Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2003/17.7T8STS-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO
RESIDÊNCIA DO MENOR
Nº do Documento: RP202205232003/17.7T8STS-D.P1
Data do Acordão: 05/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 42º do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), a alteração do regime das responsabilidades parentais é possível quando o acordo ou a decisão final não estiverem a ser cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
II - Não há dúvidas que estas últimas circunstâncias se verificam quando se alega e prova que um dos progenitores foi condenado por decisão transitada em julgado pela prática de um crime de violência doméstica de que foi vitima o outro progenitor;
III - Entende-se, de uma forma geral, que a determinação da residência implica necessariamente um juízo actual acerca das capacidades e demais condições do progenitor que passará a ter o filho a residir consigo, porquanto a convivência e os cuidados diários com aquele são os que exigem uma maior disponibilidade e capacidade por parte do respectivo progenitor.
IV - O comando legal que impõe que nestas situações se deve atender aos “superiores interesses dos menores” remete para um conceito que, apesar de indeterminado, comporta uma zona - o núcleo do conceito - passível de ser preenchida através do recurso a valorações objectivas que se podem identificar com a estabilidade das condições de vida da criança, das suas relações afectivas e do seu ambiente físico e social.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 2003/17.7T8STS-D.P1

Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de Santo Tirso
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente: AA;
Recorrido: - Ministério Público;
- BB;
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O Ministério Público veio requerer contra BB e AA alteração à regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor CC.
Peticionou a alteração do actual regime de residência alternada para fixação da residência apenas junto de um dos pais.
Para tanto sustentou-se em informações que apontavam que o menor, que sofre de perturbação do espectro do autismo, vem sendo exposto no actual regime de residência alternada a conflitos e falta de diálogo entre os pais, com prejuízo para a sua estabilidade emocional e para a estabilidade dos tratamentos e terapias de que carece.
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Realizou-se uma conferência de pais na qual não foi possível a obtenção de acordo.
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A mãe produziu alegações pugnando pela fixação de residência junto de si e um regime de visitas a favor do pai. Salientou a falta de colaboração do pai enquanto causa principal da falta de diálogo entre os pais.
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O pai produziu alegações, pugnando pela fixação de residência junto de si e um regime de visitas para a mãe. Salientou o seu maior empenhamento e capacidade para assegurar rotinas estáveis e cuidado em seleccionar terapias e actividades mais adequadas ao filho. Mais alegou que a mãe não conduz o menor às terapias e actividades em que o pai o inscreve.
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Foi junto aos autos relatório elaborado pela EMAT relativos à situação social e económica do menor e dos pais.
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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.
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De seguida, foi proferida a decisão que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão:
“…DECISÃO
Pelo exposto decide-se alterar a regulação as responsabilidades parentais relativas a CC nos termos seguintes:
a) Fixar a residência do menor junto da mãe, BB;
b) O pai, AA, terá consigo o menor em fins-de-semana alternados, entre Sexta-feira e Segunda-feira, devendo o pai ir buscar o filho no final das actividades escolares ou extracurriculares de Sexta-feira, a não ser que não haja actividades, caso em que o pai deverá ir buscar o menor em casa da mãe às 18.30 horas, e devendo entregá-lo na Segunda-feira na escola, no início das actividades escolares, ou às 10.00 horas em casa da mãe, caso não haja actividades escolares;
c) O primeiro fim-de-semana como pai o correrá entre 3 e 6 de Dezembro de 2021;
d) Nos anos ímpares o menor permanecerá com o pai na primeira metade das férias escolares de Natal, até dia 28 de Dezembro, às 18.30 horas, e desde aí permanecerá coma mãe até ao final das férias, invertendo nos anos pares;
e) As férias escolares da Páscoa serão passadas também alternadamente com cada um dos pais, ficando, nos anos ímpares, o pai com o filho na semana desde as 11.00 horas da Segunda-feira anterior ao Domingo de Páscoa até às 11.00 horas da Segunda-feira posterior a este Domingo e com o pai na semana restante, invertendo nos anos pares;
f) No período de férias de Verão, cada um dos pais terá o menor consigo por um mês, em dois blocos de quinze dias, obrigando-se o pai a informar da primeira das quinzenas por si escolhidas, até ao fim do mês de Abril, devendo a mãe indicar em resposta, em cinco dias, a primeira quinzena por si escolhida, que se acomodará à escolha do pai, a que se seguirá a indicação pelo pai em cinco dias da segunda quinzena por si escolhida, acomodada à escolha da mãe, e por último, também em cinco dias, a escolha da segunda quinzena da mãe, acomodada às escolhas anteriores;
g) O menor passará com cada um dos progenitores os respectivos dias de aniversário, bem como o Dia do Pai e Dia da Mãe;
h) O dia de aniversário do menor será passado alternadamente com cada um dos pais;
i) O regime fixado de d) a f) prevalece sobre as visitas fixadas em b), e o regime fixado em g) e h) prevalece sobre todo o restante regime de visitas;
j) O pai contribuirá com duzentos euros (€200,00) mensais para os alimentos do filho, quantia a pagar até ao dia oito de cada mês a que diga respeito, com início em Dezembro de 2021;
k) A pensão de alimentos referidas em j) será actualizada anualmente, com início em Janeiro de 2022, de acordo com os índices de preços ao consumidor, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística;
l) As responsabilidades parentais em assuntos de particular importância para a vida do menor serão exercidas pela mãe.
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Custas pelos pais, na proporção de metade.… “.
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É justamente desta decisão que o Progenitor/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público veio apresentar contra-alegações, pugnando pela improcedência do Recurso.
Apresentou as seguintes conclusões:
“1 – Com o seu recurso o recorrente pugna pela revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que lhe conceda a guarda total do filho CC, sendo esse o único objecto do recurso.
2 - Sustenta o seu recurso no entendimento de terem sido indevidamente apreciados certos elementos probatórios, apreciação essa que, na sua óptica, redundou em dar como provados e não provados certos factos de forma incorrecta.
3 – Ora, o recurso apresentado mais não traduz do que a visão e até obsessão que o recorrente tem relativamente à questão da guarda do filho.
4 – Tal pretensão é inclusivamente incompatível com o regime de responsabilidades parentais que foi determinado, o que traduz uma motivação com falta de objectividade e lucidez, face à situação em questão.
5 – Um dos pontos mais debatidos no recurso é o valor probatório (não) concedido à testemunha DD cujo depoimento, do que podemos concluir do recurso apresentado, deveria ter determinado a decisão.
6 – O tribunal explicou as fragilidades deste depoimento que inclusivamente descurou a condenação do recorrente pelo crime de violência doméstica e contrariou no essencial os relatórios do CAFAP, EMAT e perícia realizada pelo INML ao CC.
7 – Não enquadrar na análise do caso qualquer referência à condenação do pai pelo crime de violência doméstica, na pessoa da mãe do menor, não se concebe atenta a gravidade que uma condenação destas tem ao nível da regulação das responsabilidades parentais.
8 – Não podemos ignorar que os relatórios do EMAT e CAFAT são realizados por técnicos especializados que acompanham as partes e são alheios ao litígio, o que desde logo acautela a imparcialidade necessária à avaliação da causa.
9 – No que concerne à perícia do INML é consabido que são perícias dotadas de um rigor inigualável pelo que, desconsidera-lo seria no mínimo leviano.
10 – Em consequência da falta de credibilidade do depoimento da referida testemunha, caem por terra as impugnações do recorrente que, acima de tudo, se sustenta no depoimento da mesma.
11 – Alínea u), deve manter-se, pois, além de alicerçado no relatório mais recente existente nos autos (CAFAP), não foi posto em causa nas declarações prestadas pelo pai pelo que, não se alcança a razão da sua impugnação.
12 – Alínea aaa) deve manter-se porquanto, a relação do menor com a mãe e com a tia é de facto muito sólida, tal resulta designadamente da perícia realizada ao CC e dos relatórios do CAFAP e EMAT.
13 – Alínea z) e aa) devem manter-se, pois, são factos objectivos percepcionados pelas técnicas do EMAT e CAFAP.
14 – A decisão é um todo que abrange a visão global da situação e, sendo certo que as condições habitacionais do pai são melhores, também é certo que as da mãe são mais do que condignas, apesar de exíguas.
15 – Acresce que de uma leitura atenta da sentença proferida, conclui-se que este factor está longe de ter sido um dos mais fulcrais em termos de decisão.
16 – Alínea oo) deve manter-se pois resulta dos relatórios juntos aos autos, não tendo sido contraditados por mais nenhum meio de prova e o facto de o recorrente não concordar com o mesmo e o impugnar, não representa motivo legal suficiente para o não dar como provado.
17 – Alínea tt) e vv) devem manter-se pois resultam dos relatórios do EMAT e CAFAP, exame pericial e das declarações dos progenitores.
18 – Há que salientar o acerto factual e jurídico de toda a decisão.
19 – Sendo certo que temos sempre em mente o princípio da igualdade entre os progenitores, este não se sobrepõe ao do superior interesse da criança.
20 – No caso dos autos, exigia-se uma alteração face à condenação do progenitor pelo crime de violência doméstica na pessoa da mãe. – conforme artigo 44.ºA do RGPTC.
21 – A presunção estabelecida no artigo 1906-A do Código Civil, confirma-se no caso do CC, tendo dado lugar a um processo de promoção e protecção do mesmo, desencadeado pelo facto de o CC se sentir fragilizado face aos conflitos dos pais, sendo os momentos de transição de casa difíceis para o menor.
22 – Face ao conflito dos pais e à sua incapacidade de harmonizarem as decisões, decidiu o tribunal de acordo com o superior interesse do CC.
23 – Os elementos existentes no processo e produzidos em audiência, nortearam a que a decisão fosse determinar a residência junto da mãe que, para além de assegurar devidamente todos os cuidados ao filho, mostra mais maleabilidade relativamente às visitas do CC com o pai.
24– Assim, nenhuma censura merece a decisão proferida que deverá ser mantida na íntegra em nome do superior interesse do CC.
TERMOS EM QUE, decidindo pela manutenção da douta sentença recorrida, nos seus exactos termos e fundamentos (…)”
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Apresentou ainda alegações, a progenitora, com as seguintes conclusões:
“Não havendo razões para alterar o decidido no que respeita à matéria de facto, também não as há em relação à decisão de direito.
Aliás, no entender da recorrida, nem haveria que alterar a regulação decidida na sentença mesmo que o recurso procedesse em relação a todos os pontos da matéria de facto de cuja decisão o recorrente discorda.
As normas aplicáveis são as referidas na sentença e, como bem lá está explicado ao fazer a análise crítica dos factos e a sua subsunção ao direito, depois de constatado o falhanço da regulação anterior, a regulação nela efectuada das responsabilidades parentais é a que melhor assegura os interesses do menor.
Por isso se deve manter. “
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Progenitor/Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:
1) - impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
- Quanto às alíneas u), aaa), oo) e tt) devem ter “uma diferente valoração dos factos” ou “serem modificadas” ou uma “conclusão distinta”, respectivamente.
- os factos constantes das alíneas z), aa) e vv) devem ser considerados “não provados”
1.1. - rejeição da impugnação da matéria de facto por não cumprimento da al. c) do nº 1 do art. 640º do CPC- quanto aos pontos u), aaa); oo) e tt);
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2) Saber se, em face da matéria de facto provada, se deve considerar que existe fundamento para alterar o exercício das responsabilidades parentais nos termos peticionados pelo Progenitor.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“MATÉRIA DE FACTO PROVADA, COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO
a) CC nasceu no dia .../.../2004 e é filho de BB e de AA;
b) Por decisão de 18 de Julho de 2018, proferida nos autos de regulação das responsabilidades parentais em apenso sob o n.º 2003/17.7T8STS-A, foi nomeadamente decidido, em respeito ao menor CC:
“1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores. 2. O menor fica a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e com o outro, alternadamente, de domingo a domingo, cumprindo ao progenitor com quem o menor irá ficar, recolher o menor na casa do outro, ao final da tarde de domingo. 3. O menor passará metade das férias escolares de Carnaval, Páscoa, Verão e de Natal, com cada um dos progenitores, em períodos pré-definidos, a combinar entre ambos. 4. Os dias de aniversário dos progenitores e dias da mãe e do pai serão passados com o progenitor a que respeitar a efeméride. 5. Os dias de aniversário do menor serão passados alternadamente com cada um dos progenitores. 6. Os períodos festivos de Natal, Ano Novo e Páscoa serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, independentemente do progenitor com quem o menor devesse estar no período correspondente, consignando-se que nos anos pares o menor passará o Natal e Páscoa com a mãe, e a passagem de ano como pai, e nos anos pares o menor passará o Natal e Páscoa com o pai, e a passagem de ano com a mãe. 7. Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos progenitores, devendo cada um prover ao seu sustento no período em que o menor reside consigo. 8. As despesas escolares, e conexas com apoios, explicações de que o menor necessite, e bem ainda as médicas e medicamentosas na parte não comparticipada, serão pagas, por ambos os progenitores, na proporção de metade.”;
c) Nesta sentença foi nomeadamente julgado provado que:
“2. A mãe reside na Rua ..., ..., Bloco ...- ..., ... e o pai reside na Rua ..., ... CC sofre de “espectro de autismo com asperger” e necessita de cuidados individualizados e particulares de forma permanente, especialmente em período escolar. 3. Em 28.6.2017, foi homologado acordo provisório quanto às responsabilidades parentais do menor CC, nos seguintes termos: «1.º O menor CC fica entregue à guarda e cuidados da mãe, com quem residirá e a quem competirá o exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos de vida corrente, sendo que as mesmas em relação a questões de particular importância serão exercidas por ambos os progenitores. 2.º O regime de visitas ao pai realizar-se-á com a intermediação em casa dos avós maternos, aí deixando a mãe o menor, devendo o progenitor ir buscar o filho às 19:00 horas de sexta-feira e aí entregá-lo ao domingo, também às 19:00 horas, iniciando-se este regime no próximo fim-de-semana com o pai. 3.º No período de Verão, o menor estará duas semanas como pai, na semana de 28 de Julho a 4 de Agosto e na semana de 11 a 18 de Agosto. 4.º No dia de aniversário do menor, este almoçará como pai, o qual entregará o filho em casa dos avós maternos às 15:00 horas. 5.º O progenitor contribuirá, a título de alimentos devidos ao menor, com a quantia mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros), até ao dia 10 de cada mês, bem como pagará metade das despesas do menor que não sejam comparticipadas.» 5. Em 8.2.2018, a cláusula 2.ª do acordo provisório foi alterada, pelo que o regime de visitas do pai ao CC, passou a ser o seguinte: «2º O pai poderá estar e visitar o CC aos fins-de-semana alternados e ainda às quintas e sextas-feiras, devendo para tanto na quinta feira que antecede o seu fim de semana, recolher o CC na escola, no final das actividades lectivas e o entregar no mesmo local na segunda-feira seguinte de manhã, iniciando este regime no dia 22 de Fevereiro. Na semana seguinte, no dia 01 de Março, o pai irá recolher o CC na escola e o entregará no sábado manhã em casa da mãe, até à hora de almoço, alternando o regime sucessivamente.»(…) 7. O pai, por sua vez vive com o filho de ambos, EE de 19 anos de idade, em moradia de tipologia 3 com boas de habitabilidade e conforto. Aufere de uma pensão invalidez no montante de 669,53€. (…) 9. O pai descreve que presentemente os convívios com o CC decorrem sem incidentes, sinalizando que são muito gratificantes para si próprio, tendo a noção que são igualmente apreciados pelo filho. Relativiza os contactos coma progenitora referindo que decorrem de forma restrita, mas cordiais, tratando apenas de assuntos relativos ao acompanhamento do menor. 10. O progenitor encontra-se a ser acompanhado a nível de saúde, por psiquiatria e psicologia para tratamento de sequelas neurológicas na sequência de acidente de viação. 11. Contudo as circunstâncias descritas em 10) não o impedem de assumir a responsabilidade de acompanhamento do filho CC, e não apresenta qualquer sequela que afecte a parentalidade, mesmo considerado a especificidade da doença do CC e a necessidade de acompanhamento e de apoio permanente deste menor. 12. Até à separação do ex-casal, era o progenitor o encarregado de educação, do CC, era o progenitor quem acompanhava o menor em todas as actividades extra curriculares que este participava, como centro de estudos, centro de inglês, catequese, atletismo bem como em todas as consultas médicas. 13. Tarefas que não assumiu logo após o acidente de viação referido em 10, mas que reassumiu, após a recuperação das lesões neurológicas decorrentes desse acidente. 14. A Progenitora apresenta um posicionamento muito centrado no bem-estar do filho reforçando que na sequência da sua patologia necessita de estabilidade. Verbalizou que reconhece a importância da presença do pai no quotidiano do filho. No entanto, actualmente não reconhece no pai competências parentais para se assumir como principal figura educativa, pelo facto de ele próprio ainda se encontrar a recuperar de sequelas neurológicas provocadas por grave acidente de viação, circunstancialismo pelo qual se encontra em acompanhamento de psicoterapia. 15. BB pretende que o actual regime provisório de responsabilidades parentais passe a definitivo. Declara concordar com o valor fixado na pensão de alimentos assim como com o regime de convívios provisoriamente decretado. 16. Actualmente os convívios parentais, acontecem de forma continuada. O progenitor procura conviver com o filho demonstrando interesse e afectividade. 17. Os seus contactos pessoais com o progenitor são pontuais e restritos, referindo que o mesmo pontualmente se apresenta descompensado, utilizando linguagem pouco correcta e hostil. 18. O menor CC frequenta a Escola ... – ...… A directora de turma Prof. FF descreve que o aluno é assíduo e pontual. 19. Nas actividades lectivas o CC revela interesse e realiza as tarefas propostas de acordo com o seu ritmo de aprendizagem. O comportamento é descrito como satisfatório. 20. Ambos os pais demonstram interesse no desempenho escolar do filho assim como no seu comportamento. 21. BB manifestou ao longo da avaliação pelo ISS segurança nas suas capacidades de acompanhamento ao menor, revelando uma atitude consistente e convicta que o melhor enquadramento familiar do filho será permanecer aos seus cuidados. 22. AA reafirma que se considera mais disponível para acompanhar o processo educativo do filho. 23. Os convívios parentais têm decorrido com regularidade. 24 No âmbito do processo de promoção e protecção referente ao menor foi efectuada avaliação pela EMAT e em articulação coma Técnica de Segurança Social, consta que “Face à avaliação efectuada com base nas fontes disponíveis parece-nos que o CC tem os seus cuidados assegurados junto da mãe, sendo esta uma pessoa diligente e atenta à situação do filho, tendo prontamente diligenciado no sentido do acompanhamento psicológico do CC o que poderá vir a minimizar a ansiedade que o jovem vivencia decorrente do conflito parental que ainda se verifica. Assim e face ao exposto, considera que actualmente não se justifica a aplicação de uma medida de promoção e protecção ao CC.“ 25. Por decisão proferida em 4/04/2018, foi proferido o seguinte despacho, já transitado em julgado, nos autos de promoção e protecção apensa, sendo visado o menor CC: “Iniciaram-se os presentes autos por denúncia de AA respeitante ao seu filho menor CC, nascido a .../.../2004, dando conta que o menor sofre de perturbação do espectro do autismo, necessitando por isso de especiais cuidados, e que a mãe o abandonou, na sequência de separação dos pais. Foi junto relatório do I.S.S. dando conta que o menor se encontra a residir coma mãe, sem que o pai aponte objecções à sua competência para lhe prestar cuidados e sem quaisquer indicações de falta de competência da mãe. Restam divergências entre os pais sobre a definitiva regulação das responsabilidades parentais, em processo que corre termos em apenso, e alguma ansiedade do menor na adaptação à separação dos pais e conflito que permanece. O Ministério Público pronunciou-se doutamente no sentido do arquivamento dos autos, secundando a proposta da EMAT no mesmo sentido. Notificados, os pais nada opuseram. Considerando os elementos recolhidos, julgamos que o perigo invocado, nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da LPCJP, não resulta sequer indiciado de forma consistente, aparentando tratar-se de uma denúncia relacionada com a regulação das responsabilidades parentais, que não extravasa o seu âmbito para configuração de uma situação de perigo para o menor. Pelo exposto, e nos termos dos arts. 110.º, alínea a), e 111.º, da LPCJP, determino o arquivamento do processo.”26. O CC tem uma forte ligação afectiva com seu irmão EE, com quem viveu até à separação dos pais, manifestando interesse não ser separado dele.”;
d) Por sentença de 14 de Outubro de 2019, transitada em julgado em 30 de Março de 2020, nos autos de processo comum singular que correram termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso sob o n.º 163/17.6GCSTS, AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do CPC, em pena de prisão fixada em dois anos e seis meses, com execução suspensa por igual período, e na pena acessória de proibição de contactos com BB, pelo período de um ano e seis meses;
e) Na madrugada do dia 24 de Março de 2017, o pai passou a noite toda a insultar a mãe, dizendo “mereces um tiro e assim devolvia-te ao cemitério da tua terra”;
f) Ainda nessa madrugada, o pai dirigiu-se ao roupeiro, sito no quarto no casal, e atirou as roupas da mãe para o chão;
g) Na manhã de 26 de Março de 2017, estando a mãe a tomar o pequeno-almoço na cozinha, o pai, pegando na faca que a ofendida usou para barrar a manteiga no pão, colocou-a junto ao pescoço desta e disse-lhe “precisavas que te fizesse isto”, tendo-lhe depois devolvido o telemóvel que lhe havia subtraído nessa noite;
h) No dia 29 de Março de 2017, cerca das 15h30m, encontrava-se a mãe nas instalações de um consultório sito na Rua ..., no Porto, para uma consulta do menor, quando o pai aí chegou juntamente como menor e dirigiu-se à ofendida dizendo-lhe “isto é um consultório para virgens, não é para putas”;
i) Na sequência de todos estes episódios, e porque temesse pela sua própria vida, a mãe foi residir para uma casa abrigo. No dia 14 de Maio de 2017, tendo-se a mãe deslocado à casa do casal sita na Rua ..., ..., onde se encontrava o pai, para ir buscar algum vestuário que aí deixara, este, na sequência de mais uma discussão, abeirou-se do veículo automóvel da ofendida e partiu a escova traseira do mesmo;
j) Em seguida a mãe fugiu do local com receio do pai, não obstante, nesse dia estar acompanhada do seu pai, GG;
k) A 1 de Julho de 2017, em hora que não foi possível apurar, tendo o pai sido conhecedor da localização da casa abrigo onde se encontrava a mãe, deslocou-se à mesma e começou a tocar incessantemente à campainha como propósito de a ver;
l) No dia 21 de Setembro de 2017, o pai seguiu a mãe, de automóvel, pelas ruas da ..., só tendo parado quando a mesma se dirigiu ao posto da GNR ...;
m) No dia 28 de Junho de 2018, pelas 8:45, na Rua ..., em frente ao café “B...” o pai insultou a mãe de “covarde, és uma covarde, puta”, tendo dito ao menor “sabes, CC, a mãe anda metida com homens”;
n) Em seguida, e como a ofendida mãe entrasse no referido café, o pai entrou e no interior do mesmo dirigiu-se à mesma dizendo “covarde, és uma covarde”;
o) No dia 5 de Julho de 2018, estava a mãe no café “K...”, em ..., quando o pai, no interior do mesmo, a apelidou várias vezes de “puta”;
p) No dia 10 de Janeiro de 2019, o pai enviou uma mensagem escrita, do seu telemóvel com o número ... para o telemóvel da mãe, com o nº. ..., dizendo “BB és uma feia egoísta”;
q) No dia 13 de Janeiro enviou nova mensagem escrita com o seguinte teor “Que mesma coisa? Tu já fizeste sexo com outro homem e andas tranquila. Tu disseste, e vem dizer ao filho CC, que um pai não tem capacidade de o ajudar. Eu digo sempre aos meus filhos, EE e CC, a tua mãe é egoísta e cobarde e que não é humilde e tu mãe gosta de massacrar um pai. Peço desculpa, os dois filhos onde evoluir, com a generosidade dum bom pai”;
r) No dia 18 de Fevereiro de 2019 o pai enviou nova mensagem escrita para o telemóvel da mãe, dizendo “Tu dizes “andaste a mudar Tu és tão estúpida e vingativa. Não mudei, palavra passe. Já paguei, na senha para almoço”;

s) Por fim, no dia 3 de Março de 2019, o pai enviou nova mensagem escrita para a mãe dizendo “No Giae, encarregado de educação, para mim, está incorrecto. Nota-se que és infiel. Eu pai tenho muita capacidade Tu como mãe ignorante e vingativa, não tem capacidade, de apoiar o CC, Quem sempre os apoiou, e sempre, foi o melhor pai dos dois”;
t) A mãe mantém forte relação afectiva como filho, que é retribuída;
u) A mãe presta adequadamente ao filho todos os cuidados básicos de que carece, é preocupada com as suas rotinas e vigilância, e revela capacidade de dar resposta a comportamentos menos ajustados do filho;
v) O pai mantém forte relação afectiva como filho, que é retribuída;
w) O pai presta adequadamente ao filho todos os cuidados básicos de que carece, é preocupado com as suas rotinas e vigilância, em preocupa-se em proporcionar-lhe terapias e acompanhamentos de que necessita e envolver-se nestes, embora tenha tendência para desvalorizar as especificidades do filho, e revela capacidade de dar resposta a comportamentos menos ajustados do filho;
x) Como sequelas do acidente de 2011, o pai apresenta ainda hoje alguma sintomatologia ansiosa e depressiva e algumas dificuldades na comunicação;
y) Apresenta traços de personalidade de tendência perfeccionista;
z) A mãe reside com uma tia materna do menor, sua irmã, na casa desta última, num apartamento de tipologia 1, com adequadas condições de habitabilidade e de organização e higiene doméstica, no centro da cidade ...;
aa) O menor pernoita num sofá cama, na sala da habitação;
bb) A mãe tem por retaguarda familiar de auxílio aos cuidados ao filho a tia materna com quem coabita e os avós maternos;
cc) A mãe aufere entre €776,88 e €840,00 por mês a título de rendimento do trabalho, tendo um horário entre as 9.00 e as 17.00 horas;
dd) A tia materna do menor aufere cerca de €1.000,00 por mês a título de rendimento do trabalho;
ee) O agregado suporta prestação de empréstimo à habitação, contraído pela tia materna, no valor mensal de €345,00, e consumos domésticos, e a mãe suporta ainda pensão de alimentos a favor do seu filho maior, no valor mensal de €100,00;
ff) O menor tem acompanhamento em medicina dentária, mas beneficia de ADSE, e frequenta piscina, centro de inglês, hipoterapia, terapia da fala e beneficia de acompanhamento psicológico;
gg) O agregado familiar do pai é composto por si e por EE, irmão já maior de CC, e reside em ..., concelho ..., numa casa de tipologia3, que era a anterior casa da família, com adequadas condições de habitabilidade, onde o menor dispõe de quarto próprio, numa zona mais ruralizada;
hh) O pai encontra-se reformado por invalidez, não tendo o tempo ocupado por actividade profissional;
ii) O pai aufere €692,49 por mês a título de pensão de reforma;
jj) O seu património financeiro no Banco 1... oscilou, entre Outubro e Dezembro de 2020, entre €23.000,00 e €31.000,00, entre depósitos à ordem e carteira de títulos;
kk) Há nove anos atrás o pai recebeu um valor de €420.000,00 a título de indemnização;
ll) O agregado suporta propina de EE, no valor mensal de €92,00, e consumos domésticos;
mm) CC padece de perturbação do espectro do autismo, na modalidade de síndroma de Asperger, que importa um desempenho cognitivo médio inferior, mínimas competências de comunicação verbal, dificuldades ao nível da organização grafo-motora e visual, dificuldades de concentração, comportamento agitado, chegando à auto-mutilação, baixa tolerância à frustração, resistência e comportamentos de oposição;
nn) É autónomo na higiene pessoal, selecção de vestuário e arrumação de pertences;
oo) O menor revela tendência para considerar a figura do pai como menos positiva, no sentido de menos simpático, e a figura da mãe como mais positiva, mais alegre, mas revela sentir-se bem em ambas as casas, pese embora verbalize querer ficar junto da mãe e da tia;
pp) As transições de residência entre os pais e mudanças de rotina são momentos difíceis e perturbantes para o menor;
qq) Os pais não têm capacidade de dialogar sobre os assuntos respeitantes ao filho, e as interpelações mútuas a respeito redundam frequentemente em conflitos, nos quais o pai resvala para um estilo de comunicação agressivo;
rr) O pai mantém-se focado na ruptura da relação conjugal e na atribuição de culpa à mãe pelo divórcio, o que interfere muito na sua capacidade de dialogar com a mãe;
ss) Nas trocas de residência entre os pais cada um vai buscar o menor à residência do outro, e tais ocasiões são muitas vezes marcadas por momentos de tensão e discussão, a que o menor é exposto, em que o pai desqualifica frequentemente a mãe;
tt) Os pais contradizem-se frequentemente sobre as decisões a tomar a respeito do menor, de que foi exemplo a divergência entre os pais no período de encerramento das escolas, no ano lectivo 2020/2021, por motivos relacionados com a pandemia, em que a mãe opinou no sentido de o menor se manter em casa e beneficiar do ensino à distância e o pai opinou no sentido de o menor manter as deslocações à escola de acolhimento para preservar as suas rotinas, sustentando-se em conselhos por si recolhidos, embora a professora de ensino especial sustentasse a opinião da mãe, o que levou a que o menor ficasse em casa em ensino à distância na semana em que permanecia coma mãe, e se deslocasse à escola de acolhimento na semana em que permanecia como pai;
uu) Um outro exemplo esteve no acompanhamento do menor em medicina dentária, em que o pai se recusava a fazer comparecer o menor nas consultas de acompanhamento após colocação de um aparelho ortodôntico, e preferiu iniciar um acompanhamento paralelo, pelo que o menor passou a ser acompanhado em duas clínicas dentárias diversas, que registaram divergências sobre a orientação do tratamento;
vv) Um novo exemplo esteve na escolha do estabelecimento para acompanhamento do menor em psicologia, terapia da fala e terapia ocupacional, em que o pai era de opinião que o menor deveria ser acompanhado num estabelecimento privado, que julgou adequado, e a mãe discordou, por não ter capacidade económica para o custear, dando preferência ao acompanhamento subvencionado, que esteve suspenso por cauda da pandemia;
ww) Em consequência o menor passou a frequentar tal estabelecimento privado nos momentos em que estava com o pai, não tendo seguimento nos momentos em que estava coma mãe;
xx) A mãe não coloca reservas a visitas com o pai, caso a residência do menor seja fixada junto de si, com acentuação do período de férias escolares, uma vez que a mãe tem horário de trabalho e o pai tem mais disponibilidade;
yy) O pai defende que, residindo o menor consigo, as visitas devem ser fixadas sem pernoitas junto da mãe, uma vez que o filho não dispõe de cama em tal casa;
zz) O menor exibe grande cumplicidade relacional com HH, tia materna com quem coabita nos períodos junto da mãe, que é uma figura emocionalmente significativa para o menor, junto da qual encontra estabilidade;
aaa) Não obstante reconhecer a relação do menor com a tia e estar grata à irmã, a mãe considera que, por vezes, tal relação com a tia, dificulta o seu papel na imposição de regras e limites;
bbb) O menor exibe também um relacionamento privilegiado com o irmão mais velho, EE, que coabita como pai, embora mantenha bom relacionamento com a mãe.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como supra se referiu as questões que importa apreciar e decidir consistem em saber se, na sequência da alteração da decisão sobre a matéria de facto propugnada pelo recorrente, deve ser alterado o regime das responsabilidades parentais no sentido de essas responsabilidades serem totalmente atribuídas ao recorrente/progenitor, já que este considera, em síntese, que “a prova produzida demonstrou a incapacidade da mãe no acompanhamento do menor e na imposição de regras, rotinas e limites ao seu filho, o que conduziria à atribuição da sua guarda ao progenitor”.
Como decorre do relatório elaborado, antes de entrarmos na apreciação da impugnação deduzida, importa verificar se o recorrente logrou cumprir os ónus que sobre ele recaíam quanto a essa impugnação que pretendeu deduzir (designadamente, quanto aos pontos constantes das alíneas u), aaa), oo) e tt), uma vez que, quanto a estes pontos da matéria de facto, o recorrente não indica a decisão pretendida)
É que nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) - a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»
Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que:
a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes[1], “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
- em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
- quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos”.
Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.
Destarte, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus - designadamente, o ónus expressamente previsto na al. c) do nº 1 do art. 640º do CPC (indicação da decisão pretendida)
Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes[2], esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»
Ora, aqui chegados, compulsada toda a peça processual apresentada pelo Recorrente pode-se concluir, de uma forma inequívoca, que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, o Progenitor/ Recorrente, apesar de pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto (quanto às referidas alíneas u), aaa), oo) e tt)), não deu cumprimento aos aludidos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, al. c) do CPC, o que impõe a rejeição dessa parte da impugnação.
Tem sido esse o entendimento constante da Jurisprudência do STJ[3], ainda que mais recentemente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[4] se tenha tornado mais flexível e maleável, no que respeita ao cumprimento de alguns dos mencionados ónus, principalmente em relação aos de natureza essencialmente formal ou secundária, como é o caso da especificação exacta dos pontos da gravação (artigo 640º, n.º 2, alínea a) do CPC).
Com efeito, tem vindo a consolidar-se a jurisprudência que acentua a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências formais, constantes do nº 2 do art. 640º, do CPC.
Além disso, mesmo quanto aos ónus previstos no nº 1 do citado preceito legal, tem prevalecido a ideia de que, quanto às conclusões, apenas se impõe, sob pena de rejeição, que nelas o recorrente indique de uma forma expressa os pontos que pretende impugnar.
Esta consequência da rejeição não se estende aos demais ónus previstos no nº 1 do art. 640º do CPC, exigindo-se apenas que tais ónus tenham sido cumpridos na peça processual apresentada (não sendo, pois, exigível que tais outros ónus sejam expressamente mencionados nas conclusões).
É o que decorre, por exemplo, da Jurisprudência que a seguir se cita:
- Ac. do STJ de 19.6.2019 (Relator: Hélder Almeida), in dgsi.pt
“I - A rejeição do recurso de apelação a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. Todos os demais elementos legalmente mencionados, em especial no art. 640.º, n.º 1, do CPC – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso de funda –, apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso.
II - Fazendo-se a delimitação objectiva do recurso em função das conclusões da alegação do recorrente, o tribunal superior acha-se, pois, impedido de apreciar questões que, não sendo de conhecimento oficioso, não se encontrem compreendidas em tais proposições finais, sob pena de incorrer no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (…)”.
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- Ac. do STJ de 04/06/2020 (relator: Rijo Ferreira), in dgsi.pt:
“ (…) III. O art.º 640º do CPC estabelece que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem contudo fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação;
IV. Nesse conspecto tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo art.º 640º do CPC devem constar do corpo das alegações;
V. Vem-se, também, defendendo que a apreciação das exigências estabelecidas no art.º 640º do CPC se efectue segundo um critério de rigor que vise impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se banalize numa mera manifestação de inconsequente inconformismo sem, porém, se transmutar num excesso de formalismo que redunde na denegação da reapreciação da decisão da matéria de facto;
VI. A apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no art.º 640º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco.;
VII. Tendo o recurso por objecto a impugnação da matéria de facto, não está o recorrente obrigado a proceder, nas conclusões, à reprodução textual do que se impugna, mostrando-se suficiente a mera indicação dos números sob os quais se encontram vertidos os factos impugnados”.
(Nota: sem prejuízo de ainda se manter alguma Jurisprudência do STJ que defende uma interpretação mais rigorosa e mais de acordo com a letra da lei – diga-se – que continua a defender que o não cumprimento de qualquer um dos ónus previstos no nº 1 do art. 640º implica a rejeição da impugnação. Veja-se, por exemplo, o ac. do STJ de 02/06/2020 (relator: Henrique Araújo) onde se concluiu que: “- Os ónus primários descritos nas três alíneas do n.º 1 do artigo 640º são indispensáveis à concretização do objecto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. - O incumprimento de qualquer um deles implica a imediata rejeição do recurso de apelação, nos termos da referida norma”.)
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Há, pois, que fazer uma interpretação do art. 640º do CPC mais consentânea com as exigências dos princípios da proporcionalidade e da adequação, exigindo-se apenas que o recorrente cumpra, pelo menos, a al. a) do nº 1 com a indicação nas conclusões dos concretos pontos da matéria de facto que pretende impugnar e que, quanto aos demais ónus, pelo menos, os cumpra na sua peça processual (ainda que só nas alegações), sob pena de se impor a sua rejeição.

Isso mesmo resulta, em concreto, sobre o ónus aqui não cumprido, por exemplo dos seguintes acórdãos do STJ:
- Ac. do STJ de 6.6.2018 (relator: Ferreira Pinto):
“I - Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
II - Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC”.

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Ac. do STJ de 11.7.2019 (relator: Ricardo Costa)
“… A impugnação da matéria de facto julgada em primeira instância, tendo em conta o especial e composto ónus (primário e secundário) de alegação imposto pelo art. 640º, 1 e 2, a), do CPC, deve ser rejeitada quando, ainda que se identifiquem os concretos pontos de facto julgados incorrectamente, se manifesta apenas a discordância quanto à valoração de um certo meio de prova, sem oferecer com exactidão meio de prova alternativo para se obter o resultado pretendido e sem especificar a decisão diversa a proferir sobre a questão de facto impugnada, e, ademais, se expressa desconsideração omissiva pelas exigências recursivas sobre a prova gravada”.
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Ora é justamente isso que se pode constatar na presente impugnação relativa às identificadas alíneas (alíneas u), aaa), oo) e tt)), pois que, compulsado o Recurso interposto, pode-se concluir que o recorrente, apesar de indicar nas conclusões como pontos impugnados essas alíneas dos factos provados, a verdade é que, em nenhum ponto da sua peça processual, indica qual é a decisão alternativa que, no seu entender, tal factualidade deveria merecer.
Aqui chegados, pode-se, de uma forma liminar, concluir que o recorrente, ao não identificar, nas alegações e conclusões apresentadas, a decisão pretendida quanto às referidas alíneas, não cumpriu os ónus de impugnação que se lhe impunham, impedindo com esse não cumprimento a apreciação, por parte do presente Tribunal, dessa matéria de facto.
Nesta conformidade, julga-se que, atendendo à forma como o recorrente deduz o seu Recurso, nesta parte da Impugnação da matéria de facto, não se mostram cumpridos, os requisitos legais da sua admissibilidade[5], e, nessa medida, tem o Recurso de Impugnação da matéria de facto que ser necessariamente rejeitado parcialmente com estes fundamentos quanto a essa parte não concretizada da impugnação deduzida por falta de indicação da decisão alternativa pretendida (al. c) do nº 1 do art. 640º do CPC).
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Um outro tanto já não sucede com a restante factualidade que corresponde às alíneas z), aa) e vv), pois que o recorrente, quanto a estes factos, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida (“Não provado”).
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, importa verificar, pois, se se pode dar razão ao Recorrente, quanto aos questionados pontos da matéria de facto.
Importa, então, que o presente Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo o Recorrente/ Progenitor que, em face da prova produzida:
- Devem os factos provados constantes das alíneas z), aa) e vv) ser considerados como não provados:
“z) A mãe reside com uma tia materna do menor, sua irmã, na casa desta última, num apartamento de tipologia 1, com adequadas condições de habitabilidade e de organização e higiene doméstica, no centro da cidade ...;
aa) O menor pernoita num sofá cama, na sala da habitação;
(…)
vv) Um novo exemplo esteve na escolha do estabelecimento para acompanhamento do menor em psicologia, terapia da fala e terapia ocupacional, em que o pai era de opinião que o menor deveria ser acompanhado num estabelecimento privado, que julgou adequado, e a mãe discordou, por não ter capacidade económica para o custear, dando preferência ao acompanhamento subvencionado, que esteve suspenso por cauda da pandemia;
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Quanto aos dois primeiros factos, o Recorrente não concorda com a decisão proferida, alegando, no essencial, que, contrariamente ao que aí ficou plasmado, a identificada residência não reúne “adequadas condições de habitualidade”, alegando ainda que são mais as vezes em que o menor não pernoita no local mencionado na al. a).
Indica como prova o depoimento da progenitora e das testemunhas HH (tia materna do menor) e DD (terapeuta que acompanhou o menor), depoimentos de onde, segundo o recorrente, decorreria que o apartamento não teria adequadas condições de habitabilidade (tendo em conta a sua tipologia) e, por outro lado, a imprecisão do segundo facto mencionado.
O tribunal recorrido fundamentou esta parte da matéria de facto, apelando aos relatórios elaborados pela EMAT junto em 29/10/2020 (fls. 53) e pelo CAFAP “Crescer em Família”, junto em 1/06/2021 (fls. 105), complementados pelas declarações da mãe, do pai, e da tia materna, HH.
Julga-se que o tribunal recorrido decidiu de uma forma correcta esta factualidade, pois que, quanto às condições de habitabilidade, não podem as mesmas ser julgadas apenas em função da tipologia do apartamento (T1) (e do facto da residência do progenitor ser de uma tipologia maior – T3) – de resto, cumpre, aqui, não esquecer as circunstâncias que antecederam a necessidade da progenitora optar por tal solução de passar a residir junto da sua irmã foi encontrada (depois de ter passado por uma “casa de abrigo” na sequência dos factos referidos na matéria de facto) – sendo que a progenitora assinala (desde logo, nas alegações iniciais) que ainda estará pendente a questão da (alteração da) atribuição da casa de morada de família.
De resto, esse facto de o apartamento apenas possuir um quarto, não impede que o mesmo satisfaça o requisito da existência de “adequadas condições de habitabilidade”, pois que esta não se identifica simplesmente com o espaço físico, mas sim com a possibilidade de as mesmas poderem satisfazer todas as necessidades habitacionais do jovem CC.
Ora, é inequívoco que a prova produzida aponta decisivamente toda nesse sentido, sendo de destacar, obviamente, o parecer dos técnicos sociais que elaboraram os referidos relatórios sociais que expressamente referem (depois de terem visitado o apartamento) que o mesmo é construído da seguinte forma:
- relatório de fls. 53 e ss. : “… espaço que dispõe de boas condições de habitabilidade, apesar de exíguo face ao número de elementos do agregado”;
- relatório de fls. 105 e ss. : “… O espaço habitacional onde reside no presente o agregado familiar materno assume uma tipologia 1, pese embora reúna condições de habitabilidade para os três elementos, dispondo de todos os equipamentos e mobiliários necessários à satisfação das suas necessidades”.
Finalmente, relativamente à questão da pernoita, julga-se que a prova produzida (os depoimentos da progenitora e da tia materna) aponta no sentido do julgamento efectuado pelo tribunal recorrido, decorrendo da mesma a ideia contrária, ou seja, que o jovem CC pernoitará no sofá cama da sala, mas, por vezes, ingressará na cama do quarto.
Optou e bem o tribunal recorrido por salientar apenas a regra geral, pois que essa é efectivamente a factualidade que importaria apurar para o efeito aqui pretendido (saber se o jovem CC tinha as suas necessidades de descanso e sono asseguradas, o que se constata ter sido provado).
Improcede esta parte da impugnação.
Entremos agora na segunda parte da matéria de facto impugnada.
Pretende o recorrente que a al. vv) seja julgada não provada.
Como se pode constatar dos antecedentes pontos da matéria de facto, nesta alínea impugnada, o tribunal limitou-se a dar como provado mais uma situação em que os progenitores discordaram quanto à melhor forma de prover às necessidades educativas (e de apoio especifico) do menor, seu filho.
Com efeito, decorre da factualidade que os factos que constam da al. vv) são um dos exemplos em que se verifica a existência de uma situação de “tensão e discussão” (referidas na al. ss)) relacionadas com “as decisões a tomar a respeito do menor” (al. tt).
Assim, além da situação mencionada na alínea impugnada, consta também como exemplos desse dissenso entre os progenitores, “a divergência entre os pais no período de encerramento das escolas, no ano lectivo 2020/2021, por motivos relacionados com a pandemia” (al. tt)) e a divergência “no acompanhamento do menor em medicina dentária” (al. uu)).
Ora, salvo o devido respeito, o tribunal considerou bem que também existiu divergência relativa à “escolha do estabelecimento para acompanhamento do menor em psicologia, terapia da fala e terapia ocupacional”, divergência essa que, no essencial, decorre exactamente do motivo constante da al. vv), ou seja, a divergência entre a natureza do estabelecimento (público ou privado), tendo em conta o critério das capacidades económicas dos progenitores.
A impugnação deduzida pelo recorrente, em bom rigor, não se dirige a esta factualidade, pois que a argumentação que apresenta (e a prova que indica) tem em vista antes assinalar uma alegada mudança de opinião da progenitora sobre tal acompanhamento psicológico, alegação que não constitui o objecto da matéria de facto considerada provada na alínea impugnada.
No entanto, quanto a esta, não há dúvidas que, decorre da prova produzida, mesmo da indicada pelo recorrente (e dos relatórios sociais), que existiu o dissenso que nele se menciona e que o motivo invocado pela progenitora, tal como consta da matéria de facto provada, tinha por fundamento a falta de capacidade económica dos progenitores.
Improcede esta parte da impugnação.
Aqui chegados, importa, pois, concluir que, tendo-se procedido à reponderação da prova produzida, da conjugação dos elementos probatórios acima referidos, a conclusão a que se tem que chegar é justamente aquela a que chegou o Tribunal de Primeira Instância quanto à matéria de facto que o recorrente pretendia alterar.
Com isto entramos, obviamente, na apreciação da segunda questão colocada pelo Recorrente, qual seja a de saber se se pode entender que o regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor (residência alternada ou guarda partilhada) deve ser alterado, no sentido propugnado pelo progenitor, ou, noutra perspectiva, se aquele que foi fixado pelo tribunal recorrido se deve manter.
Importa, pois, ponderar se o Progenitor/Recorrente tem razão quando pretende (insiste em) alterar o regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, no sentido por si propugnado.
Conforme decorre do relatório elaborado, no caso concreto, estamos perante uma acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, alteração que se reporta a um regime que foi estabelecido por sentença proferida pelo tribunal recorrido em 18 de Julho de 2018.
Nos termos do art. 42º do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível) a alteração do regime das responsabilidades parentais é possível quando o acordo ou a decisão final não estiverem a ser cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes[6] tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
No caso dos autos, não há dúvidas que estas últimas circunstâncias se verificam uma vez que, conforme resulta da matéria de facto provada, o progenitor foi condenado por decisão transitada em julgado em 30 de Março de 2020, nos autos de processo comum singular que correram termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso sob o n.º 163/17.6GCSTS, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, em pena de prisão fixada em dois anos e seis meses, com execução suspensa por igual período, e na pena acessória de proibição de contactos com a progenitora BB, pelo período de um ano e seis meses.
Ou seja, o Ministério Público cumpriu o ónus de alegação e prova de uma circunstância superveniente que impunha como necessária a alteração do que ficou estabelecido na sentença que decretou o anterior regime de exercício das responsabilidades parentais.
Isso mesmo reconheceu o tribunal recorrido – e não é posto em causa pelos progenitores – pois que “tal condenação implica ser desaconselhável sequer o exercício em comum das responsabilidades parentais em assuntos de particular importância para a vida do menor, nos termos dos arts. 40.º, n.º 9, do RGPTC, e 1906.º-A, alínea a), do CC. Por maioria de razão, é especialmente desaconselhada uma residência alternada numa circunstância destas.
Em coerência como ora afirmado, o regime de residência alternada revelou-se um total falhanço do ponto de vista do melhor interesse do menor. A gestão conjunta dos interesses do filho transformou-se numa arena de confrontos entre os pais, que resultaram invariavelmente no sacrifício dos interesses do menor, como resulta exuberante da factualidade descrita de qq) a ww).
Estão assim reunidos os pressupostos para ponderar uma nova regulação das responsabilidades parentais, em alteração da anterior”.
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Neste ponto, importa, efectivamente, assinalar as alterações introduzidas pelo legislador no regime do RGPTC, reforçadas por aquelas que foram, entretanto, introduzidas pela Lei nº 24/2017 de 24.5, no Código Civil, e relacionadas com as situações em que se comprove a existência de uma situação de violência doméstica.
Efectuada esta referência – a que mais à frente voltaremos -, importa ter em consideração que, no caso concreto, estamos perante uma situação em que as responsabilidades parentais devem ser reguladas, tendo em conta o disposto nos arts. 1905º e 1906º do CC (na redacção introduzida pela Lei nº 65/2020).
Estabelece, por outro lado, o art. 40º do RGPTC que “na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos, ou a um dos progenitores… aí se fixando a residência…” (nº 1).
Acrescenta o nº 2 do mesmo preceito legal que “… é estabelecido um regime de visitas que regule a partilha do tempo com a criança… “, sendo que “excepcionalmente, ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afectivo com o visitante, pode o Tribunal, pelo período de tempo que se revelar necessário, ordenar a suspensão do regime de visitas…” (nº 3).
Como decorre do exposto, no presente caso, foi estabelecido na decisão recorrida um regime de exercício das responsabilidades parentais em que o menor ficou a residir com a Progenitora e estabeleceu-se um regime de visitas para o seu Progenitor.
O único ponto do regime de exercício das responsabilidades parentais que o recorrente põe em causa diz respeito justamente à fixação da residência com a progenitora (e ao exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos de vida corrente), entendendo que tal residência deveria ser fixada antes consigo.
Vejamos se podemos acolher esta pretensão do recorrente.
A primeira conclusão que podemos afirmar é a de que, face às circunstâncias ocorridas, está totalmente afastada a hipótese de manter o regime de exercício das responsabilidades parentais que se mostrava em vigor (cfr. art. 1905º, nº 6 do CC residência alternada), pois que o mesmo evidentemente não satisfaz os superiores interesses do jovem CC – além de que se mostraria sempre totalmente desaconselhável, face às constantes divergências existentes entre os progenitores e as circunstâncias supervenientes que levaram à promoção da alteração do regime das responsabilidades parentais .
Aliás, nenhum dos progenitores (nem a Exma. Magistrada do Ministério Público) defende esse regime de exercício das responsabilidades parentais.
Nesta sequência, a única opção que surgia ao tribunal recorrido era a opção pela residência junto de um dos progenitores.
O tribunal recorrido já avançou, com acerto, um conjunto de factores que podem e devem ser sopesados neste âmbito.
Importa, pois, entrar na ponderação da questão da titularidade das responsabilidades parentais e do respectivo regime de exercício dessas Responsabilidades, tendo em conta a distinção que o legislador estabelece entre questões de particular importância para a vida do filho e actos da vida corrente do filho.
Como é sabido, a titularidade destas responsabilidades parentais assim como o seu exercício cabem, em princípio, a ambos os progenitores em condições de plena igualdade, na constância do matrimónio ou da relação análoga à dos cônjuges (arts. 1901º, 1911º e 1912º do CC, estes por remissão para aquele primeiro preceito legal).
Essa regra geral de titularidade e exercício conjunto das responsabilidades paternais modifica-se, já se verá em que termos, “em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento” (arts. 1905º e 1906º do CC) e, nas situações de relação análoga à dos cônjuges, “em caso de cessação da convivência “(art. 1911º, nº 2 do CC).
Na verdade, nestas situações o legislador, ponderando os superiores interesses dos menores, entendeu estabelecer um regime especial, seja quanto à titularidade das responsabilidades parentais, seja quanto ao exercício das mesmas responsabilidades parentais, efectuando o legislador uma distinção entre questões de particular importância para a vida do filho e actos da vida corrente do filho[7].
“Estes novos preceitos procuram concretizar o objectivo de evitar que o divorcio ou a separação dos pais provoque o afastamento de um dos progenitores em relação ao filho, debilitando o respectivo relacionamento afectivo, o que ocorreria mais frequentemente com o pai. A ideia subjacente é a de que, no interesse da criança, ambos os progenitores devem manter-se comprometidos com o seu desenvolvimento, questão que não se deverá deixar na livre disponibilidade dos progenitores por estar em causa uma questão de “interesse público”… “[8].
É o que decorre do art. 1906º, nº 1 do CC onde se estabelece que, nestes casos, “… as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível…”.
Acrescenta, no entanto, o nº 2 do citado dispositivo legal que “… quando o exercício em conjunto das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho, for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores… “– questão que, como iremos ver, assume particulares contornos no caso concreto (cfr. art. 1906º-A, al a) do CC, preceito legal aditado pela Lei nº 24/2017) e que levou o tribunal recorrido a decretar que se verificava esta última situação (ou seja, a julgar que era contrário aos interesses do jovem CC que as responsabilidades relativas às questões de particular importância fossem atribuídas a ambos os progenitores).
No entanto, e como já dissemos, a única divergência do recorrente estabelece-se em função do regime de exercício das responsabilidades parentais (ainda que esta questão tenha obviamente reflexos naquela outra).
Vejamos, então, se o tribunal recorrido ponderou devidamente o caso concreto, quando decidiu que o jovem CC devia passar a residir com a progenitora, cabendo a esta o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho da aqui Recorrida e do aqui Recorrente.
Ora, quanto a estes actos da vida corrente, o legislador entendeu que o exercício das responsabilidades parentais deve caber “… ao progenitor com quem ele resida habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente… “(art. 1906º, nº 3 do CC).
Decorre, assim, do regime legal que “a imposição do exercício conjunto das responsabilidades parentais é contrabalançada pelo esclarecimento de que a actuação conjunta diz respeito apenas às “questões de particular importância para a vida do filho”. Relativamente aos “actos da vida corrente do filho”, as decisões serão tomadas pelo progenitor com quem o filho resida habitualmente…” [9].
No caso concreto, ficou determinado que, depois do divórcio, deveria ser estabelecido entre os progenitores um regime de guarda ou residência alternada (semanal), mas, como já dissemos, pelas razões atrás referidas, esse regime não se pode manter.
Ora, afastada esta hipótese de estabelecer um regime de guarda ou residência alternada, resta, como alternativa, o Tribunal fixar o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais fixando a residência com um dos progenitores, tarefa que, como é óbvio, é difícil, tanto mais que, no caso concreto, como resulta da matéria de facto provada (e da prova produzida), ambos os progenitores revelaram possuir adequadas competências parentais (ainda que não possam deixar de ser ponderadas as circunstâncias apuradas relativas à violência doméstica mesmo neste âmbito).
Entende-se, de uma forma geral, que a determinação da residência implica necessariamente um juízo actual acerca das capacidades e demais condições do progenitor que passará a ter o filho a residir consigo porquanto a convivência e os cuidados diários com aquele são os que exigem uma maior disponibilidade e capacidade por parte do respectivo progenitor.
Na verdade, o que realmente importa, nestas situações em que ambos os progenitores pretendem que o menor resida consigo e em que se verifica que ambos têm competências parentais para o efeito, é efectuar um juízo de prognose global sobre qual será a melhor solução que deve merecer o jovem CC, tendo em conta os seus superiores interesses.
Como é sabido, os superiores interesses do menor são entendidos como um conceito indeterminado a preencher no caso concreto em face da factualidade apurada, constituindo, neste âmbito o único critério legal a observar na decisão judicial.
Numa tentativa de maior precisão, poder-se-á dizer com Clara Sottomayor[10] que , “ … sabemos que o interesse do menores é um conceito indeterminado que, pelo seu caracter vago e elástico, se presta a interpretações subjectivas e comporta qualquer sentido que se lhe queira atribuir, gozando sempre da força apelativa e humanitária contida nas palavras. Para além da pluralidade de sentidos, os conceitos indeterminados comportam uma variabilidade sentimental e os tribunais de família decidem de acordo com a sensibilidade… O conceito de interesse da criança comporta, no entanto, uma zona - o núcleo do conceito - passível de ser preenchida através do recurso a valorações objectivas. Com efeito os especialistas das ciências sociais e humanas identificam o interesse do menor com a estabilidade das condições de vida da criança, das suas relações afectivas e do seu ambiente físico e social. Esta noção de estabilidade limita a discricionariedade judicial e constitui um obstáculo à modificação das decisões relativamente a menores, a não ser que as vantagens trazidas pela alteração superem os danos causados pela ruptura com a estabilidade da vida do menor… “.
Sendo este o critério geral que deve aqui ser seguido, e não tendo o legislador concretizado os critérios de definição da residência com um dos progenitores (deixando essa definição à jurisprudência e à doutrina), o legislador actual não deixa de apontar, ainda que a titulo de exemplificativo, dois novos aspectos a considerar pelo Tribunal:
1. O eventual acordo dos progenitores – que no caso concreto não existe, apesar do Tribunal ter tentado por diversas formas atingi-lo (seguro que seria essa uma solução mais adequada a promover os interesses do jovem CC – porque, além do mais, promovia o entendimento entre os seus progenitores);
e 2) a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover as relações habituais do filho com o outro (art. 1906º, nº 5 do CC) - v. o que à frente se dirá sobre este critério.
Mantém-se, no entanto, a necessidade de recorrer aos critérios que vêm sendo seguidos pela Jurisprudência e pela Doutrina, ainda que tais critérios devam merecer permanente actualização, seja em face da nova realidade social, seja em face dos novos contributos que as ciências sociais vêm aportando a esta temática.
Ora, além dos referidos critérios legais, vem-se apontando os seguintes critérios de definição da residência do menor (antes, da guarda do menor):
a)- o critério da chamada presunção ou preferência maternal[11] - de acordo com este critério a mãe, por razões biológicas e sociológicas, seria o progenitor mais apto a cuidar dos filhos (sobretudo, quando estes são de tenra idade). Trata-se, no entanto, de critério que aqui não seguimos - e que levaria a apontar a residência do jovem CC para a progenitora - porque se entende que actualmente se justifica colocar ambos os progenitores em plano de igualdade, reconhecendo-se que, na sociedade actual, a realidade familiar e social evoluiu no sentido de reconhecer que qualquer um dos progenitores poderá desempenhar as responsabilidades parentais com igual capacidade (salvaguardada a excepção relativa ao período normal de aleitamento da criança, obviamente), independentemente da idade da criança.
Aliás, este critério da preferência maternal já se mostra ultrapassado, já que se passou a entender que “… o critério mais correcto de decisão é o da figura primária de referência e não o da preferência maternal. A figura primária de referência será o pai que tem uma relação mais próxima com o filho que cuida dele diariamente, que colabora mais na sua educação… “[12], nomeadamente quando o menor chegou a viver na residência comum com o casal que entretanto cessou a sua convivência.
Assim, recusada a aplicação acrítica desta alegada presunção de melhor exercício das responsabilidades parentais por parte da progenitora, interessa antes analisar neste âmbito qual dos progenitores tem maior capacidade para ter o filho a viver consigo e consequentemente a exercer com carácter de habitualidade as responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente, independentemente da idade do menor – não se podendo, no caso concreto, vislumbrar na matéria de facto considerada provada, qualquer diferença significativa nessa capacidade relativamente a ambos os progenitores.
b) - a preferência do menor (filho) - critério que, no caso concreto, apontaria no sentido de o jovem CC pretender residir com a progenitora, conforme indicou em diversas ocasiões – relatório social e resulta da matéria de facto considerada provada: “oo) O menor revela tendência para considerar a figura do pai como menos positiva, no sentido de menos simpático, e a figura da mãe como mais positiva, mais alegre, mas revela sentir-se bem em ambas as casas, pese embora verbalize querer ficar junto da mãe e da tia”;
- o critério da não separação dos irmãos - trata-se de um principio a que os Tribunais[13] têm dado particular importância por se entender que “… a não convivência permanente entre irmãos pode contribuir para aumentar o sofrimento e a instabilidade criadas (…pela ruptura entre os progenitores…), mostrando-se essencial assegurar, na medida do possível, a continuidade das relações sociais e afectivas das crianças e, por maioria de razão, as relações entre os irmãos…”[14].
Este critério, no fundo, é a concretização do acima referido quanto à necessidade imposta de utilizar como critério o superior interesse do menor.
Na verdade, já se referiu que este superior interesse do menor, identifica-se com a necessidade de afirmação da exigência de se verificar, tanto quanto possível, estabilidade das condições de vida da criança, das suas relações afectivas e do seu ambiente físico e social.
Ora, este critério, no caso concreto, poderia implicar a colocação do jovem CC a residir com o progenitor, pois que é com este que vive o seu irmão. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que, no caso concreto, tal relacionamento com o irmão (atenta também as respectivas idades) poderá ser suficientemente mantido através do cumprimento do direito de visitas do progenitor.
c)- o critério da qualidade e consistência das relações afectivas com os pais e a capacidade educativa de cada um dos progenitores
De acordo com este critério caberia ao Tribunal apurar qual dos progenitores era, quando estes se encontravam a residir juntos, no dia-a-dia mais presente na vida dos filhos - no caso concreto, não se pode retirar da matéria de facto considerada provada qualquer referência que aponte no sentido de ser reconhecida maior presença a um dos progenitores.
d)- a continuidade das relações da criança:
Decorre deste critério que se deve ter em conta a continuidade das relações da criança, seja no que respeita às ligações pessoais da criança à sua principal pessoa de referência, seja no que respeita ao seu ambiente social.
e) importa valorar ainda o critério exemplificativo legal da (maior) disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover as relações habituais do filho com o outro (art. 1906º, nº 5 do CC).
Como é sabido, trata-se de uma inovação fundamental que impõe, para além do mais, alguma contenção ao progenitor (na relação com o outro progenitor) com quem o menor passe a residir habitualmente.
Na verdade, este critério permite ao Tribunal, a partir dos elementos de facto apurados, aperceber-se, por exemplo, do grau de hostilidade de um dos progenitores em relação ao outro, que lhe permita antecipar que, se a residência for atribuída a um determinado progenitor, este porá, por causa da referida hostilidade, em causa o direito de visitas do progenitor não residente.
Foi este um dos critérios que o tribunal recorrido justificadamente considerou mais relevantes – a par da condenação penal por violência doméstica – considerações que merecem a nossa concordância:
“A conduta do pai suscita as maiores reservas à luz destes objectivos. Emerge da factualidade provada que a dificuldade de diálogo entre os pais é mais potenciada por atitudes do pai, que desqualifica frequentemente a mãe junto do filho, opta por um estilo de comunicação agressivo, e mantém-se sobretudo focado na ruptura conjugal. É certo que o tribunal não exclui que também a mãe pudesse por vezes ter atitudes de bloqueio de diálogo, mas os factos provados apontaram sobretudo o pai como causa das principais tensões, o que é ainda reforçadamente ilustrado pela factualidade descrita de e) a s), que fundamentou a condenação por violência doméstica.
É ainda eloquente a pretensão do pai em excluir mesmo as pernoitas junto da mãe em visita, com base na falta de quarto próprio ou no facto de o menor dormir num sofá e não numa cama propriamente dita.
O tribunal coloca sérias possibilidades de, no caso de a residência ser fixada junto do pai, a situação passar de um conflito contínuo entre os pais para uma tentativa sistemática de alienação da mãe da vida do filho”.
Nesta sequência, julga-se que, efectivamente, no caso concreto, releva, em especial, um outro critério que acaba por ser (ainda mais) decisivo na decisão que aqui incumbia ser proferida.
Ou seja, no caso concreto, não se pode deixar de reconhecer a importância da condenação penal do recorrente pela prática de um crime de violência doméstica de que foi vitima a aqui progenitora (não se deixando de ponderar, neste âmbito, as circunstâncias fácticas que fundamentaram essa condenação).
Com efeito, “ao regular as responsabilidades parentais num contexto de violência doméstica, o Tribunal não pode perder de vista que, mesmo que não tenha havido violência directa sobre o filho, a sua exposição à violência interparental consubstancia ela própria uma forma de maltrato, acarretando hostilidade e perigo e expondo a criança a modelos de vinculação negativos e limitados, que encorajam comportamentos violentos”[15].
Focado nos superiores interesses do jovem, “numa situação de violência doméstica, o Tribunal deverá afastar completamente a possibilidade de fixação da residência da criança junto do progenitor agressor.
Assim será nos casos em que a criança tenha sido vítima directa da violência, por óbvias razões de protecção individual, que, de tão evidentes, dispensam qualquer esclarecimento adicional.
Mas deverá ser também nas situações em que, não tendo sido vítima directa, a criança foi, não obstante, exposta à violência, tendo presenciado um ou vários actos de agressividade, perpetrados por um dos progenitores sobre o outro.
Na verdade, ao expor o filho a experiências de violência e agressividade, o progenitor agressor afastou-se do modelo de vinculação segura que, por ser a mais favorável ao desenvolvimento saudável de uma criança, lhe era exigido para se perfilar como possível guardião. Nessa medida, não está em condições de assegurar a residência do filho, enquanto contexto de afecto, partilha, protecção e segurança”[16].
Este raciocínio é aplicável, mesmo nas hipóteses em que a criança não tenha sido directamente exposta a situações de violência doméstica (v.g. por os episódios de agressão nunca terem decorrido na sua presença), uma vez que se nos afigura que, nestas circunstâncias (e enquanto a situação que as proporcionou se mantiver), o progenitor agressor não poderá surgir como elemento que possa proporcionar a almejada “estabilidade das condições de vida da criança, das suas relações afectivas e do seu ambiente físico e social”.
De resto, neste tipo de situações, o Tribunal não pode deixar de continuar a ter em consideração as necessidades de protecção do outro progenitor, vítima de violência doméstica, pois que o regime de exercício das responsabilidades parentais, pelos contactos frequentes que exige entre os progenitores, inclusivamente, em termos de regime de visitas, se mostra particularmente propício à continuação da violência após a ruptura ou o divórcio, situação que pode/deve ser ponderada na fixação do regime das responsabilidades parentais (por ex. em sede de fixação do regime de visitas – v. por ex. as hipóteses agora previstas no art. 40º, nº 2 e 9 e 10 do RGPTC (supervisão do regime de visitas sempre que se justifique ou mesmo suspensão do regime).
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Aqui chegados, e ponderando os superiores interesses do jovem CC, tendo em conta o percurso efectuado pelos critérios legais, doutrinais e jurisprudenciais que se mostram atrás definidos e concretizados, julga-se assim que tem sido a progenitora que, por força das circunstâncias, tem estado mais presente, no que concerne aos actos da vida corrente do jovem CC, sendo que, no actual momento, o jovem tem maior proximidade com o agregado familiar da progenitora, considerando-se que a residência da progenitora constitui, no presente momento, aquela residência onde poderá obter uma maior estabilidade em termos de condições de vida, em termos das suas relações afectivas e em termos do seu ambiente físico e social – isto sem que, ao mesmo tempo, não se possa deixar de afirmar que ambos os progenitores, não fora os critérios diferenciadores apontados, pudessem assegurar os cuidados diários que este necessita, atenta a sua idade e situação pessoal, sendo que, quanto às condições de vida (económicas, de habitabilidade), importa ainda reconhecer, que, apesar de ambos possuírem as condições necessárias e adequadas para prover pelas necessidades do filho de ambos, a verdade é que as condições que o progenitor poderia oferecer seriam superiores (enquanto permaneça na casa que foi morada de família) - mas a verdade é que este critério não pode aqui ser valorado, no âmbito de um critério meramente quantitativo, devendo, antes, prevalecer aqueles critérios que satisfaçam de uma forma mais premente os superiores interesses do jovem CC, conforme decorre da valoração que atrás efectuamos.
É este, portanto, ponderados todos os critérios enunciados, o juízo de prognose global que aqui efectuamos, e que confirma aquele que o Tribunal Recorrido efectuou, quanto àquela que será a melhor solução que deve merecer a situação do jovem CC, tendo em conta os seus superiores interesses.
Nesta conformidade, tendo em conta todas estas considerações, o presente Tribunal considera, assim, que se justifica, de acordo com os seus superiores interesses, que justamente se decida, conforme também decidiu o tribunal recorrido, que, relativamente aos actos da vida corrente do jovem CC, caiba à sua progenitora, o exercício dessas responsabilidades parentais, fixando-se, em consequência, a residência do mesmo junto da progenitora.
Pelo exposto, conclui-se assim que deve “a titularidade das responsabilidades parentais e o respectivo regime de exercício dessas Responsabilidades” ser fixado, no caso concreto, da seguinte forma:
– A residência do jovem CC deverá ser fixada junto da mãe, que exercerá as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente do menor, mantendo-se também o regime – não questionado pelo recorrente - fixado quanto às questões de particular importância da vida do menor (o qual decorre também dos citados dispositivos legais relacionados com a condenação penal do recorrente – ainda que não de uma forma automática, como se assinalou em nota).
O que significa que a decisão proferida pelo tribunal recorrido se deve manter integralmente, por se julgar corresponder à decisão mais adequada a satisfazer os superiores interesses do jovem CC, tendo em conta todas as circunstâncias fácticas apuradas e os referidos critérios de decisão atrás ponderados, não sendo despiciendo assinalar que essa decisão corresponde à própria vontade do jovem.
*
Improcede, assim, totalmente o Recurso, com a consequência de se confirmar integralmente a decisão recorrida.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
- improcedente a apelação, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
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Custas pelo Progenitor/ Recorrente (artigo 527.º, nº 1 do CPC).
Notifique.
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Porto, 23 de Maio de 2022
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
_________________
[1] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
[2] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
[3] V. por ex. os acs. do STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes), de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida), de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima), de 16.5.2018 (relator: Ribeiro Cardoso), de 31.10.2018 (Relator: Chambel Mourisco) e de 27.9.2018 (relator: Sousa Lameira), in dgsi.pt.
[4] Acs do STJ de 26.05.2015 de 29.10.2015, de 11.02.2016, de 03.03.2016, de 27.10.2016, de 15.02.2018 e de 6.6.2018 (relator: Ferreira Pinto), todos in dgsi.pt.
[5] Importa dizer que é também relevante salientar que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141. No mesmo sentido, o ac. do STJ de 27.10.2016. Nesta conformidade, apesar das deficiências atrás salientadas, estas não podem ser supridas por um eventual despacho convite que fosse formulado nesse sentido. V. ainda, o ac. do STJ de 19.12.2018 (relator: Maria Graça Trigo), in dgsi.pt: “I. De acordo com a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, não merece censura a decisão da Relação que rejeitou a apelação na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus de impugnação (nº 1, do art. 640º, do CPC) sem previamente ter convidado o recorrente ao aperfeiçoamento das respectivas conclusões recursórias. II. Segundo tal jurisprudência, “o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada, sendo por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus para quem impugna a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância”.
[6] Entendem-se, neste âmbito, como supervenientes “… tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso… “(art. 988 do CPC)
[7] Entende-se, de uma forma geral, que as denominadas questões de particular importância para a vida do filho são aquelas que “… se resumem a questões existenciais graves e raras na vida de uma criança, questões essas que pertencem ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças… “ (para utilizar a definição aproximada utilizada na exposição de motivos das alterações introduzidas no regime jurídico do Divórcio- Projecto de Lei nº 509/X).Têm, assim, de se tratar de questões centrais e fundamentais para o desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação dos menores, integrando todos os actos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias de cada caso concreto; já os actos da vida corrente, como é óbvio, terão que coincidir “…com aqueles que não sejam de particular importância, ou seja, são actos relacionados com o quotidiano do menor, v.g. decisões relativas à disciplina, alimentação, contactos sociais, os trabalhos de casa, o uso de telemóvel, consultas médicas de rotina, entre outros… “.Como exemplos de questões de particular importância podem-se indicar, entre outros, os seguintes:- as intervenções cirúrgicas das quais possa decorrer risco para a saúde do menor; -a prática de actividades desportivas radicais ou outras que possam comportar perigos para a sua integridade física; -a saída do menor para o estrangeiro para países em conflito de que resultem riscos acrescidos para a sua segurança; - a educação religiosa do menor; -a mudança de residência do menor para local distinto da residência do progenitor a quem foi confiado v. Hugo Rodrigues, in “ Questões de particular importância no exercício das responsabilidades parentais”, págs. 123 e ss,; Clara Sottomayor, In “Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio”, págs. 275 e ss.; Helena Gomes de Melo/ João Raposo/ Luís Carvalho/ Maria do Carmo Bargado/Ana Leal/Felicidade d´Oliveira; in “ Poder paternal e responsabilidades parentais”, págs. 139 e ss.
[8] Rita Lobo Xavier, in “Recentes Alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais”, pág. 65;
[9] Rita Lobo Xavier, in “Recentes Alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais”, pág. 66;
[10] In “Quem são os verdadeiros pais- adopção plena de menor e oposição dos pais biológicos“ na colectânea de estudos “ Abandono e adopção ), pág.59. No mesmo sentido, v. Joana Salazar Gomes, in “O superior interesse da criança e as novas formas de guarda”, págs. 58 e ss.
[11] Clara Sottomayor, in” “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, págs. 43 e segs. da 4ª edição e jurisprudência aí amplamente citada; v. sobre este critério, de uma forma já critica, o artigo publicado, na revista “Lex Familiae- revista portuguesa de direito da família” por Guilherme de Oliveira, com o apelativo nome “Ascensão e queda da doutrina do “cuidador principal”; págs. 5 e ss.
[12] Jorge Duarte Pinheiro, in “O Direito da família contemporâneo”, pág 346; no mesmo sentido, v. Joana Salazar Gomes, in “O superior interesse da criança e as novas formas de guarda”, págs. 58 e ss. e 106 e ss.; v., no entanto, as criticas já formuladas por Guilherme Oliveira, no artigo mencionado na nota anterior.
[13] V., por ex. o ac. da RL de 25.2.1993 (sumário) onde se refere que: Em acção de regulação do poder paternal, é sempre ao real interesse dos menores que há que atender para se determinar à guarda de qual dos pais hão-de ficar confiados. Sendo idênticas as condições dos pais, demonstrando que ambos são pessoas responsáveis e capazes de dar aos menores o amor, carinho e estabilidade necessários ao seu equilibrado desenvolvimento, a ponto de ser de concluir que estes tanto ficariam bem entregues aos cuidados da mãe como aos do pai, é aconselhável que, quando a diferença de idades entre os menores não exceda, em muito, os cinco anos, e algum deles seja de idade muito reduzida, inferior a dez anos, permaneçam juntos, e confiados à guarda da mãe… “
[14] Helena Gomes de Melo/ João Raposo/ Luís Carvalho/ Maria do Carmo Bargado/Ana Leal/Felicidade d´Oliveira; in “ Poder paternal e responsabilidades parentais”, págs. 72;
[15] Mauro Paulino, in “Regular o Exercício das Responsabilidades Parentais em Contexto de Violência Doméstica; como superar o desafio?”, (conferência proferida no CEJ, no âmbito dos Temas de Direito da Família e das Crianças (acção de formação contínua), no dia 15/2/2019, disponível na internet.
[16] Maria Perquilhas e Pedro Raposo de Figueiredo in “A violência doméstica – o direito da família e das crianças - Divórcio e Responsabilidades Parentais” (Cadernos do CEJ - Violência Doméstica - implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno – Manual pluridisciplinar (2.ª edição) – Coord. Paulo Guerra, e Lucília Gago), págs. 372 e ss. No mesmo sentido, Ana Leal, no referido caderno do CEJ “As várias áreas da intervenção: Penal, Tutelar Educativo, Promoção e Protecção e Providências Tutelares Cíveis. A articulação como necessidade absoluta para uma actuação Eficiente”, págs. 429 e ss. Em sentido diferente, v. no entanto, o ac. da RG de 28.9.2019 (relator: Alcides Rodrigues) que admite que “…mesmo no caso da verificação das circunstâncias previstas nas alíneas do art. 1906º-A do CC, tem-se entendido que daí não resulta o automático afastamento do exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, pois continua a persistir nesta parte o dever de fundamentação; a gravidade das situações previstas no referido art. 1906º-A do CC confirma o carácter excepcional da previsão do n.º 2 do art. 1906º”; no mesmo sentido, Estrela Chaby, in “Código Civil Anotado” (Ana Prata Coord.), volume II, Almedina, 2017, págs. 810 e 817 a 819.