Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2628/16.8T8GDM.I.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE PROTECÇÃO
PRORROGAÇÃO DA MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
Nº do Documento: RP202104262628/16.8T8GDM-I.P1
Data do Acordão: 04/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Na base da decisão de aplicação ou manutenção de uma medida deve estar uma segura preocupação na restauração de uma imprescindível boa relação dos menores com os progenitores, sem a qual a convivência normal entre eles não é possível nem benéfica para todos e principalmente para os menores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2628/16.8T8GDM-I.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

O presente processo de promoção e proteção, relativo aos menores B…, nascido a 20.5.2010, e C…, nascido a 6.6.2014, filhos de D… e E…, teve origem na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens …, na sequência do relato pelo menor mais velho de que o progenitor teria iniciado práticas libidinosas com o irmão mais novo.

Como consta da ata de conferência de fls. 29 a 32, no dia 11 de novembro de 2019, foi aplicada aos menores a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe.

Em 9.2.2021, foi prorrogada por mais seis meses a aplicação aos menores da referida medida de promoção e proteção de apoio junto da progenitora, através da seguinte decisão:
«Nestes autos, por acordo de 11/11/2019, judicialmente homologado, foi aplicada em favor do(a/s) Criança(s)/Jovem B…, nascido a 06-06-2014, e C…, nascido a 20-05-2010, a medida de apoio junto dos pais, a executar pela mãe, pelo período de seis meses (ante a suspeita de abusos do pai aos menores), tendo sido revista sucessivamente, sendo a última a 6/7/2020.
Decorrido o prazo de execução da medida, importa proceder à sua revisão.
Foi cumprido o disposto nos artigos 84º/85º da LPCJP e não foi deduzida oposição.
Foi junto relatório social de acompanhamento da execução da medida aplicada ao(à/s) menor(es).
O Digno Magistrado Ministério Público pronunciou-se, com os argumentos explanados na sua promoção.
De acordo com a informação constante do(s) referido(s) relatório(s) retira-se o seguinte:
1) O C… é assíduo e pontual.
2) Frequenta o 1º ano de escolaridade na Escola …, no Porto.
3) Iniciou acompanhamento psicológico das crianças no F… da Universidade do Porto.
4) O B… é assíduo e pontual.
5) Frequenta o 5º ano na Escola G… no Porto.
6) Registou bom aproveitamento: obteve nível quatro a todas as disciplinas, excepto a Matemática em que foi avaliado com o nível três.
7) Tem bom comportamento dentro e fora da sala de aulas.
8) Regista rotina de passar demasiado tempo na Playstation, a jogar online, com os primos e outras pessoas desconhecidas.
9) Iniciou acompanhamento psicológico das crianças no F… da Universidade do Porto.
10) Ambos recusam estar com o pai.
11) O progenitor mantém a insistência relativamente aos contactos telefónicos com os filhos.
12) O C… continua a não falar com o pai ao telefone, mas o B… fala.
13) As perícias de pedopsiquiatria realizadas às crianças referem que as crianças demonstram «… sinais de instrumentalização indireta ou direta por terceiros, pela forma massiva como denegriu a imagem do pai descrevendo factos de uma forma confabulatória e incoerente, pelas frases adultomorfas e pelo excessivo envolvimento nos assuntos (…)».
14) Ainda não são conhecidos os resultados das perícias solicitadas à progenitora.
15) O inquérito que correu termos no DIAP contra o progenitor, onde eram vitimas as crianças, por alegado abuso a estas, foi arquivado por falta de indícios.
O ISS, I.P emitiu parecer no sentido de ser mantida a medida aplicada ao(à) menor(es)
O Digno Magistrado Ministério Público promoveu a manutenção da medida aplicada.
Cumpre decidir.
As medidas de promoção e proteção são obrigatoriamente revistas, findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, artigo 62º, nº 1, da LPCJP.
De conformidade com o disposto no artigo 3º da LPCJP, “a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou o quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.
Uma vez verificada, em concreto, uma destas situações de perigo para a criança ou para o jovem, impõe-se a aplicação de medidas de promoção e proteção, que visam afastar o perigo em que a criança ou o jovem se encontra, proporcionar-lhe as condições que permitam promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, bem como garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (artigo 34º da LPCJP).
Contudo, é sempre o superior interesse da criança que define o sentido orientador de toda a intervenção estadual, porquanto esta deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança (artigo 4º, alínea a), da LPCJP).
Neste contexto, atendendo ao teor do relatório social, e considerando que se mostra essencial o conhecimento do(s) relatório(s) do INML em falta referente à progenitora, e dada a recusa das crianças em estar com o pai, deve o pai beneficiar da intervenção psicopedagógica, tendo em vista melhorar as suas competências parentais.
Atenta a não oposição do(a/s) progenitor(a/es) e dado que a causa – situação de perigo – que deu lugar aos presentes autos não se mostra ultrapassada, de conformidade com o disposto nos artigos 3º, 34º, 35º, alínea a), 59º, nºs 2 e 3, 62º nºs 1 e 3, al c), todos da LPCJP, decide-se prorrogar a medida aplicada oportunamente, de apoio junto dos pais, a executar pela mãe, por mais seis meses, com apoio económico, conforme decreto-lei nº 12/2008 de 17 de janeiro.
Notifique H… da Universidade do Minho em Guimarães a solicitar o acompanhamento ao progenitor, no âmbito da intervenção psicopedagógica.
Previamente, notifique o progenitor para que informe se está de acordo quanto ao referido acompanhamento.
Comunique à Exmº(a) TSS, com a menção de que deve juntar, 5 dias antes do decurso do prazo o respectivo relatório social de acompanhamento.
Solicite ao INML o envio da(s) periaca(s) realizada(s) à progenitora».

Inconformado, o progenitor recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
………………………………
………………………………
………………………………

O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se deve ser mantida, por mais seis meses, a medida de promoção e proteção de apoio aos menores, a executar junto da mãe.

I. O artigo 3º, nº 1, da citada Lei nº 147/99, que fixa os pressupostos em que é legítima a intervenção do tribunal e das demais instituições de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens, estabelece o seguinte: «A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou jovem a que aqueles se não oponham de modo adequado a removê-lo».
O perigo que neste preceito se refere «traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efectiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento». Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, pág. 26.
Adotou-se a noção mais restrita de perigo, enquanto pressuposto da intervenção, em desfavor da de risco.
«Na situação de perigo, a criança já se encontra perante um facto (causal) que pode determinar dano aos seus direitos, enquanto na situação de risco ainda estamos perante a eventualidade de verificação de certo facto que pode originar uma situação que cause dano ou faça diminuir a proteção que a lei confere à criança ou jovem». Beatriz Marques Borges, Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, pág. 31.
Mas, o artigo 4º, nº 1, da Lei nº 147/99, subordina a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, entre outros, aos princípios fundamentais do interesse superior da criança e do jovem, da proporcionalidade e da prevalência da família – alíneas a), e) e g).
A intervenção está subordinada ao interesse superior da criança e do jovem, ou seja, no dizer daquela alínea a), a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
Foi aplicada e mantida a medida de promoção e proteção de apoio dos menores junto da mãe, prevista no artigo 35º, nº 1, alínea a), da citada Lei nº 147/99, medida que o progenitor/apelante, agora, pretende ver afastada, dado ter deixado de existir, em seu entender, o fundamento que motivou a sua aplicação – suspeitas de abuso sexual.
É certo que foi iniciado acompanhamento psicológico dos menores no G… da Universidade do Porto; ambos recusam estar com o pai; o C… continua a não falar com o pai ao telefone, embora o B… fale; e ainda não são conhecidos os resultados das perícias solicitadas à progenitora.
E o Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida, datado de 4.2.2021, “ambas as crianças demonstram sofrimento, confusão emocional e sentimentos ambivalentes em relação à presença e aos contactos com o pai”; é “necessário aprofundar as avaliações já efetuadas de forma a perceber melhor o impacto das vivências destas crianças e as estratégias de coping que cada uma apresenta ou terá de desenvolver para ultrapassar as adversidades de forma saudável. Independentemente da veracidade dos relatos, a observação e avaliação da dinâmica relacional pai-filhos revela a existência de comportamentos desajustados por parte do pai e sentimentos negativos e de insegurança por parte das crianças, podendo estes afetar negativamente o seu desenvolvimento psicoafetivo e relacional…até que seja realizada uma avaliação mais aprofundada do estado emocional das crianças e da melhor estratégia para possibilitar a retoma de contactos entre pai e filhos, de forma a que sejam sentidos pelos últimos como securizantes”.
Na base da decisão de aplicação ou manutenção de uma medida deve estar uma segura preocupação na restauração de uma imprescindível boa relação dos menores com os progenitores, sem a qual a convivência normal entre eles não é possível nem benéfica para todos e, principalmente para o interesse dos primeiros.
No caso, cremos que a necessidade de afastamento do pai, não demonstrada nos factos provados, pode produzir efeitos definitivos e irreparáveis na relação daquele com os filhos, como, de alguma forma, se descreve na conclusão 19ª.
Neste sentido, inexistindo indícios de abuso sexual por parte do progenitor, embora mantendo a medida de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe, deve ser implementado um regime de visitas presenciais do pai, com supervisão da entidade competente da Segurança Social, nos termos a definir por esta.
Deste modo, procede parcialmente o recurso do progenitor D….

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente a apelação e, consequentemente, embora mantendo a medida de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe, deve ser implementado um regime de visitas presenciais do pai, com supervisão da entidade competente da Segurança Social, nos termos a definir por esta.

Custas pelo apelante.

Porto, 26.4.2021
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida
Carlos Gil