formular convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação do recurso interposto pela Arguida M…;
- porque não deve ser rejeitado o recurso interposto pelo Arguido J….
*
No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:
………………………………………………
………………………………………………
………………………………………………
*
*
Conhecendo.
Para o que importa, na análise das questões que acima se deixaram enunciadas, fazer anteceder as considerações de facto sobre as de direito e, no domínio destas últimas, dar prioridade aos aspetos da previsão jurídica sobre aqueles outros que decorrem da sua verificação.

(i) Questão préviaConvite ao aperfeiçoamento da conclusões da motivação do recurso interposto pela Arguida M…
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, nesta Instância, entendeu justificar-se o convite ao aperfeiçoamento das conclusões do recurso interposto pela Arguida M…. Por não constituírem uma súmula das razões do pedido, sendo antes uma reprodução integral da motivação.

Não se formulou semelhante convite pelas seguintes razões:
- embora idênticas, em extensão, ao corpo da motivação do recurso, as conclusões formuladas pela Recorrente M… são inteligíveis;
- não faria sentido, face à previsão do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, mandar explicitar o que é entendível;
- o convite, a ser formulado, não poderia envolver qualquer cominação;
- tal convite redundaria em perda de tempo;
- o presente processo tem natureza urgente, por à sua ordem um dos Recorrentes se encontrar sujeito à obrigação de permanência na habitação.

(ii) Questão préviaRejeição do recurso interposto pelo Arguido J…
O Senhor Procurador da República, na resposta à motivação do recurso apresentada na 1.ª Instância, entendeu dever ser rejeitado, por manifesta improcedência, o recurso interposto pelo Arguido J….
Por nele ser invocado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o mesmo não decorrer do texto do acórdão recorrido, sem recurso a outros elementos.
E havendo confusão entre o alegado vício e o erro de julgamento da matéria de facto, o Recorrente não cumpriu o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.

Concordamos que o Recorrente confunde formas de impugnar a matéria de facto.
Todavia, não vislumbramos que a argumentação do Recorrente seja inteligível, no sentido da delimitação das razões que convoca para discordar da decisão de que recorre.
Ao que acresce que o incumprimento do preceito legal referido nunca conduziria, desde logo, à rejeição do recurso, mas sim à formulação do convite previsto no n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Penal.

Posto isto, sendo possível deduzir das conclusões da motivação do recurso, as indicações previstas nos n.ºs 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, nada há a ordenar.

(iii) Correção de lapso de escrita
Do exame do acórdão proferido nos autos, concretamente da sua parte relativa à fundamentação da matéria de facto e, nela, no segmento que diz respeito à Arguida M…, verifica-se ocorrer lapso de escrita no ponto 2) da alínea C).
Efetivamente, aí se repete o auto de transcrição de escuta telefónica constante da sessão n.º 2954, quando se pretendia referir este e o auto de transcrição da escuta telefónica n.º 2957.

Tratando-se de lapso manifesto, cuja eliminação não importa modificação do decidido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 380.º do Código de Processo Penal, procede-se à correção do referido ponto – duas últimas linhas de fls. 1503 e primeira linha de fls. 1504 – do acórdão, por forma a que do mesmo passe a constar «2) Nos autos de transcrição das escutas telefónicas constantes nas sessões n.ºs 2736, 2737, 2780, 2781, 2790, 2793, 2796, 2797, 2817, 2818, 2823, 2828, 2831, 2835, 2836, 2837, 2838, 2839, 2842, 2843, 2954 e 2957 do alvo 58690040 (…)»

(iv) Da matéria de facto considerada pelo Tribunal recorrido
Estribados em razões não coincidentes, os Arguidos J… e M… insurgem-se contra a factualidade considerada na 1.ª Instância e que conduziu à condenação de ambos, nos presentes autos, pela prática de crime de tráfico de substâncias estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
O Arguido J… afirma a existência de insuficiência da matéria de facto para a decisão.
A Arguida M… entende ter sido mal avaliada a prova produzida em julgamento – por falta de valoração das declarações dos Arguidos B… e J…, por incorreta valoração dos depoimentos das testemunhas W… e X… e das transcrições de interceções telefónicas e por ter sido valorado meio de prova que não o podia ser. Convoca, ainda, a violação do princípio in dubio pro reo.

O conhecimento das questões colocadas aconselha, por facilidade de exposição, a definição prévia das regras relativamente aos termos em que pode ser sindicada a forma como o Tribunal recorrido decidiu a matéria de facto – num primeiro momento fora e, depois, no âmbito dos vícios que devem ser aferidos perante o texto da decisão em causa [dito de outra forma, e respetivamente, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto e no domínio da impugnação restrita da matéria de facto].

A impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto [ou aquela que se encontra fora do âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal], depende da observância dos requisitos consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, ou seja:
«(...)
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(...)»
E ocorrendo impugnação da matéria de facto, com observância das regras acabadas de mencionar, o Tribunal, conforme se dispõe no n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, «procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta de verdade e a boa decisão da causa
Encontramo-nos no domínio dos vícios do julgamento. No domínio do erro na “aquisição” da prova, que ocorre quando o Julgador perceciona mal a prova – porque o conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, efetivamente, foi dito por quem os prestou.
Erro do Julgador, no momento em que perceciona a prova, em que toma contacto com ela, e não no momento em que a avalia. Erro que pode viciar a avaliação da prova, mas que a antecede e dela se distingue.
Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, página 1131, em anotação ao artigo 412.º do Código de Processo Penal, afirma que «a especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado (...)»; «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (...) mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento».
«(...) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (...).».[3]
De onde é lícito concluir que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».[4]
Ou seja, a gravação das provas funciona como “válvula de segurança” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto.

A sindicância da matéria de facto pode, ainda, obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão [e não do julgamento] – impugnação restrita da matéria de facto –, de conhecimento oficioso, que podem constituir fundamento de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito [n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal].
Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.
Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorrecta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”.»[5]
A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se detecta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.»[6]
O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.»[7]

Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do Código Penal.
Mas tal valoração é, também, sindicável.
O que equivale a dizer que a matéria de facto pode ainda sindicar-se por via da violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante[8], pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas exceções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa].[9]
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevante para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
«O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extractos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.»[10]
E, seguindo tais ensinamentos, não resta senão concluir que não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.

1. Recurso interposto pela Arguida B…
As razões do seu desagrado relativamente ao acórdão proferido nos autos já acima se deixaram indicadas.
Recordemo-las.
Entende a Arguida M… ter sido mal avaliada a factualidade provada constante dos pontos 11, 12, 13, 33, 67, 68, 143, 144, 145, 146, 147, 148 e 152 – aquela que lhe diz respeito no acórdão em questão,
a) por falta de valoração das declarações dos Arguidos B… e J…;
b) por incorreta valoração dos depoimentos das testemunhas W… e X…;
c) por incorreta valoração das transcrições de interceções telefónicas;
d) por ter sido valorado meio de prova que não o podia ser.

O acórdão recorrido exibe elevada preocupação de rigor na indicação dos meios de prova que serviram para fundamentar a convicção do Coletivo de Juízes relativamente aos factos que consideraram – como provados e não provados.
Do exame dessa parte do acórdão, no segmento que agora nos importa – o que diz respeito à Arguida M… – resulta que o Coletivo de Julgadores foi muito claro relativamente aos elementos probatórios que valorou e em que medida o fez.
Note-se que relativamente a cada um dos elementos probatórios considerados, o Coletivo de Juízes indicou o que dele “aproveitou”.
Das declarações do Arguido J… resultou, apenas, o facto da ora Recorrente ser sua companheira e consumidora de haxixe.
Das declarações das testemunhas W,,, e X…, agentes da Policia de Segurança Pública, resultou apenas o que percecionaram quando procederam à detenção do Arguido J….

De tal fundamentação probatória decorre, exuberantemente, ter sido determinante para a convicção de quem julgou o conteúdo dos autos de transcrição das escutas telefónicas, conjugado com o relatório de vigilância de fls. 26-27 do anexo I, com os autos de apreensão de fls. 7 e 8, com o auto de detenção de fls. 2-B a 3 e com o auto de identificação de fls. 11 do Apenso 312/13.3PIVNG.
Destes elementos probatórios, o Coletivo de Juízes concluiu ser a ora Recorrente a utilizadora do telemóvel ………, através do qual foram realizados negócios de droga.

Por assim ser, não se vislumbra em que medida a valoração das declarações do Arguido E… pudessem alterar o raciocínio revelado pelo Coletivo de Juízes.
Das palavras deste Arguido, em julgamento, não decorre o que a ora Recorrente agora pretende.
Porque estamos perante declarações em que quem as presta ora diz que sim, sem deixar de dizer que talvez.
É o que resulta da transcrição do excerto apresentado pela Recorrente.
Tendo respondido afirmativamente que entre os seus clientes de droga se encontravam os Arguidos J… e M…, o Arguido B… foi atenuando esse relacionamento comercial, escudando-se em respostas evasivas.
Por outro lado, temos como certo que a função do Julgador não é encontrar os pontos em comum dos depoimentos, não estando também obrigado a aceitar ou recusar em bloco o conteúdo dos mesmos.
Cabe-lhe, antes, a tarefa de, em relação a cada um dos depoimentos, assinalar, explicando, o que lhe mereceu crédito.
Tarefa esta que o Coletivo de Juízes cumpriu.

Assiste razão à Recorrente quando invoca ter o Tribunal recorrido valorado prova que não podia ser valorada.
Reportamo-nos à mensagem de SMS enviada do telemóvel com o n.º ……… para o telemóvel com o n.º ………, no dia 2 de julho de 2013 – produto n.º 2817 do alvo 58690040, que consta de fls. 49 do Apenso A, com o seguinte teor: «Fomos apanhados, sai agora da esquadra. O J… ficou dentro, vai amanhã a tribunal.»
Trata-se de interceção de comunicação telefónica efetuada pelo órgão de polícia criminal e constante do respetivo relatório, onde se considerou com relevo para a investigação em curso – fls. 213 a 221.
Levado ao conhecimento do Ministério Público, não foi requerida a sua transcrição, conforme resulta do despacho de fls. 226 a 228.

Do disposto na alínea a) do n.º 9 do artigo 188.º do Código de Processo Penal [que disciplina as formalidades das operações das escutas telefónicas], decorre que só podem valer como prova as comunicações que o Ministério Público mandar transcrever ao órgão de polícia criminal que tiver efetuado a interceção e a gravação e indicar como meio de prova na acusação.
O n.º 9 do artigo 188.º do Código de Processo Penal estabelece o regime legal das provas das conversações e comunicações telefónicas suscetíveis de serem utilizadas em juízo e que permitem a formação da convicção do juiz de julgamento.
Não tendo sido ordenada a transcrição do produto n.º 2817, não poderia mesmo valer como prova em julgamento, independentemente de ter sido indicado na acusação.

Aqui chegados, não resta senão ponderar as consequências do desrespeito das formalidades consagradas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.
Preceitua-se no artigo 190.º do mesmo compêndio legal que «Os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade
Trata-se de matéria controversa, não obstante a aparente simplicidade e clareza concetual da norma.
Situação para que, fundamentalmente, concorre a inconstância terminológica do legislador constitucional e ordinário, reveladora de menor rigor na delimitação de conceitos tão importantes e dispares como são as nulidades e as proibições de prova.
A doutrina também não se revela uníssona em relação ao vício processual que se origina com o desrespeito pelo regime legal de uma escuta telefónica.

A importância da questão decorre de a lei estabelecer regime diferenciado para a imperfeição do ato processual. Porque pode apresentar cambiantes diversas consoante a gravidade do vício que lhe está na génese e que se poderá situar entre a irregularidade e a inexistência.
Entre estes dois extremos, encontram-se os vícios que dão lugar à nulidade.
Esta, por sua vez, subdivide-se em nulidade insanável e nulidade dependente de arguição.
O nosso Código de Processo Penal adotou um sistema de nulidades taxativas.
Princípio que se encontra consagrado, de forma inequívoca no artigo 118.º do referido diploma legal e que é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou dependentes de arguição.
O Código de Processo Penal trata as irregularidades como uma subespécie das nulidades submetendo-as, no entanto, a um regime de arguição muito limitado. Mais do que a figura dogmática das irregularidades, que não afetam a validade nem a eficácia dos atos processuais praticados, este regime revela uma figura distinta do género das nulidades das quais se distingue do ponto de vista penal e, principalmente, processual. No plano substancial, correspondem-lhe vício de menor gravidade.
No plano formal, as irregularidades denotam mecanismos de arguição muito limitados quer em termos temporais, quer em termos pessoais. O seu poder destrutivo acaba por ser drasticamente reduzido.
Em muitas situações, apesar do termo utilizado pelo legislador, estamos perante outra forma de funcionamento da invalidade que não se confunde com as nulidades insanáveis, nem com as nulidades dependentes de arguição nem, ainda, com a figura dogmática da irregularidade.

Relativamente às consequências decorrentes do desrespeito dos requisitos formais e materiais da ordenação e autorização, por despacho judicial, das escutas telefónicas, alguns autores falam em “prova ilícita”, sendo «aquela que na sua origem ou desenvolvimento lesou um direito ou liberdade fundamental, cujo efeito seria a proibição da prova, no sentido da proibição da valoração de seu resultado, por contraposição à prova irregular que seria aquela que se obtém ou pratica com lesão de normas de legislação ordinária.».[11]
Damião da Cunha[12], entendendo estar-se perante a mesma “garantia judicial” do “mesmo valor constitucional”, conclui pela nulidade da prova obtida quando não se verificam os requisitos materiais e formais da intervenção nas comunicações e conversações privadas e tratar-se de meio de prova nulo quando as escutas não foram autorizadas ou ordenadas por um Juiz.
Germano Marques da Silva defende tratar-se de proibição de prova. «Dispondo a lei que as condições de admissibilidade e os requisitos das escutas são estabelecidos sob pena de nulidade, deve entender-se que a sua inobservância acarreta a proibição de prova, imposta pelo art. 32.º, n.º 6, da CRP e art. 126.º»[13]
André Lamas Leite[14], referindo-se ao regime aplicável à violação dos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal, afirma que «Em reforço contrafáctico do n.º 1 do art. 126º em que se referia (e continua a prescrever-se) que as provas aí indicadas “não [podem] ser utilizadas», o que se comunicava ao n.º 3 (que aqui mais nos interessa) por intermédio do advérbio “igualmente”, vem a nova redacção do art. 126º, n.º 3, introduzindo-se a locução “não podendo ser utilizadas”, consagrar, ao que cremos de forma doravante indiscutível, posição que, de entre muitos, vínhamos defendendo à luz do pretérito e menos claro preceito.
Perece hoje, então, resolvida na segunda direcção a dúvida sobre se a nulidade nele prescrita o era em sentido técnico (enquadrando-a nos arts. 119º ou 120º) ou se o legislador teria usado o lexema em sentido não técnico ou lato. Na verdade, o segmento introduzido fulmina com as consequências de “inutilização” todas as provas obtidas em incumprimento da disciplina legal dos meios de obtenção probatórios que contendam com os bens jurídicos nele protegidos, sendo ilegal, desde 15-09-2007, a interpretação quase unânime da jurisprudência e de alguma doutrina, no sentido da destrinça entre a violação do art. 187º e do art. 188º como conduzindo, respectivamente, a uma nulidade insanável ou a uma mera nulidade sanável.
Apertis verbis, a epígrafe do art. 126º; o art. 118º, n.º 3 (a que se junta a nova disposição do art. 310º, n.º 2, ressalvando a exclusão de “provas proibidas” da irrecorribilidade da decisão instrutória de pronúncia e das nulidades e outras questões prévias ou incidentais invocadas em instrução, permitindo, ao invés – é um verdadeiro poder-dever –, que o tribunal de julgamento declare tal exclusão (…); os parâmetros constitucionais ínsitos nos art. 34º, n.os 1 e 4, da Lei Fundamental; o carácter indistinto das consequências previsto no então art. 189º (hoje, art. 190º) e o programa tutelar único das prescrições do art. 187º e das ditas “formalidades” do artigo 188º - para nós, em expressão mais próxima do mandato constitucional, exigências materiais densificadoras e aplicativas concretas do art. 187º – já impunham tal entendimento, aliás reconhecido pelo TC[15]. Julgamos, assim, que não se poderá agora, em face da nova redacção, pretender que mudança legislativa tão clara vise abranger somente as condições aludidas no art. 187º. Seria, por certo, uma interpretação contra legem e ofensiva dos arts. 32º, n.º 8, e 34º, n.º 4, da Constituição.
Donde, de uma hermenêutica conjugada entre os arts. 126º, n.º 3, e 190º (este último inciso apenas tendo operado um alargamento do regime prescrito à norma de extensão do agora art. 189º) conclui-se pela previsão, no art. 190º, de uma nulidade atípica, designada por proibição de prova (…), a qual impede toda e qualquer utilização do material probatório assim obtido (…) – mesmo se requerido pelo arguido –, cujo regime não é in totum sobreponível às nulidades insanáveis, mas que dele muito se aproxima.
Registemos, a finalizar, uma dúvida: como dissemos, este é o quadro que julgamos hoje de meridiana clareza face ao texto legal – veja-se tal intentio na exposição de motivos da proposta de lei que deu origem à Lei n.º 48/2007. Todavia, em termos de iure condendo, será adequado ao sopesamento dos interesses em causa fulminar como proibição de prova a ultrapassagem dos prazos prescritos nos arts. 188º, n.os 2 e 3? Porventura estas duas hipóteses – e só estas – deveriam ter merecido uma consequência jurídica menos forte
Fátima Mata-Mouros, refere que «A reforma deixa, portanto, por resolver a grande questão que interessava resolver em sede de regime jurídico dos vícios incidentes na realização de uma escuta telefónica: a rigorosa delimitação das formalidades essenciais das meras formalidades na sua realização … Estaremos perante uma nulidade sanável ou insanável? … Permanece por resolver tal divergência doutrinária, não sendo de estranhar que continuem a esgrimir-se argumentos a favor de cada uma das teses em confronto.»[16]

E acompanhando opinião expressa a páginas 512 e 513 do “Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas” dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, em anotação ao artigo 190.º, «se atendermos ao que tem sido a instabilidade jurisprudencial nesta matéria, como a história se tem encarregado de demonstrar, ao ponto de, por vezes, se adoptar durante anos uma dada interpretação neste domínio, sufragada até pelos tribunais superiores, que depois se vê posta em crise por jurisprudência constitucional, que julga desconforme à CRP aquela dada interpretação (com todas as nefastas consequências para o bom andamento e imagem da justiça, além dos prejuízos que foram acarretados para os cidadãos que foram afectados por uma tal interpretação), tudo parece aconselhar que, nesta sede, orientemos a nossa acção segundo apertados critérios de interpretação, ou seja, segundo uma interpretação restritiva do normativo em análise, tratando de igual forma e observando com igual rigor as condições e requisitos referidos nos arts. 187º e 188º.
Assim o recomendam um cauteloso critério de apreciação e ponderação das consequências e efeitos de tais vícios, bem como os princípios constitucionais estruturantes e subjacentes ao preceito em questão.»

Constatando-se, pois, que o artigo 190.º do Código de Processo Penal trata, de forma não diferenciada a inobservância de requisitos e condições de admissibilidade e o mero incumprimento de certas formalidades de procedimento da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, a delicadeza da matéria em causa – onde estão em jogo valores preponderantes e perduráveis do Estado de Direito – impõe se conclua [relativamente à inobservância das regras contidas no artigo 188.º do Código de Processo Penal] pela consagração de nulidade que impede toda e qualquer utilização do material probatório assim obtido, cujo regime não é in totum sobreponível às nulidades insanáveis, mas que dele muito se aproxima.

Assim sendo, não estamos perante nulidade de sentença [por não ocorrer qualquer uma das circunstâncias referidas no artigo 379.º do Código de Processo Penal] – como pretende a Recorrente –, mas sim perante invalidade que impede a utilização em juízo, por forma a permitir a formação da convicção dos Juízes do julgamento, do produto n.º 2817 do alvo 58690040.
Convocando o disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal, a invalidade afirmada atinge apenas a utilização, em juízo e por forma a permitir a formação da convicção dos Juízes do julgamento, do produto n.º 2817 do alvo 58690040, não tendo efeito expansivo.

E arredado este elemento probatório, impõe-se agora determinar se existem outros que permitam concluir – como concluiu o Coletivo de Juízes – ser a Arguida B… a utilizadora do telemóvel ……….
Dúvidas não nos restam quanto à correção de semelhante raciocínio, considerando:
- que a Arguida, ora Recorrente, no auto de fls. 11 do Apenso 312/13.3PIVNG indicou como seu contacto o telemóvel n.º ………,
- que nessa ocasião, este telemóvel não foi apreendido;
- que o telemóvel com o n.º ……… estabeleceu comunicações com o telemóvel n.º …….. [utilizado pelo Arguido B…] no período em que o Arguido J… esteve detido [os dias 2 e 3 de julho de 2013] – produtos 2818, 2823, 2828, 2831, 2835, 2837, 2837, 2838, 2839, 2842, 2843, 2954 e 2957 – sendo evidente, pelo seu teor, a preocupação relativamente a essa situação e relativamente ao que possa ter sido dito quanto à proveniência da droga apreendida em poder do J….
Dessas conversações resulta ainda ter sido o Arguido B… alertado para a possibilidade de estar também a ser alvo de escutas telefónicas e ter-lhe sido comunicada a ocasião da restituição à liberdade do J….

Aqui chegados, a argumentação recursória da Arguida M… relativamente ao utilizador do telemóvel ……… em contactos para negócios de droga – que poderia ter sido qualquer outra pessoa, que não ela – deixa de ter qualquer base de sustentação.
Ao que acresce não ter sido pela mesma, no decurso da audiência de julgamento – porque se remeteu ao silêncio –, fornecida qualquer explicação a que se pudesse agora atender para valorar semelhante versão dos acontecimentos.
E por assim ter sido, não resta senão concluir que bem andou o Tribunal Coletivo ao valorar, como valorou, a autoria e sentido das escutas que indica no ponto 3) da fundamentação da matéria de facto relativa à ora Recorrente.

Posto tudo isto, podemos desde já concluir que os Senhores Juízes que elaboraram o acórdão recorrido não se afastaram de uma análise correta, porque plausível, da prova produzida.
E que o desagrado que a Recorrente manifesta quanto a essa avaliação da prova feita pelos Julgadores não radica na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, mas tão só na sua análise pessoal da prova e da sua vontade de a sobrepor à análise levada a cabo por quem tem o poder\dever de a fazer.

Neste circunstancialismo, não faz qualquer sentido invocar-se a violação do princípio in dubio pro reo.
A violação do princípio in dubio pro reo, princípio relativo à prova e corolário do da presunção de inocência constitucionalmente tutelado – que se traduz na imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 203 - pressupõe “um estado de dúvida insanável no espírito do julgador”, só podendo concluir-se pela sua verificação quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal encontrando-se nesse estado, optou por decidir contra o arguido (fixando como provados factos dubitativos ao mesmo desfavoráveis ou assentando como não provados outros que lhe são favoráveis) ou, quando embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objetiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios válidos em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter.[17]
Analisando a decisão recorrida, dela não resulta que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objetiva e motivável – em relação à identidade dos autores dos factos integradores dos crimes de tráfico de substâncias estupefacientes e que, a partir desse estado, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis à Arguida/Recorrente e nem a essa conclusão (dubitativa) se chega da análise desse mesmo texto à luz das regras da experiência comum ou considerando a prova que gravada se mostra, ou seja, não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter.
Não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida e nada nos permitindo concluir que o devesse estar, não se manifesta violado o invocado princípio.

O que conduz à improcedência do recurso.

2. Recurso interposto pelo Arguido J…
Entende o Recorrente que a factualidade provada constante dos pontos 11, 12, 13, 33, 34, 35, 67, 68, 136, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149 e 158 – aquela que lhe diz respeito no acórdão em questão – é insuficiente para fundamentar a decisão condenatória proferida.
E alicerça semelhante entendimento nas seguintes razões:
a) não ter o Tribunal cuidado de apurar a dimensão do hábito de adição de haxixe do Recorrente – que resulta dos sobreditos factos – para poder ponderar se estava perante um mero consumidor e não perante um traficante dessa substância estupefaciente;
b) não ter o Tribunal cuidado de apurar o grau de pureza da substância estupefaciente que lhe foi apreendida, com o propósito de aferir a sua capacidade para satisfazer as necessidades do Recorrente;
c) não resultar, da prova avaliada e invocada pelo Tribunal recorrido para dar como assentes os sobreditos factos, ato de cedência a terceiros do produto estupefaciente;
d) não resultar, da prova avaliada e invocada pelo Tribunal recorrido para dar como assentes os sobreditos factos, ato de transação ou vantagem económica proveniente de ato relacionado com o tráfico;
e) não ter o Tribunal ponderado que o haxixe que detinha se destinava ao seu consumo próprio e ao consumo da sua companheira M…;

É notória a confusão [já acima afirmada] feita pelo Recorrente quanto à forma de sindicar a factualidade considerada pelo Tribunal recorrido, e que também encontra reflexo no pretendido em sede recursória – que a pena aplicada seja dada sem efeito.
É evidente – por ser o que resulta da lei, sem qualquer “margem” para interpretação em sentido diverso – que não contendo a decisão recorrida a matéria necessária à decisão, não pode deixar de se proceder ao seu apuramento.
Apuramento esse que deve ser feito pelo Tribunal de recurso, caso o processo contenha os elementos a tanto indispensáveis. Caso o processo não contenha esses elementos, tal apuramento deve ser feito na 1.ª Instância, através do mecanismo do reenvio, previsto no artigo 426.º do Código de Processo Penal.
Ora, seguindo o raciocínio do Recorrente – não contendo o processo os elementos indispensáveis para determinar o seu consumo diário de haxixe – não restaria senão, a ser o mesmo procedente, determinar o reenvio do processo para novo julgamento, restrito ao apuramento dessa circunstância.

Todavia, o entendimento expresso pelo Recorrente não merece a nossa adesão.
Porque se estriba em argumentos de facilidade – limitando-se a concluir dos factos provados o que o pode favorecer –, esquecendo a avaliação global da prova feita pelo Coletivo de Juízes.
E porque não extrai as inevitáveis consequências de facto considerado como provado no acórdão recorrido e que até confirma em sede recursória.

Quanto ao primeiro aspeto, olvida o Recorrente todos os elementos probatórios fornecidos pelos autos de transcrição das escutas telefónicas e que o Tribunal recorrido indicou detalhadamente, explicitando o seu conteúdo – inequivocamente relacionado com negócios de droga.
Das declarações do Arguido B… resulta o volume de negócios de droga efetuados com o ora Recorrente, pouco compatíveis com o sustento do seu consumo pessoal, por muito acentuado que pudesse ser.
Perante tais elementos probatórios, a circunstância de não ter sido o Arguido, ora Recorrente, encontrado a vender ou ceder droga a terceiros não infirma a conclusão que o Tribunal recorrido extraiu.

Ao que acresce ter sido considerado como provado que o Arguido, ora Recorrente adquiria haxixe também para consumo da sua companheira.
Facto que o Recorrente aceita e reafirma até na sua peça recursória.
A aquisição e detenção de haxixe que não seja para consumo próprio integra a previsão do tráfico de droga.
A cedência de haxixe a terceiros integra igualmente a previsão do crime de tráfico.
Nestas circunstâncias, é irrelevante a condição de consumidor de haxixe do Arguido, pois está demonstrado que a droga que adquiria não se destinava a seu consumo exclusivo.
Irrelevância que se estende ao “grau de pureza” do haxixe, até porque, não sendo substância sujeita a “corte”, apenas poderia interessar se se tratava de resina ou de pólen.
E o facto de o haxixe não se destinar a seu consumo exclusivo do Recorrente é aceite pelo mesmo, quando assume que adquiria haxixe para consumo da sua companheira, a quem tinha necessariamente que o ceder.

O acórdão desta Relação, invocado pelo Recorrente – proferido no processo n.º 163/11.0GCVFR.P1 e acessível em www.dgsi.pt – trata de situação diversa daquela que a factualidade considerada nos presentes autos exibe.
O sumário que desse acórdão, com o conteúdo editado, só pode ter o alcance que lhe permite o texto de onde foi extraído.
Posto tudo isto, podemos desde já concluir que os Senhores Juízes que elaboraram o acórdão recorrido não se afastaram de uma análise correta, porque plausível, da prova produzida.
E que o desagrado que o Recorrente manifesta quanto a essa avaliação da prova feita pelos Julgadores não radica na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, mas tão só na sua análise pessoal da prova e da sua vontade de a sobrepor à análise levada a cabo por quem tem o poder\dever de a fazer.

O que, por não poder aceitar-se, conduz à improcedência do recurso.

(v) Dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal
Aqui chegados, importa deixar expresso que do exame do acórdão recorrido – do respetivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo – não se deteta a existência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Efetivamente, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de coerência e de respeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida.
E do texto da decisão recorrida decorre, ainda, que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e que nele não se deteta incompatibilidade entre os factos provados e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – artigo 410.º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.

(vi) Da (des)adequação da pena imposta ao Arguido E…
Pretende o Arguido E… ver reduzida para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses a pena de prisão que lhe foi imposta. E que fique suspensa a sua execução.
Invoca, para tanto, ter a sua atividade de tráfico de haxixe começado com o auxílio prestado a um irmão. E que só depois foi desenvolvida autonomamente. Atividade que se prolongou por lapso de tempo não significativo e sem que tenha, por meio dela, enriquecido.
Afirma, ainda, que os seus antecedentes criminais não o impedem de provar que não reincidirá. E que uma injunção de demonstrar que trabalha e não consome drogas se revela mais acertada para a realização da justiça e para a pacificação da comunidade quanto ao respeito pela lei e pelos valores comunitários.

Vejamos se lhe assiste razão.
Cometeu o Arguido, ora Recorrente, um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-C anexa.

Porque não ocorre qualquer das circunstâncias que, nos termos do artigo 72.º do Código Penal, permite a atenuação especial da pena, a moldura penal abstrata que corresponde ao crime cometido pelo Recorrente situa-se entre 4 (quatro) e 12 (doze) anos de prisão.

Na determinação da medida da pena, face ao disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, está o Tribunal vinculado a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção.
Na determinação concreta da pena, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais se encontram as referidas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Como elementos de referência, na determinação da medida da pena, contam-se o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respetivas consequências.
Cumpre, ainda, referir que nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do autor do crime na sociedade, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).

«Primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
(...)
Afirmar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial da pena e o ponto de partida para a resolução de eventuais conflitos entre as diferentes finalidades preventivas traduz exactamente a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar; medida esta que não pode ser excedida (princípio da necessidade), nomeadamente por exigências (acrescidas) de prevenção especial, derivadas de uma particular perigosidade do delinquente. É verdade porém que esta “medida óptima” de prevenção geral positiva não fornece ao juiz um quantum exacto da pena. Abaixo do ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem que perca a sua função primordial de tutela dos bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico –, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.
(...)
Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de “defesa do ordenamento jurídico”) – devem actuar, em toda a medida possível, os pontos de vista de prevenção especial, sendo sim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena. Isto significa que releva neste contexto qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza: seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. A medida de necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje – e devendo continuar a constituir no futuro – o vector mais importante daquele pensamento.»
Resta referir o princípio da culpa e o seu significado para o problema das finalidades das penas. «Segundo aquele princípio, “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas (...). A função da culpa (...) é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.»[18]

A pretensão do Arguido, ora Recorrente, estriba-se em argumentos vagos e que ignoram, por completo, o que na 1.ª Instância se ponderou para o condenar na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Consta da decisão recorrida [transcrição]:
«Em desfavor do arguido e como circunstâncias agravantes da conduta do arguido verificam-se:
1º O grau de ilicitude mostra-se acentuado atento o período de tempo levado a cabo na atividade desenvolvida pelo arguido, a frequência com que essa atividade era desempenhada pelo arguido, o facto de o arguido continuar a comercializar haxixe até 07.10.2013 apesar de ter sido detido em 03.01.2013 com haxixe na sua posse destinado à de terceiros e o facto de colaborar com o arguido B… na transação de haxixe;
2º A especial intensidade do dolo – o arguido agiu com dolo direto;
3º A circunstância de, à data dos factos, já ter sido condenado em tribunal pela prática de um crime relacionado com a detenção e transporte de estupefaciente, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de multa e de um crime de consumo, numa pena de multa substituída por trabalho a favor da comunidade.
*
A favor do arguido e como circunstâncias atenuantes militam:
1º A confissão da sua apurada conduta e o seu arrependimento;
2º A inserção familiar.
*
As circunstâncias de prevenção especial são de acentuado relevo atenta a natureza dos antecedentes criminais do arguido.»

A pena imposta ao Arguido situa-se ligeiramente acima do primeiro oitavo da moldura penal abstrata.

O Recorrente comercializou haxixe desde o início do ano de 2012 até 7 de outubro de 2013.
Atividade que não cessou, apesar de ter sido detido, por causa dela, no dia 3 de janeiro de 2013.
Do certificado do registo criminal do Recorrente constam condenações datadas de 22 de maio de 2007 [pela prática de crime relacionado com a detenção e transporte de estupefaciente], de 4 de setembro de 2012 [pela prática de crime de condução sem habilitação legal] e de 18 de fevereiro de 2013 [pela prática de crime de consumo de substâncias estupefacientes].

E sendo este o enquadramento que os autos proporcionam, a alegação do Arguido com vista à redução da pena que lhe foi imposta e à suspensão da execução da mesma não pode proceder.
Porque os seus antecedentes criminais têm dimensão diversa – bem maior – daquela que o mesmo convoca.
E porque, com semelhante passado criminal [relacionado com drogas], quem não desiste de comercializar droga mesmo depois de detido por tal prática e ficar sabedor da instauração do respetivo processo crime, não tem condições para prometer que não voltará a delinquir.

Tudo isto para concluir que a pena imposta ao Arguido E… se revela justamente doseada, não merecendo qualquer reparo.
E que o recurso improcede.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se
1. proceder à correção da alínea C) do ponto 2) da fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido [duas últimas linhas de fls. 1503 e primeira linha de fls. 1504] por forma a que onde consta «2) Nos autos de transcrição das escutas telefónicas constantes nas sessões n.ºs 2736, 2737, 2780, 2781, 2790, 2793, 2796, 2797, 2817, 2818, 2823, 2828, 2831, 2835, 2836, 2837, 2838, 2839, 2842, 2843, 2954 e 29574do alvo 58690040 (…)» passe a constar «2) Nos autos de transcrição das escutas telefónicas constantes nas sessões n.ºs 2736, 2737, 2780, 2781, 2790, 2793, 2796, 2797, 2817, 2818, 2823, 2828, 2831, 2835, 2836, 2837, 2838, 2839, 2842, 2843, 2954 e 2957 do alvo 58690040 (…)»
2. expurgar do acórdão recorrido a menção ao auto de transcrição de escuta telefónica constante da sessão n.º 2817 do alvo 58690040;
3. negar provimento aos recursos interpostos pelos Arguidos E…, J… e M… e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

Custas a cargo dos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 UC’s

*
Porto, 2015 maio 13
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Ana Bacelar
Vítor Morgado
__________
[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] No mesmo sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª Edição, páginas 965 e 966.
[4] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 2005 e de 9 de março de 2006, processos n.º 2951/05 e n.º 461/06, respetivamente, acessíveis in www.dgsi.pt.
[5] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.
[6] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.
[7] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.
[8] O julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
[9] O princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.
Dito de outra forma, o princípio in dubio pro reo constitui imposição dirigida ao Juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
[10] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, relatado pelo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos – acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[11] Benjamim Silva Rodrigues, in “Das Escutas Telefónicas”, Tomo I – A Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais, Coimbra Editora 2008, obra citada, página 414.
[12] In “A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas, Anotação aos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 407/97,
347/01, 411/02 e 528/03”, Jurisprudência Constitucional, n.º 1, Janeiro-Março 2004, página 55.
[13] In “Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo Editora, 2.ª Edição, 1999, página 205.
[14] “Entre Péricles e Sísifo: O Novo Regime Legal das Escutas Telefónicas” – Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 17, n.º 4, Outubro-Dezembro 2007, páginas 665 a 669.
[15] Vide acs. n.ºs 407/97, 347/2001, 411/2002, 528/2003 e 379/2004.
[16] In “Escutas Telefónicas – O que não muda com a reforma”, Jornadas de Processo Penal, in www.cej.mj.pt
[17] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de maio de 2009 [Processo n.º 05P0145], e do Tribunal da Relação de Évora, de 30 de janeiro de 2007 [Processo n.º 2457/06-1] - acessíveis em www.dgsi.pt.
[18] Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª Edição, páginas 79 a 83.