Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
230/08.7GACPV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LIGIA FIGUEIREDO
Descritores: PENA DE MULTA DE SUBSTITUIÇÃO
PAGAMENTO
NOTIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
SEGURANÇA JURÍDICA
Nº do Documento: RP20160622230/08.7GACPV.P1
Data do Acordão: 06/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1010, FLS.193-198)
Área Temática: .
Sumário: Constando, erroneamente, da decisão notificada ao arguido, a possibilidade de o mesmo poder a todo o tempo evitar a execução da pena de prisão em que fora condenado e substituída por multa, pagando a multa, deve ser permitido tal pagamento em obediência aos princípios da segurança jurídica, da previsibilidade e da confiança inerente às decisões e actos dos tribunais como emanações do princípio do Estado de Direito Democrático.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 230/08.7GACPV.P1
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) nº 230/08.7GACPV.P1, da secção Única do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, o arguido B… foi condenado por sentença proferida em 21/12/2010,de cuja parte decisória consta o seguinte:
(… )Tudo visto e ponderado, o tribunal decide
a) Condenar o arguido B… como autor de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181ºe 184º do Código Penal, nas penas de 80 dias por cada crime, à taxa diária de € 6,50.
b) Condenar o arguido B… como autor de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº1 al.b) do Código Penal na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 6,50.
c) Condenar o arguido B… como autor de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artº 347º do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão substituída por 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 6,50.
a. Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena de multa de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,50 e na pena de quatro meses de prisão, substituída por 160 dias de multa, à taxa de diária de 6,50.
*
A sentença transitou em 6/2/2012.
Por despacho proferido em 30/10/2013 (cf.fls.223) e transitado em 4/6/2015, foi nos termos do artº 49º nº1 do CP determinado o cumprimento de 80 dias de prisão subsidiária relativos à pena de multa aplicada, e ainda nos termos do artº 43º nº 2 do CP determinado o cumprimento pelo arguido da pena principal de 4 meses de prisão, tendo então sido proferido o seguinte despacho (transcrição parte relevante) cf. fls.223:
“(…) O arguido foi ainda condenado na pena de 4 meses de prisão substituída por 160 dias de multa à taxa diária de 6,50 €.
Contudo o arguido não pagou a pena de multa e, por isso ao abrigo do art. 43º nº2 do CP determina-se que o arguido cumpra a pena principal de prisão.
Notifique o arguido pessoalmente e, ainda, por intermédio do respectivo defensor.
Após trânsito em julgado, emita e entregue os pertinentes mandados de detenção, fazendo constar dos mesmos que o arguido poderá, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão principal, pagando, no todo ou em parte, o montante da multa de 160 dias à taxa diária de 6,50 [artº 49º nº2 do CPenal]…”
Em 12/11/2015, o arguido procedeu ao pagamento da quantia mil e quarenta euros cf.fls 330.
Foi então proferido em 19/11/2015 o seguinte despacho:
Devidamente compulsados os autos, constata-se que o arguido B… foi condenado por sentença transitada em julgado (fls. 151 e ss.) nas seguintes penas:
a) Na pena de quatro meses de prisão substituída por cento e sessenta dias de multa à razão diária de seis euros e cinquenta cêntimos, no montante global de mil e quarenta euros;
b) Na pena de cento e vinte dias de multa à taxa diária de seis euros e cinquenta cêntimos, num total de setecentos e oitenta euros;
c) Nas custas do processo.
Por despacho datado de 30/10/2012 (fls. 223), e transitado em 04/06/2015, foi decidido: "o arguido foi condenado na pena de 4 meses de prisão substituída por 160 dias de multa à taxa diária de €6,50. Contudo, o arguido não pagou a pena de multa e, por isso, ao abrigo do art.º 43°, n.º2 do CP, determina-se que o arguido cumpra a pena principal de prisão". Acrescentando-se, em tal despacho, a seguinte advertência: "após transito, em julgado, emita e entregue os pertinentes mandados de detenção, fazendo constar dos mesmos que o arguido poderá, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão principal, pagando, no todo ou em parte, o montante da multa de 160 dias à taxa diária de 6,50 (art.º 49°, n.º2, do Código Penal)".
Em 12/11/2015, o condenado veio proceder ao pagamento da quantia referida em a) ­fls. 329 e ss.
Por promoção datada de 17/11/2015, veio o Ministério Público reiterar o teor da promoção de fls. 324/325.
Cumpre decidir.
Estabelece o art. ° 43°, n. °1 do CP que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47°". Refere o n. °2 da mesma norma que "se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n. ° 3 do artigo.
As penas principais são as directamente aplicáveis, as únicas que podem por si sós constar das normas incriminatórias, as que são expressa e individualizadamente previstas para sancionamento dos tipos de crimes; conexamente com estas desenham-se as penas substitutivas, substituindo, como o nome indica, as principais, cominadas em lugar daquelas, tanto na aplicação judicial, como previsto no art.º 43 º do CP, para a substituição da prisão por multa e 48.° do CP, quanto à substituição da pena de multa, como ainda na execução da pena de prisão, nestas se incluindo o regime de permanência na habitação ( art. ° 44. ° , do CP ), a prisão por dias livres ( art. ° 45. ° , do CP ), o regime de semidetenção ( art. ° 46. ° , do CP ), a suspensão da execução da pena ( art. ° 50.° , do CP) e a suspensão com regime de prova ( art.º 53.°, do CP)-cfr. Direito Penal Português, III , pág.85, Germano Marques da Silva.
A pena de prisão em alternativa ou sucedânea da multa não paga, não é uma pena substitutiva, pois não participa da filosofia inspiradora do movimento contra a pena de prisão, e sobretudo contra as penas curtas, a não ser muito remotamente e no sentido de que evita a pena de prisão, por conversão, além de que não é aplicada "em vez" da pena principal, deixando entrever, antes, a natureza de uma mera sanção (penal) de constrangimento, em vista de conferir-se consistência e eficácia à pena de multa.
Ora, prisão substituída por multa, que se não confunde com a pena principal de multa prevista no art.º 47.° do CP.
A pena de multa principal é pensada em termos estruturalmente pecuniários, em números de dias, com um quantitativo pecuniário diário, entre limites máximos e mínimos, suficientemente afastados entre si, sem deixar de assegurar ao condenado um " nível existencial mínimo" (assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As Consequências Jurídicas do Crime, pág., 119).
A consagração de uma pena de prisão sucedânea, em alternativa de 2/3, em caso de multa não paga, é "tão pouco desejável como irrenunciável: sem ela seria a própria pena de
Estabelece o art. ° 43°, n. °1 do CP que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47°". Refere o n. °2 da mesma norma que "se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n. ° 3 do artigo
As penas principais são as directamente aplicáveis, as únicas que podem por si sós constar das normas incriminatórias, as que são expressa e individualizadamente previstas para sancionamento dos tipos de crimes; conexamente com estas desenham-se as penas substitutivas, substituindo, como o nome indica, as principais, cominadas em lugar daquelas, tanto na aplicação judicial, como previsto no art.º 43 .0 do CP, para a substituição da prisão por multa e 48.° do CP, quanto à substituição da pena de multa, como ainda na execução da pena de prisão, nestas se incluindo o regime de permanência na habitação ( art. ° 44. ° , do CP ), a prisão por dias livres ( art. ° 45. ° , do CP ), o regime de semi detenção ( art. ° 46. ° , do CP ), a suspensão da execução da pena ( art. ° 50.° , do CP) e a suspensão com regime de prova ( art.º 53.°, do CP)-cfr. Direito Penal Português, III , pág.Bg, Germano Marques da Silva.
A pena de prisão em alternativa ou sucedânea da multa não paga, não é uma pena substitutiva, pois não participa da filosofia inspiradora do movimento contra a pena de prisão, e sobretudo contra as penas curtas, a não ser muito remotamente e no sentido de que evita a pena de prisão, por conversão, além de que não é aplicada "em vez" da pena principal, deixando entrever, antes, a natureza de uma mera sanção (penal) de constrangimento, em vista de conferir-se consistência e eficácia à pena de multa.
Ora, prisão substituída por multa, que se não confunde com a pena principal de multa prevista no art.º 47.° do CP.
A pena de multa principal é pensada em termos estruturalmente pecuniários, em números de dias, com um quantitativo pecuniário diário, entre limites máximos e mínimos, suficientemente afastados entre si, sem deixar de assegurar ao condenado um " nível existencial mínimo" (assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As Consequências Jurídicas do Crime, pág., 119).
A consagração de uma pena de prisão sucedânea, em alternativa de 2/3, em caso de multa não paga, é "tão pouco desejável como irrenunciável: sem ela seria a própria pena de multa a sofrer irreparavelmente, enquanto instrumento de actuação preferido da política criminal", (Figueredo Dias, Direito Penal Português -As Consequências Jurídicas do Crime, §553)
Daí que do seu incumprimento e em coerência sistémica resultem, na prática, consequências jurídicas diferenciadas, estabelecidas na lei penal.
E porque a multa por substituição da prisão não é a pena principal de multa prevista no art.º 47.° do CP, sempre que uma pena de substituição não seja cumprida, é inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença.
É perfeitamente aceitável, v.g., que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades, ou que, uma vez não paga sem culpa, se apliquem medidas de diversão da prisão, valendo aqui a analogia com a multa principal.
Condenado o arguido em pena de multa de substituição, nos termos do art. ° 43.° do CP, a multa deve ser paga no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado, após notificação que lhe deve ser feita, nos termos do art.º 489.° n.vs 1 e 2, do CPP, assistindo ao arguido o direito de requerer o pagamento em prestações ou dentro do prazo de um ano, nos termos do art.º 47.° n.º 3, do CP, a substituição por dias de trabalho (art.º 490.° , do CPP), porém findo o prazo para pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento por inteiro esteja efectuado, procede-se, nos termos do art. ° 491. ° n. ° 1 , do CPP , à execução patrimonial.
Exaurida esta regra, não assiste outra alternativa ao tribunal, desde que se não haja comprovado previamente a impossibilidade não culposa de satisfazer a multa, que não seja a de fazer cumprir a pena de prisão substituída.
É o que resulta da conjugação do n. ° 2 do art.° 43 .° com o art. ° 49.° , do CP e mais, com toda a cristalinidade, que a remissão feita no n.° 2 daquele art.° 43 ° é especifica e restritamente para o n.º3 e não para o n.º 2 do art.º49.º, do CP, este a facultar o pagamento da pena de multa principal a todo o tempo , sem evidente margem de aplicação à multa emergente da substituição por prisão.
A partir do trânsito, desaparece a multa e nasce a pena de prisão, as duas sanções deixam de coexistir, logo não faz sentido admitir-se o cumprimento de uma medida sem pressuposto existencial, por ter expirado o prazo dentro do qual podia satisfazer o cumprimento.
Além do que se encontra fixada jurisprudência no Acórdão de Uniformização da Jurisprudência nº12/2013: "Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43. ° n. ° s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n. ° 2 , do artigo 49. °, do Código Penal".
Dúvidas não restam que é o que se aplica ao caso dos autos.
Poderia, no entanto, colocar-se a questão de o despacho de fls. 223 conter a advertência: "após transito, em julgado, emita e entregue os pertinentes mandados de detenção, fazendo constar dos mesmos que o arguido poderá, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão principal, pagando, no todo ou em parte, o montante da multa de 160 dias à tava diária de 6,50 (art.º 49°, n.º2, do Código Penal)".
Ora, o que transita em julgado numa decisão ou despacho judiciais são os pressupostos de aplicação da norma ou instituto jurídico, e a decisão aí contida. No caso concreto, os pressupostos da revogação da pena de multa e a referida decisão de revogação.
Advertência constante do mesmo, porque não é uma decisão, nem análise dos pressupostos de aplicação da revogação, está fora do alcance do transito em julgado do despacho - sendo certo que só por mero lapso a mesma foi aí incluída, atendendo às disposições legais aí citadas.
Assim, face a tudo o que foi dito, e conforme o doutamente promovido, deve ser expedido às autoridades competentes o mandado de detenção europeu.
Notifique.
Após transito do presente despacho, emita os competentes mandados.
*
Veio o Ministério Público promover (fls. 333) que se declare extinta pelo cumprimento a pena de 120 dias de multa à taxa diária de 6,50C, no montante global de 7S0,00C, nestes autos também aplicada ao arguido, imputando-se tal montante ao pagamento efectuado a fls. 330.
Tendo em conta o teor do despacho que antecede, imputa-se a tal pena, o montante pago pelo arguido.
Tudo visto, nos termos do artigo 4750 do Código de Processo Penal, declaro extinta a pena de 120 dias de multa à taxa diária de €6,50 aqui aplicada ao arguido, pelo seu cumprimento.”
(…)
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Inconformado, o arguido B… interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
(…)
1. O despacho recorrido viola Princípio do Estado de Direito previsto no artigo nº2 da CRP, no seu subprincípio da protecção da segurança jurídica, uma vez que altera legitimamente as decisões anteriormente proferidas nos autos.
II. Ainda que exista um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência no sentido do despacho recorrido, o mesmo não tem aplicação uma vez que é posterior às decisões validamente proferidas e transitadas em julgado.
III. Deve ser tido em conta o pagamento realizado pelo Arguido considerando-se paga a pena de multa em substituição da prisão.
Termos em que, nos melhores de direito e com o Douto Suprimento de Vª Exª, deve o despacho recorrido ser revogado, por violação do princípio do Estado de Direito, previsto no artº 2ª da CRP;
Deve em consequência, ser considerada paga pelo Arguido a pena de multa em substituição da pena de prisão.
(…)

A Magistrada do MP apresentou resposta na qual pugna pela improcedência do recurso.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta louvando-se na resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP o arguido respondeu, alegando que entendia ser irrelevante para a boa decisão da causa, o desentranhamento ordenado pelo tribunal a quo, do esclarecimento de que o despacho recorrido era o de 19/11/2015, concluindo como no recurso.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, a única questão colocada no recurso é saber se o despacho recorrido deve ser revogado e o pagamento efectuado pelo arguido, ser considerado para pagar a pena de multa em substituição da pena de prisão.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
O recorrente alega que o despacho recorrido ao não permitir o pagamento da multa de 160 dias à taxa diária de 6,5 €, no montante de 1040 € violou o princípio da protecção e segurança jurídica, uma vez que altera ilegitimamente as decisões anteriormente proferidas nos presentes autos, uma vez que na decisão fls. 223 proferida em 30/10/2012 se consignou expressamente “ Após trânsito em julgado, emita e entregue os pertinentes mandados de detenção, fazendo constar dos mesmos que o arguido poderá, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão principal, pagando, no todo ou em parte, o montante da multa de 160 dias à taxa diária de 6,50 [artº 49º nº2 do CPenal]”.
O despacho recorrido afastou a imputação da quantia 1040 € na pena de multa aplicada em substituição da prisão face à natureza da multa de substituição com fundamento em que após o despacho o trânsito do despacho que determina a execução da prisão, perdeu aquela natureza, invocando além do mais a jurisprudência fixada pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº12/2013 no sentido de que “Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.° n. °s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n. ° 2 , do artigo 49. °, do Código Penal..”
Vejamos.
À data em que foi proferido o despacho de fls.223 que determinou o cumprimento da pena principal de prisão de 4 meses, existiam duas correntes Jurisprudenciais, relativamente à aplicação do disposto no artº 49º nº2 do CP à multa de substituição da prisão, como bem dá conta o Ac. de Fixação de Jurisprudência nº12/2013 que veio dirimir tal dissensão no sentido da inaplicabilidade do disposto no artº 49º nº2 do CP após o trânsito do despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão.,
A inserção no final do despacho de fls.223, da possibilidade de o arguido poder a todo tempo, evitar total ou parcialmente, a execução da pena principal, pagando no todo ou em parte, o montante da multa de 160 dias à taxa de 6,50 [artº 49º nº2], ainda que se aceite não fazer substancialmente parte da decisão que determinou o cumprimento da pena de prisão, para efeitos de ser considerado um acto decisório nos termos do artº 97º do CPP, e como tal não abrangido pelo caso julgado formal da decisão, constava contudo da notificação efectuada ao arguido.
Ora, face a tal notificação a expectativa jurídica do arguido à data da mesma era a de que podia a todo o tempo evitar o cumprimento da pena de prisão principal mediante o pagamento dos 160 dias de multa, nos termos do artº 49º nº2 do CP.
Não permitir agora tal pagamento é pois violador dos princípios da previsibilidade e da confiança que são uma das vertentes do Estado de Direito Democrático consagrado no artº 2ª da CRP.
Sem prejuízo de a jurisprudência do citado ac. de Fixação de Jurisprudência nº12/2013, enquanto interpretativo ser de aplicação imediata, haverá contudo sempre de salvaguardar as decisões anteriores e os princípio da protecção da confiança legítima e segurança inerente às decisões e actos dos tribunais.
Sobre o conteúdo do princípio geral da segurança jurídica, e da confiança escreve o Prof. Gomes Canotilho: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso desde cedo se consideram os princípios da segurança e da protecção jurídica da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito (…).O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de protecção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se legam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico”.[1]
Assim, e por força dos referidos princípios da confiança e segurança jurídica, deve o pagamento da multa de 160 dias à taxa diária de seis Eros ser admitido, e como tal deverá a pena de 4 meses de prisão que aquela substituiu ser julgada extinta pelo cumprimento em vez da pena de multa principal, - sem prejuízo do conhecimento prescrição desta que possa ou não ter ocorrido - ficando consequentemente sem efeito a ordenada emissão dos mandados de detenção.
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*
III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em no provimento do recurso interposto pelo arguido B… revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita o pagamento da multa em substituição da pena de prisão em que o arguido foi condenado, com as legais consequências.
Sem tributação

Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 22/6/2016
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
____
[1] José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7ª ed. 2003. p.257.