Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13/21.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RP2022050413/21.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sem necessidade de aviso prévio com invocação de justa causa, a que alude o art.º 394.º do CT/2009, pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador – dizendo-se no primeiro caso que estamos perante resolução fundada em justa causa subjetiva e, no segundo, por sua vez, fundada em justa causa objetiva.
II - A dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a mera verificação material de um qualquer dos comportamentos do empregador elencados, sendo ainda necessário que desse comportamento culposo resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 13/21.9T8PNF.P1
Tribunal: Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel
Autora: AA
Ré: D..., Lda.
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Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA intentou contra D..., Lda., ação declarativa comum, peticionando que seja julgada procedente e provada e, em consequência: i) ser reconhecida a justa causa de resolução do contrato de trabalho; ii) ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 5.232,60 a título de indemnização referente à resolução do contrato de trabalho com justa causa; a quantia de € 10.313,07 a título de diferenças salariais e outros créditos laborais emergentes da cessação do contrato de trabalho; uma indemnização nunca inferior à quantia de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais em virtude do assédio moral praticado ou, a título subsidiário, uma indemnização de quantia não inferior a € 1.500,00 em virtude da violação pela R. do disposto nas alíneas a), c) e d) do artigo 127º e das alíneas a), b), c) e e) do nº 1 do artigo 129º do CT, ex vi do artigo 15º do mesmo código. Aos valores peticionados deverão acrescer juros de mora desde a data de vencimento dos respetivos créditos até data do seu efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese: que a Ré se dedica à atividade de exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas, tendo a Autora sido admitida ao seu serviço em 03/02/2017, por meio de contrato de trabalho a termo certo de seis meses, com a categoria profissional de empregada de balcão; o contrato converteu-se em contrato por tempo indeterminado; pelo menos a partir de Março de 2019 foram-lhe atribuídas funções correspondentes à categoria profissional de gerente de restauração e bebidas; são aplicáveis à relação laboral os CCT celebrados entre a APHORT, a SITESE e a FETESE, publicados nos BTE nº 47 de 2018, nº 40 de 2011 e nº 28 de 2019; ao mesmo tempo que lhe foram atribuídas as funções de gerente de restauração e bebidas, foi-lhe atribuída a categoria de subchefe de cozinha, funções que nunca exerceu; a partir de outubro de 2019 passa a constar dos recibos de vencimento a categoria de empregada de balcão principal; em 23/06 e 03/07/2020 remeteu cartas à Ré a solicitar a retificação da categoria profissional e créditos devidos, o que não ocorreu; requer o reconhecimento da categoria de gerente de restauração e bebidas e respetivas diferenças salariais; esteve em lay-off entre abril e julho de 2020 e quando retomou o trabalho foi obrigada a prestar funções de cozinha e despida das suas funções, que no período de lay-off foram oferecidas a outro trabalhador, o que viola as suas garantias e direitos enquanto trabalhadora; sofreu transtorno, vergonha e humilhação com este comportamento da Ré, afetando o seu prestígio e dignidade profissionais; prestou trabalho nos dias 1 a 05/06/2020, tendo sido novamente colocada em lay-off; ocorreu violação do direito de ocupação efetiva; não lhe era prestada formação profissional, pelo que no período de lay-off se inscreveu num curso de formação profissional de técnico superior de segurança no trabalho, que ocorreu entre 14/04 e 31/10/2020, num total de 540 horas; frequentou ainda o curso de formação pedagógica inicial de formadores entre 05/08 e 24/09/2020; requereu à Ré em 04/08/2020, por e-mail, a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante, que mereceu resposta no dia seguinte de não oposição à frequência da formação e dispensa de trabalho nos dias de exame; ocorreu troca de correspondência relacionada com os cursos e obtenção de documentos por parte da Ré junto da entidade formadora sem a sua autorização, que provocou devassa, transtorno, tristeza, inquietude e ameaça na sua esfera pessoal e emocional, em violação dos seus direitos de personalidade; a atuação da Ré constitui comportamento discriminatório e hostil para consigo, violadora do respeito para com ela; em 24/08/2020 a Ré retirou-lhe a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante, o que é ilícito, já após ter dado faltas, programadas e aceites ao abrigo de tal estatuto, não podendo esta retirada ter efeitos retroativos, o que se afigura ilícito; no recibo de vencimento de agosto de 2020 foi-lhe descontada retribuição relativa a dias de realização e preparação de exame, tendo ela gozado três dias de licença não remunerada, pelo que não estamos perante faltas injustificadas; o exposto constitui hostilidade, discriminação e assédio moral, violação da sua esfera pessoal; a Ré teve para consigo uma conduta hostil e levou a que se sentisse inferiorizada perante os colegas, perseguida, atacada e sindicada na sua integridade moral; no final de agosto foi chamada para uma reunião com a gerência da Ré, na qual foi convidada a aceitar cessar o seu contrato por acordo, com aceitação, até final do mês, da categoria de empregada de balcão principal e que, caso não aceitasse, a Ré arranjaria uma forma de a despedir, proposta que não aceitou; face à categoria profissional alegada, tem direito a diferenças salariais no valor total de € 3.966,64, bem como diferenças nos subsídios de férias e Natal de 2019 e 2020, num total de € 777,00; requer, ainda, abono de falhas do período compreendido entre fevereiro de 2017 a setembro de 2020, no valor total de € 1.488,71; o prémio por assiduidade foi pago de forma regular e periódica, integrando-se no conceito de retribuição, pelo que deve ser considerado nos subsídios de férias e natal e nos meses após abril de 2020, inclusive, num total de € 546,77; requer o pagamento de formação profissional não prestada, dos anos de 2017 a 2020, no valor de € 592,91, bem como o pagamento do subsídio de alimentação de março de 2019 a janeiro de 2020, no valor diário de € 3,25, no total de € 182,00, proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal, num total de € 2.759,04; considera, por fim, que atuação da Ré se enquadra no artigo 394º do CT e constitui justa causa para resolução do contrato de trabalho, requerendo a indemnização respetiva de € 5.232,00, e, por força da atuação da Ré, que enquadra no assédio moral ou mobbing, grave, ilícita e culposa, causal dos danos morais que sentiu, requer o pagamento de € 1.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos.

1.2 Citada a Ré, depois de realizada a audiência de partes, na qual não foi obtido acordo, veio aquela a contestar, referindo, mais uma vez em síntese: ter cumprido todos os deveres resultantes do contrato de trabalho, dos IRCT invocados pela Autora e da lei; impugnar o alegado por esta quanto à prática de atos ilícitos que pudessem constituir violação do contrato de trabalho; a Autora não exerceu funções de gerente do estabelecimento, tendo sempre exercido funções de empregada de balcão e se exerceu outras, fê-lo à revelia da Ré; viu-se forçada a classificar a Autora como subchefe de cozinha por imposição e errado entendimento da ACT, sem que aquela tenha exercido tais funções, tendo-lhe pago a remuneração correspondente, mas como aquela não exercia tais funções, em outubro de 2019 reclassificou e remunerou-a com a categoria profissional de empregada de balcão principal, não devendo, diz, assim, à mesma diferenças salariais ou diferenças nos subsídios de férias e natal; quando se filiou no SITESE, em 20/07/2020, a Autora indicou a este a categoria profissional de empregada de balcão principal; as CCT invocadas pela Autora não são aplicáveis antes da sua filiação; apenas procurou confirmar o estatuto de trabalhador-estudante invocado pela Autora; na reunião entre Autora e legais representantes da Ré, em agosto de 2020, aquela limitou-se a dizer que considerava ter a categoria de gerente de loja por a ACT lhe ter dito que a loja tinha de ter três gerentes; a Autora exercia funções de caixa e era devido o abono para falhas de € 50,00, mas sujeito a imposto, sendo o abono isento de impostos correspondente a 5% do salário bruto, pelo que, em 2020, sendo o salário da Autora de € 733,00, o abono era de € 36,65, pago; em 2018 o salário era de € 620,00 e o abono de € 31,00, nada sendo devido a este título; o prémio de assiduidade era uma mera gratificação por esta, não constituindo retribuição; inexiste justa causa para a resolução do contrato e ilicitude desta por parte da Autora; a formação profissional com duração inferior a 6 meses não concede o estatuto de trabalhador estudante; no período de lay-off reorganizou os horários de trabalho em consequência de tal situação, tendo a Autora aceite regressar a lay-off até 29/06/2020 dada a dificuldade em alterar de novo os horários; a Autora cessou o contrato de trabalho por declaração datada de 01/06/2020, de forma ilícita e sem aviso prévio; sempre estabeleceu ela Ré com os seus colaboradores relações de grande consideração, profundo respeito e sempre se empenhou no melhor ambiente de trabalho, tendo sempre pago aos trabalhadores as retribuições devidas; ocorreu a caducidade do direito da Autora à resolução do contrato, em virtude de os factos alegados no artigo 236º da petição inicial terem ocorrido antes de abril de 2020 e, no caso do não pagamento da retribuição, o prazo de caducidade se contar a partir do termo do período de 60 dias, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Deduziu ainda a Ré reconvenção, na qual alega: na ausência de prova da justa causa de resolução do contrato, tem direito a indemnização pelos prejuízos causados, sendo que a Autora não cumpriu com o prazo de aviso prévio estabelecido ou, subsidiariamente, compensado tal valor nos créditos de que a Autora possa ser considerada titular; em consequência dos atos praticados pela Autora, viu degradada a sua imagem, prestígio, consideração, bom nome e fama no mercado, o que constitui grave dano não patrimonial que deve ser compensado patrimonialmente, em valor não inferior a € 6.500,00; a Autora litigou com má fé, pelo que requer a sua condenação em multa e indemnização de montante não inferior a € 2.500,00. Conclui requerendo: A) que se julgue provada e procedente a exceção perentória de caducidade ou, se assim não se entender, da prescrição do direito invocado pela Autora de resolução do contrato de trabalho mediante invocação de justa causa de despedimento e, por via disso, declarar-se que à Autora não assiste o direito à peticionada quantia a título de indemnização referente à resolução do contrato de trabalho com justa causa; B) improceder a ação; C) declarar-se a Reconvenção procedente, por provada, e, por via dela, deve a Autora ser condenada a pagar à Ré o valor de € 1.466,00, a título de não cumprimento do aviso prévio legalmente previsto, quer por ter feito cessar ilícita e unilateralmente a relação laboral, sem ter dado aviso prévio, em conformidade e pelos motivos alegados no artigo 137º, ou se assim se não entender, o que a título subsidiário se pede, por ter feito cessar, também por forma ilícita, e sem aviso prévio o contrato de trabalho que a vinculava à Ré, através de carta que esta lhe dirigiu, datada de 07/09/2020, e, por via disso, devendo ser condenada a pagar-lhe o indicado valor de € 1.466,00 tendo presente a retribuição mensal auferida e devida à Autora, aquando da ilícita cessação do contrato de trabalho por si operada, acrescido do valor de € 6.500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais que lhe causou, acrescidos de juros legais que se vencerem desde a data da sentença, computados à taxa legal de 4%, em conformidade com o Acórdão Uniformizador nº 4/2002, de 27/6/2002, publicado in D.R., 1ª série A, nº 146, até efetivo e integral pagamento.

1.3. A Autora respondeu: impugnando os factos alegados pela Ré; alegando que esta se contradiz quanto à aplicação dos CCT invocados e que estes são aplicáveis; mantém o alegado quanto às funções exercidas e categoria profissional correspondente; é ilícita a posterior redução unilateral da sua retribuição e compensação operada em virtude de uma reclassificação, pelo que, confessada a redução unilateral, deve a Ré ser condenada ao pagamento das diferenças salariais tendo por referência a retribuição mensal de € 755,00; o valor ilíquido de abono para falhas constante dos recibos de vencimento é de € 36,65 ou € 30,10, não tendo sido contabilizados para a base de incidência de contribuições para a segurança social, pelo que a Ré não liquidou impostos ou contribuições sobre tais valores, sendo devidas as diferenças peticionadas; de acordo com o CCT o subsídio de alimentação é devido em espécie, pelo que os montantes pagos em acréscimo àquele configuram retribuição; a sua comunicação à Ré quanto à celebração de contrato de trabalho com outra empresa ocorreu em cumprimento da obrigação imposta pelo Decreto-Lei nº 10-G/2020, pelo que não constitui denúncia do contrato de trabalho sem aviso prévio; quanto à caducidade do direito à resolução, tratando-se de um facto continuado, o prazo só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita, pelo que, persistindo até à data da cessação a falta de pagamento da retribuição devida, foi tempestiva a resolução, para além de estar em prazo para resolver o contrato por força do disposto no artigo 394º nº 2 alínea b) do CT, devendo improceder a invocada caducidade; o pedido reconvencional não está assente em factos concretos, pelo que é inepto; o pedido de danos decorrente de falta de aviso prévio é destituído de fundamento fáctico, pelo que deve o pedido reconvencional ser reduzido ao valor da retribuição base; a compensação de créditos é inadmissível na medida em que a Ré não reconheceu, identificou os créditos em relação aos quais pretende a compensação nem emitiu a correspondente declaração; a alegação de factos pela Autora não admite pedido de indemnização por danos não patrimoniais; o pedido reconvencional é abusivo e deve improceder; não foram alegados os factos inerentes aos pressupostos da responsabilidade civil, para além da transcrição de artigos da petição inicial; não se encontram preenchidos os pressupostos da litigância de má fé contra si requerida, pelo que deve ser absolvida de tal pedido; a Ré alicerça a sua defesa em contrariedades, distorções e inverdades, que descreve no artigo 181º da resposta, e deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, tendo feito um uso reprovável do processo com o fito de impedir a descoberta da verdade material e obter um objetivo ilegal, litigando com dolo instrumental, de má fé. Conclui requerendo: A) a improcedência de facto e de direito da contestação com reconvenção, devendo a ação ser decidida em conformidade com o alegado em sede de petição inicial; B) improcedência da exceção de caducidade do direito de resolução invocada pela R.; C) as exceções deduzidas pela R. serem julgadas não provadas e improcedentes; D) não ser admitido o pedido reconvencional; E) ser julgado inepto o pedido reconvencional; F) ser julgado improcedente o pedido reconvencional; G) ser julgado totalmente improcedente por abusivo nos termos do 334.º do CC o pedido reconvencional apresentado pela R.; H) julgar-se improcedente por não provado o pedido de condenação da A. em litigância de má-fé; I) ser admitido, nos termos do artigo 28.º do CPT, o pedido subsidiário de condenação da R. ao pagamento das diferenças salariais tendo por referência a retribuição mensal de € 755,00, acrescidas de juros até ao seu integral cumprimento, em função da reclassificação que confessou a R. ter operado e, subsequente, diminuição ilícita da retribuição da ocorrida, também confessada; J) ser a R. condenada como litigante de má fé em multa, em € 1.020,00, e a título de indemnização, no montante nunca inferior a € 371,00, sendo € 350,00 correspondentes aos honorários do I. Mandatário e € 21,00 de IVA sobre aquele valor, calculado à taxa legal de 6%, nos termos do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.

1.4. Pronunciou-se ainda a Ré, sustentando que não agiu como litigante de má fé, que o pedido reconvencional não enferma de ineptidão, nem é ilegal nem abusivo, e que não se justifica o pedido subsidiário formulado pela Autora referente à diminuição ilícita da retribuição.

1.5. Aquando do saneamento dos autos, depois de admitida parcialmente a reconvenção e de ser fixado o valor da causa em €18.511,67, não foi admitido o pedido subsidiário formulado pela Autora na resposta e relegou-se para final o conhecimento da exceção da caducidade do direito da Autora à resolução do contrato de trabalho.
De seguida, invocando-se o disposto no artigo 49.º, n.º 3, do CPT, e a simplicidade da causa, dispensou-se a enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova.

1.6. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1) Reconhece-se a justa causa de resolução do contrato de trabalho pela A.;
2) Condena-se a R. a pagar à A.:
a) € 4.602,75 (quatro mil seiscentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos) a título de indemnização por antiguidade, acrescido de juros de mora desde 09/09/2020 até efectivo e integral pagamento;
b) € 3.837,60 (três mil oitocentos e trinta e sete euros e sessenta cêntimos) a título de diferenças salariais devidas na retribuição base de Março de 2019 a Setembro de 2020;
c) € 777,00 (setecentos e setenta e sete euros) referente a diferenças salariais dos subsídios de férias dos anos de 2019 e 2020 e no subsídio de Natal de 2019;
d) € 1.480,25 (mil quatrocentos e oitenta euros e vinte e cinco cêntimos) a título de abono para falhas referente aos meses de Fevereiro de 2017 a Setembro de 2020;
e) € 538,44 (quinhentos e trinta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos) a título de diferenças nos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2017, 2018 e 2019 e na retribuição dos meses de Abril a Agosto de 2020;
f) € 586,95 (quinhentos e oitenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos) a título de formação profissional;
g) € 182,00 (cento e oitenta e dois euros) a título de diferença salarial nos meses de Fevereiro a Agosto de 2020;
h) € 605,26 (seiscentos e cinco euros e vinte e seis cêntimos) referente a proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2020;
i) € 178,70 (cento e setenta e oito euros e setenta cêntimos) a título de férias vencidas a 01/01/2020;
j) Juros de mora sobre as quantias indicadas nas alíneas a) a i) vencidos desde a data de vencimento de cada uma até efectivo e integral pagamento;
3) Absolve-se a R. do demais peticionado pela A.;
4) Absolve-se a A./Reconvinda do pedido reconvencional deduzido pela R./Reconvinte;
5) Absolve-se a A. do pedido de compensação formulado pela R.;
6) Absolve-se a A. do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pela R.;
7) Condena-se a R. como litigante de má fé, no pagamento de multa de valor equivalente a 6 (seis) UC e em indemnização à A. no valor de € 371,00.
Custas a cargo do A. e da R., na proporção do respectivo decaimento (cfr. artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.”

2. Inconformada, apresentou a Ré recurso de apelação, arguindo ainda a nulidade da sentença, apresentando no final das suas alegações as respetivas conclusões, nos termos que agora se transcrevem:
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2.1 Contra-alegou a Autora, sustentando, em síntese, designadamente, que não ocorre nulidade da sentença, que a Recorrente não cumpriu os ónus legais quanto à impugnação da matéria de facto, ou caso assim não se entenda, que essa deve improceder, que não devem proceder as exceções invocas e que a sentença não padece de erro na aplicação do direito, para concluir pela improcedência total do recurso.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Pronunciou-se ainda o Tribunal recorrido sobre a nulidade invocada, nos termos seguintes:
“Em sede de alegações de recurso interposto a fls. 347 e ss., é invocada a nulidade da sentença por ter conhecido de matéria que lhe estava vedado conhecer, quanto ao reconhecimento da categoria profissional de gerente.
Em sede de resposta pugna a Recorrida pela inexistência de tal nulidade.
Ora, como se pode verificar do exposto em sede de sentença, tal reconhecimento resulta do alegado pela A./Recorrida em sede de petição inicial e impugnado pela própria R./Recorrente em sede de contestação quanto à categoria em causa, sendo com base em tal categoria que a A./Recorrida deduziu os pedidos formulados e aos quais o Tribunal se cingiu no dispositivo, pelo que inexiste a invocada nulidade da sentença.
Face ao exposto na fundamentação da sentença, considera-se que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não padece a mesma da nulidade invocada pela Recorrente.
Vªs. Exªs., no entanto, decidirão como for de inteira justiça.”

3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, depois de sustentar que a sentença não padece de nulidade e que a Recorrente não cumpriu os ónus de impugnação da matéria de facto previstos no artigo 640.º do CPC, pronuncia-se ainda pela improcedência do recurso, de facto e de direito.

3.1. Respondeu a Apelada ao aludido parecer, para evidenciar a sua concordância.

3.2. Também a Apelante apresentou resposta, na qual, para além de sustentar que cumpriu os ónus de impugnação da matéria de facto, defendeu que lhe assiste razão no que se refere aos fundamentos do recurso que apresentou.
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Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) nulidade da sentença; (2) matéria de facto: (2.1) recurso sobre a matéria de facto; (2.2) intervenção oficiosa; (3) Dizendo de direito: invocada inaplicabilidade de instrumentos de regulamentação coletiva; questões da categoria profissional da Autora, da resolução do contrato por essa com invocação de justa causa, da caducidade do direito à resolução invocada pela Ré; apreciação da condenação em litigância de má fé.
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III – Fundamentação
A) De facto
O Tribunal recorrido considerou como factos provados os seguintes:
“Factos assentes por acordo:
A) A R. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas, designadamente restaurantes, pastelarias e casas de chá; prestação de serviços de consultoria técnica para o sector alimentar e hoteleiro. Importação, exportação, comércio e representação de uma grande variedade de artigos, marcas e insígnias, para o território nacional e internacional, nomeadamente máquinas, equipamentos, produtos diversos, hardware e software; actividades de compra e venda de participações em sociedades com os mais diversos objectos sociais e actividades operacionais; actividades de consultoria para os negócios e a gestão nas mais diversas áreas do conhecimento; compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos e arrendamento de imóveis próprios e subarrendamento de imóveis arrendados e prestação de serviços de representação comercial e intermediação de negócios;
B) A A. foi admitida ao serviço da R. no dia 03/02/2017, tendo celebrado com esta um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 6 meses, no qual lhe foi atribuída a categoria profissional de Empregada de Balcão, ao abrigo do qual exercia as suas funções sob ordem e direcção da R., nos termos constantes de fls. 39 verso a 42 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
C) O contrato de trabalho foi, sucessivamente, renovado, convertendo-se num contrato de trabalho por tempo Indeterminado;
D) A A., desde que foi admitida e até à data da cessação do seu contrato de trabalho, sempre se dedicou à R., desempenhando as suas funções;
E) Em conformidade com a informação afixada pela R. no seu estabelecimento de restauração, é aplicável à relação laboral estabelecida entre esta e os seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego, nº 47, 22/12/2018; o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado Boletim do Trabalho e Emprego, nº 40, 29/10/2011;
F) É ainda aplicável à relação jurídico-laboral entre a A. e R. o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 28, 29/7/2019;
G) A A. nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar;
H) A A. remeteu à R. carta datada de 07/09/2020, e recebida pela R. em 08/09/2020, com o teor constante de fls. 42 verso a 45 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, a resolver o seu contrato de trabalho invocando justa causa;
I) A A., aquando do início da sua relação laboral com a R., exercia as funções de Empregada de Balcão, sendo responsável, entre outras, pelas funções de atendimento de clientes ao balcão, por acautelar o respectivo serviço da secção, pela realização de reposição de alimentos e bebidas, por proceder ao recebimento de pagamentos e facturação, sem prejuízo de outras funções;
J) A partir de Outubro de 2019, passa a constar dos recibos de vencimento, e sem que tal alteração fosse acompanhada de uma qualquer explicação, a “categoria” de Empregada de Balcão Principal;
K) A A. procedeu ao envio de uma carta para a R., datada de 23/06/2020, da qual consta, além do mais, que “… Há mais de um ano que as minhas funções são, mas não limitadas a, (i) dirigir, orientar, fiscalizar e coordenar os serviços do estabelecimento, (ii) efetuar a aquisição, guarda e conservação de bens perecíveis, controlando inventários diários, (iii) realizar inventários semanais, (iv) acompanhar o funcionamento do serviço, controlando o movimento de receitas e despesas, quer através de aplicação móvel, quer através de faturas em papel, (v) responder pela conservação e higiene das instalações, (vi) gerir reclamações de clientes, e (vii) ser responsável pela apresentação e disciplina dos trabalhadores sob as minhas ordens, nos meus turnos de trabalho. Ao longo do referido ano interpelei várias vezes o meu superior hierárquico sobre esta situação, assim como algumas remunerações vencidas devidas ou irregulares, nomeadamente o abono para falha de caixa. Infelizmente, todos os esforços para resolução deste problema revelaram-se infrutíferos. Nesse sentido, de modo a não lesar a relação laboral com um assunto tão sensível e sem conclusão, solicito que procedam à retificação da categoria profissional, assim como de todos os créditos devidos vencidos, até ao final do corrente mês”, nos termos constantes de fls. 45 verso dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
L) Apesar de tal missiva, a R. não reconheceu qualquer dos pedidos efectuados pela A., tendo comunicado, em carta datada de 03/07/2020 e recebida pela A. a 08/07/2020, que “…surpreende-nos que se pretenda intitular com a categoria de “gerente de restauração”, categoria esse que nunca lhe foi por esta sociedade atribuída, nem para tal foi contratada. De resto, uma tal categoria não lhe pode se reconhecida uma vez que as funções que efectivamente exerce ao abrigo do contrato de trabalho celebrado são precisamente as correspondentes à categoria de empregada de balcão principal, pela qual lhe é para devidamente a respectiva retribuição mensal, não se encontrando, pois, em dívida quaisquer créditos salariais”, nos termos constantes de fls. 46 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
M) Entre Abril e Julho de 2020, esteve a A. abrangida pelo Apoio Excepcional à Manutenção dos Contratos de Trabalho (em diante designado Lay-Off Simplificado) na modalidade de suspensão do contrato de trabalho, retomando a título definitivo o trabalho, em Agosto de 2020;
N) Atenta a inscrição em curso de formação, realizada ainda na pendência da abrangência da A. pelo Lay-Off Simplificado, comunicou esta à R. o início de tal labor, requerendo, posteriormente, nos termos do artigo 90º do Código do Trabalho a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante, tendo para tanto remetido no dia 04/08/2020, o email constante de fls. 52 verso e 53 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
O) A tal requerimento respondeu a R., no dia 05/08/2020, pelas 15:35, na pessoa de BB, que: “Em resposta ao seu email, nada temos a opor à frequência da formação e dispensa de trabalho nos dias de exame. O horário das atividades educativas enviado não está devidamente certificado/autenticado pela instituição competente. Deverá apresentar uma declaração certificativa do horário de formação e dos dias de avaliação. De todo modo, do horário remetido pela AA, resulta que a formação termina às 12 horas. Portanto, não se vê necessidade em ser concedida qualquer dispensa de trabalho para frequência de aulas, uma vez que, o horário de trabalho nesses dias inicia às 12:30, e não é incompatível com o horário de formação. Por outro lado, a lei apenas prevê que o horário de trabalho do trabalhador-estudante deva, sempre que possível, ser ajustado de modo a permitir a frequência das aulas e a deslocação para o estabelecimento de ensino, e não já a deslocação do estabelecimento de ensino para o local de trabalho, ao abrigo do art. 90.º nº 1 do Código do Trabalho. De resto, sendo a formação em causa ministrada online e o horário das atividades educativas apresentado não exigir dispensa de trabalho para frequência da respetiva formação, a dispensa solicitada apenas poderá ser concedida nos dias em que venha a ter avaliação/exames os quais como já referido devem ser comprovados por declaração da instituição de ensino”, nos termos constantes de fls. 52 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
P) Nessa sequência, a A. remeteu e-mail na mesma data, pelas 16h29m, nos termos constantes de fls. 52 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
Q) A R. respondeu por email de 07/08/2020, nos termos constantes de fls. 51 verso dos autos e que se dá por integralmente reproduzida: “…o horário apresentado não se encontra subscrito / carimbado / assinado pela instituição de ensino, o que impede comprovar a autenticidade do mesmo, daí termos solicitado uma declaração da instituição de ensino em questão que permita comprovar a veracidade do horário (tabela) que nos remeteu. Estranhamos que refira que a instituição de ensino lhe tenha recusado emitir uma tal declaração, quando, após contacto com a mesma, nos foi de imediato disponibilizada. Foi-nos igualmente informado que a AA, tal como os demais formandos, tem acesso ao horário completo das actividades educativas a frequentar até ao dia 24 de setembro, não correspondendo por isso à verdade que o aludido horário apenas lhe tenha sido parcialmente divulgado até ao dia 17 de agosto, como refere no seu anterior e-mail. Por outro lado, foi-nos também dada informação pela instituição de ensino em questão que as sessões em regime de elearning são de acesso livre, podendo a AA aceder no horário e as vezes que entender. E, relativamente às avaliações, foi-nos transmitido que ficam disponíveis durante 48horas e que poderão ser realizadas antes do término de cada módulo. Lamentámos que tenha tentado ocultar toda esta relevante informação e apelamos que, a bem da relação laborar que a vincula à nossa empresa, contribua efectivamente para a transparência que invoca e que muito prezamos”;
R) A A. respondeu por email datado do dia 08/08/2020, nos termos constantes de fls. 50 verso e 51 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
S) Em face a tal comunicação responde a R. por e-mail datado de 10/08/2020, nos termos constantes de fls. 50 verso e que se dá por integralmente reproduzida, do qual consta “…Relembramos que nos referiu que a instituição de ensino lhe recusou a informação que lhe foi por nós solicitada a respeito do horário das actividades lectivas, obrigando-nos a diligenciar pela sua obtenção directamente junto dessa instituição…”;
T) Contudo, não olvidando as acusações feitas, a conduta adoptada, o transtorno, humilhação, preocupação e injúria causados à A., remeteu esta à R. e-mail datado de 12/08/2020, nos termos constantes de fls. 50 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
U) A R., depois de reconhecer a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante à A., remeteu a esta, e-mail datado de 24/08/2020 e subscrito por CC, nos termos constantes de fls. 54 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida, do qual consta: “Após análise dos elementos necessários à comprovação da sua condição de estudante para efeitos de usufruto do estatuto de trabalhador – estudante, constatamos que a formação profissional que frequenta não tem duração igual ou superior a 6 meses, pelo que, de acordo com o disposto no art.º 89.º n.º 1 do Código do Trabalho, a AA não pode ser considerada trabalhadora–estudante. Por conseguinte, não lhe assistem os direitos previstos na lei para aqueles que efectivamente podem beneficiar desse estatuto, designadamente, a dispensa de trabalho para frequência de aulas, a faltar justificadamente por motivo de prova de avaliação e a licença sem retribuição”;
V) A R. não pagou à A. a retribuição nem os subsídios de férias e Natal pelo valor correspondente à categoria de gerente de restauração e bebidas;
W) De acordo com o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R., a última obrigou-se a pagar à primeira um “prémio de assiduidade”, de valor fixo;
X) Tal prestação tinha em vista, alegadamente, atribuir à A. uma compensação no caso de esta não registar, no respectivo mês qualquer falta justificada ou injustificada;
Y) O “prémio por assiduidade” foi pago de forma regular e periódica e sistemática à A., em todos os meses desde Fevereiro de 2017, à excepção dos meses de Abril a Junho de 2020, tendo sido pago proporcionalmente em Julho de 2020, e não foi pago nos meses de Agosto e Setembro de 2020;
Z) A partir de Março de 2019 e até Janeiro de 2020, foi pago um subsídio de alimentação em dinheiro à A., no valor de € 3,25 por dia;
AA) O estabelecimento onde a R. funciona situa-se em área integrada num Shopping, comumente conhecido por “X...”, único local onde a ora A. prestou trabalho para a R.;
BB) O referido estabelecimento comercial dedica-se, com carácter de exclusividade, à confeção de hambúrgueres e à venda de bebidas que acompanham o seu consumo, bem como de gelados e sobremesas de fabrico próprio;
CC) Tal estabelecimento possui a área aproximada de 38 m2;
DD) Nele trabalham, por forma habitual, entre 6 a 7 funcionários/colaboradores da R. na confecção dos hambúrgueres e na sua venda ao balcão;
EE) Trata-se de um espaço que não é provido, nem no seu interior, nem no seu exterior, de bancos, mesas, cadeiras ou qualquer tipo de mobiliário que pudesse implicar que os colaboradores da R. a ele se tivessem de dirigir para servir os clientes;
FF) A parte externa do referido estabelecimento é constituída por um balcão, onde os clientes se dirigem, formulam o respectivo pedido e de tal balcão retiram, após pagamento, a comida encomendada, acompanhada ou não de bebida;
GG) A partir de tal acto os clientes transportam consigo a comida adquirida no estabelecimento da R. e dirigem-se a mesas que pertencem ao Shopping, ou à sua administração;

Factos demonstrados por produção de prova:
HH) A A., desde que foi admitida e até à data da cessação do seu contrato de trabalho, sempre desempenhou as suas funções com zelo e de forma assídua;
II) Foram atribuídas à A., a partir de Março de 2019, as funções de responsável por tarefas de gestão e direcção do estabelecimento de restauração e respectivo trabalhadores na pendência do seu turno;
JJ) A A. sempre cumpriu todas as ordens que lhe foram transmitidas;
KK) Nunca a A. teve problema ou conflito com qualquer um dos seus superiores hierárquicos, pares ou colaboradores das equipas cujo serviço geriu e orientou;
LL) Em concreto, a A. exercia, sem prejuízo das funções de empregada de balcão, as seguintes: era responsável pela abertura e fecho de loja; dirigia, orientava, fiscalizava e coordenava os serviços do estabelecimento; efectuava a aquisição de bens perecíveis; realizava inventários semanais; acompanhava o funcionamento do serviço, controlando o movimento de receitas diário, quer através de aplicação móvel, quer através de facturas em papel; respondia pela conservação e higiene das instalações; geria reclamações de clientes, sendo ainda responsável pela apresentação e disciplina dos trabalhadores sob as suas ordens, na pendência do seu turno de trabalho;
MM) A A. desconhecia, por nunca lhe ter sido comunicado, à data da atribuição de tais funções, o enquadramento legal de tal alteração, nem as obrigações daí resultantes para a R.;
NN) Ao mesmo tempo em que lhe foram conferidas pela R. as funções descritas em LL), foi atribuída à A., nos seus recibos de vencimento, a categoria de “Subchefe de Cozinha”;
OO) As funções de Subchefe de Cozinha jamais foram exercidas pela A.;
PP) Apercebendo-se, ainda que parcialmente, a A., no início do ano de 2020, do não reconhecimento da categoria de gerente de restauração e bebidas e do pagamento da retribuição respectiva, esta, junto da R., mais precisamente junto de DD e de EE, solicitou esclarecimentos;
QQ) Tais pedidos de esclarecimentos foram, num primeiro momento, informais/verbais, por receio da A. que da sua conduta adviessem consequências nefastas para a sua relação laboral;
RR) Todavia, não foram atendidos os seus pedidos de esclarecimento e solicitações para que lhe fossem reconhecidos os seus direitos retributivos e atribuição da categoria cujas funções exercia, tendo EE dito que não lhe seria reconhecida tal categoria;
SS) Ao retomar o trabalho em Agosto de 2020, a A. deparou-se com a impossibilidade de continuar a exercer as funções de direcção que antes exercia, tendo sido obrigada a prestar funções de cozinha, funções que não correspondem à sua categoria profissional;
TT) As suas funções, foram, na pendência da abrangência da A. pelo regime do Lay-Off Simplificado, oferecidas a outro trabalhador, que havia sido transferido para o estabelecimento de restauração no qual prestava a A. trabalho;
UU) A A. ficou atónita com tal alteração, que lhe causou transtorno, vergonha e humilhação pelo comportamento da R.;
VV) A R. atribuiu à A. funções de carácter inferior com vista a menosprezar o seu trabalho e a criar pressão na mesma para que esta, voluntariamente, se afastasse a título definitivo da empresa;
WW) A alteração operada causou sofrimento à A.;
XX) A acção da R. teve como intuito sancionara A. por ter esta exigido o cumprimento com os seus direitos retributivos, afastando evidências de que esta tenha exercido as funções e categoria indicadas em LL);
YY) A A. foi chamada para prestar trabalho entre os dias 03 e 09/06/2020, tendo trabalhado nesse período 4 dias completos, sendo que, de seguida, foi novamente colocada em Lay-Off Simplificado, na modalidade de suspensão do contrato de trabalho;
ZZ) A A. fez formação profissional por conta própria;
AAA) Nessa medida, a A., na pendência da sua abrangência pelo regime do Apoio Extraordinário à Manutenção dos Postos de Trabalho, inscreveu-se num Curso de Formação Profissional de Técnico Superior de Segurança no Trabalho, leccionado pela R..., Unipessoal, Lda.), que iniciou a 14/04/2020 e terminou a 31/10/2020, tendo um total de 540 horas;
BBB) Procedeu a A. ao ingresso em novo curso, na empresa de formação A..., Lda., tendo frequentado o curso de Formação Pedagógica Inicial de Formadores, com vista à obtenção de CCP de formador, tendo durado o período de formação entre o dia 05/08/2020 e o dia 24/09/2020;
CCC) A A. remeteu à R., no imediato, o comprovativo da condição de estudante e horário das actividades lectivas que ocorreriam até 17/08/2020;
DDD) O email remetido pela R. em 24/08/2020, identificado em U), ocorreu após as faltas dadas pela A. durante o mês de Agosto terem ocorrido e sido programadas e aceite o estatuto de trabalhador-estudante;
EEE) A R. acedeu a informações sobre a A. e o curso profissional que esta frequentava, sem consentimento da A., que a fez sentir vexada;
FFF) As acusações dirigidas pela R. à A. nos emails juntos a fls. 50 a 53 dos autos resultaram num sentimento de ofensa e tristeza nesta;
GGG) A A., por todas estas condutas, sentiu-se perseguida e a sua integridade moral atacada e sindicada pela R.;
HHH) No mês de Agosto 2020, a A. foi chamada para uma reunião com a gerência da R., onde a A. foi convidada a aceitar uma cessação do seu contrato de trabalho por acordo;
III) Nessa sequência, foi-lhe, ainda, comunicado que se não aceitasse o acordo, arranjaria a R. forma de a despedir;
JJJ) Esta conduta agravou o sentimento de perseguição que a A. já tinha em relação à R.;
KKK) A A. não cedeu à proposta da R.;
LLL) Contudo, sabia a A. que a manutenção da sua relação laboral se mostrava, cada vez mais, insustentável, agudizando-se o seu sofrimento e preocupação;
MMM) A R. pagou à A. abono para falhas no valor mensal de € 30,10 entre Fevereiro de 2018 e Dezembro de 2018, no valor de € 36,65 nos meses de Fevereiro e Março de 2020, no valor de € 6,11 em Junho de 2020, de € 2,36 em Julho de 2020; de € 23,59 em Agosto de 2020; e em Setembro de 2020, € 8,46;
NNN) Durante a execução do contrato de trabalho da A. não lhe foram prestadas quaisquer horas de formação profissional pela R.;
OOO) O subsídio de alimentação identificado em Z) acrescia à atribuição do subsídio de refeição em espécie à A.;
PPP) Tal rúbrica teve em vista operar a atribuição de um efectivo benefício retributivo adicional à A.;
QQQ) Trata-se este pagamento de uma contrapartida da actividade efectivamente prestada pela A., paga com carácter regular e periódico, que veio exceder o normal montante pago a título de subsídio de alimentação;
RRR) A R., sem qualquer tipo de fundamento ou comunicação, a partir de Janeiro de 2020, deixou de pagar tal montante;
SSS) Aquando da cessação foram pagos à A., a título de proporcionais de férias, subsídio de férias, os valores de € 566,41 e € 566,41, respectivamente;
TTT) Aquando da cessação foi pago à A., a título de proporcionais de subsídio de Natal, o valor de € 502,69;
UUU) A A. não gozou 11 dias de férias vencidas a 01/01/2020 e referentes ao trabalho prestado no ano de 2019;
VVV) A estratégia da R. a partir de Agosto de 2020 passava por atormentar a A. de tal forma que esta, debilitada psicologicamente, com a redução das suas funções, com a falta de reconhecimento dos seus direitos retributivos e proposta para aceitação de acordo, fizesse cessar o contrato de trabalho;
WWW) A R. pagou à A., a título de subsídio de férias referente a férias vencidas a 01/01/2020, a quantia total de € 732,91;
XXX) E pagou, a título de férias vencidas a 01/01/2020, o valor de € 366,50;
YYY) A supervisão do estabelecimento comercial onde a A. exerce funções, desde o seu início, sempre foi efectuada, por um supervisor, ultimamente, chamado EE;
ZZZ) A R. possuiu nos seus quadros uma trabalhadora, DD, classificada e remunerada com a categoria de Chefe de Balcão, a quem compete, e competia, ao tempo em que a ora A. prestava labor para a R. superintender e executar os trabalhos de balcão, nos respectivos turnos;
AAAA) A A. sempre exerceu funções correspondentes à categoria profissional para que foi contratada – Empregada de Balcão – no quadro da especificidade do estabelecimento comercial da R., onde exercia funções, cujo funcionamento bem conhecia e aceitou;
BBBB) A R. nunca avaliou a A. em termos da influência e impacto da execução das tarefas no funcionamento da empresa e nos resultados obtidos no âmbito da categoria profissional de Gerente;
CCCC) A R. atribuiu à A., a partir do mês de Outubro de 2019, a categoria profissional de “Empregada de Balcão Principal;
DDDD)A R. pagou à A., em Agosto e Setembro de 2019, a remuneração correspondente a Subchefe de Cozinha, grupo C;
EEEE) Uma vez que a A. nunca exerceu funções correspondentes a Subchefe de Cozinha, em Outubro de 2019 a R. reclassificou e remunerou a A. com a categoria profissional de “Empregada de Balcão Principal” correspondente ao nível de remuneração VI;
FFFF) No dia 30/07/2020 o SITESE enviou à R. uma declaração escrita subscrita pela A., datada de 30/07/2020, solicitando a dedução da quota e a sua remessa para o referido Sindicato, nos termos constantes de fls. 126 verso e 127 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
GGGG) A Declaração que então foi remetida à R., preenchida manualmente pela A., não continha o número de associada nem a respectiva categoria profissional;
HHHH) A R. solicitou então ao SITESE que fosse complementada essa informação em falta, nos termos constantes de fls. 127 verso dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
IIII) O SITESE, através do seu email datado de 04/08/2020 indicou à R. o número de associada da A., tendo referido que o seu número era o 138911, e como categoria profissional a de Empregada de Balcão Principal;
JJJJ) A A. jamais apresentou, na pendência do contrato de trabalho, qualquer reclamação, que seja do conhecimento da R., à Autoridade para as Condições do Trabalho, quer oral quer escrita, até à data em que se inscreveu como associada do SITESE;
KKKK) A R. limitou-se a procurar confirmar o estatuto do Trabalhador-Estudante invocado pela A.;
LLLL) A instituição do prémio de assiduidade foi feita para incentivar os colaboradores da R. a não faltarem;
MMMM) Em resposta à comunicação identificada em H), a R. dirigiu uma carta datada de 14/09/2020 à A., que esta recebeu no dia 20/09/2020, através da qual lhe reiterou que não tinha contratado com a A., nem convidado, nem lhe tinha proposto ou ordenado que exercesse as funções correspondentes à Categoria Profissional de Gerente de Restauração e Bebidas, mais lhe comunicando, que a A., abusivamente, de tal categoria se pretendia intitular e fazer valer, nos termos constantes de fls. 129 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
NNNN) A A. encontrou-se na situação de lay-off desde 01/04/2020 a 30/04/2020, com prorrogação de tal situação jurídica de 01/05/2020 até 30/05/2020;
OOOO) A R., na ausência da A., tinha reorganizado, em termos de logística, os horários de trabalho, em consequência da descrita situação de lay-off;
PPPP) A A. apresentou à R., na pendência do lay-off, uma declaração escrita datada de 01/06/2020 em como se encontrava a trabalhar, mediante contrato de trabalho a termo incerto na empresa denominada C... Lda., com sede na Rua ..., ..., ..., com a categoria profissional de Técnica Superior de Operação e Controlo de Processos Industriais, nos termos constantes de fls. 130 verso dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
QQQQ) A R., através de email, dirigido à Inspetora do Trabalho FF, da ACT – centro local do grande Porto, solicitou-lhe informação sobre se a situação da A. integrava condições de trabalhadora estudante;
RRRR) A resposta que a referida inspetora através de email datada de 26/08/2020 dirigiu à colaboradora da R., BB, refere que “ quanto a mim, a empresa não fica minimamente prejudicada” e que a R. podia “ contabilizar as horas de dispensa previstas no regime de trabalhador estudante no número de horas anuais obrigatórias de formação continua”, aditando ainda que “e, quem sabe poderá a empresa, no futuro aproveitar esse saber da trabalhadora e solicitar-lhe que ministre formação na nível interno”, nos termos constantes de fls. 131 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
SSSS) A R., perante tal resposta inconclusiva através de contacto telefónico procurou obter um esclarecimento da Inspetora;
TTTT) O legal representante da R., CC, foi atendido através da linha de apoio nº ..., através de um inspector da ACT, o qual comunicou à R., por via telefónica que, “nos termos do artigo 89º, nº1 do Código do Trabalho, a frequência de formação profissional com duração inferior a 6 meses não permite a concessão do estatuto de trabalhador estudante”;
UUUU) A R., perante tal posição comunicou o seu teor à A.;
VVVV) E através de email, datado de 27/08/2020, mais comunicou à Inspetora FF que “de todo modo, no futuro, teremos também em consideração a sugestão agora apresentada pela Sra. Inspetora”;
WWWW) A gestão diária de stocks, encomendas de produtos perecíveis, existências, trabalhadores ou serviços, são tarefas que não recaem sobre EE;
XXXX) A categoria constante dos documentos do sindicato estava em conformidade com a constante dos recibos de vencimento emitidos pela R., não tendo sido tal categoria reconhecida pela A.;
YYYY) A A. exercia funções de caixa;
ZZZZ) A A. não celebrou acordo ou pacto de exclusividade com a R.; AAAAA) A A. pode exercer mais do que uma actividade laboral simultaneamente;
BBBBB) A A. não foi contratada para exercer actividade concorrencial com a da R.;
CCCCC) Durante o mês de Agosto de 2020 a R. não proporcionou um sadio ambiente de trabalho, fazendo a A. sentir-se triste;
DDDDD) Em sede de contestação, a R. impugnou a veracidade dos factos constantes dos pontos II), LL), NN), PP) a TT), VV), XX), AAA) a DDD), HHH), III), KKK), NNN), PPP), QQQ).”

Por sua vez, como “Factos não provados”, fez-se constar o seguinte:
“1) A A., desde que foi admitida e até à data da cessação do seu contrato de trabalho, sempre desempenhou as suas funções com diligência e dedicada às suas obrigações laborais;
2) A atribuição de funções indicada em II) dos factos provados foram fruto da total devoção, sacrífico e das qualidades profissionais e humanas da A.;
3) A A. sempre cumpriu os prazos que lhe foram consignados;
4) A A. exerceu as funções de Empregada de Balcão com autonomia, responsabilidade e dedicação;
5) Em concreto, a A. efectuava a guarda e conservação de bens perecíveis, controlando inventários diários; controlava o movimento de despesas, quer através de aplicação móvel, quer através de facturas em papel;
6) Também os seus colegas de trabalho não compreenderam a alteração que havia ocorrido, pois há muito vinham a identificar a A. como uma trabalhadora exemplar, cujo mérito era reconhecido, e como gerente do estabelecimento, pelo menos, na pendência do seu turno;
7) A redistribuição das funções da A. a outro trabalhador ocorreu gratuita e definitivamente;
8) A A. foi chamada para prestar trabalho entre os dias 01 e 05/06/2020, tendo trabalhado nesse período 3 dias completos;
9) A A. sempre pugnou, tendo em vista ser uma mais valia para a R., pelo aprimoramento das suas competências, nomeadamente através do investimento, por conta própria, na sua formação profissional;
10) A repercussão da conduta da R. na esfera pessoal e emocional da A. ao solicitar à entidade formadora declaração do horário de trabalho foi de profunda devassa, transtorno, tristeza, inquietude e ameaça;
11) Mais uma vez a R. demonstra total desconsideração pela A. e vontade em recolher indícios para que pudesse, querendo, afastá-la definitivamente do seu posto de trabalho;
12) No recibo de vencimento de Agosto de 2020, foi descontada retribuição à A. correspondente a dias de realização e preparação para exame;
13) Gozou, também, a A. de período de licença não remunerada de três dias ao abrigo do estatuto de trabalhador-estudante;
14) A situação identificada em EEE) dos factos provados acarretou um profundo sentimento de humilhação perante a instituição de ensino que a percebeu como uma pessoa supostamente desonesta e na qual a R. não confiava;
15) A intromissão na esfera pessoal da A. fê-la sentir-se desprotegida, vexada e abusada, no sentido em que, ao longo a sua carreira profissional, sempre pugnou por separar distintamente a sua esfera laboral da sua esfera pessoal, cumprindo escrupulosamente com os seus deveres;
16) A A., pela conduta descrita em EEE) e FFF) dos factos provados, sentiu-se inferiorizada em face aos seus colegas;
17) Sentiu, ainda, a A. que a retirada do estatuto do Trabalhador-Estudante, foi mais uma conduta ofensiva e discriminatória da R., cujo fito seria cansá-la e levá-la a voluntariamente cessar o seu contrato de trabalho;
18) No acordo indicado em HHH) dos factos provados a R. reconheceria e a A. aceitaria que a sua categoria profissional seria a de Empregada de Balcão, nível Empregada de Balcão Principal;
19) Para comunicar a aceitação (ou não) do acordo foi indicado o prazo de dia 31/08/2020;
20) Aquando da cessação não foram pagos à A. os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
21) A A. não gozou 14 dias de férias;
22) A estratégia da R. passava por a A., com as dificuldades causadas no referente à sua situação de trabalhadora-estudante, fazer cessar o contrato de trabalho;
23) Esta luta fez com que a A. vivesse um período bastante conturbado da sua vida, pelo impacto que a vida profissional e o seu sucesso e bom decorrer assume na esfera singular da A.;
24) A perseguição de que foi alvo, após dias e meses de dedicação e empenho da A. para com a sua actividade na R. maior sentido de injustiça causaram;
25) No reduzido espaço do estabelecimento indicado em AA) dos factos provados, todos os colaboradores cooperam e se desdobram em várias actividades que conduzem à elaboração dos hambúrgueres e à sua venda;
26) Tal decorre da natureza do estabelecimento, do espaço ocupado e das interconexionadas funções nele exercidas com aquele fito;
27) O referido supervisor integra-se funcionalmente, numa outra empresa similar, da qual os legais representantes da R., também são titulares, exercendo as funções de supervisão em todos os estabelecimentos da marca ...;
28) É o EE quem coordena e orienta o sector de comidas e bebidas no estabelecimento comercial da R.;
29) As funções de director de produção integram fazer previsões de custos e vendas potenciais de produção; gere os stocks; verifica a qualidade das mercadorias a adquirir; providencia o correcto armazenamento das mercadorias e demais produtos, controlando as temperaturas do equipamento em frio, arrumação e higiene; verifica se as quantidades servidas aos clientes correspondem ao estabelecido; apura os consumos diários e faz inventários reais, realizando médias e estatísticas; controla as receitas e despesas do estabelecimento dando conhecimento a direção de possíveis falhas;
30) Além disso, dirige, orienta, fiscaliza e coordena os serviços do estabelecimento da R., efetuando ou supervisionando a aquisição, guarda e conservação dos produtos perecíveis e outros, vigiando a sua aplicação e controlando as existências em inventário; elabora horários de trabalho, em harmonia com a chefe de balcão da loja; acompanha o funcionamento dos serviços e supervisiona o controlo do movimento das receitas e despesas, competindo-lhe ainda exercer a fiscalização dos custos e responder pela manutenção do equipamento e o bom estado de conservação e higiene das instalações;
31) DD era remunerada com a categoria de Chefe de Balcão;
32) A R. jamais ministrou à A. ordens ou directivas para exercer funções que pudessem integrar-se ou corresponder à categoria profissional de Gerente de Restauração e bebidas;
33) A A. nunca ocupou no organigrama de funcionamento e hierárquico da R. a categoria profissional de gerente;
34) A A. nunca reclamou da R., directamente, nem em qualquer órgão extrajudicial ou judicial, a categoria profissional de gerente, que ora reclama, apenas o tendo feito, pela 1ª vez em 23/06/2020;
35) Por imposição e errado entendimento da Autoridade para as Condições de Trabalho, a R. viu-se forçada a classificar a A. como “Subchefe de cozinha”, a que correspondia o nível de remuneração 7º;
36) A R. viu-se forçada a atribuir à A. a categoria profissional de “Subchefe de Cozinha” e, a partir do mês de Outubro de 2019, remunerou-a com a retribuição correspondente à categoria profissional de “Empregada de Balcão Principal”, a que corresponde o nível de remuneração VI;
37) A categoria profissional referida em IIII) dos factos provados foi indicada pela A.;
38) Os colegas de trabalho da A. sempre compreenderam e aceitaram as determinações desta;
39) A A. nunca reclamou perante a R., desde Março de 2019, a categoria profissional de gerente, ou a retribuição correspondente a essas pretensas funções, nem nunca essa suposta falta de pagamento foi motivo, ou causa, da alegada impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho;
40) Na reunião havida no final de Agosto de 2020, os legais representantes da R. limitaram-se a questionar a A. com vista a pretenderem saber quais as razões concretas pelas quais ela considerava dever ter a categoria profissional de Gerente da loja;
41) A A. limitou-se a responder aos legais representantes da R., CC e GG, que “foi por uma vez ter ido à ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) e de aí lhe terem dito que, face aos horários praticados, aquela loja tinha obrigatoriamente que ter três gerentes!”, nada mais tendo a A. invocado a tal propósito;
42) Foi a partir de tal circunstância que a A. considerou que deveria ter a categoria profissional de Gerente;
43) A A. recebia o valor do subsídio de alimentação, fora do período indicado em Z);
44) Tal prémio teve ainda por causa a circunstância de terem existido colaboradores da R. que faziam cessar a relação de trabalho sem darem à R. o aviso prévio legal;
45) Quem se mantivesse assíduo adquiria o direito ao “prémio de assiduidade” no valor € 50,00, se trabalhasse 40 horas semanais ou na proporção do trabalho contratado;
46) Tal prémio, mais não era, nem é, do que uma mera gratificação pela assiduidade;
47) Entre os anos de 2017 a 2020, a A. faltou ao serviço várias vezes e as ausências, justificadas ou não, implicam automaticamente a perda do valor correspondente ao prémio de assiduidade;
48) Tal situação terminou em 01/06/2020, dia em que a A. enviou à R. informação sobre a sua condição de trabalhadora-estudante;
49) Dada a dificuldade em alterar de novo os horários de trabalho, a A., compreendendo a situação, aceitou regressar de novo à situação de lay-off até ao dia 29/06/2020;
50) Com a declaração identificada em PPPP) dos factos provados, a A., sem ter dado aviso prévio legal à R., fez cessar o contrato de trabalho que a esta a vinculava;
51) A R. sempre estabeleceu com os seus colaboradores, como de todos é conhecido, relações de grande consideração, profundo respeito e sempre se empenhou, nas circunstâncias concretas da empresa, do melhor ambiente de trabalho;
52) Sempre tendo pago a todos os seus colaboradores todas as retribuições devidas;
53) Os legais representantes da R. são pessoas de boa formação cívica e moral, intensamente preocupados com o cumprimento dos deveres laborais e o bem-estar dos trabalhadores da R., sendo incapazes de praticar na pessoa de qualquer dos seus trabalhadores, designadamente da A., os actos ilícitos que esta lhes assaca e à R.;
54) Este quadro de gestão da R. por todos os que com ela se relacionam e nela trabalham foi, e é, reconhecido;
55) A R. sempre manteve as melhores relações com a A., propiciando-lhe as melhores condições de trabalho que estavam ao seu alcance;
56) EE faz a supervisão da cadeia de restauração na generalidade.”
*
B) Discussão
1. Nulidade da sentença
No recurso que apresentou, começa a Recorrente por arguir a nulidade da sentença, ao que dirige as suas conclusões I) a IV, das quais resulta a invocação, na conclusão III, da previsão das alíneas d) e e), e de seguida das alíneas b) e c) – todas do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Porém, visto expressamente o que consta do corpo das alegações, assim o ponto “I- Questão Preliminar – Da nulidade da douta Sentença”, aí apenas consta referência às alíneas d) e e), ao ter-se feito constar o seguinte:
«(…) Do exposto resulta que, sem que a deferida categoria profissional de “Gerente de Restauração” tenha sido pedida e a Ré condenada ao seu reconhecimento, o certo é que o Tribunal considerou tal categoria para fundamentar o invocado incumprimento da Ré, e, consequentemente, o valor da retribuição, correspondente a “gerente de restauração” que incluiu no valor da indemnização, por antiguidade.
Nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e bem assim, por efeito do disposto na alínea e), do mesmo preceito legal, quando “o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido”.
Pelo exposto, atentas as razões invocadas, ressalvado sempre melhor entendimento, deve considerar-se nula a sentença, com as respectivas consequências legais.».
Ou seja, como bem se percebe, em lugar algum aí se faz qualquer referência às alíneas b) e c), estas a que, como se disse, a Recorrente fez também alusão na referida conclusão IV.
Por decorrência do exposto, apenas analisaremos da eventual nulidade da sentença a que aludem as alíneas d) e e), pois que apenas essas são afinal invocadas nas alegações.
Sustentando a Recorrida, em sede de contra-alegações, a não ocorrência de nulidade da sentença, o Tribunal a quo, previamente à subida do recurso, pronunciou-se sobre o invocado, do modo seguinte:
“Ora, como se pode verificar do exposto em sede de sentença, tal reconhecimento resulta do alegado pela A./Recorrida em sede de petição inicial e impugnado pela própria R./Recorrente em sede de contestação quanto à categoria em causa, sendo com base em tal categoria que a A./Recorrida deduziu os pedidos formulados e aos quais o Tribunal se cingiu no dispositivo, pelo que inexiste a invocada nulidade da sentença. Face ao exposto na fundamentação da sentença, considera-se que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não padece a mesma da nulidade invocada pela Recorrente.”
Desde já avançamos que não assiste razão à Recorrente, sendo que, diga-se, tal falta de razão resulta já evidenciada pelo Tribunal a quo, na pronúncia que antecede.
Na verdade, fazendo uma breve abordagem ao que é invocado pela Recorrente, assim desde logo à previsão da d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, tratando-se de vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC[1], socorremo-nos dos ensinamentos de Castro Mendes[2], quando refere que “como factor da regularidade (em certa medida até da validade) da sentença é a adequação da sentença ao pedido e à causa de pedir, e a adequação da sentença aos seus próprios fundamentos, daqui resulta que pedido, causa de pedir e fundamentos são importantes elementos de interpretação da sentença”. No mesmo sentido sublinha Remédio Marques[3] que um dos elementos que mais relevam para a identificação do juízo objetivado na decisão judicial, é o «determinado pelo princípio do pedido (espécie do princípio do dispositivo), no sentido em que deve existir uma necessária correspondência entre o pedido do autor (ou do réu reconvinte) e a pronúncia ínsita na decisão judicial. O tribunal não pode decidir sobre objeto diferente do pedido ou omitir a resolução de questões que lhe foram pedidas pelo autor. O iter genético do objeto do juízo decisório para que se procura um sentido e alcance não pode realizar-se senão por meio de uma comparação entre, por um lado, a decisão judicial e, por outro, o(s) pedido(s) do autor (ou do réu reconvinte). O objeto do juízo decisório está intimamente conexionado com o objeto do processo, em particular com o(s) pedido(s). Enquanto este último é o termo inicial da formação do juízo, a decisão judicial daquele é o termo final», frisando que «Não se trata aqui de operar uma sobreposição extrínseca destes dois atos processuais (pedido constante da petição inicial versus decisão judicial), mas de reconhecer que estes dois extremos (e atos processuais) exibem uma relação em que um não tem sentido sem o outro e que essa relação é constituída por todos os demais atos e operações que conduzem a pretensão processualizada do autor à decisão do magistrado judicial».
Ora, transpondo as considerações anteriores para a situação que aqui apreciamos, constata-se, de resto em vários momentos do que foi invocado expressamente na petição inicial, que a Autora, sustentando que passou a exercer funções de gerente, peticionou que lhe deve ser reconhecida tal categoria – para além do mais, no artigo 138.º invocou expressamente que “Ora, conforme supra se alegou, sendo estas as funções que passou a Autora a desempenhar, pelo menos, desde Março de 2019, deverá ser à Autora reconhecida tal categoria” –, sendo aliás com base no valor salarial referente a essa categoria que contabilizou, na mesma petição inicial, os valores que considerou serem-lhe devidos e que expressamente peticionou a final. De resto, a Ré, na contestação que apresentou, pronunciou-se, mais uma vez de modo expresso, sobre essa matéria e alegação, denotando claramente que bem percebeu a pretensão deduzida pela Autora de lhe ser reconhecida tal categoria de gerente, assim, para além do mais, nos artigos 20.º, 21.º, 30.º, 34.º e 39.º, da contestação (assim: “20º A Autora nunca exerceu funções a que pudesse corresponder a categoria profissional de gerente do estabelecimento”; “21º A Ré nunca atribuiu ou reconheceu à Autora tal categoria profissional”; “30º A Ré jamais ministrou à Autora ordens ou diretivas para exercer funções que pudessem integrar-se ou corresponder à categoria profissional de Gerente de Restauração e bebidas”; “34º A Autora nunca ocupou no organigrama de funcionamento e hierárquico da Ré a categoria profissional de gerente, que indevidamente reclama”; “39º A Autora nunca reclamou da Ré, directamente, nem em qualquer órgão extrajudicial ou judicial, a categoria profissional de gerente, que ora indevidamente reclama, apenas o tendo feito, pela 1ª vez em 23.06.2020”.)
Deste modo, só com alguma dificuldade se compreende que a Ré / recorrente invoque agora, em sede de recurso, que o reconhecimento da categoria profissional de “Gerente de Restauração” não tenha sido objeto de pedido de reconhecimento por parte da Autora, pois que o foi, como se viu, sendo que, com salvaguarda do devido respeito, não consideramos que se imponha, caso o Tribunal se tenha pronunciado expressamente sobre esse reconhecimento na sentença, como no caso se pronunciou, de resto como pressuposto para que depois procedesse à concretização dos créditos que considerou devidos e que faz constar do dispositivo, que tivesse de constar, necessariamente, de modo expresso e autónomo desse dispositivo, condenação expressa da Ré nesse reconhecimento. De facto, para além da circunstância de a sentença não se esgotar no seu dispositivo, devendo ser vista como um todo, assim integrando todas as suas partes, designadamente aquelas que, aí se afirmando verificar-se, são afinal pressuposto do que se fez constar, a final, expressamente do dispositivo, no caso, bem vistas as coisas, aquele reconhecimento, pretendido pela Autora, mais se integra, em termos de invocação, na causa de pedir, ou seja, enquanto ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que invocou e pretendeu fazer valer (legalmente idóneo para o condicionar ou produzir) de receber os créditos que peticionou e que expressamente fez constar no pedido que formulou a final.
Coisa diversa, mas que extravasa já o âmbito da apreciação do vício de nulidade que neste momento efetuamos, é a de saber se ocorreu ou não erro de julgamento, quanto a esse reconhecimento, no âmbito da aplicação do direito, pois que esta questão, tendo já a ver com o mérito, apenas será analisada mais tarde, assim quando procedermos infra a essa análise.
Nos termos expostos, não se considera que a sentença, diversamente do que invoca a Recorrente, padeça dos analisados vícios de nulidade.

2. Matéria de facto
2.1. Recurso sobre a matéria de facto
2.1.1. Critérios de admissibilidade
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, nomeadamente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, o qual, porém, nesses casos, deve observar os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º, do CPC, em que se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[4]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(…) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[5].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[6] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes, da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[7]. Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2016[8]: “(…) Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. (…)”. Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[9] o seguinte: “(…) para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”[10]. Do mesmo modo, agora no Acórdão do mesmo Tribunal de 14 de outubro de 2020[11], que, “pretendendo o recorrente impugnar a decisão do tribunal de 1ª instância, proferida sobre a matéria de facto, perante um tribunal de 2.ª instância, que não intermediou a produção da prova, é razoável que se exija ao recorrente que identifique os pontos de facto que impugna por referência aos articulados, aos temas da prova ou aos factos julgados não provados na sentença, sob pena de não se conhecer do recurso nessa parte”, fundando-se esta exigência “nos princípios do dispositivo e da cooperação, tendo por objetivo a justa composição do litígio”. Afirmando-se, ainda, neste caso no Acórdão de 5 de setembro de 2018[12], que “A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – afirmando-se que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna” –, não deixaremos de esclarecer, por último, que se admite que tal indicação possa ser realizada conjuntamente para mais do que um facto, caso se trate de factos diretamente relacionados.

2.1.2. Aplicação dos critérios antes enunciados
2.1.2.1. Alíneas HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC e DDDDD, da factualidade provada, e pontos 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42 a 56, considerados não provados.
Tendo em consideração o regime antes indicado, a que daremos agora aplicação, constata-se que a Recorrente nas conclusões apenas fez constar o seguinte:
- Conclusão XII: “A Recorrente considera que a decisão da matéria de facto se estribou na íntima convicção do julgador e não na livre convicção, e se mostram incorretamente julgados os factos constantes dos pontos: HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC, DDDDD, da matéria de facto considerada provada, devendo, quanto a eles anular-se o julgamento da mesma e, consequentemente, em consequência ser a mesmo modificada, tendo a decisão da matéria de facto violado o disposto nos artigos 396º do Código Civil e o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 607º do CPC;
- Conclusão XV: “A Recorrente considera que deveriam ter resultados provados os factos considerados não provados constantes dos pontos: 25,26,27,28,29,30 (resultam das funções que integram a categoria profissional previstas no CCT invocado), 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42 a 56 da douta sentença;”
Em face do que resulta das referidas conclusões, torna-se evidente que a Recorrente agrupou a matéria que diz pretender impugnar em grupos alargados de factos, assim um primeiro grupo em que inclui as alíneas “HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC, DDDDD” integradas na factualidade provada, um segundo grupo em que inclui os pontos 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42 a 56 considerados não provados e, por último, um terceiro grupo que inclui as alíneas E) e F) integradas na factualidade provada, sendo que, por outro lado, sequer refere expressamente, quanto ao primeiro desses grupos, qual o sentido da resposta que pretende, ou seja, presumindo-se ser essa a intenção, que devam ser considerados não provados.
Socorrendo-nos também, agora, do que possa resultar do corpo das alegações, assim em termos de se tentar esclarecer a dúvida a que antes aludimos, mas, também, a que pontos de facto em concreto é indicada a prova que se referencia nessas alegações, para além de se constatar que se trata, para não dizermos quase integrais, de extensas transcrições das declarações prestadas, também aí tais indicações de prova são realizadas sempre para um conjunto alargado de factos.
O que referimos anteriormente pode ser constatado designadamente quando refere o seguinte (transcrição):
- “(…) A Recorrente considera que se encontram incorretamente julgados os factos constantes dos pontos: HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC, DDDDD. O Tribunal a quo considerou provados os pontos II A RR com base nas declarações e depoimento da Autora. Consta da respectiva fundamentação que a ora recorrida identificou “expressamente” as funções que passou a exercer como “ sub-gerente de loja no turno em que exercia funções sem a gerente DD”. De harmonia com tais declarações considerou-se na fundamentação de tal matéria de facto que a recorrida explicitou que “ face à necessidade de cumprimento do limite máximo de horas de trabalho diárias prestadas por esta e pela outra “ sub-gerente” HH, era necessário uma “terceira sub-gerente”. Ainda na mesma fundamentação se refere que a recorrida, referiu, ter a DD “perguntado diretamente à Autora se estava interessada em ser sub-gerente e, depois, EE colocou a mesma questão, ao que ela aceitou.” Neste segmento da fundamentação da matéria de facto refere-se que DD e EE desmentiram aquelas afirmações da Autora, mas no julgamento de tal ponto da matéria de facto o Tribunal a quo considerou que os depoimentos destes “face ao horário de trabalho dos vários funcionários da loja e horários de funcionamento desta não se afiguraram a este respeito minimamente credíveis.” Transcrevem-se a este propósito as declarações e depoimento de parte da Autora AA e os depoimentos prestadores em sede de julgamento peladas testemunhas DD e EE. As declarações e o depoimento de parte da Autora AA, prestados na audiência de julgamento ocorrida em 2-7-2021, registado no sistema de gravação digital existente no programa Citius das 14:43:52 a 14:47:42; de 14:48:29 a 16:41:11 e ainda no dia 8 de Julho de 2021 de 09:34:28 a 10:58:53 (…)” – segue-se a transcrição das declarações, de pág. 30 a 98 das alegações;
- “Como resulta do depoimento e das declarações da ora recorrida, supra transcritas, não podem as mesmas serem consideradas nem isentas, nem congruentes, nem precisas e muito menos claras. Basta ter presente que a depoente refere que quem dirigia, orientava fiscalizava e coordenava os serviços do estabelecimento eram 3 pessoas - num universo de 7 trabalhadores - sendo que no período da pandemia não estariam no estabelecimento, mais do que 2 a 3 pessoas, uma vez que este funcionava, única e exclusivamente através das plataformas informáticas, fugindo à regra da experiencia comum e da lógica que em tal estabelecimento pudessem existir 3 gerentes, que a autora/recorrida nomeou serem a DD, a HH e ela mesma a partir de Março de 2019. Contraditoriamente afirmou que os horários era a DD que os fazia, horários estes que eram aprovados pelo supervisor; pretendeu fazer inculcar no Tribunal que havia 3 turnos quanto o estabelecimento funcionava em 2 turnos; deixando na sombra as funções próprias que efetivamente exercia de empregada de balcão principal; pretendendo ter ascendido ao cargo de gerente na sequência de uma conversa – que nunca existiu- com a DD e o EE, que, como se poderá constatar em face dos depoimentos, por eles prestados, negam rotundamente, procurando fazer crer ao Tribunal que existiam 3 turnos, quando o estabelecimento apenas funcionava com 2; afirmando contraditoriamente que fazia inventários todas as semanas quando mais ainda disse que só havia um, que era no final do ano; dando a entender que se ocupava do aprovisionamento, quando este era feito por qualquer funcionário, mediante a aplicação informática interna, não diferenciando, como clareza, os actos materiais próprios das funções de empregada de balcão principal das de gerente de loja; afirmando contraditoriamente que era gerente loja que obedecia às ordens da DD, reconhecendo-a como sua superior hierárquica e que esta quem fazia os horários; socorrendo-se da pessoa de EE, que bem sequer era trabalhador subordinado da Ré/Recorrente para invocar uma promoção, por quem ( quer o EE quer a DD) não tinham competência para o fazer; aludindo a um status de gerência, não de loja, mas por turnos (cfr. depoimento gravado em 01:06:31 do dia 8-7-2021). Pelo teor do depoimento e declarações não deveria, no seu julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo, emprestar ao depoimento interessado da Autora/Recorrida a credibilidade que lhe concedeu, devendo os correspondentes factos considerados provados, assentes em tal depoimento serem considerados não provados; Do depoimento de Parte e das Declarações de parte, do 1º Legal Representante da Ré, CC, prestados na audiência de julgamento ocorrida em 8-7-2021, registados no sistema de gravação digital existente no programa Citius das 11:00:32 às 12:11:44 e das 14:25:41 às 15:35:02 constam os segmentos que seguidamente se transcrevem, para serem considerados não provados os factos considerados provados sob as letras HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC, DDDDD; e para prova dos pontos de facto considerados não provados sob os pontos 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42 a 56 que deveriam ter sido considerados provados (…)” – segue-se transcrição de fls. 100 a 161;
- “Do depoimento da testemunha da recorrida, II prestado na audiência de julgamento ocorrida em 12-7-2021, registado no sistema de gravação digital existente no programa Citius de 09:41:34 a 10:20:15, constam os excertos que seguidamente se transcrevem (…)” – segue-se transcrição, págs. 163 a 180;
- “Do depoimento da testemunha da recorrida, JJ, prestado na audiência de julgamento ocorrida em 12-7-2021, registado no sistema de gravação digital existente no programa Citius das 10:23:00 as 11:06:02., consta, o que seguidamente se transcreve: (…)” – segue-se transcrição, pags. 181 a 197;
- “Do depoimento da testemunha comum, DD prestado na audiência de julgamento ocorrida em 12-7-2021, registado no sistema de gravação digital existente no programa Citius das 11:08:30 a 12:42:42, constam os excertos que, seguidamente se transcrevem, para serem considerados não provados os factos consideradados provados sob as letras HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK,LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC, DDDDD, e para prova dos pontos de facto considerados não provados sob os pontos 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42 a 56 que deveriam ter sido considerados provados. (…)” – segue-se transcrição, págs 199 a 267;
- “O depoimento prestado pela Testemunha comum DD, que o prestou quando já não era funcionaria da recorrente explica, por forma congruente e lógica o modo de funcionamento do estabelecimento da recorrente, referindo que TODOS FAZIAM TUDO NO ESTABELECIMENTO; Explicou que as menções constantes dos horários visavam separar os trabalhadores que iam fazer o balcão e quem ia para a cozinha; Que a expressão “Direcção” apenas significava pessoa a trabalhar ou a “estar no balcão”; Que qualquer funcionário fazia abertura e fecho da loja; que qualquer dúvida que houvesse na gestão do estabelecimento poderia ser resolvida por contacto telefónico; que todos os colaboradores eram responsáveis pela guarda e conservação dos bens; que era o escritório quem controlava as receitas e as despesas do estabelecimento; que a AA não procedia a tal controlo; que quanto a depoente se encontrava de folga era o EE que a substituía; era a depoente quem era responsável pelos inventários semanais e pelos depósitos no cofre, cuja password era do conhecimento de todos os colaboradores do estabelecimento, cofre esse no qual era deixado com o apuro do dia; afirmou que era a depoente quem entregava sempre os recibos aos seus colegas, lhes pedia para assinarem e posteriormente deixava-os no cofre; mais referiu a depoente que quando a sua categoria profissional foi alterada para chefe de balcão, foi a convite do gerente da empresa, CC e que celebrou um novo contrato para o efeito;”
- “Do depoimento da testemunha da recorrida, KK prestado na audiência de julgamento ocorrida em 15-7-2021, registado no sistema de gravação digital existente no programa Citius das 09:46:51 às 10:20:55.,constam os segmentos, que seguidamente se transcrevem: (…)” – segue-se transcrição, págs. 268 a 277;
- “Também o depoimento prestado pela testemunha KK, ao invés do consignado na fundamentação da matéria de facto, não se mostra merecedor de credibilidade que lhe foi atribuída por aquela decisão. O seu depoimento, além de contraditório, em parte, refere ter sido contratada mediante contrato de trabalho não reduzido a escrito (00:02:59 a 00:03:21) e já na parte final do seu depoimento (00:45:27) refere que a sua classificação como empregada de balcão “ era o que estava no meu contrato”; relativamente ao número de funcionários da “ Direcção” refere “ supostamente, na direção existiam (…)”; explicita que na “ Direção” se encontravam duas pessoas e que a DD e a HH se encontravam naquela rúbrica (“Direção”); não tendo apresentada qualquer motivação assente em factos concretos que justificasse a existência de 3 (três) pessoas na “Direção”, limitando-se a escudar-se por forma vaga e infundamentada a dizer que se a recorrente “ entende que aquelas três pessoas são reconhecidas como fazendo parte da direção a mim não me cabe observar isso (…); não explicando as razões da distinção entre funcionários e direção, e omitindo que no “ Horário” surgia como gerente a DD. Do seu depoimento resultam infirmadas as declarações das restantes testemunhas apresentadas pela recorrida quanto a tal distinção já que a que depoente refere (00:31:52) que “ nos fazíamos um bocado de tudo “ e, além disso, o mesmo sucede quanto aos horários praticados pelos gerentes, afirmando que “ os gerentes (…) faziam horário seguido, ou seja, ou faziam manhã ou faziam tarde”, o que evidencia a desnecessidade de um terceiro “ gerente “ ou “ encarregado de turno”. Do depoimento da testemunha comum, BB, prestado na audiência de julgamento ocorrida em 15-7-2021, registado no sistema de gravação digital existente no programa Citius das 10:23:00 às 11:13:37, constam os excertos que, seguidamente se transcrevem, para serem considerados não provados os factos consideradados provados sob as letras HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC, DDDDD, e para prova dos pontos de facto considerados não provados sob os pontos 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42 a 56 que deveriam ter sido considerados provados. (…)” – segue-se transcrição, págs. 278 a 296;
- “Do depoimento da testemunha da Ré, EE prestado na audiência de julgamento ocorrida em 15-7-2021, registado no sistema de gravação digital existente no programa Citius das 10:23:00 a 11:13:37, constam os excertos que, seguidamente se transcrevem, para serem considerados não provados os factos considerados provados sob as letras HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC, DDDDD, e para prova dos pontos de facto considerados não provados sob os pontos 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42 a 56 que deveriam ter sido considerados provados. (…)” – segue-se transcrição, págs. 298 a 214.
Ou seja, mesmo em face do que resulta das alegações, no que se refere à impugnação das alíneas HH, II, KK, LL, MM, NN, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, RRR, VVV, WWWW, XXXX, DDDDD, CCCCC e DDDDD, da factualidade provada, e pontos 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42 a 56, considerados não provados, ressalta à evidência que a prova que é indicada, assim os depoimentos que aí se transcrevem – para além de se tratar de transcrições quase integrais, como o dissemos antes –, genericamente e não, e muito menos de um modo minimamente localizado, para cada um dos factos impugnados (ou pelo menos, o que se admitiria como o dissemos antes, para factos diretamente relacionados). Diversamente, voltamos a repeti-lo, faz-se antes uma indicação claramente genérica e abrangente de um conjunto extenso de factos, aliás acompanhada quase sempre de considerandos sobre temas e não propriamente sobre pontos de facto concretamente identificados.
Este modo de atuar, assim o entendemos, não dá real cumprimento ao ónus antes mencionado de que a prova em que se baseia o recurso seja indicada para cada um dos factos impugnados (ou, sendo mais do que um, desde que esses estejam diretamente relacionados).
Em face do exposto, não se tratando de falta que possa ser suprida através de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, rejeita-se a apreciação do recurso quanto aos referidos factos.

2.1.2.2. Alíneas E), F) e T) constantes da factualidade provada
Na conclusão XVI invoca a Recorrente que “Os Contratos Coletivos de Trabalho, referidos nas alíneas E) e F) da fundamentação de facto (factos assentes por acordo), contrariamente ao consignado na douta sentença, não se mostram admitidos por acordo, tendo sido expressamente impugnados, bem como a sua aplicabilidade, nem o constante dos factos consignados em T), pelo que, ao assim ter decidido, a douta sentença violou o disposto nos artigos 571º, nºs 1 e 2 e 574º, nº 1 e 2, ambos do CPC; e bem assim o disposto nos artigos 9º e 236º, nº s 1 e 2 do Código Civil.”
Importando verificar do cumprimento dos ónus legais de impugnação nesta parte, entendemos que, porque o fundamento da impugnação não se funda em prova que tenha sido indicada, baseando-se antes, nomeadamente, na afirmação de que, contrariamente ao consignado na sentença, o respetivo conteúdo não se mostra admitido por acordo, nada obsta à apreciação, o que faremos pois de seguida.
Estas alíneas têm a redação seguinte:
- “E) Em conformidade com a informação afixada pela R. no seu estabelecimento de restauração, é aplicável à relação laboral estabelecida entre esta e os seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego, nº 47, 22/12/2018; o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado Boletim do Trabalho e Emprego, nº 40, 29/10/2011;”
- “F) É ainda aplicável à relação jurídico-laboral entre a A. e R. o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 28, 29/7/2019;”
- “T) Contudo, não olvidando as acusações feitas, a conduta adoptada, o transtorno, humilhação, preocupação e injúria causados à A., remeteu esta à R. e-mail datado de 12/08/2020, nos termos constantes de fls. 50 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;”
Conta da motivação constante da sentença a seguinte fundamentação:
“Os pontos A) a GG) resultaram demonstrados com base no acordo das partes, sendo o ponto A) com base ainda no teor da certidão permanente de fls. 72 e ss. dos autos. Por outro lado, e no que se refere aos pontos E) e F), foram considerados assentes em virtude de a R. não só não ter impugnado o teor dos artigos 8º a 11º da petição inicial, como ter, expressamente, assumido no artigo 2º da contestação que sempre cumpriu com a A. (logo, considerou os mesmos aplicáveis à relação laboral com esta), todos os deveres resultantes não só do contrato de trabalho como dos instrumentos de regulamentação colectiva invocados pela A., o que comprova a confissão expressa da aplicação destes à relação laboral com a A..
Confissão essa corroborada, como referido pela A. em sede de resposta, pelo alegado nos artigos 28º, 29º, 39º, 41º, 45º, 47º e 48º da contestação, que evidenciam que na relação laboral considerou a R. aplicar, também por mote próprio, o regime previsto em tais IRCT. Acresce ainda ao exposto e que fundamenta a aplicação dos IRCT invocados, a circunstância de, como não pode a R. deixar de saber, as condições de trabalho do contrato colectivo celebrado entre a APHORT e a SITESE e publicado no BTE nº 47, de 22/12/2018, terem sido, por Portaria de Extensão nº 30/2019, de 23/01, estendidas às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não filiados naquela Associação e Sindicato. Face ao exposto, e por manifestamente contraditório com a posição processual manifestada nos termos supra expostos, não se considerou como séria a alegação constante dos artigos 54º e 55º da contestação, até pela Portaria de Extensão supra identificada e que tem a R. obrigação de conhecer. (…)”
Cumprindo-nos apreciar, diremos o seguinte:
Na petição inicial foi alegado (transcrição):
«(…) 8.º Em conformidade com a informação afixada pela Ré no seu estabelecimento de restauração, dever-se-á considerar aplicável à relação laboral estabelecida entre esta e os seus Trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 47, 22/12/2018.
9.º Nesta senda, será aplicável entre Fevereiro de 2017 e Dezembro de 2019 o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 40, 29/10/2011.
10.º Passando a ser desde Janeiro de 2019 até Julho de 2020, aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 47, 22/12/2018, que o substitui.
11.º Atente-se, contudo, que desde Julho de 2020 até à cessação do contrato de trabalho, é aplicável à relação jurídico-laboral entre a Autora e Ré o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 28, 29/7/2019, porquanto se filiou a Autora no SITESE.
(…)
83.º Contudo, não olvidando as acusações feitas, a conduta adoptada, o transtorno, humilhação, preocupação e injúria causados à Autora, afirma esta: “Uma vez mais deparo-me com uma tentativa de metonímia. Informei que o horário tinha sido parcialmente divulgado, não tendo indicado como, por quem e em que circunstância, divulgando somente a parte da informação considerada relevante, assim como o compromisso de resolução célere e não lesiva. (…) Compete unicamente à entidade empregadora aceitar ou recusar processualmente o estatuto de trabalhador-estudante, não tendo o dever, e muito menos o direito, de diligenciar a obtenção de qualquer documento ou colocar questões da esfera privada do trabalhador… (sublinhado nosso).»
Por sua vez, no que a tais artigos se refere, a Ré, na contestação que apresentou, invocou o seguinte (transcrição):
«(…)
2º A Ré sempre cumpriu para com a Autora, pontual e integralmente, todos os deveres resultantes do Contrato Individual de Trabalho, dos Instrumentos de Regulamentação Coletiva invocados pela Autora, bem como todos os deveres e obrigações resultantes da Lei.
3º Impugna-se, por não corresponder à verdade, nem à realidade, e serem falsos, os factos constantes dos artigos: (…) 7º, 12º (…), 83º (quanto ao teor ou conteúdo do segmento do documento aí referido), (…) 250º e 251º da douta Petição Inicial.
(…)
28º A Ré possuiu nos seus quadros uma trabalhadora, DD, classificada e remunerada com a categoria de Chefe de Balcão a quem compete, e competia, ao tempo em que a ora Autora prestava labor para a Ré, superintender e executar os trabalhos de balcão.
29º Ao empregado (a) de balcão, nos termos da definição da respectiva categoria profissional, constante da Convenção Coletiva publicada em BTE nº 47 de 22/12-2018 (4454) compete: (…)
(…)
39º A Autora nunca reclamou da Ré, directamente, nem em qualquer órgão extrajudicial ou judicial, a categoria profissional de gerente, que ora indevidamente reclama, apenas o tendo feito, pela 1ª vez em 23.06.2020.
(…)
41º Tendo presente os grupos, estabelecimentos e empresas previstos no CCT aplicável (Anexo I 1.16) à Autora, era aplicável o grupo C a que correspondia a remuneração de 1 de julho a 31 de Dezembro de 2018 / anexo III e respectiva tabela salarial) a retribuição mensal de €670,00.
(…)
45º Todavia, uma vez que a Autora nunca exerceu funções correspondentes a Subchefe de Cozinha, posteriormente, dado o absurdo da situação, em Outubro de 2019, a Ré reclassificou e remunerou a Autora com a categoria profissional de “Empregada de Balcão Principal” correspondente ao nível de remuneração VI.
(…)
47º A Ré ao agir, pois do modo que agiu, jamais quis lesar os direitos da Autora, antes aplicar, e fazer aplicar, de boa-fé, as pertinentes disposições do instrumento de regulamentação de trabalho citado.
48º A Autora, poderia ter recorrido, e não recorreu, à Comissão de Resolução de Conflitos prevista na cláusula 72º do referido CCT ou à Comissão Paritária prevista na Cláusula 75º do Instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, com vista à resolução de eventual conflito ou em ordem à interpretação das disposições do dito CCT.
(…)
50º A Autora apenas se filiou no Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo (doravante SITESE), no mês de Julho de 2020, data em que o referido SITESE enviou à Ré uma declaração escrita subscrita pela Autora, datada de 30 de Julho de 2020, solicitando a dedução da quota e a sua remessa para o referido Sindicato, tudo conforme melhor consta do teor do referidos documentos, que se juntam e aqui se dão por reproduzido DOCS . 7-A e 7-B.
51º A Declaração que então foi remetida à Ré (preenchida manualmente pela Autora) não continha o número de associada nem a respectiva categoria profissional.
52º A Ré, como lhe competia, solicitou então ao SITESE que fosse complementada essa informação em falta.
53º O SITESE através do seu email datado de 4 de Agosto de 2020 indicou, então, à Ré o número de associada, tendo referido que o seu número era o 138911, da Autora e como categoria profissional a de Empregada de Balcão Principal, indicada pela Autora, e não a de Gerente, que a Autora, ora se arroga., tudo conforme melhor consta do teor do referido documento, que se junta e aqui se dá por reproduzido DOC. 7-C.
54º Do exposto resulta que as disposições do contrato invocado pela Autora, nos artigos 8º, 9º, 10º e 11º, ou seja, as constantes da Convenção Coletiva publicada no Boletim do Trabalho e emprego nº 47º de 22-12-2018, págs. 4422 e a 4465, são inaplicáveis à relação laboral, porquanto, conforme consta do respectivo âmbito de aplicação, as referidas convenções colectivas de trabalho apenas abrangem os trabalhadores ao serviço das empresas representadas pela APHORT e “os trabalhadores ao seu serviço representados pelo Sindicado dos Trabalhadores e técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE”.
55º Como a Autora apenas se filiou no SITESE em 20 Agosto de 2020, é óbvio que as invocadas convenções coletivas de trabalho são absolutamente inaplicáveis à relação material controvertida até àquela data.
56º Mas, ainda que assim se não entendesse, pelas invocadas razões, alegadas supra, a Autora não é titular de quaisquer diferenças salariais, nem de quaisquer direitos que peticiona, designadamente a título de indemnização referente à ilícita resolução do contrato de trabalho outros invocados créditos laborais e respectivos juros peticionados,
(…)»
Ora, cumprindo-nos apreciar, sendo verdade que a Ré, não tendo impugnado expressamente no artigo 3.º da contestação o alegado nos artigos 8.º a 11.º da petição inicial, sustentando também, como o refere no presente recurso, assim nomeadamente no artigo 54.º, que “as disposições do contrato invocado pela Autora, nos artigos 8º, 9º, 10º e 11º, ou seja, as constantes da Convenção Coletiva publicada no Boletim do Trabalho e emprego nº 47º de 22-12-2018, págs. 4422 e a 4465, são inaplicáveis à relação laboral” – “porquanto, conforme consta do respectivo âmbito de aplicação, as referidas convenções colectivas de trabalho apenas abrangem os trabalhadores ao serviço das empresas representadas pela APHORT e “os trabalhadores ao seu serviço representados pelo Sindicado dos Trabalhadores e técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE” –, no entanto, o que também se constata, tal como o Tribunal a quo o salienta na motivação antes transcrita, é que em outros artigos dessa mesma contestação alude expressamente que esse instrumento, incluindo no sentido que que o aplicou às relações laborais, como o evidencia o que expressamente referiu nos artigos 29.º, 39.º, 41.º, 45.º, 47.º e 48.º, do que resulta, assim o consideramos também, que a própria Ré, como mais uma vez se explicita na fundamentação do Tribunal, invocou que aplicou, “também por mote próprio, o regime aí previsto, apresentando-se assim como contraditório, em face da aludida invocação por parte da Ré, a posição que depois assume nos artigos 54.º e 55.º da contestação. Na verdade, se a própria Ré invocou anteriormente tal aplicabilidade às relações laborais, sem esquecermos, aliás, que em momento algum impugnou expressamente a alegação da Autora constante do artigo 8.º de que a aplicação do CCT publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego n.º 47 de 22/12/2018 resultava de informação pela mesma afixada no seu estabelecimento de restauração, então o que depois invoca nos referidos artigos 54.º e 55.º contraria o que antes aceitou nos demais artigos antes mencionados.
Porém, e não obstante o que referimos anteriormente, consideramos que o conteúdo das referidas alíneas E) e F), ao referir-se expressamente que “é aplicável à relação laboral” e “é ainda aplicável à relação jurídico-laboral”, comporta já, nessa parte, uma pura afirmação de direito, assim referente a serem aplicáveis tais CCT, a qual, enquanto tal, não deve ter assento na factualidade provada. Coisa diversa, pois que nesse âmbito se configura ainda com a natureza factual, é o ter a Ré afixado no seu estabelecimento de restauração a informação de que é aplicável à relação laboral estabelecida entre a mesma e os seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego, nº 47, 22/12/2018 e o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado Boletim do Trabalho e Emprego, nº 40, 29/10/2011. É que, tendo a natureza de facto a afixação dessa informação, coisa diversa será o saber-se se são ou não aplicáveis, como daquela resulta, os CCT aí referenciados, sendo que aqui estaremos já no âmbito da aplicação do direito.
Em face do exposto, eliminando-se a alínea F), a alínea E) passa a ter a redação seguinte:
“E) A Ré afixou, no seu estabelecimento de restauração, informação de que aplica à relação laboral que estabelece com os seus trabalhadores: o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego, nº 47, 22/12/2018; o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado Boletim do Trabalho e Emprego, nº 40, 29/10/2011;”

Por último, repostando-nos agora à alínea T) da factualidade provada – “Contudo, não olvidando as acusações feitas, a conduta adoptada, o transtorno, humilhação, preocupação e injúria causados à A., remeteu esta à R. e-mail datado de 12/08/2020, nos termos constantes de fls. 50 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida” –, resultando o seu conteúdo do que teria sido alegado pela Autora no artigo 83.º da petição inicial – “Contudo, não olvidando as acusações feitas, a conduta adoptada, o transtorno, humilhação, preocupação e injúria causados à Autora, afirma esta: “Uma vez mais deparo-me com uma tentativa de metonímia. Informei que o horário tinha sido parcialmente divulgado, não tendo indicado como, por quem e em que circunstância, divulgando somente a parte da informação considerada relevante, assim como o compromisso de resolução célere e não lesiva. (…) Compete unicamente à entidade empregadora aceitar ou recusar processualmente o estatuto de trabalhador-estudante, não tendo o dever, e muito menos o direito, de diligenciar a obtenção de qualquer documento ou colocar questões da esfera privada do trabalhador… (sublinhado nosso” –, constatando-se que a Ré, assim no artigo 3.º da contestação, apenas referiu que impugna, por não corresponder à verdade, nem à realidade, e ser falso, o facto constante do artigo “83º (quanto ao teor ou conteúdo do segmento do documento aí referido)”, daí resulta, importa dizê-lo, que tal modo de impugnar apenas abrange “o teor ou conteúdo do segmento do documento aí referido”, do que resulta, assim, que o mesmo já não ocorre com o demais, mais precisamente com a parte com que se inicia o referido artigo 83.º, ou seja “contudo, não olvidando as acusações feitas, a conduta adoptada, o transtorno, humilhação, preocupação e injúria causados à Autora”.
Sendo verdade o que se referiu anteriormente, no entanto importa ter presente que, nessa parte do referido artigo, assim no que não diz respeito ao conteúdo da comunicação da Autora aí mencionada, estão em causa meras afirmações genéricas e conclusivas, assim quando se refere “não olvidando as acusações feitas, a conduta adoptada, o transtorno, humilhação, preocupação e injúria causados à Autora”, afirmações essas que, estando aliás baseadas em factualidade que a Autora alegou noutros artigos (desde logo anteriores) e que foi expressamente impugnada pela Ré, não devem ter assento na factualidade provada.
Como evidencia Anselmo de Castro[13], sendo “factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, mais acrescentando, ainda, que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos)”. No entanto tal “importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”.
Do mesmo modo, no âmbito da Jurisprudência, designadamente dos tribunais superiores, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça, tem sido entendimento que temos como pacífico que as conclusões ou juízos valorativos apenas devem / podem extrair-se de factos materiais, devidamente concretizados, que, tendo sido alegados, tenham sido objeto da instrução e discussão da causa, sendo como base nesses que, mas já em momento posterior, assim aquando da aplicação do direito, devem depois ser formuladas tais conclusões ou juízos valorativos. Refere-se no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2021[14], a esse respeito, citando-se Helena Cabrita[15], que “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.
E, sendo assim, nos casos em que o tribunal de 1.ª instância não observe o regime antes mencionado, ou seja, quando se tenha pronunciado em sede de matéria de facto sobre tais afirmações conclusivas, deve essa pronúncia ter-se por não escrita.
Aplicando, pois, ao caso o regime antes enunciado, expurgando-se tais menções, a alínea T) da factualidade provada passa a ter a redação seguinte:
“T) A A. remeteu à R. e-mail datado de 12/08/2020, nos termos constantes de fls. 50 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida”.

2.2. Intervenção oficiosa
Incluindo-se, dentro dos poderes atribuídos no artigo 662.º, também a possibilidade de intervenção oficiosa pelo Tribunal da relação, consideramos que essa intervenção se justifica, pois que se constata que foram inseridas na matéria de facto algumas menções genéricas e conclusivas, com relevância para a aplicação do direito, que justificam que chamemos à aplicação o regime a que, nesse âmbito, fizemos expressa referência no ponto anterior – e que por essa razão nos dispensamos de aqui repetir.
É o que ocorre com as alíneas seguintes:

Alínea II), da factualidade:
Fazendo-se constar, na alínea II), “Foram atribuídas à A., a partir de Março de 2019, as funções de responsável por tarefas de gestão e direcção do estabelecimento de restauração e respectivo trabalhadores na pendência do seu turno”, tal traduz-se em mera conclusão do que, diga-se, se fez constar da alínea LL) sobre quais as tarefas concretas que a Autora exercia.
Porque assim é, eliminando-se tal conclusão, a alínea II) passa a ter a redação seguinte:
“II) A partir de Março de 2019, foram atribuídas à A. as funções referidas na alínea LL).”

Alínea SS, da factualidade:
Inserindo-se, nesta alínea, as expressões “de direção” e “funções que não correspondem à sua categoria profissional, que, mais uma vez, se traduzem em conclusões ou juízos valorativos, de resto que envolvem a aplicação do direito no caso, assim o saber-se se as tarefas eram ou não de “direção” e se estavam ou não integradas na categoria da Autora.
Importa, pois, que se excluam tais expressões, passando assim esta alínea a ter a redação seguinte:
“SS) Ao retomar o trabalho em Agosto de 2020, a A. deparou-se com a impossibilidade de continuar a exercer as funções que antes exercia, tendo sido obrigada a prestar funções de cozinha.”

Alínea VV), da factualidade:
Utilizando-se aqui a expressão “de carácter inferior, que envolve mais uma vez um juízo valorativo que importa excluir, estando em causa as funções referidas na alínea SS), a alínea VV) passa a ter a redação seguinte:
“VV) A R. atribuiu à A. as funções referidas em SS) com vista a menosprezar o seu trabalho e a criar pressão na mesma para que esta, voluntariamente, se afastasse a título definitivo da empresa;”

Alínea FFF), da factualidade:
A utilização da expressão “acusações dirigidas pela R. à A.” envolve, mais uma vez, um juízo valorativo, com relevância na aplicação do direito, sobre o conteúdo dos emails juntos a fls. 50 a 53 dos autos, razão pela qual, excluindo-se esse juízo, esta alínea passa a ter a redação seguinte:
“FFF) O conteúdo dos emails juntos a fls. 50 a 53 dos autos provocou na A. um sentimento de ofensa e tristeza;”

Alínea RRR), da factualidade:
A afirmação “sem qualquer tipo de fundamento” envolve já um juízo, com relevância jurídica, quanto à atuação da Ré, assim sobre se saber se tem ou não fundamento.
Daí que, excluindo-se tal juízo, esta alínea passa a ter a seguinte redação:
“RRR) A R., sem qualquer tipo de comunicação, a partir de Janeiro de 2020, deixou de pagar tal montante;”

Alínea VVV), da factualidade:
O regime a que nos reportámos anteriormente é aplicável à utilização da expressão “psicologicamente, razão pela qual passa a constar desta alínea:
“VVV) A estratégia da R. a partir de Agosto de 2020 passava por atormentar a A. de tal forma que esta, debilitada com a redução das suas funções, com a falta de reconhecimento dos seus direitos retributivos e proposta para aceitação de acordo, fizesse cessar o contrato de trabalho;”

Alínea AAAA), da factualidade:
A redação desta alínea, do modo como consta, designadamente ao ter-se utilizado a expressão “sempre” apenas reportada às funções “correspondentes à categoria profissional para que foi contratada – Empregada de Balcão”, para além de conclusiva quanto à menção a essa categoria, pode induzir também em erro, pois que não se refere expressamente às demais funções que foram exercidas pela Autora, em particular o que consta das alíneas II) e LL).
Sendo assim esta alínea passa a ter a redação seguinte:
“AAAA) A A. exerceu as suas funções no quadro da especificidade do estabelecimento comercial da R., cujo funcionamento bem conhecia e aceitou;”

Alínea AAAAA), da factualidade:
O conteúdo desta alínea é na sua totalidade conclusivo, assim o saber se a Autora pode ou não exercer simultaneamente mais do que uma atividade laboral, cuja resposta envolve também a aplicação do direito.
Daí que se exclua esta alínea na sua totalidade.

Alínea CCCCC), da factualidade:
O regime a que nos reportámos anteriormente é também aplicável à utilização da expressão “um sadio ambiente de trabalho”, passando esta alínea, por essa razão a ter a redação seguinte:
“CCCCC) A A. ficou triste com o ocorrido, nos termos das alíneas anteriores, durante o mês de Agosto de 2020.”

Alínea DDDDD), da factualidade, com a redação seguinte:
“DDDDD) Em sede de contestação, a R. impugnou a veracidade dos factos constantes dos pontos II), LL), NN), PP) a TT), VV), XX), AAA) a DDD), HHH), III), KKK), NNN), PPP), QQQ).”
Prendendo-se a justificação da inclusão desta alínea, como o avança o Tribunal a quo, em face da motivação, com a apreciação da má fé, no entanto, salvo o devido respeito, essa apreciação apenas pode/deve ser realizada pelo Tribunal, o que aliás envolve um puro juízo conclusivo – tendo presente o que foi invocado na contestação e o que resultou provado em audiência de julgamento, assim designadamente nas alíneas a que se alude –, mais tarde, assim precisamente no momento em que se aprecie tal questão, não se tratando pois de facto que deva ser incluído no elenco factual provado, por não ter essa natureza.
Elimina-se, pois, o conteúdo desta alínea.

2.3. Pelas razões que anteriormente referimos, o elenco factual a atender para dizermos o Direito do caso é aquele que como tal foi considerado em 1.ª instância, com as alterações seguintes:
“(…)
E) A Ré afixou, no seu estabelecimento de restauração, informação de que aplica à relação laboral que estabelece com os seus trabalhadores: o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego, nº 47, 22/12/2018; o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado Boletim do Trabalho e Emprego, nº 40, 29/10/2011;”
F): (eliminada)
(…)
T) A A. remeteu à R. e-mail datado de 12/08/2020, nos termos constantes de fls. 50 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida”.
(…)
II) A partir de Março de 2019, foram atribuídas à A. as funções referidas na alínea LL). (alterada)
(…)
SS) Ao retomar o trabalho em Agosto de 2020, a A. deparou-se com a impossibilidade de continuar a exercer as funções que antes exercia, tendo sido obrigada a prestar funções de cozinha. (alterada)
(…)
VV) A R. atribuiu à A. as funções referidas em SS) com vista a menosprezar o seu trabalho e a criar pressão na mesma para que esta, voluntariamente, se afastasse a título definitivo da empresa; (alterada)
(…)
FFF) O conteúdo dos emails juntos a fls. 50 a 53 dos autos provocou na A. um sentimento de ofensa e tristeza; (alterada)
(…)
RRR) A R., sem qualquer tipo de comunicação, a partir de Janeiro de 2020, deixou de pagar tal montante; (alterada)
(…)
VVV) A estratégia da R. a partir de Agosto de 2020 passava por atormentar a A. de tal forma que esta, debilitada com a redução das suas funções, com a falta de reconhecimento dos seus direitos retributivos e proposta para aceitação de acordo, fizesse cessar o contrato de trabalho; (alterada)
(…)
AAAA) A A. exerceu as suas funções no quadro da especificidade do estabelecimento comercial da R., cujo funcionamento bem conhecia e aceitou; (alterada)
(…)
Alínea AAAAA): (excluída)
(…)
CCCCC) A A. ficou triste com o ocorrido, nos termos das alíneas anteriores, durante o mês de Agosto de 2020; (alterada)
DDDDD): (eliminada)”

3. O Direito do caso
3.1. Introito delimitativo do recurso
Em face do que resulta das conclusões apresentadas pela Recorrente, que como o dissemos já, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, delimitam o âmbito do nosso conhecimento, são as seguintes as questões levantadas:
- Ao considerar aplicáveis à relação, sub judice, os CCT´s referidos na sentença – assim: “até ao dia 28-1-2019, as cláusulas 1ª e 2ª (âmbito e âmbito subjetivo) do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado Boletim do Trabalho e Emprego, nº 40, 29/10/2011”; “até ao dia 28-1-2019, data em que entrou em vigor a Portaria de Extensão nº 30/2019 de 23 de Janeiro, o disposto nas cláusulas 1ª e 2ª (âmbito e âmbito subjetivo) do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 47, 22/12/2018”; “até ao dia 28-1-2019, a cláusula 1ª do o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 28, 29/7/2019;” –, a sentença violou as normas constantes de tais cláusulas, pelo que, diz, deve consequentemente ser revogada;
- A sentença parte do pressuposto – erróneo - de que existindo, no estabelecimento da Ré, trabalho por turnos, por cada turno, deve existir um “Gerente de Restauração e Bebidas”, sendo que tal categoria profissional respeita ao Estabelecimento Comercial e não a trabalho prestado por turnos, sendo que, a serem considerados aplicáveis, a partir de 28-1-2019 (data da publicação da Portaria de Extensão daqueles) os Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho referidos na sentença, apenas se prevê, para o estabelecimento um gerente, sendo que em lado algum se dispõe que, existindo trabalho por turnos, para cada um deles deva existir um “Gerente de Restauração e Bebidas”, pelo que, diz, violou a sentença o disposto no anexo II, dos CCT´S nela invocados;
- Resulta da matéria de facto provada que a recorrida não praticava os atos materiais integradores da Categoria Profissional de “Gerente de Restauração e Bebidas” definidas no nº 3, do anexo IV, dos referidos CCT´S, pelo que a douta sentença violou o consignado no nº 3 do referido Anexo;
- Não se provaram factos concretos culposos suscetíveis de, pela sua gravidade e consequências, determinarem a impossibilidade definitiva e prática de subsistência do contrato de trabalho da Autora, sendo que, ainda que assim se não entendesse, sempre teria ocorrido caducidade do invocado direito à resolução do contrato de trabalho, tendo a sentença violado o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333º do Código Civil e nº 1 do artigo nº 395º do Código do Trabalho;
- Deve declarar-se que a Recorrida fez cessar a relação laboral, sem justa causa de despedimento, e a Reconvenção ser julgada provada e procedente;
- Na aplicação e interpretação da Lei, a “sentença não considerou as condições de tempo e as concretas circunstâncias decorrentes da situação de pandemia e a natureza do estabelecimento comercial da recorrente, que a situação sub judice ocorreu, tendo violado o disposto nos n º s 1 e 3 do artigo 9º do Código Civil”;
- A sentença ao concluir pela “efetiva existência de litigância de má-fé por parte da Ré”, “cometeu grave injustiça, pelo que a Ré, contrariamente ao naquela invocado, nem atuou com dolo ou negligencia grave, nem deduziu oposição, cuja falta de fundamento não devia ignorar; não alterou a verdade dos factos, nem omitiu factos relevantes para a decisão da causa (ao invés sempre cooperou prontamente com lealdade e verdade para com o tribunal); nem fez do processo, ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, não tendo violado o disposto nas alíneas a), b) e d) do nº 2 do artigo 542º do CPC, pelo que, também a este título, a douta sentença deve ser revogada e, consequentemente não ser a Ré declarada como ligante de má-fé, nem condenada no pagamento da multa e na indemnização no valor €371 (trezentos e setenta um euros), aliás, sustentada, na inusitada fundamentação segundo a qual a Autora “ apresentou articulado de resposta para se pronunciar sobre a versão da Ré, bem como o tempo despendido em audiência de julgamento”.
Defendendo a Apelada a adequação do julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto desta Relação, de seguida passaremos ao conhecimento das delimitadas questões.

3.2. Apreciação das questões colocadas
3.2.1. Invocada inaplicabilidade de instrumentos de regulamentação coletiva
Da sentença recorrida apenas se fez constar, quanto a esta questão, que “(…) como resulta dos pontos E) e F) dos factos dados como provados, é aplicável à relação laboral os CCT aí identificados”.
Divergindo a Recorrente do modo como foi feita a aplicação dos CCT invocados na sentença, desde já avançamos que não lhe assiste razão, pelas razões seguintes:
Não obstante a eliminação da alínea F), porque o CCT a que essa reportava revê, como do mesmo consta, parcialmente o CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 47, de 22 de dezembro de 2018, celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo - SITESE, porque é a própria Ré que, como resulta da alínea E) da factualidade, publicitando aliás essa aplicação no estabelecimento, que refere esse aplicar – como ainda do CCT celebrado entre a APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado Boletim do Trabalho e Emprego, nº 40, 29/10/2011 – à relação laboral estabelecida entre ela e os seus trabalhadores, em que se inclui assim a Autora, carece de sustentação o apelo que faz quer ao momento em que esta última se sindicalizou, quer ainda a portaria de extensão.
Na verdade, com salvaguarda do devido respeito, independentemente dessa filiação e ou publicação de portaria de extensão, que poderia relevar, designadamente para os efeitos que refere, na falta de expressa aceitação pela sua parte, em geral aos seus trabalhadores, da aplicabilidade dos referidos CCT, porém, no caso, como se provou, ocorreu essa aceitação, pois que foi a própria Ré, aqui Recorrente, de mote próprio, a assumir, publicitando aliás essa sua posição e dando assim expresso conhecimento aos seus trabalhadores, a aplicação daqueles instrumentos, razão pela qual, assim o entendemos, aquela aceite aplicação se deva ter por integrada no contrato e relação laboral, carecendo assim de fundamento a sua pretensão, no presente recurso, de, contrariando a sua referida atuação anterior, ver aquela afastada.
Deste modo, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso quanto a esta questão.

3.2.2. Questão da categoria profissional da Autora
Da sentença recorrida consta, sobre esta questão, o seguinte:
“(…) Alega a A. que, a partir de Março de 2019 passou a exercer funções de gerente de restauração e bebidas, que de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entes a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no do Boletim do Trabalho e Emprego, nº 47, 22/12/2018, em vigor àquela data, tal categoria profissional é remunerada de acordo com o nível IX – C, ou seja, € 950,00 até 31/06/2019 e € 969,00 a partir de tal data (por força da alteração operada pela revisão do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 28, 29/7/2019, que estabelece, na sua cláusula 4ª nº 2, quanto à remuneração, a sua aplicação após 01/07/2019). De acordo com o CCT de 2018, esta categoria tem as suas funções definidas no Anexo IV, ponto 5.3, como sendo “dirige, orienta, fiscaliza e coordena os serviços dos estabelecimentos ou secções de comidas ou bebidas; efetua ou supervisiona a aquisição, guarda e conservação dos produtos perecíveis e outros, vigiando a sua aplicação e controlando as existências e inventários; elabora as tabelas de preços e horários de trabalho; acompanha e executa o funcionamento dos serviços e controla o movimento das receitas e despesas; exerce a fiscalização dos custos e responde pela manutenção do equipamento e bom estado de conservação e higiene das instalações; ocupa-se ainda da reserva de mesas e serviço de balcão, da receção de clientes e das suas reclamações sendo, responsável pela apresentação e disciplina dos trabalhadores sob as suas ordens”.
Ora, nos presentes autos, ficou demonstrado que (cfr. pontos I, II, LL e AAAA dos factos provados):
- A A., aquando do início da sua relação laboral com a R., exercia as funções de Empregada de Balcão, sendo responsável, entre outras, pelas funções de atendimento de clientes ao balcão, por acautelar o respectivo serviço da secção, pela realização de reposição de alimentos e bebidas, por proceder ao recebimento de pagamentos e facturação, sem prejuízo de outras funções;
- Foram atribuídas à A., a partir de Março de 2019, as funções de responsável por tarefas de gestão e direcção do estabelecimento de restauração e respectivo trabalhadores na pendência do seu turno;
- Em concreto, a A. exercia, sem prejuízo das funções de empregada de balcão, as seguintes: era responsável pela abertura e fecho de loja; dirigia, orientava, fiscalizava e coordenava os serviços do estabelecimento; efectuava a aquisição de bens perecíveis; realizava inventários semanais; acompanhava o funcionamento do serviço, controlando o movimento de receitas diário, quer através de aplicação móvel, quer através de facturas em papel; respondia pela conservação e higiene das instalações; geria reclamações de clientes, sendo ainda responsável pela apresentação e disciplina dos trabalhadores sob as suas ordens, na pendência do seu turno de trabalho;
- A A. sempre exerceu funções correspondentes à categoria profissional para que foi contratada – Empregada de Balcão – no quadro da especificidade do estabelecimento comercial da R., onde exercia funções, cujo funcionamento bem conhecia e aceitou.
Verifica-se, assim, que em cumulação com as funções de empregada de balcão, a A. exerceu também, desde Março de 2019, nos respectivos turnos, as funções referentes à categoria profissional de gerente de restauração e bebidas infra sublinhadas, de entre as descritas em abstracto no CCT supra mencionado: “dirige, orienta, fiscaliza e coordena os serviços dos estabelecimentos ou secções de comidas ou bebidas; efetua ou supervisiona a aquisição, guarda e conservação dos produtos perecíveis e outros, vigiando a sua aplicação e controlando as existências e inventários; elabora as tabelas de preços e horários de trabalho; acompanha e executa o funcionamento dos serviços e controla o movimento das receitas e despesas; exerce a fiscalização dos custos e responde pela manutenção do equipamento e bom estado de conservação e higiene das instalações; ocupa-se ainda da reserva de mesas e serviço de balcão, da receção de clientes e das suas reclamações sendo, responsável pela apresentação e disciplina dos trabalhadores sob as suas ordens”.
Considerando a caracterização do estabelecimento em causa, nos termos resultantes dos pontos AA) a GG) dos factos provados, as funções abstractas referentes a secções de comidas, reserva de mesas e recepção de clientes não é aplicável.
Conclui-se, assim, que a A. exerceu a maioria das funções destinadas a gerente de restauração e bebidas, as quais, considerando que as exerceu desde Março de 2019 até ao início do período de lay-off, em Março de 2020, ou seja, durante um ano, não assumem um carácter meramente provisório ou acessório, a que acresce o facto de a A. exercer em simultâneo as funções de empregada de balcão não ter qualquer interferência para o efeito, não se podendo, face ao exposto, considerar que se tratou de funções acessórias às de empregada de balcão, pelo que ocorreu uma efectiva alteração definitiva da categoria profissional da A..
Saliente-se, ainda, que como ficou demonstrado a A. exercia estas funções nos seus turnos, motivo pelo qual o facto da trabalhadora DD também as exercer, no turno respectivo, não interfere com o que se referiu acima quanto à categoria da A., já que estamos a falar de trabalhadoras distintas com funções similares em diferentes períodos laborais (turnos distintos).
Deveria, assim, a R. ter remunerado a A. de acordo com esta categoria, a partir de Março de 2019, ou seja, com a retribuição mensal de € 950,00 (não se considerando a actualização para € 969,00 desde 01/07/2019 uma vez que não foi referido para este efeito), tendo sempre recebido retribuição de valor inferior, o que se repercutiu também nos subsídios de férias e de Natal. (…)”
Argumenta a Recorrente que, partindo a sentença do pressuposto de que existindo no estabelecimento trabalho por turnos deve existir por cada turno um “Gerente de Restauração e Bebidas”, tal pressuposto é errado, pois que, diz, essa categoria profissional respeita ao estabelecimento comercial e não a trabalho prestado por turnos – mais acrescentando que nos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho referidos na sentença apenas está previsto para o estabelecimento um gerente, em lado algum se dispondo que, existindo trabalho por turnos, para cada um deles deva existir um “Gerente de Restauração e Bebidas” –, sendo que, por último, refere que resulta da matéria de facto provada que a Autora não praticava os atos materiais integradores dessa categoria.

3.2.2.1. Com o objetivo de apreciar a questão concreta que nos é colocada à luz do Direito, por apelo àquele que foi o entendimento do Tribunal a quo e que no presente recurso é objeto de censura, importa que façamos algumas considerações prévias, que temos por necessárias, para melhor se aferir da adequação ou não do sentido decisório afirmado na sentença.
Desde logo, por referência ao quadro normativo e regulamentação coletiva aplicáveis, que é como o dissemos antes o afirmado na sentença, para dizermos, em traços gerais, tendo presente que o trabalhador deve em princípio exercer as funções correspondentes à atividade para que foi contratado – como já resultava do n.º 1 do artigo 22.º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT) ao prever que “o trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado”, regra essa que, apenas com alterações de redação mas sem relevância de sentido, passou primeiro para o n.º 1 do artigo 151.º do Código do Trabalho de 2003 (CT/2003) e no Código atual (CT/2009) para o seu artigo 118.º – , então, como tem sido afirmado pela jurisprudência, definindo-se a posição do trabalhador na organização empresarial em que se insere pelo conjunto de serviços e tarefas que forma o objecto da sua prestação de trabalho, esta posição, assim estabelecida, traduz afinal a qualificação ou categoria do trabalhador, sendo com base nesta que se dimensionam alguns dos respetivos direitos e garantias. Essa categoria, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 2014[16], assume “a natureza de conceito normativo, no sentido em que circunscreve positiva e negativamente as funções a exercer em concreto pelo trabalhador, ou, noutros termos, que nela se subsumem as tarefas prometidas e se excluem actividades diferentes, e, por conseguinte, se estabelece uma relação de necessidade entre o exercício de certa função e a titularidade de certa categoria.”
Por outro lado, como se refere nos mesmo Aresto e é também entendimento unânime da jurisprudência, importa ter presente que a categoria profissional de um determinado trabalhador se afere não em razão do nomen júris atribuído pelo empregador e sim em razão das funções exercidas efetivamente pelo trabalhador – obedecendo deste modo a categoria ao princípio da efetividade e não pois ao nomen júris que as partes entendam por bem atribuir ao vínculo que celebram –, importando no entanto, para tais efeitos, ter presente – em conjugação, como se refere no mesmo Acórdão – “a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão”.

3.2.2.2. Dentro do referido enquadramento, importando verificar se o mesmo foi atendido na sentença recorrida, constatando-se que nessa se mencionou apenas expressamente a circunstância de aí se ter concluído, em face da factualidade provada, que a Autora “exerceu a maioria das funções destinadas a gerente de restauração e bebidas” – mais se afirmando, por um lado, que essas funções, por terem sido exercidas “desde Março de 2019 até ao início do período de lay-off, em Março de 2020, ou seja, durante um ano, não assumem um carácter meramente provisório ou acessório”, e, por outro, que o facto de terem sido exercidas “em simultâneo as funções de empregada de balcão” não tem “qualquer interferência para o efeito, não se podendo, face ao exposto, considerar que se tratou de funções acessórias às de empregada de balcão, pelo que ocorreu uma efectiva alteração definitiva da categoria profissional da A.” –, importa que esclareçamos, o que acrescentaremos no presente acórdão, que as funções que efetivamente a Autora passou a exercer, para além das que exercia antes de empregada de balcão, correspondem àquelas que integram a categoria de “gerente de restauração e bebidas”, assumindo-se aliás também como sendo, dentro de todas as que integram essa categoria, assim o consideramos, o seu núcleo funcional essencial, ou seja o que carateriza tal categoria, em particular o facto de orientar, coordenar, acompanhar e fiscalizar o funcionamento dos serviços do estabelecimento, controlando ainda o movimento de receitas diário, respondendo pela conservação e higiene das instalações, gerindo as reclamações de clientes e sendo também responsável pela apresentação e disciplina dos trabalhadores sob as suas ordens.
Neste contexto, voltando a assinalar-se que a categoria profissional de um determinado trabalhador se afere não em razão do nomen júris atribuído pelo empregador e sim em razão das funções exercidas efetivamente pelo trabalhador, em face do que se referiu anteriormente pode assim dizer-se que, no caso, as referidas funções, exercidas pela Autora, mas sem prejuízo das que também exercia de empregada de balcão, se traduzem na maioria daquelas que integram a categoria de “gerente de restauração” e, como esclarecemos antes, também o seu núcleo essencial e determinante. Diga-se ainda que, estando provado o exercício pela Autora dessas funções, que como o vimos se integram na referida categoria de “gerente”, tal não colide, salvo o devido respeito, respondendo-se assim aos argumentos da Recorrente a esse respeito, de que o fossem apenas porventura nos turnos da Autora, como ainda que a supervisão do estabelecimento comercial fosse efetuada por um supervisor e que a Ré possuísse nos seus quadros uma trabalhadora, classificada e remunerada com a categoria de Chefe de Balcão, a quem compete, e competia, ao tempo em que a ora Autora prestava a sua atividade para a Ré, superintender e executar os trabalhos de balcão, nos respetivos turnos. Como ainda, por outro lado, ainda, também não procede o argumento de que nos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho apenas esteja prevista a existência de um gerente para o estabelecimento – e não que, existindo trabalho por turnos, para cada um deles deva existir um gerente –, pois que, mais uma vez com salvaguarda do respeito devido por tal entendimento, consideramos que, ainda que porventura resultasse efetivamente da factualidade provada o exercício dessas mesmas funções por mais do que uma pessoa – e consideramos que tal não se verifica (incluindo, pois, quanto às funções exercidas pelas pessoas que se indicam) –, não se nos afigura que os Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho apenas prevejam a existência de um gerente para o estabelecimento, sendo que, diversamente, nada resulta daqueles que o imponha, estando antes previstas as várias categorias, no que aqui importa, para os estabelecimentos de restauração e bebidas, para além aliás designadamente das de “Diretor de restaurante”, quanto às de “Gerente de restauração e bebidas”, que este: “Dirige, orienta, fiscaliza e coordena os serviços dos estabelecimentos ou secções de comidas e bebidas; efetua ou supervisiona a aquisição, guarda e conservação dos produtos perecíveis e outros, vigiando a sua aplicação e controlando as existên­cias e inventários; elabora as tabelas de preços e horários de trabalho; acompanha e executa o funcionamento dos serviços e controla o movimento das receitas e despesas; exerce a fiscalização dos custos e responde pela manutenção do equipamento e bom estado de conservação e higiene das instalações; ocupa-se ainda da reserva de mesas e serviço de balcão, da receção de clientes e das suas reclamações sendo, responsável pela apresentação e disciplina dos trabalhadores sob as suas ordens.”

3.2.2.3. Cumprindo-nos avançar na apreciação, em face do que referimos anteriormente a respeito do exercício pela Autora, para além das funções que exercia, de funções integradas noutra categoria, importa que façamos algumas considerações a respeito do regime que, a esse respeito, possa resultar do quadro legal e convencional aplicáveis.
Começando por este último, resulta da cláusula 8.ª do CCT publicado no BTE n.º 47, de 22/12/2018 – não alterada pelo CCT publicado no BTE n.º 28, de 29/7/2019;” –, sob a epígrafe “Mobilidade funcional”, o seguinte:
“1- O trabalhador deve, em princípio, exercer uma atividade correspondente à categoria para que foi contratado. 2- O empregador pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras atividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria. 3- O disposto no número anterior só é aplicável se o desempenho da função normal se mantiver como atividade principal do trabalhador, não podendo, em caso algum, as atividades exercidas acessoriamente determinarem a sua desvalorização profissional ou a diminuição da sua retribuição. 4- O disposto nos dois números anteriores deve ser articulado com a formação e a valorização profissional. 5- No caso de às atividades acessoriamente exercidas corresponder retribuição mais elevada, o trabalhador terá direito a esta e, após seis meses de exercício dessas atividades, terá direito a reclassificação, a qual só poderá ocorrer mediante o seu acordo.”
Por sua vez, dispõe o artigo 118.º do CT/2009, o seguinte:
“1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional. 2 - A actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional. 3 - Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendida no mesmo grupo ou carreira profissional. 4 - Sempre que o exercício de funções acessórias exigir especial qualificação, o trabalhador tem direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais. (…)”
E do seu artigo 120.º, sob a epígrafe “Mobilidade funcional”:
“1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador. 2 - As partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado. 3 - A ordem de alteração deve ser justificada, mencionando se for caso disso o acordo a que se refere o número anterior, e indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos. 4 - O disposto no n.º 1 não pode implicar diminuição da retribuição, tendo o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas. 5 - Salvo disposição em contrário, o trabalhador não adquire a categoria correspondente às funções temporariamente exercidas. 6 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. (…)”
Em face do exposto, resultando da cláusula do CCT citada que o empregador pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras atividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria (n.º 2), desde que, porém, o desempenho da função normal se mantiver como atividade principal do trabalhador (n.º 3), caso às atividades acessoriamente exercidas corresponder retribuição mais elevada, o trabalhador terá direito a esta e, após seis meses de exercício dessas atividades, terá direito a reclassificação, a qual só poderá ocorrer mediante o seu acordo (n.º 5), tendo agora presente o regime que resulta do CT/2009, em face do qual é conveniente que se apure o sentido da expressão “afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à função normal do trabalhador, a atividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional (art.º 118, n.º 1 e 2).
Ora, prendendo-se o conceito de afinidade com a proximidade funcional da atividade com aquela que o trabalhador está obrigado contratualmente a prestar, tal pressupõe que exista uma conexão entre ambas, de tal modo que justifique que o empregador exija essa atividade ao trabalhador, face às capacidades profissionais que este possua, em termos tais que o trabalhador não deixe de prestar o núcleo de atividades próprias da sua carreira ou categoria.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de maio de 2018[17], a respeito dos casos em que a atividade que o trabalhador passou a prestar esteja fora do âmbito das funções que integram a sua categoria funcional sem que se possa afirmar que subsiste um núcleo essencial, que “isso é indispensável para se poder afirmar que se manteve a categoria real, ainda que nominalmente e do ponto de vista retributivo a situação se mantenha (contudo, como resulta do exposto, o que importa é a categoria real – convergindo, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, ac. de 15/09/2016: “a categoria profissional dum trabalhador afere-se pelas funções efetivamente desempenhadas por este”); de outro modo há uma alteração da categoria (neste sentido cfr. ac. RL, 21.12.2017: I.– A lei admite que sejam exigidas ao trabalhador outras tarefas, fora da categoria, mas apenas como atividades acessórias (art.º 118.º, n.º 4 do CT). II.– Só são acessórias as funções que ocupem, no horário de trabalho, parte e menos tempo do que a função principal, nunca a podendo substituir integralmente. III.– Fora deste quadro, ocorre uma modificação ilícita do contrato, por violação do princípio geral pacta sunt servanda (art.º 406.º n.º 1 do CC). IV.– Se as novas tarefas atribuídas pela empregadora ao trabalhador se compreenderem no objeto do contrato, a licitude da respetiva ordem deve encontrar-se no instituto da polivalência funcional (art.º 118.º, n.os 1 e 2 do CT); se o excederem, tal terá que ser feito no da mobilidade funcional (art.º 120.º do CT).
No caso, em face da sentença, não resultando dessa uma efetiva análise desta questão, o que entendemos que se justificaria – apenas podendo porventura retirar a ilação de que o Tribunal, ao afirmar que as novas funções “não assumem um carácter meramente provisório ou acessório”, muito embora sem o dizer expressamente, se esteja a referir ao regime da mobilidade funcional, a que se reporta o artigo 120.º do CT/2009 –, impondo-se-nos, porém, em sede de recurso pronúncia, o que constatamos é que, não obstante a Autora ter passado a exercer funções que como o vimos se integram na categoria de “gerente”, não pode dizer-se, chamando-se à colação as considerações que fizemos antes a esse respeito, que estejamos perante funções afins da categoria em que se encontrava contratualmente aquela integrada – como então o dissemos, prendendo-se o conceito de afinidade com a proximidade funcional da atividade com aquela que o trabalhador está obrigado contratualmente a prestar, tal pressupõe que exista uma conexão entre ambas, de tal modo que justifique que o empregador exija essa atividade ao trabalhador, face às capacidades profissionais que este possua, em termos tais que o trabalhador não deixe de prestar o núcleo de atividades próprias da sua carreira ou categoria –, assim para efeitos do disposto quer na cláusula 8.ª do CCT publicado no BTE n.º 47, de 22/12/2018, quer no artigo 118.º do CT/2009 (ambos anteriormente citados).
Restando verificar da previsão do artigo 120.º, do mesmo Código (também antes citado), socorremo-nos, para o efeito, do Acórdão desta Secção e Relação de 7 de julho de 2016[18]:
“(…) No entanto, também não estamos perante o exercício de funções compreendidas na atividade contratada, tal como se encontra definida no artigo 118.º, n.º 1, do C.T.[4], pois as funções de (…) não são afins ou funcionalmente ligadas às de (…), antes consubstanciam uma categoria profissional distinta. Deparamo-nos, assim, face a uma espécie de “mobilidade funcional atípica”, posto que o A. passou também a exercer funções de (…), ou seja, funções correspondentes a outra categoria profissional e não afins ou funcionalmente ligadas àquela atividade contratada, sendo certo que (…) nem podemos afirmar que tais categorias estão compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
Como refere Romano Martinez[5], «a alteração fundada em ius variandi pode ser total, passando o trabalhador a exercer a tempo inteiro uma nova actividade, ou parcial. Neste último caso, o trabalhador, em parte, continua a desenvolver a actividade correspondente à sua categoria. (…)».
Acresce que, face à ausência daquele requisito de transitoriedade, cumpre questionar se o trabalhador não adquire o direito a aceder à categoria de (…), “a partir do momento em que o exercício de funções, ao abrigo do ius variandi, perde a natureza transitória”[6].
Ora, como já referimos, o A. foi contratado para desempenhar as funções de (…) e, no exercício das mesmas, era responsável por (…) E, em julho de 2011, o A., continuando a prestar (…), passou também a desenvolver (…).
Mais se apurou que a Ré paga aos trabalhadores a que atribui a categoria profissional de (…) e exercem as funções inerentes a esse cargo um vencimento mensal de € (…).
Já o A., à data da cessação do contrato de trabalho, auferia a retribuição base mensal de € (…).
Desta forma, e tendo em conta a previsão contida no n.º 4, do artigo 120.º, do C.T., exercendo o A. também outras funções não compreendidas na atividade contratada, tem direito a auferir a retribuição correspondente a tais funções, ou seja, a retribuição base mensal de (…), correspondente à respetiva categoria profissional.
Assiste ao A. o direito a auferir a retribuição correspondente às funções de (…) que exerceu de (…) até (…) por força do disposto no n.º 4, do artigo 120.º, do C.T. e não do disposto no artigo 267.º do mesmo Código, uma vez que este respeita ao exercício de funções a que alude o n.º 2, do artigo 118.º, ou seja, a funções que estão compreendidas na atividade contratada (as que lhe são afins ou funcionalmente ligadas), sendo que, como já referimos, as desempenhadas pelo A. Não revestem esta natureza.
Resta dizer que não existe qualquer fundamento legal para se apelar ao disposto nos artigos 270.º e 23.º a 25.º, todos do C.T. e 59.º, da CRP, ou seja, ao princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual porque, como já ficou dito, a obrigação de pagamento da retribuição deriva do disposto no n.º 4, do artigo 120.º, do C.T., por força do exercício das citadas funções não compreendidas na atividade contratada.
Face ao que ficou dito, e porque não têm assento na matéria de facto apurada, não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que o A. passou a desempenhar, quando possível, algumas tarefas comerciais que pela sua natureza acessória e complementar às de assistência comercial ainda se situam no objeto da atividade contratada e que, por isso, não se verifica qualquer situação de mobilidade funcional e não tem aplicação o disposto no artigo 120.º, do C.T..
(…) Em suma, o A. tem direito a receber as diferenças salariais entre o vencimento que auferiu e aquele que a Ré pagava aos (…), no montante global de € (…), tal como consta da sentença recorrida. (…)”
Salvaguardando naturalmente o devido respeito por entendimento diverso, entendemos que as considerações contantes do Acórdão antes citado, que acompanhamos, são aplicáveis ao caso que apreciamos, pois que a aqui Autora, tendo sido contratada para exercer as funções de empregada de balcão (alínea B), da factualidade), que exercia aquando do início da sua relação laboral, sendo responsável, entre outras, pelas funções de atendimento de clientes ao balcão, por acautelar o respectivo serviço da secção, pela realização de reposição de alimentos e bebidas, por proceder ao recebimento de pagamentos e facturação, sem prejuízo de outras funções (alínea I), da factualidade), sem prejuízo de ter continuado a exercer essas funções, foram-lhe porém também atribuídas, a partir de Março de 2019, ao mesmo tempo em que lhe foi atribuída nos seus recibos de vencimento a categoria de “Subchefe de Cozinha” (funções essas que nunca exerceu) (alíneas NN) e OO), da factualidade), as funções de ser responsável pela abertura e fecho de loja, dirigir, orientar, fiscalizar e coordenar os serviços do estabelecimento, de efetuar a aquisição de bens perecíveis, de realizar inventários semanais, de acompanhar o funcionamento do serviço, controlando o movimento de receitas diário, quer através de aplicação móvel, quer através de faturas em papel, de responder pela conservação e higiene das instalações, de gerir reclamações de clientes, sendo ainda responsável pela apresentação e disciplina dos trabalhadores sob as suas ordens, na pendência do seu turno de trabalho (alíneas II) e LL), da factualidade) – sendo que a Ré lhe atribuiu, a partir do mês de outubro de 2019, a categoria profissional de “Empregada de Balcão Principal” (alínea CCCC), da factualidade). Ou seja, como no citado Acórdão, para além de ter continuado a exercer as funções de empregada de balcão para que foi contratada, a Autora passou a exercer, também, outras funções, estas que, como o vimos anteriormente, se integram já na categoria de “gerente”, que, como o referimos também, não se nos afiguram como sendo afins ou funcionalmente ligadas às de empregada de balcão – antes consubstanciam uma categoria profissional distinta.
Neste contexto, na consideração de que não resulta da factualidade provada quais das referidas funções predominam, ou seja, quais dessas se assumiram como principais ou determinantes em termos da efetiva e total atividade que foi exercida pela Autora, inexistem elementos que nos permitam, mediante a necessária reclassificação, integrar a mesma na categoria de gerente de restauração, razão pela qual divergimos, nesta parte, da sentença recorrida.
Não obstante, porém, a nossa divergência a esse respeito, tal não implica, como aliás já resulta do que dissemos anteriormente, assim os normativos e Acórdão que citámos, que daí resulte real implicação para o decido, na mesma sentença, quando se afirma que deveria a Ré ter remunerado a Autora de acordo com a categoria de gerente de restauração, a partir de março de 2019. Na verdade, independentemente daquela reclassificação, a Autora tem direito a ser remunerada pelas referidas funções.
Em face do exposto, verificando-se que a Recorrente não dirige qualquer argumento nas suas conclusões à concretização que é realizada na sentença, assim quanto à consideração de que deveria ter sido paga a retribuição mensal de € 950,00 e quanto à concretização depois realizada sobre créditos salariais, que se fizeram contar a final das alíneas b) a i) do dispositivo (e correspondentes juros de mora que se referem na alínea seguinte), tais condenações são mantidas no presente acórdão.

3.2.3. Questão da resolução do contrato pela Autora
Nas suas conclusões, mostra a Recorrente a sua discordância com o decidido no que se refere à justa causa para a resolução do contrato por parte da Autora, bem como, a título subsidiário, que sempre ocorreria caducidade do direito.
Por razões sistemáticas, começaremos pela análise da última das questões colocadas.

3.2.3.1. Da invocada caducidade do direito à resolução
Na conclusão XXVII, sustenta a Recorrente que sempre teria ocorrido caducidade do invocado direito à resolução do contrato de trabalho, tendo a douta sentença violado o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333º do Código Civil e nº 1 do artigo nº 395º do Código do Trabalho.
Socorrendo-nos ainda do corpo das alegações, aí se refere apenas que, «no caso específico previsto no nº 5, do artigo 394º, do Código do Trabalho - falta culposa de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias -, nos termos do consignado no nº 2 do artigo 395º do referido Código “o prazo para a resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias.”»
Em face de tão singela invocação – que de resto se constata também verificar-se na contestação, como aliás o salientou o Tribunal a quo –, tendo presente a fundamentação constante da sentença, importa ressaltar que sequer a Recorrente teve o cuidado de invocar efetivos argumentos jurídicos com o objetivo de evidenciar que deveria ser afastado o entendimento naquela afirmado, ou seja, indicando efetivos argumentos jurídicos, no que à aplicação do direito diz respeito, tendentes a infirmar essa aplicação do direito, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão deveria ter sido outra, no caso aquela que singelamente defende – quando, versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).
O que se referiu anteriormente aplica-se diretamente, em face da sentença recorrida, quando nessa se refere o seguinte:
“A este respeito, invoca a R. a caducidade do direito de acção, alegando para o efeito que, no momento da resolução do contrato, havia já decorrido o prazo de 30 dias previsto no artigo 395º do CT.
Ora vejamos. Como resulta do supra exposto, com excepção da ausência de formação profissional, nas demais causas invocadas para a resolução do contrato, verifica-se que estamos perante a falta de pagamento da retribuição devida desde o início da relação laboral (quanto aos subsídios de férias e de Natal) e desde Março de 2019 relativamente à categoria profissional e retribuição devida, o que se manteve até à data da cessação do contrato, tendo ocorrido uma falta mensal de pagamento da retribuição devida.
Assim, à data da resolução podia a A. fundamentá-la, como o fez, com base no não pagamento da retribuição devida nos meses de Junho a Agosto de 2021, pelo que, quanto a estas faltas não ocorreu a caducidade do direito de acção da A..
Por outro lado, a falta de pagamento destas retribuições, nos termos já expostos, em nada afecta a apreciação supra realizada quanto à verificação de justa causa para a resolução do contrato, tendo em conta ainda que estamos perante créditos de natureza alimentar e que, em abstracto, é apta a causar danos à segurança da sua subsistência e a uma vida digna da A. (nesse sentido, cfr. Acórdão do TRCoimbra, de 10/02/2011, proc. 1022/09.1TTCBR.C1, disp. in www.dgsi.pt).
Em sede de contestação peticiona a R. que seja julgada procedente a prescrição do direito de resolução invocado pela A., mas não apresenta no articulado qualquer fundamentação jurídica, pelo que não se pode apreciar uma excepção peremptória que não foi expressamente invocada.
Por último, refira-se que uma eventual anterior falta de reclamação de tais direitos, pela A., em nada contende com o direito de os exigir legalmente no momento da resolução do contrato.”
Em face da citada fundamentação, e não obstante a supra referida falta de indicação de argumentos jurídicos pela Recorrente, permitimo-nos, ainda assim, dizer o seguinte:
Resulta do artigo 394.º do CT/2009 (redação vigente à data da resolução):
“1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”
Assim, em face do que resulta do n.º 1 do citado normativo, o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.
Tratando-se de um prazo de caducidade[19], atento o que resulta do n.º 2 do artigo 298,º do Código Civil (CC)[20], conta-se a partir do momento do “conhecimento dos factos”, ou seja, independentemente do momento em que o titular do direito, depois de ter tomado conhecimento efetivo dos factos, toma consciência da respetiva gravidade. Dito de outro modo, enquanto prazo de caducidade, determinado por razões objectivas de segurança jurídica, sem que o mesmo possa ser suspenso[21]’[22]., inicia-se, como resulta da norma citada, com o conhecimento dos factos, ainda que esse conhecimento se possa referir, diga-se desde já, nomeadamente nas hipóteses assentes em situações de efeitos duradouros suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, não ao conhecimento da materialidade dos factos propriamente dita e sim, noutros termos, quando, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que tornem imediatamente impossível a subsistência do contrato de trabalho, situação esta, porém, que diz respeito a efeitos na relação laboral e não porventura na saúde do trabalhador.
A respeito do referido prazo escreve João Leal Amado[23]: “Com efeito, este prazo de caducidade poderá funcionar, sem dificuldades de maior, para as infracções de tipo instantâneo (aplicação de uma sanção abusiva ou ofensa à integridade física do trabalhador, p.ex.), caso em que a resolução deverá ser comunicada ao empregador no referido prazo de 30 dias. Há, porém, muitos casos de violações contratuais continuadas, as quais exprimem um incumprimento patronal que, por vezes, a passagem do tempo só tornam ainda mais grave – pense-se p.ex., na falta de condições de segurança e saúde no trabalho, na violação de garantias do trabalhador (como seja a garantia de ocupação efectiva), na falta de pagamento da retribuição (caso em que, à medida que o período de mora patronal se avoluma, é óbvio que a situação contratual tende a degradar-se do ponto de vista do trabalhador, podendo mesmo tornar-se insustentável). Neste tipo de casos, dir-se-ia, enquanto persistir a violação, enquanto se mantiver o incumprimento patronal, não poderá correr o prazo de caducidade da faculdade de o trabalhador resolver, com justa causa, o respectivo contrato. Contudo, em matéria de falta de pagamento da retribuição, o CT esclarece agora que, nas hipóteses contempladas no n.º5 do art.394.º (falta de pagamento que se prolongue por período de 60 dias, ou em que o empregador declare a previsão de não pagamento até ao termo desses 60 dias) «o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador» (n.º 2 do art.395.º). Ou seja, nestes casos parece que o trabalhador terá de resolver o contrato algures entre o 61.º e o 90.º dia de mora patronal, sob pena de esta faculdade de resolução caducar.”
Também Pedro Furtado Martins[24], a esse respeito, refere o seguinte: “A resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao cumprimento do ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (art.395.º, n.º 1) ou, tratando-se de resolução fundada no incumprimento culposo da obrigação retributiva, nos 60 dias subsequentes (art.395. n.º 2). A contagem do prazo de 30 dias inicia-se com o conhecimento dos factos que integram a justa causa de resolução invocada pelo trabalhador. A interpretação-aplicação desta regra tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa, como tem sido salientado pelos tribunais. Significa isto que o prazo «se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação. O ponto tem especial relevância nas situações em que os factos que integram a justa causa de resolução revestem caráter duradouro, susceptíveis de agravamento com o decurso do tempo. É o que tipicamente sucede com a falta de pagamento da retribuição, para a qual existe a regra especial do artigo 395º, n.º 2. Aí se esclarece que o prazo para a resolução se começa a contar quando se completa o período de 60 dias de atraso no pagamento da retribuição. Trata-se de uma explicação de uma regra geral: residindo a justa causa na situação de impossibilidade de manutenção do vínculo contratual, o prazo para exercer o direito de resolução inicia-se quando ocorrer essa situação.”
Ainda neste âmbito, escreve-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de janeiro de 2021[25], o seguinte:
«E como elucida o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.07.2017, in www.dgsi.pt, citado na sentença recorrida e cujo entendimento perfilhamos, “IV – À luz do Código do Trabalho de 2009, em caso de atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 dias, o trabalhador, findo este período, apenas dispõe de mais 30 dias para resolver o contrato, sob pena de caducar o direito de resolução.”
Ou seja, no caso de falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por mais de 60 dias, o trabalhador, findos os ditos 60 dias ainda tem 30 dias para resolver o contrato de trabalho sob pena de caducar o direito à resolução.
Mas tal não obsta a que o trabalhador resolva o contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição, sem que essa falta se tenha prolongado por mais de 60 dias.
Na verdade, como se lê no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02.12.2013, pesquisa em www.dgsi.pt “(…) II – O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar inexigível a subsistência da relação de trabalho.
III – O condicionalismo exigido no artigo 394°, n.º 5, do Código do Trabalho de 2009 – o decurso da mora por mais de 60 dias – não constitui um requisito necessário para a resolução do contrato de trabalho com justa causa subjectiva, fundando tão só uma especial presunção de culpa (de natureza inilidível).
IV – Se a mora não se reveste das características enunciadas naquela norma, tal não obsta a que se produza prova sobre a culpa do empregador na falta do pagamento pontual da retribuição ou que a mesma se presuma iuris tantum nos termos do artigo 799.º do Código Civil. (…)”
Ou seja, a inexistência de mora por período de 60 dias não obsta a que o trabalhador resolva o contrato de trabalho com fundamento em justa causa. (…)»
Refere-se ainda no citado Acórdão, com particular relevância para o caso que apreciamos, pois que o entendimento aí mencionado e que acompanhamos é diretamente aplicável à situação da Autora:
«(…) E, salvo o devido respeito, também não se perfilha o entendimento do Tribunal a quo quando refere que “a 13/03/2018, quando remeteu a carta de resolução do contrato individual de trabalho, mostrava-se caducado o direito de o fazer quanto aos alegados factos que, na perspectiva do A., constituem alteração da actividade contratada (ocorrida em 2016)”, posto que estamos perante um facto continuado decorrente de uma conduta duradoura que perdurou desde Maio de 2016 até à data da cessação do contrato de trabalho – alegado exercício de funções de categoria superior não devidamente remunerado.
Com efeito, como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14.11.2013, mesma pesquisa, “I- Baseando-se a justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador em factos continuados, a contagem do prazo de 30 dias previsto no artigo 395º, nº1 do Código do Trabalho, apenas se inicia quando cessar a situação ilícita consubstanciadora da justa causa.
II- Demonstrado que, desde 19 de Março de 2012 até à data da cessação do vínculo laboral, por iniciativa da trabalhadora, esta passou a exercer as funções de categoria inferior à sua, por imposição da ré, conclui-se que a conduta da empregadora que não é instantânea, perdura no tempo, ininterruptamente e permanece até à data da resolução do contrato pela trabalhadora, constituindo, assim, um facto continuado. (…).”

Assim, dado que, quando o Autor resolveu o contrato de trabalho invocando justa causa, a alegada situação ainda não havia cessado, impõe-se concluir que não se tinha iniciado o prazo de caducidade pelo que não se verifica a invocada excepção de caducidade no que respeita a este fundamento.
Por conseguinte, a resolução do contrato de trabalho com justa causa será analisada com base nestes dois fundamentos (falta de pagamento da retribuição vencida em 31.12.2017 e em 31 de Janeiro e 28 de Fevereiro de 2018 e alegado exercício de funções correspondentes a categoria superior. (…)».
Melhor esclarecendo a nossa anterior afirmação de que o entendimento antes transcrito é aplicável ao caso que se aprecia, importa dizer que, também aqui, nos termos em que o concluímos anteriormente, está em causa o exercício por parte da Autora, para além das funções correspondentes à categoria contratada, ainda de outras funções, estas integradas na categoria de “gerente de restauração, com as implicações que daí resultam, mais uma vez nos termos que afirmámos, em particular em termos remuneratórios, sendo que, como resulta da factualidade provada e aliás da posição que a Recorrente defendeu na ação e mantém no presente recurso, ao não reconhecer tal exercício de funções nessa categoria, tal conduta não é pois instantânea, perdurando antes no tempo, ininterruptamente, e permaneceu até à data da resolução do contrato pela Autora, constituindo, assim, um facto continuado.
E, porque assim é, não ocorreu a invocada caducidade quanto a todas as diferenças salariais, incluindo referentes aos subsídios de férias e de Natal, em dívida pela Ré / recorrente e que são derivadas diretamente do exercício pela Autora das aludidas funções, não reconhecidas por aquela. Porém, já no que se refere aos valores em dívida referentes a abono para falhas, subsídio de assiduidade e subsídio de alimentação, apenas não decorreu o prazo de caducidade, nos termos antes explicitado, no que se refere aos valores devidos referentes aos meses de junho a setembro de 2020 – quanto aos demais decorreu tal prazo.
Em face do exposto, com a explicitação antes realizada, improcede o recurso quanto a esta questão.

3.2.3.2. Da apreciação da invocada justa causa
Na conclusão XXVI invoca a Recorrente que não se provaram factos concretos culposos suscetíveis de, pela sua gravidade e consequências, determinarem a impossibilidade definitiva e prática de subsistência do contrato de trabalho da Autora” – referindo ainda, na conclusão XXIX, que a sentença “não considerou as condições de tempo e as concretas circunstâncias decorrentes da situação de pandemia e a natureza do estabelecimento comercial da recorrente, que a situação sub judice ocorreu, tendo violado o disposto nos n º s 1 e 3 do artigo 9º do Código Civil”.
Pugnando a Recorrida pela manutenção do julgado também nesta parte, cumprindo-nos apreciar, conta da sentença recorrida, neste âmbito, designadamente o seguinte:
“(…) Consequentemente, e de modo objectivo, praticou a R. os seguintes comportamentos constitutivos de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador (análise limitada, como se disse, aos factos alegados pela A. na carta de resolução, como imposto pelo artigo 398º nº 3 do CT):
- falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
- violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador.
Ora, tendo em consideração que os valores não pagos pela R. à A., em face do supra exposto, ascendiam a cerca de € 330,00 mensais em 03/2019 (€ 950,00 - € 670,00 + € 50,00 de subsídio para falhas) e, à data da resolução, de € 267,00 (€ 950,00 - € 733,00 + € 50,00 de “prémio de assiduidade”), que ascende a quase 1/3 da retribuição devida à A.; e que tal situação de não pagamento do valor da retribuição devida ocorre desde o início da relação laboral quanto à não inclusão dos € 50,00 nos subsídios de férias e Natal sem que a R. tenha rectificado esta sua falta, conclui o tribunal que o grau de lesão dos interesses da A. é elevado, as relações entre as partes resultam afectadas por tal comportamento da R., o carácter ilícito e culposo deste tornam, em razão da sua gravidade e das suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho em causa nos autos.
Conclui-se, assim, pela existência de justa causa de resolução do contrato pela A., que se julga lícita.
Refira-se uma vez mais que, não obstante tenha a A. alegado na petição inicial outros fundamentos para a resolução do contrato, como a existência de assédio moral e a violação dos seus direitos no âmbito do estatuto de trabalhador-estudante, o certo é que na carta de resolução a A. não alegou qualquer facto concreto a esse respeito, mas apenas referiu considerações conclusivas, pelo que não puderam estas ser incluídas na apreciação da justa causa para a resolução, que exige sempre uma factualidade mínima alegada na resolução e, consequentemente, também não o será para efeitos de fixação da indemnização devida pela resolução.”
Como primeira nota, tento em vista a apreciação da questão da existência ou não de justa causa para a resolução por parte do Autor/recorrente, constata-se, mais uma vez, que a Recorrente não teve uma efetiva preocupação em invocar efetivos argumentos jurídicos com o objetivo de evidenciar que deveria ser afastado o entendimento afirmado na sentença, ou seja, no que à aplicação do direito diz respeito, qualquer efetivo argumento jurídico tendente a infirmar essa aplicação do direito, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão deveria ter sido outra (no caso aquela que defende).
Ainda assim, sempre esclareceremos que, visto o teor da sentença, acompanhamos o nessa decidido quanto à questão que agora se analisa, na consideração de que na mesma encontramos, em face da factualidade provada – e atendendo a que as alterações a que procedemos nesse âmbito neste recurso com essa não interferem –, suficiente fundamentação no âmbito da aplicação da lei e direito, fundamentação essa que responde já às questões que, sem prejuízo do que referimos anteriormente (assim a propósito de estarmos afinal perante mera divergência de entendimento por parte do Recorrente sem avançar como efetivos argumentos jurídicos), podem ter-se por levantadas no presente recurso, assim quanto ao entendimento sufragado na sentença, diversamente do que é defendido pela Recorrente, de que ocorre no caso justa causa para a resolução do contrato.
Não obstante, para melhor se perceberem as razões do nosso entendimento, também diremos o seguinte:
Desde logo, para evidenciar que é em face dos motivos invocados pelo trabalhador na comunicação de resolução do contrato com invocada justa causa que se afere a procedência daqueles motivos, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º).
Por outro lado, importa ter presente que é “a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” (n.º 4 do art.º 394.º), bem como que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil) –, quanto ao caso que se aprecia, importa valorar os comportamentos da Ré, sem dúvidas nossas culposos, invocados pela Autora, no que se refere ao não reconhecimento do exercício por essa de funções de “gerente” e, por decorrência, o não pagamento das diferenças salariais a que se chegou na sentença a esse título, desde o início dessas funções, como ainda o que não lhe foi pago referente a abono para falhas, subsídio de assiduidade e subsídio de alimentação, nos meses de junho a setembro de 2020, sendo que, tratando-se de valores, como aliás o refere o Tribunal a quo, que ascendem “a quase 1/3 da retribuição devida à A.”, a lesão dos interesses da Autora, em face de tal comportamento da Ré / aqui recorrente, assume-se suficientemente elevado, em termos de poder preencher, também na nossa perspetiva de modo bastante, o pressuposto, exigível neste caso, de que tenha tornado imediatamente impossível a subsistência da relação laboral. Ou seja, diversamente do que refere a Recorrente, tendo ocorrido um seu incumprimento contratual para com a Autora, ao não lhe ter pago pontualmente as referidas quantias, na consideração de que a questão que se poderia colocar seria a de saber se esse afirmado incumprimento justifica ou não no caso concreto a resolução do contrato – pois que, como é consabido e o dissemos já, para que exista justa causa subjectiva de resolução do contrato de trabalho se torna necessário que o comportamento em causa, em razão da sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho –, em resposta a tal questão, relembrando-se resulta do n.º 4 do artigo 394.º do CT que “a justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º com as necessárias adaptações”[26]’[27], por referência ao aludido comportamento da Ré, consideramos que esse se assume, no caso, com gravidade bastante para tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes, pois que, como o dissemos já, não podendo desde logo dizer-se que estejamos aqui, em face do que se provou, perante valores que se assumam como pouco significativos, sendo antes, pelo contrário, de algum modo relevantes para, no contexto dos autos, justificarem, como afirmado na sentença, que assim nesta parte se confirma, a resolução do contrato. Não obstante o risco de repetição, consideramos assim que, no caso, dos referidos comportamentos da Ré / recorrente que se lograram demonstrar nos autos resultam efeitos com gravidade bastante, em si e nas suas consequências, para não tornar exigível à Autora / trabalhadora – considerado o grau de lesão dos seus interesses, bem como o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostram relevantes – a continuação da prestação da sua atividade, como a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão o exige.
Nos termos expostos, improcede o recurso nesta parte.
E, sendo assim, na consideração de que também neste caso a Recorrente não dirigiu qualquer argumento jurídico à concretização da indemnização, por aplicação do regime previsto no artigo 396.º do CT/2009, realizada na sentença, incluindo quando se considerou adequada a sua fixação em 40 dias de retribuição por cada ano e fração de antiguidade e valor a que chegou, de €4.602,75,

3.2.4. Da condenação como litigante de má fé
Por último, assim na conclusão XXX, refere a Recorrente que “a sentença ao concluir pela “efetiva existência de litigância de má-fé por parte da Ré”, cometeu grave injustiça, pelo que a Ré, contrariamente ao naquela invocado, nem atuou com dolo ou negligencia grave, nem deduziu oposição, cuja falta de fundamento não devia ignorar; não alterou a verdade dos factos, nem omitiu factos relevantes para a decisão da causa (ao invés sempre cooperou prontamente com lealdade e verdade para com o tribunal); nem fez do processo, ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, não tendo violado o disposto nas alíneas a) , b) e d) do nº 2 do artigo 542º do CPC”.
Na sentença recorrida fez-se constar o seguinte:
“Por sua vez, a A., em sede de resposta, requereu a condenação da R. como litigante de má fé, em multa de € 1.020,00 e indemnização de valor não inferior a € 371,00, sendo € 350,00 correspondentes a honorários do I. Mandatário e € 21,00 de IVA sobre aquele valor, à taxa de 6%. Para tanto, enquadra a conduta da R. nas alíneas a), b) e d) do nº 2 do artigo 542º do CPC.
Ora, desde logo, a R. em sede de contestação apresentou uma versão contraditória quanto à aplicação dos CCT acima identificados à relação laboral em causa, não podendo desconhecer, como demonstrou não desconhecer, que sempre atribuiu à A. direitos decorrentes de tais CCT e os considerou aplicáveis.
Também impugnou os factos alegados pela A. e referentes às funções pela mesma exercidas, aos valores devidos e pagos quanto a abono para falhas, sendo obrigatoriamente do seu conhecimento o valor fixado nos CCT e o que pagou, bem como discordância deste com aquele.
Alegou que a A. nunca lhe tinha comunicado a intenção de ver reconhecida a categoria de gerente de restauração e bebidas antes da reunião de Agosto de 2020 mesmo tendo assumido a recepção da carta remetida pela A. a 23/06/2020 e à qual, inclusive, respondeu; negou o alegado pela A. quanto ao ocorrido na reunião de Agosto de 2020, tendo apresentado uma versão inverosímil com o próprio reconhecimento anterior da carta de 23/06/2020 e sua resposta.
Alegou ainda a R. que a declaração apresentada pela A. e junta a fls. 130 dos autos constituiu uma denúncia do contrato, quando não podia desconhecer que continuou a pagar salário à A. e a mantê-la como trabalhadora, discutindo inclusive o direito à atribuição do estatuto de trabalhador-estudante, o que se manteve até à data de recebimento da carta de resolução do contrato em 08/09/2020, pelo que não podia deixar de ter consciência da falsidade do que alegou e da falta de seriedade do que alega ter pressuposto quanto a uma anterior denúncia do contrato.
E, em sede de contestação, a R. impugnou a veracidade dos factos constantes dos pontos II), LL), NN), PP) a TT), VV), XX), AAA) a DDD), HHH), III), KKK), NNN), PPP), QQQ) dos factos provados, sendo que, em relação às funções exercidas pela A. enquanto gerente de restauração e bebidas, funções atribuídas à mesma após o lay-off ou quem substituiu a A. em tais funções, não se pode discutir o desconhecimento da R., na medida em que ficou demonstrado que o superior hierárquico da A., o supervisor, representante da R. perante a A., foi quem lhe atribuiu tais funções. Isto para além do próprio gerente da R. ter confirmado que a escolha dos trabalhadores que ficaram em regime de lay-off não seguiu sequer qualquer critério. Já não se pode invocar o desconhecimento de outros dos factos, como o que consta dos recibos de vencimento em termos de categoria profissional ou montantes pagos, tendo ficado inclusive demonstrado que, contrariamente ao por si alegado, a R. nem sequer remunerava a A. de acordo com os CCT aplicáveis; quanto às acções de formação em que a A. se inscreveu e das quais deu conhecimento à R. antes da apresentação da contestação, bem como respectiva correspondência trocada; a ausência de prestação de formação profissional ou a intenção subjacente à atribuição de um denominado subsídio de refeição em dinheiro quando já era concedido à A. o subsídio de refeição em género.
Todos estes factos e postura processual evidencia, no mínimo, negligência grave da R. (sendo que, quanto aos montantes pagos, categorias atribuídas, acções de formação em que a A. se inscreveu, falta de formação profissional e a natureza do alegado subsídio de refeição em dinheiro, está o tribunal convicto da existência de dolo por parte da R.). na dedução de fundamentos de oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; na alteração da verdade dos factos; e uso manifestamente reprovável dos meios processuais com a postura processual supra referida quanto ao teor da contestação, com o fim de entorpecer a acção da justiça, nos termos previstos nas alíneas a), b) e d) do nº 2 do artigo 542º do CPC.
Quanto ao demais invocado pela A. em sede de resposta para fundamentar a requerida condenação da R. como litigante de má fé, considera o Tribunal que tais elementos não se enquadram neste instituto jurídico.
Conclui-se, assim, pela efectiva existência de litigância de má fé por parte da R..
Consequentemente, e ao abrigo do disposto no artigo 542º nº 1 do CPC, a parte litigante de má fé é condenada em multa e indemnização à parte contraria.
No que se refere à multa, estipula o artigo 27º nº 3 do RCP que “Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”.
Acrescentando o nº 4 que “O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.
No caso em apreço desconhece-se a situação económica da R., sendo que, quanto aos reflexos da sua actuação na tramitação do processo e decisão da causa, determinou uma resposta por parte da A. e um acréscimo considerável de factos controvertidos, com o necessário tempo para a sua discussão e decisão em termos de convicção do Tribunal.
Assim, considera-se adequado condenar a R. no pagamento de uma multa no valor correspondente a 6 UC.
Relativamente à indemnização a pagar à A., peticionou esta a quantia de € 371,00, a título de honorários e respectivo IVA. Considerando que, como se referiu, a A. apresentou articulado de resposta para se pronunciar sobre a versão da R., bem como o tempo despendido em audiência de julgamento, considera-se que o valor peticionado afigura-se razoável, pelo que se condena a R. a pagar à A. uma indemnização no valor de € 371,00.”
Apreciando a questão, importa desde logo relembrar que a noção de litigância de má-fé resulta do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, em cujas alíneas se encontram tipificadas as condutas que constituem violação do dever de agir de boa-fé processual a que as partes estão vinculadas (art.º 8.º, do CPC), dizendo-se “litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: [a] Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; [b] Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; [c] Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; [d] Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Como sabemos corresponde esta norma ao artigo 456.º n.º 2, do pretérito CPC e foi alterada relativamente à noção anterior na reforma operada àquele diploma pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Na sua formulação anterior, dizia-se litigante de má-fé “(..) não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável , com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade”. Entendendo-se então, quer na doutrina quer na jurisprudência, que era necessário existir dolo para que houvesse litigância de má-fé, como o elucida, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 17.11.1972[28] em cujo sumário se lê: - “Só a lide essencialmente dolosa, e não meramente temerária ou ousada, justifica a condenação como litigante de má fé (artigo 456.º do citado Código)”.
No preâmbulo daquele diploma, a propósito da norma em causa e das alterações introduzidas na reforma operada pelo mesmo, encontra-se esta breve explicação: - “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (..)”. Ou seja, entendeu o legislador alargar a litigância de má fé às condutas processuais gravemente negligentes, não oferecendo tal qualquer dúvida, já que a norma o expressa claramente ao dizer que litiga de má-fé “quem com dolo ou negligência grave (..)”. Parafraseando o Ac. do STJ de 6.12.2001, “Há negligência grave, fundamentadora de um juízo de litigância de má-fé, quando o litigante procede com imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um”[29]. Distinguindo-se claramente, na formulação legal, a má fé substancial – que se verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 542º, supra transcrito – e a má fé instrumental (als. c) e d) do apontado normativo), está no entanto presente em ambas uma intenção maliciosa, ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reação punitiva[30].
Aplicando então ao caso o regime antes enunciado, no que se refere à postura assumida pela Ré no processo, não temos razões para discordarmos da sentença quando nessa se refere que tal postura “evidencia, no mínimo, negligência grave”, em particular ao ter invocado factos cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterando a verdade dos factos e fazendo assim um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de entorpecer a ação da justiça, condutas essas subsumíveis à previsão das alíneas a), b) e d), do n.º 2, do artigo 542.º do CPC.
Deste modo, não nos merecendo censura a graduação da multa, como ainda a indemnização fixada, sem necessidade de outras considerações, improcede também o recurso nesta parte.
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Nos termos anteriormente expostos, improcede o recuso no âmbito da aplicação do direito, mantendo-se a sentença recorrida, muito embora com fundamentação não totalmente coincidente.

A responsabilidade pelas custas impende sobre a Ré/apelante (artigo 527.º do CPC).
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV – DECISÃO:
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, rejeitando-o em parte quanto à reapreciação da matéria de facto e julgando-o parcialmente procedente na parte admitida, em julgar no mais improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 4 de maio de 2022
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[2] In “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 255.
[3] “Em torno da interpretação das decisões judiciais”, in Lusíada-Direito, nºs 7-8, pág. 87 e 88.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[5] Op. cit., p. 235/236
[6] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[7] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[8] www.dgsi.pt
[9] processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível igualmente em www.dgsi.pt
[10] no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de Outubro de 2016, processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[11] Relator Conselheiro Chambel Mourisco, in www.dgsi.pt.
[12] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, mais uma vez em www.dgsi.pt.
[13] Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, págs. 268/269
[14] Processo 19035/17.8T8PRT.P1.S1. Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt
[15] A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107
[16] in www.dgsi.pt, que nesta parte se segue de perto.
[17] Relator Desembargador Sérgio Almeida, in www.dgsi.pt.
[18] Sem inclusão, porém, de notas de rodapé - Relatora Desembargadora Paula Maria Roberto, in www.dgsi.pt.
[19] Cfr., entre muitos, os Acs. STJ de 17 de Novembro de 2016, Relatora Ana Luísa Geraldes, e 14 de junho de 2011, Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, ambos in www.dgsi.pt.
[20] “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”
[21] Vaz Serra, cit., pág. 174 e seguintes
[22] Veja-se, pronunciando-se sobre o instituto, com particular relevância o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017 (Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes, in www.dgsi.pt), com recurso a Luís Carvalho Fernandes (in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. II, 2ª Edição, Lex, 1966, págs. 555 e segts), Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, Vol. V, “Parte Geral – Exercício Jurídico”, Almedina, 2ª Edição, 2015, págs. 240 e segts), Vaz Serra (BMJ, nº 107, pág. 230, e Rev. De Leg. e de Jur., Ano 107º, pág. 24) e Manuel de Andrade (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II Vol., Coimbra, 1972, pág. 464), para concluir o seguinte: “com o suporte dos normativos legais citados (arts. 329º e 331º do CC), que, se a lei não fixar outra data, o prazo de caducidade há-de começar a decorrer no momento distinguido pela norma: aquele em que o direito puder ser legalmente exercido. Porém, se tal prazo existir na lei, estando fixado temporalmente para o exercício de um direito, através da propositura da competente acção judicial, a única forma de evitar a caducidade desse direito é propondo tal acção dentro do prazo correspondente”.
Do mesmo modo, para afastar a relevância que porventura pudesse ser atribuída à situação de baixa médica do Autor e sua situação de saúde, assim no sentido de que essa situação o pudesse impedir de tomar consciência da gravidade dos comportamentos antes ocorridos imputados ao Réu (com o objetivo de se vir defender que o início do prazo só ocorreria nesse momento), veja-se o Acórdão do mesmo Tribunal de 6 de fevereiro de 2008 (Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, in www.dgsi.pt)
[23] “Contrato de Trabalho”, 3.ª Edição Reimpressão, Coimbra Editora, pags.447 e 448.
[24] “Cessação do Contrato de Trabalho” 4.ª edição revista e atualizada, Principia, pág. 579
[25] Relatora Desembargadora Maria Celina de Jesus de Nóbrega, in www.dgsi.pt.
[26] Estabelecendo o n.º 3 do artigo 351.º que “na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso concreto sejam relevantes”.
[27] Ainda na consideração de que, apesar de reconduzidos ao núcleo essencial da noção de justa causa tal como se encontra definida no n.º 1 do artigo 351.º do CT para o despedimento promovido pelo empregador, teremos no entanto de considerar a particularidade (derivada da ponderação dos diferentes valores e interesses em causa) de que a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento promovido pelo empregador.
[28] BMJ 221.º, 164.
[29] Proc.º 01A3692, Conselheiro Afonso de Melo, disponível em http://www.dgsi.pt.
[30] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2012, processo 1052/07.8TTVNG-D.P1, acessível em www.dgsi.pt