Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1843/13.0TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
MEDIDA DA CULPA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RP202007141843/13.0TBPVZ.P1
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo vários os responsáveis por um acidente, a responsabilidade é solidária, nos termos do artigo 497.º, n.º 1, Código Civil, mas a quota de responsabilidade de cada interveniente deverá ser fixada para regular os termos do direito de regresso entre os responsáveis.
II - Na fixação do montante da indemnização por danos morais releva a equidade, sendo fundamental atender aos padrões jurisprudenciais, para evitar cair-se no arbítrio, e às especificidades do caso concreto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1843/13.0TBPVZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B…, e mulher C… e D…o, instauraram acção declarativa de condenação contra E…, Companhia de Seguros, S.A., actualmente denominada F… – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., Companhia de Seguros G…, S.A., actualmente denominada H…, S. A., e I…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a sua condenação a pagar solidariamente ao A. B… a quantia de € 24.100,00; à A. C… a quantia de € 46.375,00; e, à A. D… a quantia de € 24.194,00, quantias essas acrescidas de juros desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, e ainda todas as despesas médicas e medicamentosas, e todas as despesas com futuras intervenções cirúrgicas que se vier apurar, derivadas do sinistro em causa.
Alegaram para tanto, e, em síntese, que, em consequência do embate que se deu por uma sucessão de manobras mal executadas pelos condutores dos veículos seguros nas RR., sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento pretendem.
Citadas as RR., a R. G… apresentou contestação, impugnando diversa factualidade (fls. 82 e ss.).
A R. I… contestou, invocando a exceção da prescrição e a nulidade da petição inicial; defendendo que houve culpa de terceiro ou do A. e impugnando diversa factualidade (fls. 90 e ss.).
Tal como as RR. G… e I…, também a R. E… apresentou contestação, na qual se defendeu, apenas, por impugnação (fls. 101 e ss.).
Os AA. replicaram (fls. 107 e ss.).
Foi proferido despacho (a fls. 132-133) convidando os AA. «a apresentarem novo articulado em que esclareçam e concretizem os factos», relativos ao «preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade em relação a todos os intervenientes, pois apesar de se referirem ao envolvimento de todos os aludidos veículos, bem como aos danos que advieram para os AA. dos embates em causa, não especificam os factos dos quais retiram quer o nexo de causalidade, quer a ilicitude e a culpa quanto ao comportamento de todos os condutores dos veículos, designadamente do condutor do veículo de matrícula ..-FJ-..».
Anuindo ao convite que lhes foi dirigido, os AA. apresentaram petição inicial aperfeiçoada (fls. 138 e ss.); o que mereceu resposta das RR., nos termos que constam a 143 e ss..
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, bem como despachos identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; e, também, despacho sobre os meios de prova (fls. 147-149).
Tendo falecido a A. D…, foi habilitado em sua substituição K… (fls. 31-32 do apenso C).
Procedeu-se à realização de julgamento.
Depois de concluída a audiência final de julgamento, foi recebido nos autos o relatório pericial relativo ao A. B… (fls. 844-848, volume V), tendo as partes prescindido da reabertura da audiência (fls. 850 e ss., volume V).
Foi proferida decisão que, julgando a acção parcialmente procedente:
1) Julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pela R. I…, Companhia de Seguros, S.A.;
2) Absolveu a R. I…, Companhia de Seguros, S.A., dos pedidos contra a mesma formulados;
3) Condenou solidariamente as RR. H…, S. A., e F… – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao A. B… a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento; a pagar à A. C… a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento; e a pagar à A. D… a quantia de em € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento;
4) Absolveu as RR. H…, S. A., e F… – Companhia de Seguros, S. A., do demais peticionado.
Inconformada, apelou a R. F…, apresentando as seguintes conclusões:
1 - Não se discutindo, com o presente Recurso, a responsabilidade do condutor do veículo seguro pela produção do acidente, não concorda a Recorrente com o que considera ter sido uma fixação incorreta, por excessiva, desrazoável e infundada, dos valores arbitrados a título de indemnização pelos danos não patrimoniais arbitrados aos Autores.
2 – Os Autores peticionavam o pagamento das quantias de € 24.100,00 ao A. B…, € 46.375,00 à A. C… e € 24.194,00 à A. D…, a título de danos não patrimoniais e o pagamento solidário, de todas as despesas médicas e medicamentosas, bem como, todas as despesas com futuras intervenções cirúrgicas que se viessem apurar, derivadas do sinistro em apreço nos presentes autos.
3 – Resultou da douta sentença, a condenação das Rés H…, S. A. e F… – Companhia de Seguros, S. A. a pagar ao Autor B… a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento; a pagar à Autora C… a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento; e a pagar à Autora D… a quantia de em € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento.
4 - Salvo o devido respeito (que é muito), é contra os referidos montantes indemnizatórios arbitrados na douta sentença recorrida que a ora Recorrente agora se insurge, nomeadamente por considerar que os montantes indemnizatórios atribuídos aos Autores afiguram-se manifestamente desajustados, por excessivos, atenta a factualidade julgada provada (e não provada) nos autos, e bem assim os critérios jurisprudenciais atualmente seguidos pela nossa jurisprudência, e bem assim a (não) aplicação das medidas da culpa na condenação ao pagamento das indemnizações, encontrando-se, nessa medida, incorretamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil.
5 - O artigo 496.º do Código Civil manda atender, na fixação da indemnização, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
6 – Acontece que, os montantes fixados pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais, extravasam os padrões comuns da nossa jurisprudência.
7 - Os danos não patrimoniais não são avaliáveis em dinheiro, sendo certo que, não atingem bens integrantes do património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza, e o seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória.
8 - Ora, o montante indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais, enquanto montante pecuniário, deverá fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o artigo 494.º do CC (ex vi artigo 496.º, n.º 4 do CC).
9 - A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha que assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
10 – E nessa medida, é manifesto que, à luz desse critério objetivo, e tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, designadamente, o número e extensão das lesões sofridas e as dores sentidas, considera a Recorrente que, os montantes atribuídos pela douta sentença recorrida de € 4.000,00, € 20.000,00 e € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, mostram-se desadequados, por excessivos.
11 – Sendo este também o entendimento da nossa jurisprudência, nomeadamente nas seguintes decisões: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2008, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.10.2005, 30.06.2011, 20.04.2011 e 22.03.2018 e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.01.2018.
12 - Se é certo que será de atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, certo é também que, os critérios a utilizar para a determinação do dano não devem ser abstratos ou mecânicos, devendo antes atender ao caso concreto e sempre temperados por juízos de equidade.
13 - Resulta do entendimento, quer da doutrina, quer da jurisprudência que, a «gravidade» a que se refere o artigo 496.º, n.º 1 do CC, deverá medir-se segundo um padrão objetivo e não segundo padrões subjetivos, mas sempre atendendo ao caso concreto em apreço.
14 - Atento os factos considerados como provados e não provados e a sua respetiva valoração, devem as quantias fixadas para indemnização por danos não patrimoniais dos Autores ser corrigidas, devendo as mesmas ser reduzidas para um valor mais justo e equitativo, dado que, os montantes agora arbitrados mostram-se manifestamente exagerados.
15 – É um facto assente que, existe uma dificuldade real na fixação de valores indemnizatórios a título de danos não patrimoniais, contudo, constata-se ainda assim, pela análise jurisprudencial, o dever, na aplicação dos referidos critérios, de obedecer a uma lógica própria, segundo a qual, o juízo de equidade deve servir um propósito de equilíbrio, vedando ao julgador a fixação, por recurso aos demais critérios legais enunciados e/ou atendíveis em função das circunstâncias do caso, de um montante desrazoável, seja por defeito (ficando aquém do dano sofrido), seja por excesso (extravasando a função de reconstituição da situação que existiria, enunciada no artigo 562.º do CC).
16 – E julgar segundo a equidade significa que, o Tribunal deve atender à necessidade de adequada compensação da vítima sem, com isso, violar o princípio constitucional e legalmente acolhido da proporcionalidade, à luz do qual a indemnização atribuída deve ser a estritamente necessária (e apenas essa) à salvaguarda dos direitos e/ou interesses ofendidos.
17 – Acontece que, na realidade o Tribunal a quo fixou montantes indemnizatórios que não se coadunam com tais critérios.
18 - Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
19 - Tem entendido a jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais tem que constituir uma efetiva possibilidade compensatória, mas também tem que ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.
20 - Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a manter-se a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo, estamos claramente perante um enriquecimento abusivo por parte dos Autores.
21 - Tendo presente que a compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do CC (ex vi artigo 496.º, n.º 4 do CC) para a determinação da compensação por dano não patrimonial, afigura-se que as compensações arbitradas pelo Tribunal a quo são manifestamente excessivas, devendo as indemnizações arbitradas ser consideravelmente menores, tendo em consideração os danos efetivamente sofridos pelos Autores, conforme resulta da matéria considerada como provada.
22 – Por outro lado, verifica-se que a decisão recorrida não elenca decisões exemplificativas dos montantes que vêm sendo arbitrados e que considera corresponder aos montantes fixados em situações equivalentes.
23 – Ao contrário daquilo que resulta dos critérios de recurso à equidade para fixação das indemnizações.
24 – Resulta ainda da douta decisão que, o Tribunal a quo fixou a medida das culpas, dos diversos condutores intervenientes no acidente, e em especial do Autor B…, condutor do veículo de matrícula ..-..-QL, em 25%.
25 - Ora, a Recorrente tem a profunda convicção de que a fixação das indemnizações aos Autores não atendeu à contribuição em 25% da culpa do sinistro, pelo próprio Autor nos presentes autos.
26 – Significando assim que, a atribuição das indemnizações quer ao Autor B…, quer às Autoras C… e D…, não atendeu à responsabilidade do próprio Autor no sinistro e inquinando a decisão proferida nos presentes autos, com uma nulidade.
27 – Resulta assim da douta sentença que: “Quanto à medida das respetivas culpas, apesar da dificuldade de tal fixação perante a factualidade que se apurou, entendemos que a culpa do condutor do IZ (muito embora este veículo não tenha chegado a embater diretamente, digamos assim, no QL) é superior à culpa dos demais condutores, pois conduzia sob o efeito do álcool e foi o comportamento do condutor do IZ que esteve na génese do acidente. Ponderando todas as circunstâncias do caso, consideramos que é de fixar em 50% a culpa condutor do IZ, em 25% a culpa do condutor do QL e em 25% a culpa do condutor do BP (negrito nosso).
28 - O Tribunal a quo concluiu assim, em primeira linha que, a ora Recorrente, enquanto Seguradora do condutor do veículo BP, terá de indemnizar os Autores em função da medida da culpa do condutor do veículo seguro, ou seja, indemnizar os Autores em 25% dos danos não patrimoniais sofridos pelos mesmos.
29 – Contudo, o Tribunal a quo aplica em modo de conclusão, e quanto ao pagamento da indemnização, o regime da responsabilidade solidária do artigo 497.º do CC: “como são «várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade» (art. 497.º, n.º 1 do Código Civil. Acrescenta o n.º 2 deste art. 497.º: «o direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis»)” (negrito nosso).
30 – A sentença proferida pelo Tribunal a quo, aprecia a culpa, enquanto pressuposto para aplicação do instituto da responsabilidade civil extracontratual do artigo 483.º do CC, concluindo que, atenta o circunstancialismo concreto envolvente, os condutores dos veículos IZ, QL e BP, contribuíram ativamente para a eclosão do sinistro, mas em medidas diversas.
31 - Posto isto, e da análise da dinâmica do sinistro resultou que, a culpa do condutor do veículo IZ é superior à culpa dos condutores dos veículos QL e BP. E nesta medida, o Tribunal a quo considerou fixar a culpa do condutor do veículo IZ, em 50% e dos condutores dos veículos QL e BP, em 25%, cada um.
32 – E seria assim expectável que o Tribunal a quo, na fixação das indemnizações a atribuir aos Autores, a título de danos não patrimoniais, atendesse a estes critérios objetivos da medida das culpas.
33 - Ora, ressalvando o devido respeito, que é muito, é entendimento da ora Recorrente que, as posições supramencionadas do Tribunal a quo são absolutamente incompatíveis e mesmo contraditórias.
34 - Como é possível compaginar com este entendimento, quando o Tribunal a quo define, em primeiro lugar, a medida da culpa de cada um dos condutores, que no seu entendimento contribuiu ativamente para a eclosão do acidente, e depois, concluiu em sentido contrário, pela solidariedade da responsabilidade das partes, presumindo as culpas das pessoas responsáveis como iguais?!
35 - Ao contrário do que resulta da douta sentença, deveria o Tribunal a quo, ter efetivamente, aplicado a medida das culpas, aos montantes indemnizatórios atribuídos aos Autores, pois só assim a condenação estaria conforme com os fundamentos da decisão recorrida.
36 - A ora Recorrente entende que, não poderá ser responsabilizada pelo pagamento solidário, e em partes presumivelmente iguais, quando o condutor do veículo seguro apenas contribuiu em 25% para o acidente em apreço nos presentes autos, dado que a Recorrente apenas responderá na exata medida da responsabilidade do condutor do veículo por si seguro, e na estrita dependência do singular entendimento do julgador.
37 - Ora, tendo o Tribunal a quo recorrido à equidade na fixação dos montantes indemnizatórios, conforme resulta da aplicação do disposto nos artigos 496.º, n.º 4 e 494.º, não se afigura possível que a condenação das Rés Seguradoras seja solidária, atento o facto, de se encontrarem fixados pelo Tribunal a quo os critérios objetivos necessários à responsabilização de cada uma das Rés na estrita medida da culpa do condutor do veículo seguro.
38 – Sendo este também o entendimento da nossa jurisprudência, conforme explanado nas decisões do Supremo Tribunal da Justiça, nos Acórdãos de 22.01.2015 e 09.10.2003.
39 - Acontece que, no caso em apreço, o Tribunal a quo dispunha de todos os elementos necessários para recorrer à equidade, na determinação dos montantes indemnizatórios, tendo ainda como elemento para essa determinação, a medida das culpas atribuídas a cada um dos intervenientes no acidente de viação.
40 – E como tal, condenar a ora Recorrente na estrita medida da culpa do condutor do veículo seguro, ou seja, em apenas 25% das quantias atribuídas aos Autores a título de danos não patrimoniais.
41 - E é no seguimento deste raciocínio que a ora Recorrente se insurge contra a douta decisão, por entender que, salvo o devido respeito, que é muito, a sentença do Tribunal a quo é nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
42 – Acresce ainda que, o próprio Autor B…, foi considerado culpado em 25% pelo sinistro em pareço nos presentes autos.
43 – E nessa medida, como é possível adequar este entendimento do Tribunal a quo com a fixação da responsabilidade solidária do artigo 497.º do CC no pagamento de tais indemnizações?
44 - Será expectável e justo para a ora Recorrente responder, solidariamente, pelas indemnizações arbitradas aos Autores, quando um dos Autores foi igualmente considerado culpado pelo sinistro? No entender da Recorrente, e ressalvando o devido respeito, que é muito, não!
45 - É com recurso a tal raciocínio que, a Recorrente se vem insurgir contra a decisão do Tribunal a quo, que viola assim o princípio da igualdade, em virtude de, em primeira instância definir a medida das culpas de cada um dos condutores intervenientes no sinistro, e em seguida, condenar as Seguradoras Rés de acordo com uma regra de solidariedade e presunção de culpas iguais.
46 - A Recorrente tem a profunda convicção de que, a decisão do Tribunal a quo contribuiu para uma decisão injusta, desigual e desproporcional, na medida em que, não atendeu aos circunstancialismos do caso concreto e em especial à medida da culpa atribuída ao próprio Autor nos presentes autos.
47 - E esta situação é ainda de maior gravidade atenta a ausência, da Seguradora do Autor B… e condutor do veículo QL, nos presentes autos.
48 – Ora, em primeiro lugar não se afigura que o Tribunal a quo tenha atentado à medida da culpa do próprio Autor na fixação das compensações pecuniárias atribuídas aos Autores e em segundo lugar que tenha atentado a esse mesmo facto aquando da fixação da responsabilidade solidária entre as Rés Seguradoras, no pagamento de tais compensações.
49 – Pelo que, ressalvando o devido respeito, a douta sentença recorrida extrapolaria o âmbito de aplicação das normas constantes dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do CC, na medida em que aplicaria as referidas normas indiscriminadamente, olvidando a medida da culpa do atribuída ao próprio Autor B…, e violando, concomitantemente, o entendimento da Jurisprudência quanto a este assunto.
50 - E constitui assim motivo para, face à contradição que aqui se evidencia, a Recorrente entender que a douta sentença deverá ser considerada nula e ser substituída por outra que, aplique as normas legais de forma justa e equitativa, tendo em linha de conta o princípio fundamental do nosso direito, i.e. o princípio da igualdade.
Pelo que, nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida e, em consequência, ser substituída por outra, só assim se fazendo
JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1) No dia 10 de agosto de 2008, pelas 21:00 horas, ocorreu um acidente de viação na Autoestrada .., no trecho do quilómetro 38, na faixa de rodagem destinada ao trânsito que circula no sentido norte-sul, na freguesia …, concelho de Póvoa de Varzim.
2) Nesse acidente intervieram quatro veículos automóveis, todos circulando no sentido norte-sul, a saber: o veículo automóvel com a matrícula ..-FJ-.. (a seguir designado por FJ), conduzido por L…;…
3) …O veículo automóvel com a matrícula ..-..-IZ (a seguir designado por IZ), conduzido por M…;…
4) …O veículo automóvel com a matrícula ..-..-QL (a seguir designado por QL), conduzido por B… (ora A.);…
5) …E, o veículo automóvel com a matrícula ..-BP-.. (a seguir designado por BP), conduzido por N….
6) Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, J… conduzia o QL por indicação e sob a égide da proprietária do mesmo, a sociedade O…, Ld.ª.
7) No local, data e hora referidos em 1), quando o veículo FJ circulava no sentido norte-sul, pela hemi-faixa do lado direito da faixa de rodagem atento o sentido em que seguia, foi embatido na sua traseira pela parte frontal do IZ;…
8) …Sendo que o IZ, imediatamente antes do embate, circulava à retaguarda do FJ, pela hemi-faixa do lado direito da faixa de rodagem destinada ao trânsito que circula no sentido norte-sul.
9) Em consequência do embate, o FJ foi projetado para a respetiva esquerda, indo embater no separador central da autoestrada, após o que se imobilizou na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de marcha em que seguia.
10) Após o embate, o IZ ficou imobilizado na hemi-faixa do lado direito da faixa de rodagem destinada ao trânsito que circula no sentido norte-sul.
11) Imediatamente antes do embate entre o IZ e o FJ, o veículo QL circulava na hemi-faixa do lado esquerdo da faixa de rodagem destinada ao trânsito que circula no sentido norte-sul, à retaguarda do IZ e do FJ.
12) Após o embate entre o IZ e o FJ, o QL embateu com a sua frente na lateral esquerda e na traseira do FJ;…
13) ...E, em seguida, o QL foi projetado para a hemi-faixa do lado direito da faixa de rodagem destinada ao trânsito que circula no sentido norte-sul.
14) Imediatamente antes do embate entre o QL e o FJ, o veículo BP circulava na hemi-faixa do lado direito da faixa de rodagem destinada ao trânsito que circula no sentido norte-sul, à retaguarda do QL.
15) Após o embate entre o QL e o FJ, o BP embateu no QL, com a sua frente lateral esquerda na traseira direita do QL;...
16) …Projetando este contra o FJ.
17) Após ter embatido no QL, o BP embateu nos “rails” de proteção do lado direito da autoestrada, atendendo ao sentido de trânsito em que seguia;...
18) …Tendo-se imobilizado na berma, junto a esses “rails” de proteção do lado direito.
19) No veículo QL seguiam J…, como condutor, C…, no banco da frente ao lado do condutor, e D…, no banco de trás.
20) O acidente de viação supra referido ocorreu num local em que a autoestrada configura uma recta;…
21) …Sendo a faixa de rodagem constituída por duas vias de trânsito para circulação do trânsito no sentido norte-sul, separadas entre si por um traço longitudinal descontínuo;…
22) …E estando essa faixa de rodagem ladeada, à direita – atendendo ao sentido de marcha norte-sul – por uma berma.
23) O piso das mencionadas duas vias de trânsito estava seco, em bom estado de conservação, sem buracos ou outras irregularidades.
24) A visibilidade era boa.
25) Quando ocorreu o acidente de viação supra referido, L… conduzia sem álcool no sangue.
26) Quando ocorreu o acidente de viação supra referido, B… conduzia sem álcool no sangue.
27) Quando ocorreu o acidente de viação supra referido, N… conduzia sem álcool no sangue.
28) Quando ocorreu o acidente de viação supra referido, M…, condutor do IZ, conduzia com um teor de álcool no sangue de 1,38 g/l.
29) A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação resultantes da circulação do veículo de matrícula ..-..-IZ estava transferida para a Companhia de Seguros G…, S.A. (actualmente denominada H…, S.A.), através da apólice n.º ..........., válida à data do acidente.
30) A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação resultantes da circulação do veículo de matrícula ..-FJ-.. estava transferida para a I…, Companhia de Seguros, S.A., através da apólice n.º …………, válida à data do acidente.
31) A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação resultantes da circulação do veículo de matrícula ..-BP-.. estava transferida para E…, Companhia de Seguros, S.A. (atualmente denominada F… – Companhia de Seguros, S. A.), através da apólice n.º ………….., válida à data do acidente.
32) B… (ora A.) nasceu em 10-06-1942, tendo à data do acidente 66 anos.
33) Após o acidente, B… foi assistido no local pelos bombeiros e transportado para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ….
34) Em consequência dos embates em que interveio o QL, B… sofreu hematomas no tronco e no pescoço;…
35) …E cefaleias logo após o embate e nos dias seguintes.
36) O período de défice funcional temporário parcial em consequência do acidente é fixável num período de 32 dias.
37) As dores e demais sofrimentos sentidos pelo A., em consequência dos embates em que interveio o QL, são quantificáveis no grau 3, numa escala crescente de 0 a 7.
38) C… (ora A.) nasceu em 11.12.1942, tendo 65 anos à data do acidente.
39) Após o acidente, C… foi assistida no local pelos bombeiros e transportada para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, de onde foi transferida para o Centro Hospitalar do Porto.
40) Em consequência dos embates em que interveio o QL, C… sofreu rotura de víscera oca com peritonite associada e hematoma retroperineal expansivo, tendo sido submetida a enterectomia segmentar (cerca de 10 cms);…
41) …E traumatismo dos tecidos moles da parede abdominal em relação topográfica com posição horizontal do cinto de segurança, traduzido por equimose transversal no abdómen, liquefacção/secção completa dos tecidos moles subcutâneos;…
42) …Tendo estado internada no hospital 11 dias.
43) Ainda em consequência dos embates em que interveio o QL e das lesões que daí lhe advieram, a A. apresentava sequela tecidular com dismorfismo no hemiabdomen esquerdo mais notório na posição de ortostatismo e traduzida com retração tecidular profunda numa extensão aproximada de 20 cms, tendo sido submetida a intervenção cirúrgica para minimizar o dismorfismo abdominal.
44) Após os embates em que interveio o QL e em consequência das lesões que daí lhe advieram, a A. padeceu de síndrome depressivo pós-traumático;…
45) …E sofreu cólicas abdominais.
46) A data da consolidação da lesão abdominal sofrida em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável em 14.11.2012.
47) O período de défice funcional temporário total em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável num período de 58 dias.
48) O período de défice funcional temporário parcial em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável num período de 1135 dias.
49) As dores e demais sofrimentos sentidos pela A., em consequência dos embates em que interveio o QL, são quantificáveis no grau 5, numa escala crescente de 0 a 7.
50) O dano estético sofrido pela A., em consequência dos embates em que interveio o QL, é quantificável no grau 3, numa escala crescente de 0 a 7.
51) D… (ora A.) nasceu em 01.08.1925 – tendo 83 anos na data em que ocorreu o acidente – e faleceu em 09.07.2016.
52) Após o acidente, D… foi assistida no local pelos bombeiros e transportada para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, de onde foi transferida para o Centro Hospitalar do Porto.
53) Em consequência dos embates em que interveio o QL, D… sofreu diversos hematomas ao longo do corpo;…
54) …Fraturou os arcos costais direitos e as apófises transversas esquerdas L2 e L3;…
55) …Sofreu derrame pleural bilateral, com atelectasia do parênquima adjacente, e sofreu hematoma com laceração hepática.
56) Em consequência dos embates em que interveio o QL, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9%.
57) A data da consolidação das lesões que sofreu em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável em 11.08.2010.
58) O período de défice funcional temporário total em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável num período de 19 dias.
59) O período de défice funcional temporário parcial em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável num período de 712 dias.
60) As dores e demais sofrimentos sentidos pela A., em consequência dos embates em que interveio o QL, são quantificáveis no grau 4, numa escala crescente de 0 a 7.
61) O dano estético sofrido pela A., em consequência dos embates em que interveio o QL, é quantificável no grau 2, numa escala crescente de 0 a 7.

Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não se provou que:
62) Quando ocorreu o acidente de viação supra referido, o IZ era propriedade de P…, sendo conduzido por M… no interesse e sob a direção daquele.
63) Quando ocorreu o acidente de viação supra referido, L… conduzia o FJ ao serviço e segundo as ordens, instruções e recomendações recebidas de Q…, Sociedade Unipessoal, Ld.ª, locatária desse veículo.
64) Imediatamente antes de embater no FJ, o IZ circulava a uma velocidade não inferior a 130 kms/h;…
65) ...E o seu condutor não se apercebeu que tinha o FJ à sua frente, não tendo esboçado qualquer manobra de desvio ou travagem.
66) A condutora do FJ ao aperceber-se que o FJ tinha sido embatido pelo IZ não manteve o FJ apontado para a frente;..
67) …Não esboçou manobra de virar o volante para a direita, de forma a projectar o FJ para a berma da autoestrada;..
68) …E virou o FJ para a esquerda, atento o sentido de marcha em que seguia.
69) Imediatamente antes de embater pela primeira vez no FJ, o QL circulava a uma velocidade não inferior a 150 kms/h;…
70) …Pela hemi-faixa do lado direito da faixa de rodagem destinada ao trânsito que circula no sentido norte-sul;...
71) …Cerca de 150 metros atrás do IZ;…
72) …E, vendo o IZ a obstruir a hemi-faixa do lado direito, a fim de evitar o embate com o IZ, guinou o QL para a sua esquerda e travou a fundo.
73) Imediatamente antes do embate com o QL, o BP circulava a uma velocidade superior a 130 kms/h;...
74) …Não tendo o seu condutor acionado o travão do veículo.
75) O embate entre o BP e o QL ocorreu depois de este já estar imobilizado, após este ter embatido pela primeira vez contra o FJ.
76) Depois de ter embatido no QL, o BP esmagou o QL contra o FJ. 77) Em consequência dos embates em que interveio o QL, o A. teve a sua cabeça violentamente projetada para trás, causando-lhe lesão na coluna cervical;…
78) …E ficou a padecer com o sofrimento sentido por sua esposa, a A. C…, pelo trauma e depressão desta, com repercussões na vida quotidiana e sexual do casal.
79) A A. C… padece de depressão devido ao cariz estético que tem na região abdominal o que a impede de ir à praia e fazer a vida normal que até então fazia;…
80) …Não se sentindo realizada com a actividade sexual visto que tem vergonha do seu corpo, designadamente das cicatrizes e depressões existentes no seu abdómen.
81) Em consequência dos embates em que interveio o QL, D… sofreu traumatismo crânio-encefálico.
82) Em consequência dos embates em que interveio o QL, B… ficou com os calções e camisa que trazia vestidos, no valor de € 150,00, rasgados e cheios de sangue;…
83) …E perdeu um relógio da marca Tissot, modelo …, no valor de € 250,00, e uns óculos Rayban …, no valor de € 200,00.
84) Em consequência dos embates em que interveio o QL, C… ficou com o vestido que trazia vestido, no valor de € 110,00, rasgado e ensanguentado;…
85) …E perdeu um par de chinelos que trazia calçados, no valor de € 25,00, bem como um par de óculos graduados, no valor de € 240,00.
86) Em consequência dos embates em que interveio o QL, D… ficou com o vestido que trazia, no valor de € 85,00, rasgado;…
87) …Perdeu o par de chinelos que trazia calçados, no valor de € 24,00;…
88) ...E ficou com os seus pertences que trazia na mala do carro – ou seja uma arca de campismo, um guarda-sol e uma toalha, tudo no valor de € 85,00 – destruídos.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se na seguintes questões:

— nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC, e natureza solidária da obrigação;
— montante das indemnizações fixadas;
— responsabilidade do apelado.

3.1. Da nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC
O Tribunal fixou em 50% a percentagem de culpa do condutor IZ, em 25% a do condutor do QL (o apelado), e em 25% a do condutor do BP, tendo condenado a apelante e a R. H…, S. A., a pagar ao A. a quantia de € 4.000,00; à A. C… a quantia de € 20.000,00; e à A.D… a quantia de em € 15.000,00, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença até integral pagamento.
Entende a apelante que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC, por contradição entre aos fundamentos e a decisão, pois atribuiu a percentagem de 25% de culpa ao condutor do BP, e condenou-a solidariamente no pagamento da totalidade da indemnização.
Na óptica da apelante não é possível compaginar com este entendimento, quando o Tribunal recorrido define, em primeiro lugar, a medida da culpa de cada um dos condutores, e depois, concluiu em sentido contrário, pela solidariedade da responsabilidade das partes, presumindo as culpas das pessoas responsáveis como iguais.
Defende, assim, que o Tribunal recorrido deveria ter aplicado a percentagem de culpa aos montantes indemnizatórios atribuídos, pelo que deveria ser responsabilizada em apenas 25% da indemnização arbitrada.
E que, consequentemente, a aplicação do regime da responsabilidade solidária prevista no artigo 497.º, CC revela-se, no mínimo, injusta e contrária ao entendimento do Tribunal recorrido relativamente à dinâmica do sinistro e contribuição dos intervenientes para esse mesmo sinistro.
Apreciando:

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC, a sentença padece de nulidade quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Nas palavras de Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. V, pg. 141 o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
E como alerta Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8ª ed., pg. 54, a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica, nem tão-pouco a uma errada interpretação dela, situações que se configuram como erros de julgamento.
Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Anotado, Almedina, vol. II, 3.ª edição, pg. 736-7:
Entre os fundamentos da decisão não pode haver contradição lógica: se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b).
Por outro lado, a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, que antes constituía fundamento de esclarecimento da sentença (artigo 669.º, n.º 1, CPC pregresso), ganhou espaço no elenco das nulidades da sentença.
Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit.,

No regime actual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. Sendo assim, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos dos art. 280-1 CC e 295 CC.

Face às considerações que antecedem, imperioso é concluir que a sentença não padece de qualquer vício susceptível de ser reconduzido à nulidade prevista na alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º CPC.

Com efeito, sendo vários os responsáveis por um acidente, a responsabilidade é solidária, nos termos do artigo 497.º, n.º 1, CC; devendo ser fixada a quota de responsabilidade de cada interveniente, que regerá os termos do direito de regresso entre os responsáveis (n.º 2 do citado artigo).

A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, limitou-se a aplicar o regime legal, impondo-se o esclarecimento de que a sentença não fala em pagamento solidário, em partes presumivelmente iguais.
Na verdade, as culpas dos responsáveis apenas se presumem iguais se não for fixada proporção diversa, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 497.º, CC.

O regime de solidariedade consagrado no artigo 497.º CC destina-se a tutelar o interesse do lesado, que pode exigir a totalidade da indemnização de qualquer dos obrigados, em vez de exigir a cada um a sua quota (cfr. artigos 512.º e 519.º, CC)..
Isto não altera a medida da responsabilidade de cada um dos lesantes. Significa apenas que, num primeiro momento, pode um dos lesantes pode ter de responder pela totalidade da obrigação, mas goza de direito de regresso relativamente aos outros obrigados, por forma a obter deles, em sede de direito de regresso, aquilo que pagou a mais (artigos 497.º, n.º 2, e 524.º, CC).
A apelante poderá ter de pagar a totalidade da indemnização, embora o seu segurado apenas seja responsável por 25%; mas, efectuado o pagamento, poderá exigir dos outros co-obrigados (rectius das respectivas seguradoras, por se tratar de seguro obrigatório de responsabilidade civil) aquilo que pagou para além do que lhe competia.
Assim, aquele a quem for exigido a totalidade da indemnização garante o adiantamento da parte relativa aos outros lesantes, de quem poderá exigir o que pagou a mais.
A fixação de culpa não releva na relação com o lesado (credor), mas apenas nas relações internas (direito de regresso entre lesantes).
Bem andou o Tribunal recorrido em condenar as seguradoras solidariamente no pagamento da totalidade da indemnização, salvaguardado que está o direito de regresso.
Esgrimiu a apelante dois acórdãos do STJ, que sustentariam o seu entendimento: os acórdãos de 22.01.2015, João Bernardo, www.dgsi.ptjstj, proc. n.º 125/06.9TBLGS.E1.S1, e de 09.10.2003, Ferreira de Almeida, www.dgsi.ptjstj, proc. n.º 03B2680.
Segundo afirma, o primeiro concluiu que, atentas as circunstâncias do caso concreto, recorrendo à equidade na aplicação da indemnização aos lesados, ficará afastada a responsabilidade solidária, destacando o seguinte ponto Não obstante o regime de solidariedade estatuído no artigo 497.º do Código Civil, justifica-se, visto todo o quadro descrito, que o hospedeiro veja a indemnização a seu cargo limitada a apenas 50% do valor global, nos termos do artigo 494.º”.
No caso relatado no acórdão do STJ, de 22.01.2015, o dono de uma gaivota (embarcação de recreio) e um hospedeiro tinham sido condenado solidariamente no pagamento de uma indemnização decorrente de um acidente sofrido por um hóspede durante a utilização daquela embarcação.
Ponderando que a culpa do hospedeiro não seria superior a 50% (o que sempre resultaria da presunção estabelecida na parte final do artigo 497.º, n.º 2, CC), e convocando o disposto no artigo 494.º do mesmo diploma, o STJ entendeu limitar a responsabilidade do hospedeiro a 50%, mantendo, porém, a solidariedade nesses 50%.
Questão semelhante — da aplicação do disposto no artigo 494.º CC em matéria de obrigações solidárias — foi abordada noutro acórdão do STJ, de 05.07.2012, João Bernardo, www.dgsi.ptjstj, proc. n.º 1451/07.5TBGRD.C1.S1, em que se discutia a responsabilidade de uma Comissão de Festas e de um técnico pirotécnico num acidente com foguetes lançados por este numa festa organizada por aquela.
Após concluir que a responsabilidade era solidária, escreveu-se no acórdão em apreciação:
Só que, a solidariedade ali imposta, pode assumir contornos assentes noutra norma que para aqui chamamos.
Referimo-nos ao artigo 494.º, que permite que, nos casos de mera culpa, com recurso à equidade, a indemnização seja fixada em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
In casu temos, ainda que concorrentemente, por um lado, a atuação da Comissão de Festas e seus membros que organizaram e contrataram, nos termos referidos, uma atividade necessária e legalmente imbuída de conhecimentos técnicos altamente especializados e, por outro, a atuação desse técnico.
Sem prejuízo do que supra ficou dito quanto à autoria, não podemos ignorar que o espetáculo (em sentido estrito) foi dirigido ou controlado pelo réu GG que foi quem procedeu à montagem e lançou os foguetes e/ou procedeu à queima de fogo de artifício e, bem assim, quem manuseou os material explosivo.
(…)
Se a Comissão de Festas e seus membros não deixaram de ter o domínio funcional de todo o processo festivo, incluindo do espetáculo pirotécnico, é manifesto que a sua culpa é claramente inferior à do réu GG.
A proporção de 70% para este e de 30% para aqueles parece-nos adequada.
(…)
Ora, nada impede que, havendo vários responsáveis, mesmo em regime de solidariedade, se proceda à diminuição do montante indemnizatório relativamente apenas a algum ou alguns deles. O próprio texto do artigo, ao mandar atender à situação económica do agente, pressupõe essa diferenciação, que terá de se considerar extensiva aos casos cuja decisão assente no grau de culpabilidade ou nas demais circunstâncias do caso.
Nada se sabe sobre a situação económica dos membros da Comissão de Festas e não muito sobre a do lesado. Mas sabe-se da desproporção das culpas, da não profissionalização contraposta à especificidade de conhecimentos para ser levado a cabo o espetáculo e, bem assim, da decisão tomada exclusivamente pelo pirotécnico de reacender o fogo depois da interrupção.
Havia, manifestamente, uma autonomização que, embora não afastando a autoria e consequente responsabilização, não pode passar indiferente ao julgador a cuja sensibilidade apela o mencionado artigo 494.º, quer considerando o grau de culpa, quer as demais circunstâncias do caso.
Aliás, se virmos as mesmas coisas doutro prisma, constatamos que seria profundamente injusto condenar do mesmo modo quem organizou, mas nada percebe de fogo de artifício e quem é profissional, levando a cabo a atuação material da queima.
Por isso, entendemos que a indemnização a que devem ser condenados a Comissão de Festas e seus membros não deve ultrapassar os 30% da total a que tem direito o autor.
Finalmente, uma referência ao acórdão de 21.03.2000, Ribeiro Coelho, CJSTJ, 2000, I, 138, em que estava em causa um acidente com uma mota de água, discutindo-se a responsabilidade do tripulante da mota e da sua proprietária, a do primeiro a título de negligência grosseira e a da segunda por responsabilidade pelo risco.
Após convocar o regime do artigo 497.º CC, escreveu-se no acórdão:
No entanto, uma coisa é a medida da culpa em caso de concorrência entre as que se apurarem — ou, paralelamente, a maneira como nas relações internas se articularão a culpa e o risco, se for essa a hipótese—, outra é a medida da responsabilidade de cada um dos responsáveis.
E não se vê razão legal ou de outra ordem, que possa justificar que o co-responsável a quem venha a ser imputada em julgamento uma obrigação de indemnização, inferior à que é apurada em relação ao outro acabe por ter de arcar com esta última por virtude de uma solidariedade passiva que, pressupõe, ao fim ao cabo, uma obrigação partilhada por ambos, e que, no caso, só em parte o é.
O que quer dizer que, em casos como o presente, a solidariedade apenas se estabelece na medida em que as duas obrigações de indemnizar sejam iguais, ficando a parte sobrante com o regime próprio de uma obrigação de um só sujeito passivo
Vejamos, então, se a pretensão da apelante pode ser acolhida.
Em rigor, o primeiro acórdão (gaivota) não limita a responsabilidade do hospedeiro — que seria sempre de 50% —; restringe, sim, o benefício da solidariedade aos lesados, que deixaram de poder exigir a totalidade da indemnização de qualquer dos obrigados, podendo fazê-lo apenas ao dono da gaivota, cuja responsabilidade final será igualmente 50%, pois, caso suporte a totalidade da indemnização, terá direito de regresso contra o hospedeiro em relação a 50%.
No segundo acórdão (foguetes) tratou-se da fixação da proporção da responsabilidade, nada se dizendo quanto à questão da solidariedade.
No terceiro caso (mota de água) limita-se efectivamente a solidariedade: a obrigação apenas é considerada solidária na medida em que as obrigações de indemnizar são iguais, sendo no remanescente considerada obrigação de uma só pessoa.
Vejamos então se a doutrina destes acórdãos aproveita à apelante.
A medida da culpa foi fixada pelo Tribunal recorrido na sentença, não havendo outras circunstâncias enunciadas no artigo 494.º CC a serem ponderadas, por inexistirem.
Quanto à pretendida redução da solidariedade — no caso da apelante seria a 25% — pensamos não lograr apoio legal.
A redução da solidariedade redunda em prejuízo dos lesados que o legislador pretendeu proteger com a sua consagração.
Se o legislador pretendesse restringir a solidariedade em determinadas situações, deveria tê-lo feito de maneira expressa, já que, em algumas situação (riscos de solvabilidade ou dificuldade de cobrança), essa redução de solidariedade pode acarretar o prejuízo do lesado quanto à satisfação do seu crédito (e não apenas a maior burocracia inerente à demanda de vários sujeitos).
A pretensão da apelante desvirtua a essência do artigo 497.º CC.

Não se vislumbra, pois, qualquer fundamento legal para prejudicar os lesados restringindo a solidariedade a apenas 25% da indemnização
Ainda com o propósito de limitar a sua responsabilidade, a apelante socorreu-se do acórdão do STJ, de 09.10.2003, Ferreira de Almeida, www.dgsi.ptjstj, proc. n.º 03B2680, argumentando nos seguintes termos:
O mesmo entendimento encontra-se explanado no Acórdão de 09.10.2003 do Supremo Tribunal de Justiça que concluiu que, o recurso à presunção do artigo 497.º, n.º2 só terá aplicação quando o recurso à equidade não for possível: “Estando acertada a existência de um dano indemnizável, mas não o montante exacto do prejuízo, o tribunal só deverá deixar de recorrer à equidade para fixar o montante da indemnização se nem sequer lhe for possível, por total carência de elementos, determinar os limites dentro dos quais se deva fazer a fixação” (sublinhado nosso).
Acontece que, no caso em apreço, o Tribunal a quo dispunha de todos os elementos necessários para recorrer à equidade, na determinação dos montantes indemnizatórios, tendo ainda como elemento para essa determinação, a medida das culpas atribuídas a cada um dos intervenientes no acidente de viação.
O Tribunal a quo detinha assim em sua posse, todos os elementos factuais e bem assim a medida das culpas, como critérios objetivos para fixar, de forma concreta, a responsabilidade de cada parte, no pagamento do montante pecuniário da compensação ou satisfação devido aos lesados.
Contudo,
Não foi esta a conclusão do Tribunal a quo que, ressalvando o devido respeito, que é muito, não atendeu aos circunstancialismos do caso concreto e ao critério objetivo da determinação da medida das culpas, aquando da fixação da responsabilidade pelo pagamento dos montantes indemnizatórios arbitrados aos Autores.
Ora, o acórdão em causa não afirma que o recurso à presunção do artigo 497.º, n.º 2, CC, só terá aplicação quando o recurso à equidade não for possível.
Trata, antes, da relação entre o disposto no artigo 566.º, n.º 3, CC — Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados — e o artigo 661.º, n.º 2, CPC pregresso, correspondente ao actual artigo 609.º, n.º 2, CPC — Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Discutia-se a (des)necessidade de relegar a fixação da indemnização para execução de sentença, entendendo-se que preceito do artigo 661.°, n.° 2, CPC pregresso aplica-se depois do disposto no artigo 566.°, n.° 3, CC.
Por outras palavras, só se relega a fixação da indemnização para liquidação se não for possível determiná-la com recurso à equidade (cfr. acórdão da Relação do Porto, de 18.06.2013, relatado pela ora Relatora, www.dgsi.ptjstj, proc. n.º 1315/10.5TBVLG.P1).
Esta problemática é completamente alheia ao presente recurso, em nada aproveitando à apelante.
Improcede, pois, a pretensão da apelante de restringir a solidariedade consagrada no artigo 497.º CC.
3.2. Do montante dos danos
Insurgiu-se a apelante contra os montantes atribuídos a título de danos não patrimoniais, por os considerar exagerados e pouco consentâneos com a jurisprudência dos Tribunais superiores, acrescentando que na sentença recorrida apenas se fez referência a uma sentença para ilustrar os padrões jurisprudenciais.
Atenta a diversidade de lesões resultantes de acidentes de viação, de gravidade muito variável, nem sempre é fácil encontrar-se decisões adequadas à comparação com os casos a decidir.
E a verdade é que a apelante também não elencou decisões jurisprudenciais ilustrativas da sua pretensão de reduzir o valor da indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais.
Apreciando:
O artigo 496.º, n.º 1, CC, manda atender, na fixação da indemnização, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, acrescentando o n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em conta as circunstâncias enunciadas no artigo 494.º, ou seja, ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado, e as demais circunstâncias do caso.
Como sublinha Antunes Varela, Das Obrigações em Geral. Almedina, vol. I, 10.ª edição, pg. 606,
«A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada. Por outro lado, a gravidade há-de apreciar-se em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a atribuição de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado».
Este autor, no mesmo local recorda que a circunstância de logo o n.º 2 se referir o dano morte, não querendo restringir a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, não deixa de ser um indicador do rigor com que devem ser seleccionados os danos não patrimoniais.
Em anotação ao artigo 496.º CC, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, pg. 499, elencam algumas situações que justificam a atribuição por indemnização por danos não patrimoniais, designadamente, para além da morte, a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, ofensas à honra ou reputação ou à liberdade pessoal de um indivíduo, desgosto pelo atraso na conclusão de um curso ou de uma carreira. De fora ficam os incómodos ou simples contrariedades.
Por outro lado, há que ter em conta a indemnização por danos não patrimoniais não se destina a «eliminar» o dano, atenta a sua natureza, mas tão só proporcionar ao lesado um meio de compensar a lesão através de uma quantia monetária que lhe permita aceder a satisfações que minorem o sofrimento, e que podem ser de natureza espiritual (reparação indirecta — cfr. Galvão Teles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 7.ª edição, pg. 379-80).

O artigo 494.º CC estabelece que, quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

Na fixação do montante releva a equidade, sendo fundamental atender aos padrões jurisprudenciais para evitar cair-se no arbítrio, sem prejuízo, naturalmente, das especificidades do caso concreto. E sem olvidar que os tribunais estão limitados pelo pedido, o que poderá justificar montantes menos elevados do que seria expectável atenta a extensão dos danos em alguns casos.
Os acidentes de viação dão origem a uma multiplicidade de lesões, com projecção em campos tão diversos como a integridade e bem-estar físico e psíquico, a auto-estima, a estética, o lazer, a autonomia.
A sentença recorrida fixou as seguintes indemnizações por danos não patrimoniais, tendo em conta dos danos que se descrevem em seguida:
I – Ao A. B… a quantia de € 4.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento, pelos seguintes factos:
32) B… (ora A.) nasceu em 10-06-1942, tendo à data do acidente 66 anos.
33) Após o acidente, B… foi assistido no local pelos bombeiros e transportado para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ….
34) Em consequência dos embates em que interveio o QL, B… sofreu hematomas no tronco e no pescoço;…
35) …E cefaleias logo após o embate e nos dias seguintes.
36) O período de défice funcional temporário parcial em consequência do acidente é fixável num período de 32 dias.
37) As dores e demais sofrimentos sentidos pelo A., em consequência dos embates em que interveio o QL, são quantificáveis no grau 3, numa escala crescente de 0 a 7.

II- À A. C… a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento, pelos seguintes factos:
38) C… (ora A.) nasceu em 11.12.1942, tendo 65 anos à data do acidente.
39) Após o acidente, C… foi assistida no local pelos bombeiros e transportada para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, de onde foi transferida para o Centro Hospitalar do Porto.
40) Em consequência dos embates em que interveio o QL, C… sofreu rotura de víscera oca com peritonite associada e hematoma retroperineal expansivo, tendo sido submetida a enterectomia segmentar (cerca de 10 cms);…
41) …E traumatismo dos tecidos moles da parede abdominal em relação topográfica com posição horizontal do cinto de segurança, traduzido por equimose transversal no abdómen, liquefacção/secção completa dos tecidos moles subcutâneos;…
42) …Tendo estado internada no hospital 11 dias.
43) Ainda em consequência dos embates em que interveio o QL e das lesões que daí lhe advieram, a A. apresentava sequela tecidular com dismorfismo no hemiabdomen esquerdo mais notório na posição de ortostatismo e traduzida com retração tecidular profunda numa extensão aproximada de 20 cms, tendo sido submetida a intervenção cirúrgica para minimizar o dismorfismo abdominal.
44) Após os embates em que interveio o QL e em consequência das lesões que daí lhe advieram, a A. padeceu de síndrome depressivo pós-traumático;…
45) …E sofreu cólicas abdominais.
46) A data da consolidação da lesão abdominal sofrida em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável em 14.11.2012.
47) O período de défice funcional temporário total em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável num período de 58 dias.
48) O período de défice funcional temporário parcial em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável num período de 1135 dias.
49) As dores e demais sofrimentos sentidos pela A. , em consequência dos embates em que interveio o QL, são quantificáveis no grau 5, numa escala crescente de 0 a 7.
50) O dano estético sofrido pela A., em consequência dos embates em que interveio o QL, é quantificável no grau 3, numa escala crescente de 0 a 7.

III. À A. D… a quantia de em € 15.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento, pelos seguintes factos:
51) D… (ora A.) nasceu em 01.08.1925 – tendo 83 anos na data em que ocorreu o acidente – e faleceu em 09.07.2016.
52) Após o acidente, D… foi assistida no local pelos bombeiros e transportada para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, de onde foi transferida para o Centro Hospitalar do Porto.
53) Em consequência dos embates em que interveio o QL, D… sofreu diversos hematomas ao longo do corpo;…
54) …Fraturou os arcos costais direitos e as apófises transversas esquerdas L2 e L3;…
55) …Sofreu derrame pleural bilateral, com atelectasia do parênquima adjacente, e sofreu hematoma com laceração hepática.
56) Em consequência dos embates em que interveio o QL, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9%.
57) A data da consolidação das lesões que sofreu em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável em 11.08.2010.
58) O período de défice funcional temporário total em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável num período de 19 dias.
59) O período de défice funcional temporário parcial em consequência dos embates em que interveio o QL é fixável num período de 712 dias.
60) As dores e demais sofrimentos sentidos pela A., em consequência dos embates em que interveio o QL, são quantificáveis no grau 4, numa escala crescente de 0 a 7.
61) O dano estético sofrido pela A., em consequência dos embates em que interveio o QL, é quantificável no grau 2, numa escala crescente de 0 a 7.
Na impossibilidade de elencar acórdãos que revelem proximidade com o tipo de lesões em causa nos autos, respigamos as seguintes decisões jurisprudenciais:
Acórdão da Relação do Porto, 26.09.2016, Ana Paula Amorim, www.dgsi.ptjtrp, proc. n.º 595/14.1TBAMT.P1:
Fixa-se o montante da indemnização em € 15.000,00, sendo € 5.000,00 a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial e € 10.000,00 a título de danos morais. As sequelas de que ficou afetado determinam-lhe uma desvalorização para todas as atividades em geral de 2 pontos em 100 que, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (o Autor tinha à data do acidente 35 anos).

Acórdão da Relação de Lisboa, de 13.09.2018, Pedro Martins, www.dgsi.ptjtrl, proc. n.º 3181/14.2TBVFX.2:
É de atribuir uma indemnização não patrimonial de 12.000€ a um lesado que teve de suportar consultas e tratamentos médicos, ficou com IPG de 2%, teve um quantum doloris de 3 numa escala crescente de 0 a 7 e um traumatismo da coluna cervical e lombar, tem cervicalgias intermitentes e necessidade de medicação de forma esporádica, ficou com uma alteração da mobilidade do pescoço com dor nas amplitudes máximas de rotação e inclinações laterais e teve uma IGP de 84 dias.”, em situação em que o lesado nasceu a 14/04/1954 e o acidente ocorreu em 30/03/2013 (tinha praticamente 79 anos).

Acórdão da Relação de Guimarães, de 18.01.2018, José Alberto Moreira Dias, www.dgsi.ptjtrg, proc. n.º 2272/15.7T8CHV.G:
A compensação de 14.000,00 euros é adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que à data daquele contava 29 anos e que, por via do acidente, sofreu lesão lacero contusa na testa, que necessitou de 16 pontos exteriores e 8 interiores, com dores por todo o corpo, designadamente na cabeça, com um dia de internamento hospitalar e um dia de incapacidade total para o trabalho e 92 dias de incapacidade parcial, sendo o quantum doloris fixável no grau 3 de 7, e que ficou, como sequelas, a padecer de síndrome pós traumático ligeiro e alterações de memória e cicatriz quelóide na testa, com uma extensão de 3 x 2 cms., com traço cicatricial na sua continuidade de 7 cms., o que lhe determina um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e um dano estético de grau 4 de 7, sendo desaconselhada a correção, por cirurgia estética, dessa cicatriz, por risco de propensão para a cicatrização patológica, e que faz com que a Autora sinta vergonha dessa cicatriz, tentando-a esconder com o cabelo quando sai à rua.

Acórdão da Relação do Porto, de 07.12.2008, Fernanda Almeida, www.dgsi.ptjstj, proc. n.º 2738/16.1T8PNF.P1:
VI – É igualmente adequada a quantia de € 15.000, 00, por danos não patrimoniais atribuída ao lesado que sofreu politraumatismos, intervenção cirúrgica para remoção do baço que o torna mais vulnerável a infeções, défice funcional permanente da integridade física – psíquica de 6 pontos, compatível com o exercício da sua atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, quantum doloris de grau 4/7, dano estético de grau 2/7, défice funcional temporário total de 8 dias, défice funcional temporário parcial de 68 dias, período de repercussão na atividade profissional total de 15 dias e período de repercussão temporária na atividade profissional parcial total de 61 dias com impossibilidade de ingressar na Força Aérea por força das sequelas que o impediram de realizar provas.

Acórdão da Relação do Porto, de 16.12.2015, Vieira e Cunha, www.dgsi.ptjtrp, proc. n.º 6244/13.8TBVNG.P1:
O A. ficou a padecer duma “incapacidade permanente geral”, de uma forma genérica, correspondente a um dano na integridade físico-psíquica do A., de caráter permanente, atual ou futuro, que se repercute em diversas áreas da sua existência: atividades da vida diária; atividades afetivas, familiares, sociais, de lazer e desportivas; atividades de formação; atividades profissionais, no valor de 2 pontos… O quantum doloris (grau 3 em 7), o prejuízo estético e de desempenho sexual (grau 1 em 7), os tratamentos ambulatórios (cinco meses), a dificuldade de preensão ou de suporte de pesos, tudo conjugado o prejuízo da formação e da atividade profissional do Autor/lesado (a educação física), bem como a natural necessidade de adaptação interior para lidar com a incapacidade, justificam a atribuição ao Autor de uma indemnização de € 25.000, a título de danos não patrimoniais.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.04.2018, Carlos Marinho, www.dgsi.ptjtrl, proc. n.º 1633/12.8T2SNT.L2-6

I– É ajustada a indemnização por danos não patrimoniais fixada em € 25.000,00 para um sinistrado que ficou a padecer de uma IPP de 10%, com um quantum doloris de 5 e um grau de 4, em 7, de dano estético.

II.– É ajustada a indemnização por danos não patrimoniais fixada em € 10.000,00 a uma sinistrada que, no momento do acidente tinha onze anos de idade, que teve um quantum doloris de 3 em 7; longo período de «Défice Funcional Temporário Parcial» – 280 dias; emergência de «Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica» fixado em 2 pontos com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer

Acórdão da Relação de Coimbra, de 18.02.2020, Jorge Arcanjo, www.gdgsi.ptjtrc, proc. 2133/16.2T8CTB.C1:
A idade jovem (30 anos), a natureza e gravidade das lesões, foi submetido a cinco intervenções cirúrgica, o período de internamento e de incapacidade total e parcial (848 dias), demorados tratamentos de fisioterapia (235 sessões), a gravidade das consequências das lesões a gravidade da repercussão permanente na actividade desportiva, implicando total afastamento, a privação de actividades físicas e lúdicas, as implicações psicológicas, o sofrimento físico, andou de canadianas durante cerca de 3 anos, a repercussão estética (dez cicatrizes operatórias no tornozelo esquerdo), passou a ter complexos de inferioridade por ser coxo, nunca deixou de sentir dores até hoje (cf pontos 9 a 100).
É inegável que em face da gravidade das lesões sofridas o Autor ficou afectado no seu projecto e qualidade de vida e os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados.
Em juízo de equidade estima-se o dano em € 70.000,00, actualizado nesta data.
Acórdão da Relação de Guimarães, de 27.04.2017, João Diogo Rodrigues, www.dgsi.ptjtrg, proc. n.º 50/14.0TBMLG.G1:
Um bosquejo ainda que breve pela jurisprudência do Supremo – com o qual se procura dar expressão à preocupação da normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie dano, e, por essa via, ao princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor eminente da previsibilidade da decisão judicial – que essa compensação foi fixada em € 30.000,00 para um jovem que teve um período de tratamento particularmente penoso, com intervenções cirúrgicas, acamamento, imobilização, enjoos, dores de grau 3 numa escala de 7, e sequelas com gravidade relativa, em € 50.000,00 para uma pessoa de 29 anos de idade que sofreu várias fracturas e um traumatismo crânio-encefálico, com dores de grau 5 numa escala de 7, que esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento de fisioterapia, que teve de se deslocar, longo tempo, com o auxílio de canadianas e que ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação de marcha, dificuldade em permanecer de pé, subir e descer escadas impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava, e que passou de alegre e comunicativo a triste, desconcentrado e ansioso, em € 60.000,00 para um lesado de 16 anos de idade, que sofreu fractura basicervical do fémur esquerdo e traumatismo craniano com perda de consciência, que teve de andar de canadianas três meses e fazer fisioterapia, ficou com marca viciosa e marcadamente claudicante, dismetria dos membros inferiores, báscula da bacia com rotação e maior saliência da anca esquerda, desvio escoliótico com dor na palpação lombar, atrofia da coxa e da perna esquerdas e marcada rigidez na anca esquerda; incapacidade para a corrida, para se ajoelhar e adoptar posição de cócoras, dificuldade marcada na permanência de pé, alterações sexuais devido a dificuldades de posicionamento, impossibilidade de praticar desportos que impliquem esforço físico; sensação de tristeza, vergonha e revolta bem como frustração e medo no contacto com o sexo oposto; necessidade de nova intervenção cirúrgica, de fisioterapia, de adaptação automóvel para poder conduzir; não frequência de praias por dificuldade em caminhar na areia e pela vergonha de exibir o corpo, e de piscinas; não participação em jogos de futebol e impossibilidade de carregar pesos; anteriormente alegre e extrovertido, passou a ser mal-humorado, com pesadelos frequentes, insónias e tendências para o isolamento, lendo e escrevendo com dificuldade[60]; 50.000,00 € ao lesado que sofreu vários internamentos hospitalares e intervenções cirúrgicas, apresentando dores no pescoço que se agravam com os esforços ou em viagens a conduzir, dores no punho esquerdo, dores no joelho direito ao subir e descer escadas, perturbações no sono e ansiedade que se manifestaram depois do acidente, uma cicatriz na posição inferior da face anterior do joelho direito, com 2,8 cm de comprimento, desgosto e complexos de inferioridade física bem como angústia e má disposição pelo estado físico em que se encontra.
Sem prejuízo da especificidade irrepetível de cada caso concreto – e da infindável casuística a que essa variação dá lugar – em face, v.g., de quadro do grave sofrimento físico e anímico experimentado – e a suportar – pela recorrente e da alteração profunda da sua personalidade, o valor que, para a compensar desse dano, lhe foi arbitrado pela sentença impugnada é, realmente, parcimonioso, julgando-se mais adequado, naquele mesmo condicionalismo, fixá-lo em € 20.000,00.
Feito este enquadramento jurisprudencial, com todas as inerentes limitações, e tendo sempre presente que para afastar o carácter miserabilista das indemnizações fixadas não basta fazer afirmações de princípios, consideramos que pela sua gravidade das lesões e a sua repercussão no tempo, as indemnizações fixadas às duas apeladas afiguram-se adequadas.
Já a indemnização arbitrada ao apelado peca por algum excesso, atenta a pouca gravidade das lesões e sua repercussão, e ainda a circunstância que não pode ser escamoteada de ter contribuído em 25% para o acidente (cfr. artigo 494.º CC).
Nessa conformidade, entende-se adequada a quantia de € 2.500,00 a título da danos não patrimoniais.

4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação parcialmente procedente, altera-se a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridas pelo apelado para € 2.500,00, no mais se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelado e pela apelante, na proporção do decaimento (artigo 527.º, n.º 1, CPC).

Porto, 14 de Julho de 2020
Márcia Portela
José Igreja Matos
Rui Moreira