Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
827/20.7T8OAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
MEIOS DE PROVA
ROL DE TESTEMUNHAS
Nº do Documento: RP20221027827/20.7T8OAZ-A.P1
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A remissão do artigo 1091.º do Código de Processo Civil para as normas gerais que disciplinam a tramitação dos incidentes de instância, designadamente o prazo para a indicação dos meios de prova, só vale para as situações em que não existam normas específicas, no processo de inventário, que regulem os incidentes nele suscitados.
II - O incidente de impugnação da legitimidade de interessado e de reclamação à relação de bens tem, no processo de inventário, norma específica que define qual o momento da indicação dos meios de prova, os quais devem ser indicadas com o respectivo requerimento e resposta, como expressamente determina o n.º 2 do artigo 1105.º do Código de Processo Civil.
III - Decorrido esse momento processual, fica precludido o direito de a parte indicar provas.
IV - Não tendo a parte apresentado rol de testemunhas com o requerimento do incidente de impugnação de legitimidade de interessado ou de reclamação à relação de bens, ou de resposta ao mesmo, não pode, mais tarde, indicar prova testemunhal sob a roupagem de aditamento ao rol.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 827/20.7T8OAZ.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. Nos autos de inventário instaurados por óbito de AA e de BB, sendo cabeça de casal CC, citada a interessada DD veio esta, por requerimento de 2.01.2021, impugnar a legitimidade da requerente EE e reclamar contra a relação de bens apresentada, juntando prova documental e indicando outros meios de prova (declarações de parte da reclamante e prova testemunhal).
A cabeça de casal CC respondeu ao incidente deduzido, a 20.04.2021, juntando, com o respectivo requerimento, prova documental e indicando outros meios de prova (depoimento de parte da reclamante DD e prova testemunhal).
A requerente EE, invocando os “princípios de igualdade das partes e da cooperação plasmados nos artigos 4.º e 7.º do CPC”, veio, por requerimento de 18.02.2022, para prova da nacionalidade do inventariado, juntar certidão emitida pela Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, datada de 7.02.2022, e requerer o aditamento ao rol de duas testemunhas, ao abrigo do disposto no artigo 598.º do Código de Processo Civil.
A 15.03.2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Req. De 18.02.2022:
Atento o disposto nos arts. 293º, 1091º e 1105º, todos do CPC, não admito os meios de prova ora indicados, por tal requerimento ser extemporâneo”.
2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a requerente EE recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
A) A Apelante apresentou em 18/02/2022 sob a referência citius 12628886 um requerimento onde requereu:
1) a junção aos autos de certidão emitida pela Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, datada de 02/02/2022 contendo os documentos que serviram de base ao averbamento n.º 2, do assento de nascimento do inventariado, de 2011-10-12 relativo à aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 31.º da Lei 37/81, de 3 de Outubro, com efeitos a partir de 12 de Agosto de 1992;
2) o aditamento as testemunhas FF e GG (já arroladas nos autos como prova testemunhal pela cabeça de casal e que irão depor enquanto tal), para simultaneamente serem ouvidas à matéria fáctica que alega pois que tomou conhecimento que as mesmas também são conhecedoras da matéria fáctica que alega.
B) E, como tal, pretendeu que o documento fosse admitido e as testemunhas simultaneamente inquiridas à matéria fáctica por si alegada. Porém, o seu requerimento mereceu, em 15-03-2022 o seguinte despacho:
“Atento o disposto nos arts. 293º, 1091º e 1105º, todos do CPC, não admito os meios de prova ora indicados, por tal requerimento ser extemporâneo”.
C) em 31-08-2021 sob a referência citius 11887272 a cabeça de casal apresentara nos autos um requerimento onde requereu o aditamento de uma testemunha ao seu rol de testemunhas. Tal requerimento mereceu o seguinte despacho:
“Admito o requerido aditamento. A testemunha é a apresentar.
Notifique as restantes partes para exercerem igual faculdade, querendo – cfr. art. 598.º nº 2 do CPC”.
D) Há um evidente antagonismo de entendimento entre ambos os despachos detonador da diferença de tratamento dispensado à apelante, sendo-lhe vedado o exercício de igual faculdade concedida a outra parte no processo.
E) E não pode a apelante conformar-se com o entendimento plasmado no despacho de 15-03-02-2022. Porquanto, na verdade, a junção de documento e o aditamento ao rol de testemunhas foram apresentados com uma antecedência de 90 dias em relação à data designada para a inquirição de testemunhas, a qual se encontra agendada para o dia 20 de maio de 2022. Deste modo, são admissíveis nos termos do disposto nos artigos 423.º, n.º 2 e 598.º nº2, ambos do CPC.
F) Dispõe o art.º 4.º do CPC que o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício das faculdades, nos uso dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
G) Sendo a nacionalidade do autor da herança uma questão essencial a ser apreciada pelo tribunal que determina a decisão a proferir sobre a validade dos testamentos, não admitir um documento autêntico, que vem esclarecer tal matéria, é violador do princípio da verdade material e justa composição do litígio.
H) Ao não admitir a junção do documento e o aditamento ao rol de testemunhas violou a douta decisão, os princípios de igualdade das partes, do dever de gestão processual, do inquisitório, do contraditório e da descoberta da verdade material, bem como, e entre outras, as disposições legais , artigos 3.º, 4.º, 6.º, 411.º, 423.º, nº 2, 436.º, 590.º e 598.º n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
[...].
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida em conformidade com as conclusões, substituindo-a por outra que amita a junção de documento e o aditamento ao rol de testemunhas requeridos pela apelante”.
A apelada DD apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se deviam ser admitidos os meios de prova por ela indicados no requerimento que apresentou a 18.02.2022 nos autos.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos/incidências processuais com relevo para o conhecimento do objecto do recurso são, além dos narrados no relatório introdutório, os seguintes, documentalmente comprovados nos autos:
1. A 31.08.2021 a cabeça de casal CC aditou ao rol que apresentara a testemunha GG.
2. Sobre o requerido recaiu o seguinte despacho:
“Admito o requerido aditamento. A testemunha é a apresentar.
Notifique as restantes partes para exercerem igual faculdade, querendo – cfr. art. 598.º nº 2 do CPC”.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
No processo de inventário instaurado, a requerimento de EE, ora recorrente, após citada, veio a interessada DD, usando da faculdade prevista no artigo 1104.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil, impugnar a legitimidade da requerente e reclamar contra a relação de bens apresentada.
Dispõe o artigo 1105.º do referido diploma legal:
“1 - Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada.
2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.
[...]”.
O artigo 1091.º, sob a epígrafe “Incidentes”, determina, no seu n.º 1, que “Aos incidentes do processo aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos artigos 292.º a 295.º”, estabelecendo o n.º 1 do artigo 293.º do Código de Processo Civil que “No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova”.
Anteriormente, já dispunha o artigo 1344.º do Código Processo Civil, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro que:
“1 - Deduzida oposição ou impugnação, nos termos do artigo anterior, são notificados para responder, em 10 dias, os interessados com legitimidade para intervir na questão suscitada.
2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas; [...]”.
A remissão do artigo 1091.º do Código de Processo Civil para as normas gerais que disciplinam a tramitação dos incidentes de instância, designadamente o prazo para a indicação dos meios de prova, só vale para as situações em que não existam normas específicas, no processo de inventário, que regulem os incidentes nele suscitados. Não é seguramente o caso do incidente de impugnação da legitimidade de interessado e de reclamação à relação de bens, cujas provas devem ser indicadas com o respectivo requerimento e resposta, como expressamente determina o citado artigo 1105.º
Em conformidade com o estabelecido no referido normativo procedeu a interessada DD à indicação das provas a produzir, quando deduziu aqueles incidentes, assim como a cabeça de casal, CC, na resposta aos mesmos, ao contrário da requerente EE que só em 18.02.2022 juntou um documento e requereu “aditamento ao rol”[1], sendo, por isso, extemporânea essa indicação de provas, que teria necessariamente de ter lugar com o requerimento de resposta aos incidentes deduzidos.
É certo que os princípios de igualdade das partes, de cooperação e da proibição da indefesa têm hoje assento na lei processual civil em vigor[2], o que vem sucedendo desde a reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, em cujo preâmbulo se pode ler que o “incremento da tutela do direito de defesa implicará, […] a atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou preclusivos, sem prejuízo de se manter vigente o princípio da auto-responsabilidade das partes e sem que as soluções introduzidas venham contribuir, de modo significativo, para a quebra da celeridade processual”.
Visou-se, já então, tornar o processo “verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material, em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários, manifestamente simplificado nos seus incidentes, …”, em ordem à sua eficácia, com eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma.
Com os citados princípios convive, todavia, os princípios da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão em matéria de apresentação de provas, pelo que fixando a lei, como o faz no artigo 1105.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, momento para a indicação das mesmas, devem elas ser indicadas no quadro processual para o efeito fixado, sujeitando-se as partes às consequências cominatórias da sua apresentação tardia.
E o princípio do dispositivo quanto à indicação dos meios de prova reservado às partes e a determinação do momento legalmente fixado para o seu exercício não podem ser substituídos ou adulterados através do apelo ao princípio do inquisitório e ao correspondente exercício dos poderes oficiosos dos juiz para a realização de diligências não promovidas pelas partes, não tendo estes como função suprir comportamentos incumpridores ou omissivos das mesmas.
Como refere o acórdão da Relação do Porto de 25.01.2007[3], “I - No incidente de reclamação contra a relação de bens, embora devam as provas ser indicadas com o requerimento inicial e resposta, o juiz deve, antes de decidir, atender não só às provas requeridas pelos interessados, mas, também promover as diligências “probatórias necessárias”, com vista à justa decisão do incidente.
II – As “diligências probatórias necessárias” a que se refere o art. 1344°, n°2, Código de Processo Civil, são as complementares ou esclarecedoras das provas que as partes indicaram, não se devendo o tribunal substituir às partes, sobre quem recai dever de apresentação das provas na estrutura processual incidental”.
Ainda que com bastas divergências, reconhece alguma jurisprudência dos tribunais superiores ser legalmente admissível, em matéria de incidentes, o aditamento ao rol de testemunhas, quando verificados os respectivos pressupostos, nomeadamente os previstos no n.º 2 do artigo 598.º do Código Civil[4].
Tendo a cabeça de casal requerido o aditamento ao rol apresentado, pretensão que viu deferida, tal circunstância, ao contrário do que argumenta a recorrente, em nada molesta o princípio da igualdade das partes, que para situações iguais exige tratamento igual, pressuposto que, no caso em apreço, não se configura,
Com efeito, à cabeça de casal foi concedido o direito de alterar o rol, aditando-lhe testemunhas, o que à recorrente foi negado.
Porém, a primeira havia, com a resposta aos incidentes deduzidos, arrolado testemunhas, o que justificou, ainda que se tratando se solução não consensual em matéria de incidentes, o deferimento do aditamento por ela requerido.
Já a recorrente, não tendo apresentado rol de testemunhas no momento definido pelo n.º 2 do artigo 1105.º do Código de Processo Civil, não lhe era consentido o aditamento ao rol, por inexistência de rol antes apresentado, estando precludido o direito de indicar meios de prova em momento posterior à apresentação do requerimento de resposta aos incidente, com o qual essa indicação teria necessariamente de ocorrer.
E tendo a recorrente discordado da decisão que consentiu à cabeça de casal o aditamento ao rol por ela apresentado, poderia, no momento próprio e pelos meios processuais adequados, ter impugnado tal decisão, tanto mais que a questão nela suscitada não tem sido tratada de forma pacífica pela jurisprudência dos tribunais portugueses.
O que não pode é usar do argumento de que se aquele aditamento foi judicialmente autorizado, também a sua pretensão teria de ser acolhida, sob pena de violar o princípio de igualdade, pois, como se referiu, as decisões em causa assentam em realidades distintas entre si.
De todo o modo, como refere o acórdão da Relação do Porto de 20.11.2014[5], “...como decorre do referido art.º519º do CPC, o resultado das provas oferecidas ou produzidas por uma das partes aproveita não só ao litigante que as forneceu, como também ao seu adversário.
Decorre desta norma e do princípio da aquisição processual que o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, emanem ou não da parte que devia produzi-las, isto é a parte sujeita ao ónus subjectivo da prova.
Dito de outra forma, as provas acumuladas no processo consideram-se adquiridas para o efeito da decisão do mérito da causa, pouco importando saber por via de quem elas foram trazidas para o processo”, o que na prática leva a considerar que, não obstante a rejeição do “aditamento” ao rol requerido pela recorrente, as provas que emanem dos depoimentos das testemunhas que quis aditar, são adquiridas para o processo e tidas em consideração para efeito do mérito da decisão a proferir, independentemente de terem as referidas testemunhas sido arroladas pela cabeça de casal.
Improcede, consequentemente, o recurso, com confirmação do decidido.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, julgando improcedente a apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas – pela apelante.

Porto, 27.10.2022
Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] Aditar significa acrescentar, acrescer. Não pode a parte aditar testemunhas a rol que não haja apresentado, pois não se pode acrescentar nada ao que não existe.
[2] Determina, nomeadamente, o artigo 4.º do Código de Processo Civil que “o tribunal deve assegurar, ao longo do processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
[3] Processo 0637010, www.dgsi.pt.
[4] Em sentido favorável, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos da Relação de Guimarães de 4.06.2013, processo 3418/10.7TBBCL-C.G1, da Relação de Lisboa de 29.6.2006, processo 556/2006-2; em sentido contrário, acórdão da Relação do Porto de 24.05.2007, processo 0732629; da Relação de Coimbra de 19.02.2013, processo 394/10.0TBSRE-C.C1, de 21.02.208, processo 2301/10.0TJCBR-A.C1, todos em www.dgsi.pt.
[5] Processo 3089/11.3TBVLG-A.P1, www.dgsi.pt.