Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7687/10.4TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RP201706217687/10.4TBMTS.P1
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 722, FLS 92-113)
Área Temática: .
Sumário: Integra o crime de falsificação p.p. pelo artº 256º nº1 al. a) CP, a conduta do agente que preenche do seu punho o local reservado ao sacador do cheque apondo nele o seu próprio nome, bem sabendo que o cheque não lhe pertence, nem nenhum direito lhe assiste a utilizá-lo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 7687/10.4TBMTS da Comarca do Porto, Matosinhos, Intância Local, Juízo Criminal, J2.

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – José Piedade

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento foi o arguido B... condenado,

parte criminal:

como autor material de um crime de,
- falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.°/1 alíneas a) e c) e 3 do Código Penal, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de € 5.50;
- burla simples, p. e p. pelo artigo 217.°/1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,50;
- em cúmulo jurídico, na pena única de 300 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, no total de € 1.650,00;

parte cível:

na parcial procedênca do pedido cível deduzido por C... a pagar, a título de compensação dos danos não patrimoniais a quantia de € 800,00, acrescida de juros de mora desde a presente data e a título de danos patrimoniais a quantia de € 3.250,00 - a título de responsabilidade solidária com E... - acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

I. 2. Inconformado com o assim decidido, recorre o arguido – pugnando pela sua absolvição dos crimes de falsificação e de burla, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
1. o presente recurso é interposto da sentença de 21 de dezembro de 2016 de fls. 870 a 892 dos autos;
2. o recorrente não se conforma com a condenação, por errada, injusta e excessiva, e vem impugná-la, em matéria de facto e de Direito;
3. pelo menos as passagens de factos concretos que constam dos n.°s 2, 3, 8 e 9 ora se impugnam por, no entendimento do recorrente, além de falsos no que respeita à sua participação, não terem resultado da prova produzida em audiência de julgamento;
4. com a impugnação destes factos, pretende o recorrente demonstrar que inexiste qualquer prova que demonstre, para além da dúvida razoável, que foi o aqui recorrente quem preencheu e apôs o seu nome no cheque mencionado nos autos;
5. com a impugnação destes factos, pretende o recorrente demonstrar que inexiste qualquer prova que demonstre, para além da dúvida razoável, que o recorrente em momento algum tenha sugerido ser gerente ou representante legal da empresa titular do mencionado cheque;
6. com a impugnação destes factos, pretende o recorrente demonstrar que inexiste qualquer prova que demonstre, para além da dúvida razoável, os pressupostos subjedvos dos crimes, designadamente o conhecimento e a vontade de neles participar ativa e conscientemente;
7. a discordância com a matéria facto assenta essencialmente nas manifestas contradições entre a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente entre o que consta dos documentos (máxime o cheque dc fls. 7 e ficha de fls. 18) e os depoimentos do assistente C... e da testemunha D...;
8. além disso, e no que respeita ao facto provado em "2", entende o recorrente que, após a produção da prova, não poderia o Tribunal recorrido ficar ainda em dúvida quanto a quem preencheu o citado cheque ("o arguido ou Amando") e ainda que tal dúvida subsistisse, teria sempre de ser valorada a favor do aqui recorrente;
9. não fazendo, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 127.º C P Penal e 32.°/2 da C R P;
10, por outro lado, não se diga que a prova documental - o cheque - junto aos autos indicia o contrário, pois que não tendo sido efetuada qualquer perícia à letra c ou às assinaturas nele apostas, não se pode dele retirar que tenha sido o aqui recorrente quem ali escreveu o seu nome;
11. mais: o Tribunal recorrido igualmente errou ao considerar que o arguido teria aposto no cheque "o que lhe pareceu ser a assinatura de um dos gerentes daquela sociedade, assinatura essa que, assim, imitou...", já que, analisado o cheque de fls. 7, apenas constatamos que nele foi escrito o nome do arguido B..., sendo certo que este não era gerente ou representante legal da sociedade titular do cheque (cfr. fls 18);
12. na verdade, o assistente aceitou sem mais o cheque que lhe foi entregue para pagamento da cartinha, não tendo percebido sequer que tal cheque entregue pelo co-arguido E... era pertencente a uma sociedade por quotas e não a pessoas singulares que, alegadamente, o assinaram;
13. o nome do arguido escrito no cheque nada revela quanto a quem o teria ali aposto, designadamente se teria sido o recorrente a assinar ou se teria convencido o assistente que era gerente ou legal representante da firma titular do mesmo;
14. inexistem igualmente provas que revelem os pressupostos subjetivos dos crimes, designadamente o conhecimento e a vontade do aqui Recorrente de neles participar ativa e conscientemente;
15. no que respeita à matéria de Direito, o Tribunal a quo, ao condenar o recorrente violou os artigos artigos 256.°/1 alíneas a) e c) e 3 e 217.°/1, ambos do Código Penal;
16. ainda que assim não fosse, entende o recorrente que nunca poderia ter sido condenado pela prática do crime de falsificação, uma vez que não subsistem os seus elementos objetivos, já que não o comete "... o agente que apõe o seu nome num cheque relativo a uma conta de uma sociedade sem que tenha poderes para assinar cheques da referida sociedade", das palavras de Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, na pág. 932 e 933;
17. ao condenar o aqui recorrente pela prática do crime de falsificação, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 256.°/1 alíneas a) e c) e 3 C Penal;
18. o recorrente, por dever de defesa, impugna igualmente a medida das penas aplicadas que considera excessivas;
19. a medida das penas parcelares na qual o recorrente foi condenado é desproporcional à ilicitude c culpa decorrentes dos factos dados como provados ou que deveriam ter sido dados como provados e dos elementos de prova resultantes dos autos;
20. em concreto, o recorrente invoca como razões de discordância as motivações relativas à ilicitude, à fé pública do cheque, ao dolo e à inexistência de fundamentação da pena do crime de burla na sentença ora em crise;
21. tudo considerado, não sendo absolvido (o que não se percebe nem aceita) entende o recorrente que a medida das penas parcelares aplicadas pelo Tribunal a quo é manifestamente excessiva (e consequentemente a pena única encontrada) e, por isso, violadora do disposto nos artigos 70° a 72° do Código Penal.

I. 3. Na resposta que apresentou o Magistrado do MP pugna pelo não provimento do recurso.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, da mesma forma, defende o não provimento do recurso.

Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são tão só,
a violação do princípio in dubio pro reo;
a existência de erros de julgamento;
a subsunção dos factos ao direito e,
a dosimetria das penas.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

Factos provados

1. Em data não concretamente apurada, anterior e provavelmente próxima do dia 7 de Fevereiro de 2007, o arguido B..., ou E... com o conhecimento deste, entrou na posse do módulo cheque n° .........., da conta n° ..........., do F..., de que é titular a sociedade comercial com a firma "G..., Lda", com sede na Rua ..., n° ..., em ..., Gondomar, cheque esse que se encontrava, na altura, completamente em branco.
2. A hora não apurada do referido dia 7 de Fevereiro de 2007, nas instalações da H... situadas na ..., na localidade de ..., área desta comarca de Matosinhos, o arguido ou E... com conhecimento e anuência daquele e na posse desse cheque e encontrando-se os dois com o assistente C..., preencheu-o com os dizeres que dele constam, emitindo-o a favor do referido C..., datando-o de 7 de Fevereiro de 2007 e no mesmo apondo a quantia de € 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros) em numerário e por extenso e o local de emissão ....
3. Seguidamente, o arguido apôs no dito cheque, pelo seu próprio punho e no local próprio para a assinatura do respectivo titular da conta, o que lhe pareceu ser a assinatura de um dos gerentes daquela sociedade, assinatura essa que, assim, imitou, dessa forma viciando o dito cheque.
4. Tal cheque assim alterado e viciado entregou-o o arguido ao assistente, para pagamento do preço do veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, da marca Toyota e modelo ..., com a matrícula ..-..-JE que ao dito assistente haviam adquirido, sendo que este, de nada desconfiando, aceitou o dito cheque como se fosse bom como meio de pagamento de tal quantia.
5. Apresentado a pagamento no dia 8 de Fevereiro de 2007, aos balcões da agência bancária do F... da localidade de ..., veio o referido cheque a ser devolvido sem ser pago, pois no momento em que se examinou a conta sobre que foi sacado, constatou-se que existia no banco sacado uma declaração, datada de 7 de Fevereiro de 2007 e subscrita pelos gerentes da sociedade titular da conta, através da qual estes, comunicando o respectivo extravio, proibiram o seu pagamento.
6. Por via disso, o assistente C... não viu satisfeito o seu crédito sobre o arguido, encontrando-se prejudicado pelo menos na quantia naquele cheque mencionada.
7. Ao entregar o mencionado cheque ao assistente C..., o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo perfeitamente que não era o legítimo portador desse cheque e pelo menos admitindo como possível, conformando-se com tal possibilidade, que o mesmo não tinha boa cobrança, factos que ocultou ao dito C..., procurando alcançar para si, como alcançou, benefício económico a que sabia não ter direito, correspondente ao facto de dessa forma adquirir, como adquiriu, o veículo automóvel acima mencionado, igualmente bem sabendo que o estratagema descrito era idóneo a tal fim que visou.
8. Sabia ainda o arguido que, não sendo o legítimo portador de tal cheque, não possuía legitimidade para o preencher e assinar, como o fez e, consequentemente, que o não podia usar conforme foi descrito, entregando-o ao assistente C..., igualmente bem sabendo que agia contra a vontade e sem a autorização da pessoa que figurava no mesmo como titular da conta bancária sobre que fora sacado e que, consequentemente, tal era inclusivamente susceptível de causar prejuízo patrimonial a esta, prejuízo esse em montante equivalente à quantia aposta no dito cheque, o que só não se veio a verificar por o cheque, apesar de haver sido apresentado a pagamento, não haver sido pago, tendo sido devolvido com a menção de que fora extraviado pelo dono e, portanto, por razões independentes da sua vontade.
9. Agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de por em crise a fé pública de que goza tal título de crédito e criando no mencionado assistente C..., a quem, nos moldes supra referidos, o entregou, na errónea convicção de que o mesmo lhe pertencia e que tinha boa cobrança.
10. Sabia também que a sua actuação punha em causa a fé pública, que os cheques, como títulos de crédito, gozam nos circuitos comerciais e sócio-económicos, desta forma também prejudicando o Estado.
11.Oarguido actuou ciente que todo o seu descrito comportamento era proibido e punido por Lei.
12. O arguido não regista antecedentes criminais.
13. Tem o 4.° ano de escolaridade.
14. Vive com a actual companheira em casa da sogra.
15. Aufere uma pensão de invalidez no montante mensal de € 362,72.
16. É tido como pessoa trabalhadora.
17. Padece desde há cerca de 15 anos de problemas crónicos de saúde, e desde meados de 2002 teve episódios de urgência e internamento para realização de cirurgias.
18. Desde então a sua vida tem sido passada, quando consciente, em hospitais e clínicas de saúde.
19. Em 2005 os seus problemas de saúde agravam-se e necessita de tratamentos clínicos de urgência.
20. A 30/12/2012, sofreu acidente vascular cerebral com capsulo lenticular direita.
21. Em sequência deste episódio, as suas capacidades motoras e de expressão ficaram bastante afectadas.
22. A 04/03/2013, o arguido sofreu choque séptico com ponto de partida em abcesso retro faríngico e para-amigdalino acompanhado de mediastinite.
23. A11 de Julho sofreu novo choque séptico acompanhado de AVC hemorrágico.
24. Na sequência destes episódios, o arguido ficou sujeito a internamento na I... a 10 de Julho, após internamento na J..., com diagnóstico de Síndrome de Imobilidade Prolongada, após internamento no serviço de Medicina 4/CHVNGaia, de 4 de Março a 4 de Junho de 2013, por choque séptico, complicado com mediastinite com necessidade de colocação de PEG para alimentação entérica e traqueostomia.
25. No ano de 2016, surgem novos episódios de urgência no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia Espinho com sintomas de AVC, a 19 de Março, mantendo-se em observação até ao dia 20 de Março e posteriormente no dia 25 de Março.
26. Devido aos episódios descritos, o arguido tem as suas capacidades motoras e intelectuais seriamente comprometidas.
27. Quando não se encontra internado em instituição hospitalar, o arguido necessita permanentemente de acompanhamento de terceiras pessoas que dele cuidem e providenciem a sua medicação.
28. Actualmente desloca-se em cadeira de rodas e não tem qualquer autonomia pessoal.
29. Na realização das tarefas básicas diárias depende em exclusivo da ajuda da sua companheira.
30. Em consequência da actuação do arguido referida em 1. a 6., o demandante C... ficou privado do valor do cheque e não obstante ter tentado proceder à apreensão do veículo a mesma não foi possível, já que este já se encontrava registado em nome do actual proprietário.
31. O ofendido teve de recorrer ao crédito no valor acrescido de que se viu desapossado, como forma de liquidar a viatura marca Wolksvagen, modelo ..., com matrícula ..-CV-.. que adquiriu na H....
32. O demandante sofreu, devido ao sucedido, mal estar psicológico por se ter sentido enganado, vergonha e humilhação perante familiares e amigos.
33. Até à data, o demandante não recebeu qualquer quantia referente ao cheque referido em 1. a 6.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

Nos termos do disposto no art. 124.° do C.P.P. constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicável.
O princípio básico que norteia a apreciação da prova é o da sua livre apreciação tal como prescrito pelo art. 127.°, n.° 1 do C.P.P.: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente».
A este propósito, releva a apreciação feita pelo Cons. Armando Leandro no Ac. do STJ de 16/01/2002, Proc. n° 3649/01 - 3a Secção, que afirma o seguinte:
"O critério da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.°, do CPP, não significa a possibilidade de apreciação puramente subjectiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objectiva e crítica e em boa medida objectivamente motivável, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos; engloba porém não só os factos probandos apreensíveis por prova directa mas também os factos indiciários, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles, tendo por base as referidas regras, conduzem à prova indirecta daqueles outros factos, que constituem o tema da prova; tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve porém, naturalmente, também elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer com honestidade e maturidade para melhor impedir que possam ser fonte de arbitrariedade e permitir actuem, pelo contrário, como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível".
Inspirados por este mote cumpre, então, explanar os elementos probatórios nos quais se baseou o tribunal para dar como provados e não provados os factos supra elencados.
Foram tidos em conta os seguintes elementos de prova:
Prova documental:
cheque de fls. 7;
pedido de cancelamento de cheques de fls. 40;
cheques cujas fotocópias constituem fls. 16 e respectivos talões de depósito de fls. 62 a 64;
ficha de assinaturas de fls. 18;
declaração de fls. 25 (comunicação, efectuada em 3/12/2004, da subtracção do cheque em causa);
extracto de conta de fls. 58 e documento bancário de fls. 65.
CRC de fls. 861.
Prova Testemunhal:
C...
D..., id. a fls. 64;
K..., id. a fls. 71;
L...
M....
O arguido não prestou declarações, exercendo o seu direito ao silêncio.
A par dos documentos já mencionados, foram determinantes as declarações do assistente C..., que interveio directamente na situação em causa nos autos e reconheceu peremptoriamente o arguido como tendo nela participado.
O assistente pretendia adquirir uma viatura e tinha um usado para dar à troca, o referido veículo Toyota ..., sendo que o Sr. D... lhe indicou o Sr. E... como comprador de usados e que poderia adquirir a sua viatura. Isto mesmo foi confirmado pela testemunha D..., funcionário da H..., que explicou ter apresentado o assistente ao Sr. E..., embora não tenha depois assistido ao negócio celebrado entre o arguido, este e o assistente por se encontrar ausente na altura.
Para além disso, o assistente C... explicou que, na sua presença, o arguido e o Sr. E..., intitulando-se como sócios, preencheram o cheque constante de fls. 7. Explicou que o Sr. E... lhe foi apresentado pelo vendedor da H..., sendo pessoa de confiança deste, motivo pelo qual aceitou o cheque que lhe foi entregue por este e pelo arguido sem suspeitar de nada.
Para além disso, mesmo estando o cheque associado a uma sociedade, uma vez que o arguido e o Sr. E... se intitularam como sócios tal não lhe levantou suspeitas.
Quando apresentou o cheque a pagamento, o mesmo não foi pago.
O assistente reconheceu sem margem para dúvidas o arguido como tendo assinado o cheque, referindo que esse lhe exibiu o seu bilhete de identidade, e ainda que a sua assinatura era coincidente com a do BI.
Pelo exposto, o tribunal não teve quaisquer dúvidas relativamente à autoria do arguido nos factos dados como assentes em 1. a 6,
O assistente mais esclareceu que até à data não recebeu qualquer quantia relativamente ao cheque que não foi pago, e se viu obrigado a alterar o crédito que previra pedir inicialmente devido ao seu não pagamento, não tendo dado qualquer quantia de entrada para o veículo que adquiriu e tendo aumentado o número de prestações e a quantia a pagar a título de juros.
Mais explicou nunca mais ter recuperado a sua viatura Toyota ..., pois fora logo registada em nome de outro comprador.
Explicou ainda como se sentiu enganado e revoltado com o sucedido, ainda hoje sofrendo as suas consequências.
A testemunha N..., filho do assistente, referiu ainda que o pai ainda tentou pedir dinheiro emprestado para colmatar a quantia de que se viu privado (os € 3.250), mas como não conseguiu teve de aumentar o valor do crédito. Explicou ainda como este ficou abalado, afectado e deprimido com o sucedido.
De forma idêntica, a testemunha O... explicou que o assistente o chegou a abordar para pedir dinheiro emprestado em virtude do sucedido.
Para prova das condições económicas e sociais do arguido (factos 13 a 29), foram tidas em conta as suas declarações nesta parte, bem como o depoimento da testemunha M..., amigo do arguido, bem como a documentação (incluindo elementos clínicos) constante dos autos a fls. 739-789 e 862-864.
Foi tido em conta o teor do CRC constante dos autos a fls. 861.

III. 3. Apreciemos, então, os fundamentos do recurso pela sua ordem de precedência lógico-processual – que, não coincide, totalmente, com aquela dada pelo arguido.

III. 3. 1. A violação do princípio in dubio pro reo.

Expressamente pretende o arguido - através da impugnação da matéria de facto - demonstrar que inexiste qualquer prova que demonstre, para além da dúvida razoável,
- que foi ele quem preencheu e apôs o seu nome no cheque mencionado nos autos;
- que, em momento algum, tenha sugerido ser gerente ou representante legal da empresa titular do mencionado cheque;
- os pressupostos subjectvos dos crimes, designadamente o conhecimento e a vontade de neles participar ativa e conscientemente,
assentando a sua discordância, essencialmente, nas manifestas contradições entre a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente entre o que consta dos documentos, maxime o cheque de fls. 7 e ficha de fls. 18 e os depoimentos do assistente e da testemunha D... e, concretamente, o facto dado como provado como n.º 2 não é, em si mesmo suficentemente assertivo relativamente ao seu conteúdo - após a produção da prova, não poderia o Tribunal recorrido ficar ainda em dúvida quanto a quem preencheu o citado cheque: se o arguido ou se o E... e, ainda que tal dúvida subsistisse, teria sempre de ser valorada a seu favor.
Assim, se na cogitação do recorrente estará - seguramente pelos termos e forma como, em substância, se exprime – a pretensão de impugnar a matéria de facto, tendo, de resto, dado cumprimento aos requisitos mencionados no artigo 412.º/ 3 e 4 C P Penal, pois que, desde logo, especifica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados - não praticou os crimes, passando, depois, a invocar e a fazer a sua leitura das concretas provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, que situa no suporte da gravação, transcrevendo e analisando alguma dela, na parte que lhes interessará - o que está vedado para a apreciação dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, como é sabido - o certo é que acaba, também, por enquadrar o fundamento do recurso na apontada violação do dito princípio geral da prova em processo penal.
Como se sabe, a violação do princípio geral da prova em processo penal, do in dubio pro reo, pode e deve ser tratado, em sede do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410º C P Penal.
Que assim, desde logo, há-de resultar do texto da decisão recorrida, ainda que com recurso às regras da experiência e, que há-de decorrer, inequivocamente, da motivação acerca da formação da convicção do tribunal ali afirmada.
O princípio in dubio pro reo, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico de presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.
No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida.
“Em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido”, cfr. Rui Patrício, in “ O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português”, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.
Como cremos resultar do supra transcrito, que a decisão recorrida procurou demonstrar, na motivação e no exame crítico da prova, a existência das razões pelas quais o tribunal deu como provados os factos, contra cujo julgamento, genericamente, o recorrente se insurge, permitindo-lhe, nesta fase, de recurso, todos os meios de defesa, e ao tribunal de recurso, assim como a qualquer cidadão, reconstruir retrospectivamente o iter percorrido na decisão recorrida.
O princípio in dubio pro reo como regra de decisão da prova, é a solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:
necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;
a inadmissibilidade da pena de suspeição;
a opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável;
a possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;
a consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;
a convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, este princípio deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção, cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, 165 e ss., citada no Ac. deste Tribunal de 4.7.2007, relator António Gama, que aqui seguimos de perto.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, a simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo.
Não basta a mera probabilidade de existir uma hipótese contrária à da acusação, para que se possa afirmar que tal obsta à condenação do arguido.
Será seguramente, necessário para fazer desencadear a aplicação deste princípio, que a versão do arguido seja plausível e demonstrável, pois só uma versão credível subjaz a uma dúvida racional. Não basta a mera plausibilidade e verosimilhança da sua versão para que surja sem mais, a dúvida séria e razoável.
A dúvida só pode surgir de uma versão plausível dos factos minimamente fundada e sustentada.
Se da decisão recorrida resultar que o tribunal (não o recorrente) chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido, há que concluir pela violação de tal princípio.
Da mesma forma, se tal princípio for invocado sem fundamento, sério e razoável, seja fora das condições concretas de que depende a sua aplicação e, não obstante se decretar a absolvição do arguido.
A questão que se coloca - e que o fundamento aduzido pelo arguido bem evidencia de resto - é a de saber qual a natureza, a dimensão e a característica que deve assumir a dúvida - a que o tribunal chegue - como pressuposto e justificação da aplicação deste princípio.
Não pode deixar de ser uma dúvida insanável, razoável, racional, objectiva e séria e, não meramente subjectiva, intuitiva e assente em meras conjecturas ou suposições.
Tão pouco, fundada e estruturada numa errada apreciação da prova.
Importa, assim, indagar se no caso, a regra da absolvição na dúvida, foi, ou não, violada.
E a resposta a dar depende da apreciação que se fizer sobre se merece censura o processo lógico e racional, subjacente à formação da afirmada convicção. Depende do facto de se poder, ou não considerar como suficiente e bastante a fundamentação. Depende do facto de se poder, ou não, afirmar que o tribunal errou, notoriamente - na apreciação e na valoração que fez da prova.
O que nos remete para a formulação da questão de saber qual o grau de certeza exigível para que se dê determinado facto como provado.
Isto, porque a certeza que se visa alcançar será sempre uma certeza possível, uma firme persuasão da verdade e nunca a certeza absoluta.
Antes a verdade lógica, racional e processualmente válida resultante da concreta prova produzida nos autos.
Será que se justifica que o Tribunal de 1.ª instância tenha ficado na dúvida sobre a autoria dos factos?
Obviamente que, desde logo, a conclusão afirmada pelo recorrente tem subjacente a sua própria, subjectiva, interessada e parcial, valoração do conjunto da prova produzida.
E como se sabe, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
O que, de todo, está longe de acontecer no caso concreto.

Donde, está, assim, este segmento do recurso votado ao insucesso.

III. 3. 2. Erros de julgamento.

A questão suscitada pelo recorrente tem subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.

III. 3. 2. 1. As razões do arguido.

Discorda da afirmação dos factos que constam dos n.°s 2, 3, 8 e 9, respectivamente, do seguinte teor:
2. A hora não apurada do referido dia 7 de Fevereiro de 2007, nas instalações da H... situadas na ..., na localidade ..., área desta comarca de Matosinhos, o arguido ou E... com conhecimento e anuência daquele e na posse desse cheque e encontrando-se os dois com o assistente C..., preencheu-o com os dizeres que dele constam, emitindo-o a favor do referido C..., datando-o de 7 de Fevereiro de 2007 e no mesmo apondo a quantia de € 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros) em numerário e por extenso e o local de emissão ....
3. Seguidamente, o arguido apôs no dito cheque, pelo seu próprio punho e no local próprio para a assinatura do respectivo titular da conta, o que lhe pareceu ser a assinatura de um dos gerentes daquela sociedade, assinatura essa que, assim, imitou, dessa forma viciando o dito cheque.
8. Sabia ainda o arguido que, não sendo o legítimo portador de tal cheque, não possuía legitimidade para o preencher e assinar, como o fez e, consequentemente, que o não podia usar conforme foi descrito, entregando-o ao assistente C..., igualmente bem sabendo que agia contra a vontade e sem a autorização da pessoa que figurava no mesmo como titular da conta bancária sobre que fora sacado e que, consequentemente, tal era inclusivamente susceptível de causar prejuízo patrimonial a esta, prejuízo esse em montante equivalente à quantia aposta no dito cheque, o que só não se veio a verificar por o cheque, apesar de haver sido apresentado a pagamento, não haver sido pago, tendo sido devolvido com a menção de que fora extraviado pelo dono e, portanto, por razões independentes da sua vontade.
9. Agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de por em crise a fé pública de que goza tal título de crédito e criando no mencionado assistente C..., a quem, nos moldes supra referidos, o entregou, na errónea convicção de que o mesmo lhe pertencia e que tinha boa cobrança,
pois que considera que, além de falsos no que respeita à sua participação, não terão resultado da prova produzida em audiência de julgamento.
Assim e, desde logo, no que respeita ao facto provado em 2,
entende que, após a produção da prova, não poderia a decisão recorrida ficar ainda em dúvida quanto a quem preencheu o citado cheque ("o arguido ou E...") e ainda que tal dúvida subsistisse, teria sempre de ser valorada a favor do agora aqui arguido - não fazendo, violou o disposto nos artigos 127.° C P Penal e 32.°/2 da CRP – isto porque o facto dado como provado como n.º 2 não é, em si mesmo suficentemente assertivo relativamente ao seu conteúdo - após a produção da prova, não poderia o Tribunal recorrido ficar ainda em dúvida quanto a quem preencheu o citado cheque: se o arguido ou se o E... e, ainda que tal dúvida subsistisse, teria sempre de ser valorada a seu favor;
nem se diga que o cheque indicia o contrário, pois que não tendo sido efetuada qualquer perícia à letra e ou às assinaturas nele apostas, não se pode dele retirar que tenha sido o arguido, quem ali escreveu o seu nome;
tendo, a decisão recorrida, errado, ainda, ao considerar que o arguido teria aposto no cheque "o que lhe pareceu ser a assinatura de um dos gerentes daquela sociedade, assinatura essa que, assim, imitou...", já que, analisado o cheque, apenas se constata que nele foi escrito o nome do arguido B..., sendo certo que este não era gerente ou representante legal da sociedade titular do cheque, como resulta de fls 18;
e, assim, o assistente aceitou, sem mais, o cheque que lhe foi entregue para pagamento da carrinha, não tendo percebido sequer que tal cheque entregue pelo co-arguido E... era pertencente a uma sociedade por quotas e não a pessoas singulares que, alegadamente, o assinaram;
sendo que o nome do arguido escrito no cheque nada revela quanto a quem o teria ali aposto, designadamente se teria sido o ora arguido a assinar ou se teria convencido o assistente que era gerente ou legal representante da firma titular do mesmo;
inexistindo, assim, igualmente, provas que revelem o elemento subjetivo dos crimes - designadamente o conhecimento e a vontade do aqui arguido de neles participar ativa e conscientemente.
Como concretas provas que impõem decisão diversa, cita, invoca, localiza e analisa excertos das declarações do assistente e do depoimento da testemunha D..., situando, desde logo, as razões da sua discordância, essencialmente nas manifestas contradições entre a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente entre o que consta dos documentos e, maxime, do cheque e, das apontadas declarações e depoimento.
Assim:
- assistente:
o que eu me recordo... O que se passou foi uma troca de viatura que fiz a esse Sr. B..., portanto ele ficou com a viatura, nas instalações da H..., na troca de uma viatura... que efectuou o pagamento com um cheque que vim a saber tinha sido roubado;
Juíza – e, na altura esse senhor trabalhava no stand ?
Assistente - não, não, não... Eu fui, portanto, comprar o carro ao stand e o vendedor do Stand é que me indicou este Sr. B..., que eu não conhecia de lado nenhum ... portante era um senhor que já era habitual n atroca d evaturas ... ficava com as viaturas dos clietes ... foi essa situação;
Juíza - Muito bem ...
Assistente – o senhor B... eu não conhecia de lado algum ... foi indicado pelo vendedor da H...;
para daqui concluir por que destas declarações vagas, imprecisas e dispersas do assistente, o arguido teria sido apresentado pelo vendedor da H..., o Sr. D... - versão que não é, nem de perto nem de longe, confirmada por esta testemunha D...:
Juíza - O Sr. conhece o aqui Arguido, o Sr. B...?Que eslá atrás de si?
Testemunha - Eu vi-o uma vez com o Sr. E... .... Eu conhecia o Sr. E... ....
Juíza - Conhecia já o Sr. E...? E através dele conheceu também...
Testemunha- Por acaso já não me recordo deste Sr... Eu trabalhei com o Sr. E... na P..., também uma empresa de automóveis, há 29 anos se não me falha a memória...
para daqui concluir por que, a testemunha D... não conhecia o arguido B..., pelo que não podia tê-lo apresentado ao assistente, como, na verdade, não o fez;
testemunha - Eu tinha o valor que o Sr. C... não aceitou o negócio.... E depois pedi ao Sr. C... se podia dar o número de telefone de uma pessoa que comprava uns carritos usados...
Procurador - E essa pessoa era ...?
Testemunha - O Sr. E... ...
Procurador: O sr. E.... ..O seu conhecido com quem tinha trabalhado.
Testemunha - Portanto, eu trabalhei há 29 anos....
Procurador - Sim sim, com quem tinha trabalhado... Ele dedicava-se à venda de automóveis, comprava uns carritos.
Testemunha - Comprava uns carritos e o Sr. C... disse dê-me então o número de telefone... Perguntei "posso dar o seu número de telefonei", dei então o número do telefone do Sr. C... e depois o Sr. E... ... a partir daí foi o negócio desenvolvido pelo Sr. C... ....
Procurador - Pelo Sr. C... .... Não sabe se o Sr. E... se descolocou à H... de ... com este senhor? Onde é que ficou a carrinha depois da venda ? Para ver a carrinha para o negócio?
Testemunha - Não faço...
Procurador - Não faz ideia...
Testemunha - Se eu soubesse dizia-lhe... Eu não estive presente.... Ainda para mais na parte da entrega da entrega da viatura e financiamento, eu estava a fazer uma formação. Se a memória não me falha, foi a apresentação do wolkswagen ..., em ... ... tenho lá os documentos em casa. ...E quem fez o favor de entregar foi um colega meu, portanto, o processo todo....
Procurador - Sr. D..., ele era para a compra de um veículo novo ou usado?Que tipo de veiculo ele pretendia adquirir na H... ? O Sr. C...?
Testemunha - O Sr. C...?
Procurador - Sim, o Sr. C....
Testemunha - Queria comprar uma volkswagen kevin....
Procurador - Uma volkswagen ... .... E depois destinava... como ao H... não estava interessada na avaliação de entrar com a Toyota ... na permuta não é, em principio seria principio de pagamento do wolkswagen, seria.... Hmmm. Entretanto houve algum contrato de crédito para a compra da volkswagen?
Testemunha - Nós temos um departamento de crédito, a Dr. K..., que fa~ a parte dos financiamentos...
Procurador - Que também não assistiu ao negócio... Estamos a falar da Dra. K... ?
Testemunha - É sim senhora, do departamento dos financiamentos....
Procurador - O Sr. Q... também era...
Testemunha - Era meu colega....
Procurador - Seu colega, também vendedor, também não leve nada a ver com o negócio, também não sabe rigorosamente....
Testemunha - Nós essa parte do usado foi o Sr. C... que fez diretamente com o Sr.....
Procurador - À pergunta ao bocado que ficou por responder.... Se este senhor, se compareceu com o Sr. E..., se compareceu os dois na H... de ... ou não? Ou depoisfoi tudo com o Sr. C...?
Testemunha - Eu penso que depois do Sr. C... ter dito que o cheque não tinha provisão...
Procurador - Quem é que se deslocou ao stand?
Testemunha - Este senhor até se deslocou com o Sr. E... para tentar resolver o problema.
Procurador - Ah...
Testemunha - Tenho ideia.... Isto já foi há tantos anos Sr. Doutor... Mas acho que sim.
Procurador - Não sabe portanto, se depois quem se deslocou lá... Sabe que foi o Sr. E... com outra pessoa... Já disse que olhando para essa pessoa.. .jáfoi há oito anos... Não sabe dizer, com certeza absoluta, quem acompanhava o Sr. E..., posteriormente, quando se deslocaram ao Stand para resolvera situação... Se era pessoa ou outra, também isso me não me interessa...
Testemunha - Eu vi-o uma vez ou duas... Sr. Doutor como deve compreender a minha vida e contactar diariamente com pessoas, como deve compreender....
Procurador - É evidente... E há oito anos é necessário ter boa memória....
Testemunha - Eu tenho graças a deus... Sou sãozinho da cabeça.
Procurador - O que me está a diZer é que o Sr. C... lhe disse a si que havia problemas com o cheque...
Testemunha - Disse sim senhora...
Procurador – E o Sr. contactou depois o Sr. E... para resolver a situação.
Testemunha - Contactei o Sr. E... para resolver a situação.... Fiquei muito admirado com a atitude dele...
Procurador - E o Sr. E... deslocou-se depois à H.. de ... com outra pessoa,. .. Não tem a certeza absoluta se era este Sr. Ou se era outra pessoa.... Pronto tão simples como isso.
Testemunha - Peço desculpa, mas é isto....
Procurador - O negócio também já tinha sido celebrado antes, mas não assistiu... Essa parte não nos interessa muito, da minha parte ê tudo...,
Mandatário do assistente - Sr. D..., já referiu em instâncias do Sr. Procurador que não assistiu ao negócio, mas sabe se este negócio foi feito nas instalações da H...? Sabe disso?
Testemunha - O negócio do usado?
Mandatária - O senhor não assistiu ao negócio...
Testemunha - Acho que não,.. Lá pelo menos... Eu não estava presente.
Mandatária - O Sr. Não sabe, o Sr. Não estava presente....
Testemunha - Eu não estava presente Sr. Dr.
Mandatária - Houve mais do que um momento na celebração deste contrato, ou seja, Houve a celebração do contrato e depois houve o pagamento. O Sr. Estava presente no momento em que foi entregue o cheque?
Testemunha - Não Sra. Dra.
Mandatária - Não, em nenhum dos momentos,
para daqui concluir por que, resulta com evidência que a versão do assistente não tem correspondência com os factos ocorridos - na verdade, apenas a desesperança em obter o ressarcimento do seu prejuízo poderá explicar que, agora, nas suas declarações o assistente inclua nos factos uma actuação do aqui arguido B..., já que todo o negócio foi tratado com o co-arguido E... (condenado por estes factos no processo paralelo que correu termos sob o n.º 54/07.9PCGDM, do agora Juízo Local Criminal de Matosinhos), única pessoa que dominava a execução dos factos, com quem o D... negociou e apresentou ao assistente para concretizar o negócio objeto dos presentes autos;
assim, além de falsos, tais factos não encontram suporte cm qualquer prova produzida em julgamento, uma vez que as declarações do assistente não se revelam credíveis e assertivas;
por outro lado, não se diga que o cheque, indicia o contrário, pois que não tendo sido efectuada qualquer perícia à letra e/ou às assinaturas nele apostas, não se pode retirar que tenha sido o aqui arguido, quem ali escreveu o seu nome;
nada prova que aquela é a sua assinatura e,
assim, é manifestamente insuficiente para lhe imputar a prática do crime de falsificação e burla, a mera declaração titubeante de que teria sido ele ou o outro co-arguido a preencher o cheque ou que teria sido ele a assiná-lo;
até porque, a decisão recorrida, no mencionado ponto 2, dá como provado que o arguido teria aposto no cheque "o que lhe pareceu ser a assinatura de um dos gerentes daquela sociedade, assinatura essa que, assim, imitou...", donde parece decorrer que o arguido ao assinar o cheque estava a imitar a assinatura de um gerente da firma titular do mesmo cheque, quando, analisado o cheque, apenas se constata que nele foi escrito o nome do arguido B... - que não era gerente ou representante legal da sociedade titular do cheque;
quando muito, apenas poderia ter sido dado como provado que o arguido teria assinado com o seu nome tal título de crédito - aliás, nem o assistente refere que alguém se terá apresentado como gerente ou representante legal daquela firma;
e, assim, não podia, pois, concluir-se pela participação do arguido em qualquer acto típico;
por outro lado, em relação ao erro quanto à qualidade de gerente da firma titular do cheque – ponto 3;
- assistente:
Procurador D... .... É este que nos interessa .... Digo o primeiro nome e o último... Portanto, também se chama D.... Foi este Sr. que indicou. Olhe o Sr. C... não viu que o cheque estava em nome de uma sociedade?
Assistente: Não reparei.
Procurador. E que o titular do cheque é a G..., Lda.
Assistente: Há aqui uma questão ... Estes senhores eu não os conhecia....
Procurador Já disse que não os conhecia. Mas eles também se identificaram ....A pergunta é muito simples: quando se dirigiram a si, uma vez que o cheque não estava em nome das pessoas que estavam, não eram contas individuais, a conta bancária estava em nome de uma pessoa coletiva. ...Se eles lhe disseram que eram sócios gerentes desta sociedade? Como justificavam a proveniência do cheque?
Assistente: Não falaram em nada.... Simplesmente diziam... Portanto, como o Sr. D... era da confiança deles... Portanto ele dizia que eram sócios, que a sociedade que eles tinham seria precisamente essa....
Procurador Ah... seriam sócios dessa sociedade. O senhor presumiu porque tinha confiança...
Assistente: Exacto...
para daqui concluir por que o assistente aceitou sem mais o cheque que lhe foi entregue para pagamento da carrinha, não tendo percebido sequer que tal cheque entregue pelo co-arguido E... era pertencente a uma sociedade por quotas e não a pessoas singulares que, alegadamente, o assinaram;
sendo certo que em tal cheque está escrito o nome do arguido - contudo nada mais resulta da prova produzida: que teria sido ele a assinar ou que teria convencido o assistente que era gerente ou legal representante da firma titular do mesmo;
e, assim, não podia, ter-se considerado como provado o item "3" dos factos provados;
finaliza o arguido por defender a inexistência de provas que sustentem a verificação dos elementos subjetivos dos crimes - designadamente o conhecimento e a vontade de neles participar ativa e conscientemente;
estrutura esta sua asserção no facto de considerar que a tal propósito, a decisão recorrida fundamenta a sua convicção sobre os elementos subjetivos de forma vaga e pouco precisa e, muito embora, sem discutir que a fundamentação aduzida não possa até ter alguma validade relativamente à conduta do co-arguido E... - como teve aquando da sua condenação - discute sim, que esta fundamentação tenha qualquer aplicabilidade ao seu caso concreto;
para concluir, então, por que inexistem elementos que o coloquem a praticar algum dos elementos típicos, quanto mais factos históricos externos que permitissem perceber a que título, com que vontade ou intenção atuaria – sendo precipitadas, no mínimo, as razões expendidas na decisão recorrida, a tal propósito, não sendo possível concluir pela sua intervenção, vontade ou consciência de praticar os crimes descritos na acusação e pelos quais veio a ser condenado.

III. 3. 2. 2. Antes de avançarmos na consideração mais aprofundada desta temática, justifica-se fazer um breve parêntesis aos poderes conferidos às Relações em termos de modificação da matéria de facto apurada em 1.ª instância.
É que não se trata, como à primeira vista poderia resultar de uma leitura mais imediata dos correspondentes preceitos processuais, de poderes que traduzam um conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.
Para isso concorre, essencialmente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como “remédio jurídico” para os vícios de julgamento, ou se se quiser, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como “novos julgamentos”, bem como ainda, as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C. P Penal e bem assim o natural privilegiamento que compreensivelmente se há-de conferir à decisão que foi proferida numa relação de maior imediação e proximidade com a sua própria produção.
Havendo versões diferentes e mesmo antagónicas sobre os factos, inexistindo a possibilidade de a final se chegar a uma solução intermédia, pois que ambas as teses em confronto, mutuamente se excluem, apenas uma delas se poderá ter como “verdadeira”, entendendo-se por esta expressão, uma versão processualmente estabelecível por meios probatórios válidos.
Por via de regra, o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma fundada na sua própria interpretação da prova, mas antes verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas.
Da mesma maneira, a alteração solicitada em recurso de um qualquer facto só é de proceder, quando de forma clara e convincente o juízo alternativo apresentado sobre a sua definição como provado ou não provado, evidencie o seu melhor fundamento em relação ao apresentado pela instância.
A questão, suscitada por todos os recorrentes, nesta sede, tem, desde logo, subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.
À pergunta sobre o que significa, negativa e positivamente, a livre apreciação da prova, ou, o que é o mesmo, valoração discricionária ou valoração da prova segundo a livre convicção do julgador, responde o Prof. Figueiredo Dias, “(…) significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova; mas qual o seu significado positivo? Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos”. [1]
“Livre apreciação da prova não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável; já se vê, assim, que sendo a dúvida que legitima a aplicação do princípio in dubio pro reo, obviamente, a que obsta à convicção do juiz, tal dúvida não pode ser puramente subjectiva, antes tem de, igualmente, revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável”. [2]
“Embora os meios de prova produzidos não estejam sujeitos a qualquer regime de prova legal, mas antes à livre apreciação do tribunal, artigo 127º C P Penal, a verdade é que livre apreciação não significa pura convicção subjectiva, mas sim “convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. E uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará, pois, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos “a posteriori” tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”. [3]
A circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas, dar crédito a uma em detrimento da outra, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C P Penal, segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada.
Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível).
De resto, a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pode vir a transformar o julgamento na 2ª instância, num jogo de palavras vazio do pulsar da vida, da percepção dos sentidos e sentimentos.
Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da 2ª instância está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o Tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada, deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.
Apreciemos então, o que afinal se reconduz, a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal produzida.
A este propósito convém, então, referir que, nos termos do artigo 127º C P Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A maior parte das vezes, os recursos, quanto a esta concreta questão, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, juridicamente ilegítimo, por irrelevante, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, exercício, este que, para ser legítimo, logo juridicamente relevante, por imposição do artigo 127º C P Penal, somente ao tribunal, entidade competente, notoriamente, incumbe.
Não pode é, a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.

III. 3. 2. 3. Atentemos, então.

Pretende o arguido que não praticou os factos, que não foi produzida prova (ou que a mesma é insuficiente) de ter sido ele a

proferido as expressões de que vem acusada e, tão pouco, de ter tirados as fotografias.
Desde logo pretende a arguida abalar a credibilidade das declarações do assistente, por um lado e da testemunha, por outro.
Procurando-se, como faz o arguida, atacar a predisposição, a motivação e o conteúdo destas declarações e deste depoimento, em si mesmos, acaba por se desembocar num domínio em que a 1.ª instância, pela sua maior proximidade e imediação em relação à produção de prova, melhor está em posição de ajuizar.
Por outro lado, a esta dificuldade uma outra se junta, traduzida no apoio encontrado entre aquilo que é a condensação do conteúdo essencial das declarações e depoimentos prestados, a respectiva gravação e a solidez do discurso construído a propósito do exame crítico da prova, que de uma forma, agora, inequívoca e assaz, extensiva, pormenorizada, escrupulosa e exaustiva, dá conta do percurso lógico que o julgador percorreu para atingir o veredicto a que chegou.
Realidade esta, não facilmente derrogável no confronto com a estratégia processual do recorrente que consiste em desvalorizar as declarações do assistente e da citada testemunha.
Se é certo que se deve ter particular cuidado, cautela e rigor, quando estamos perante a versão do arguido e a versão do ofendido – se antagónicas entre si - de forma absoluta, todavia estas cautelas não explicam, nem podem decidir, só por isso, no sentido de desvalorizar, a versão deste último, abalando, decisivamente a credibilidade da sua versão.
A credibilidade das declarações e dos depoimentos há-de ser averiguada, (afirmada ou negada) no confronto do conteúdo concreto da sua descrição dos factos, num quadro de averiguação cuidadosa, da motivação e do interesse de cada um, nos factos, por forma a afastar a sua credibilidade, se se ficar com a percepção que os mesmos estavam concertados, no sentido de alteração da verdade ou de criação de uma realidade virtual.
Perante o quadro de estarmos confrontados com a versão do arguido, versus a versão do ofendido – que, curiosamente, no caso, nem sequer ocorre, pois que aquele se remeteu ao silêncio, optando pela estratégia de não prestar declarações - pode assumir, efectivamente importância, decisiva, o depoimento de eventuais testemunhas – mormente se presenciais - o que obriga, de resto, o tribunal a com um especial, cuidado e rigor, esclarecer os factos e sobretudo, averiguar se existe alguma motivação, não séria, que condicione os depoimentos destes e os leve a faltar à verdade, no sentido de imputar ao arguido a prática de factos, que, afinal, se não verificaram.
O Tribunal fica, em casos como este, investido na obrigação de uma especial cautela, na apreciação, da motivação das imputações e a rodear-se de elevado cuidado, na apreciação de toda a restante prova, circunstancial e factual, documental e pericial, que exista, por forma a, avaliar, desde logo, a verosimilhança de tais versões.

III. 4. 3. 4. No caso, recorde-se, estão em cena, 3 pessoas – o assistente e os arguidos.

Donde nenhuma estranheza pode causar o facto de não existirem pessoas que presenciaram os factos – sequer, parte deles - tanto quanto a sua própria intervenção directa o possa permitir.
Mais uma vez estamos perante o equívoco que se vai tornando, injustificadamente, habitual – o recorrente apreende e valora a prova em sentido antagónico à efectuada pelo Tribunal e, em sede de recurso de impugnação da matéria de facto, limita-se a substituir a convicção do julgador, pela sua própria convicção, o que se tem por inadmissível, em face do disposto no artigo 127.º C P Penal.
Não basta para sustentar que a leitura que o tribunal fez da prova produzida - embora sendo uma das possíveis - não é a mais adequada.
Necessário será demonstrar que a análise da prova à luz das regras da experiência comum ou pela existência de provas irrefutáveis, não só não consentem tal leitura, como exigem, impõem uma de sentido diverso.
Ora tal não ocorre, de todo.
Pelo contrário, os factos impugnados:
2. A hora não apurada do referido dia 7 de Fevereiro de 2007, nas instalações da H... situadas na ..., na localidade ..., área desta comarca de Matosinhos, o arguido ou E... com conhecimento e anuência daquele e na posse desse cheque e encontrando-se os dois com o assistente C..., preencheu-o com os dizeres que dele constam, emitindo-o a favor do referido C..., datando-o de 7 de Fevereiro de 2007 e no mesmo apondo a quantia de € 3.250,00, em numerário e por extenso e o local de emissão ....
3. Seguidamente, o arguido apôs no dito cheque, pelo seu próprio punho e no local próprio para a assinatura do respectivo titular da conta, o que lhe pareceu ser a assinatura de um dos gerentes daquela sociedade, assinatura essa que, assim, imitou, dessa forma viciando o dito cheque.
8. Sabia ainda o arguido que, não sendo o legítimo portador de tal cheque, não possuía legitimidade para o preencher e assinar, como o fez e, consequentemente, que o não podia usar conforme foi descrito, entregando-o ao assistente C..., igualmente bem sabendo que agia contra a vontade e sem a autorização da pessoa que figurava no mesmo como titular da conta bancária sobre que fora sacado e que, consequentemente, tal era inclusivamente susceptível de causar prejuízo patrimonial a esta, prejuízo esse em montante equivalente à quantia aposta no dito cheque, o que só não se veio a verificar por o cheque, apesar de haver sido apresentado a pagamento, não haver sido pago, tendo sido devolvido com a menção de que fora extraviado pelo dono e, portanto, por razões independentes da sua vontade.
9. Agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de por em crise a fé pública de que goza tal título de crédito e criando no mencionado assistente C..., a quem, nos moldes supra referidos, o entregou, na errónea convicção de que o mesmo lhe pertencia e que tinha boa cobrança,
não podem ser, fundadamente, colocados em causa, por nenhum dos excertos transcritos pelo arguido, nem pelo conjunto dos argumentos/fundamentos que tece ao longo do recurso.
Com efeito, não pode, como pretende o arguido, ser afastado, desde logo, da cena do crime, como um dos protagonistas, neste particular acto comercial atinente com o assistente, pelo simples facto de, porventura, existirem – que não existem – manifestas contradições, a excluir a credibilidade, não, das versões do assistente e da testemunha, sobre os factos concretos aqui em casa (a que este último não assistiu) mas sim a propósito do enquadramento e do início do conhecimento entre assistente e arguido, no passado – sem qualquer repercussão sequer, indirecta ou medita, no que aqui nos prende.
Nenhum argumento permite se extraia a conclusão, directa e necessária de estarem estas declarações ou este depoimento, sobre aquela particular questão, afectados de falta de credibilidade, no que aos factos imputados ao arguido se refere.
Não indica a recorrente - nem se vislumbra, já agora - quaisquer contradições intrínsecas nem discrepâncias quanto ao essencial, no relato que fizeram.
Nem se vislumbra que existam no confronto com o cheque e com a ficha de assinaturas, de resto
Nesta particular, importa referir que da literalidade do cheque – que como bem recorda o arguido não foi sujeito a qualquer exame à letra - o que consta é o nome do arguido, sem que naturalmente, só por si, se possa afirmar que tal escrito e, os restantes, sejam do seu punho, como parece evidente.
Mas, se uma coisa é não o poder afirmar, outra, é o não poder sugerir ou indiciar - como defende o arguido.
Da mesma forma não existe qualquer dúvida séria de que o arguido não é nem gerente, nem legal representante da sociedade titular da conta bancária a que pertence o cheque.
Coisa diversa, naturalmente, é o facto de um cheque de uma conta de uma sociedade ser entregue, depois de ser assinado por uma pessoa individual, para que o tomador o tome como legal representante ou alguém com poderes para representar aquela e, nesse pressuposto, aceita esse concreto meio de pagamento, no caso reportado ao negócio de um veículo automóvel.
É o que apontam, inequivocamente, as regras da experiência comum.
Não se pode é, daqui, afirmar - como, mais uma vez, faz o arguido - que o cheque foi recebido pelo assistente sem que se tenha apercebido de se tratar de uma conta titulada por uma sociedade comercial e, não pelas pessoas singulares que o assinaram.
Ou muito menos, que o cheque lhe haja sido entregue pelo C... e, não pelo arguido.
Tão pouco, que o arguido haja convencido o assistente que era gerente ou legal representante da sociedade.
Nada disto tem a mera literalidade do cheque a virtualidade de demonstrar. A sua eficácia probatória não chega a tanto, com efeito.
De resto o próprio arguido acaba enredado na sua complexa teia argumentativa – com que pretende fazer face à acusação - admitindo que, quando muito, apenas poderia ter sido dado como provado que o arguido teria assinado o cheque com o seu nome - aliás, nem o assistente refere que alguém se terá apresentado como gerente ou representante legal daquela firma, para daqui dar o salto no escuro e pretender que, assim, não se podia concluir pela sua participação em qualquer acto típico.
Atentemos agora em concreto na prova pessoal – que poderá ou não corrobar a aludida literalidade do cheque.
Que a decisão recorrida considera que sim e que o arguido defende que não.
Não quer dizer que as versões do assistente e da testemunha – sobre factos passados - surjam em total coincidência, concordância e concludência, no que aos antecedentes, aos primórdios da relação pessoal, se reporta.
Estranho seria que o fossem, de resto.
Isto porque naturalmente que não havendo factos, o que existe são interpretações de factos e cada um das pessoas, em cena, vê, memoriza, interioriza e relata, aquilo que de forma mais profunda, por uma ou outra razão, a marcou – a que não é indiferente o local onde estava, a perspectiva que se lhe oferecia, o grau de atenção, o próprio estado de alma do momento, o grau de sensibilidade e capacidade sensorial.
Desde logo, a realidade é dinâmica e contextual e, não imóvel, fotograma a fotograma e, muito menos, estanque.
E, quanto ao essencial, quanto à participação do arguido nos factos descritos na acusação, não se pode afirmar a falsidade ou a falta de prova sobre os mesmos, desde logo, com esse fundamento.
Com efeito não é por um afirmar que,
o que eu me recordo... O que se passou foi uma troca de viatura que fiz a esse Sr. B..., portanto ele ficou com a viatura, nas instalações da H..., na troca de uma viatura... que efectuou o pagamento com um cheque que vim a saber tinha sido roubado;
eu fui, portanto, comprar o carro ao stand e o vendedor do Stand é que me indicou este Sr. B..., que eu não conhecia de lado nenhum ... portante era um senhor que já era habitual na troca de viaturas ... ficava com as viaturas dos clientes ... foi essa situação;
o senhor B... eu não conhecia de lado algum ... foi indicado pelo vendedor da H...;
e, o outro que,
vi o arguido uma vez com o Sr. E... .... Eu conhecia o Sr. E... ....
por acaso já não me recordo deste Sr... Eu trabalhei com o Sr. E... na P..., também uma empresa de automóveis, há 29 anos se não me falha a memória...
que s epode, fundada, séria e validamente, concluir que, são versões, contraditórias sobre factos que nem sequer instrumentais são, dos essenciais, aqui em apreciação, recorde-se;
um diz que foi o vendedor da H... que lhe indicou o arguido e outro diz que trabalhou com o arguido E... e que viu o arguido uma vez com este – o que de resto nem sequer se mostra em si mesmo com manifestamente contraditório, de resto, ou, que releva alguma incompatibilidade prática de a testemunha ter vindo a indicar o arguido ao assistente – ainda que através do co-arguido E....
Seja, de qualquer modo nenhum interesse revela, nem por decorrência, sequer, o facto de ter sido, ou não, a testemunha a apresentar ou a indicar o arguido ao assistente, para o que aqui nos prende.
Os factos podem ou não ter-se passado independentemente do facto de ter sido a testemunha ou não que os tenha colocado, directamente ou não, em contacto.
O que é facto – decisivo e essencial - é que chegaram ao contacto, um com o outro.
Da mesma forma, não é pelo facto de um dizer que,
eu tinha o valor que o Sr. C... não aceitou o negócio.... E depois pedi ao Sr. C... se podia dar o número de telefone de uma pessoa que comprava uns carritos usados...
o Sr. C... ...
com quem eu trabalhei há 29 anos....
comprava uns carritos e o Sr. C... disse dê-me então o número de telefone... Perguntei "posso dar o seu número de telefonei", dei então o número do telefone do Sr. C... e depois o Sr. E... ... a partir daí foi o negócio desenvolvido pelo Sr. C... ....
eu não estive presente.... Ainda para mais na parte da entrega da entrega da viatura e financiamento, eu estava a fazer uma formação. Se a memória não me falha, foi a apresentação do wolkswagen ..., em ... ... tenho lá os documentos em casa. ...E quem fez o favor de entregar foi um colega meu, portanto, o processo todo....
o Sr. C... queria comprar uma volkswagen ... ....
nós temos um departamento de crédito, a Dr. K..., que faz a parte dos financiamentos... do departamento dos financiamentos....
essa parte do usado foi o Sr. C... que fez diretamente com o Sr.....
eu penso que depois do Sr. C... ter dito que o cheque não tinha provisão...
este senhor até se deslocou com o Sr. E... para tentar resolver o problema.
eu vi-o uma vez ou duas... Sr. Doutor como deve compreender a minha vida e contactar diariamente com pessoas, como deve compreender....
o Sr. C... disse que havia problemas com o cheque e eu contactei depois o Sr. E... para resolver a situação... fiquei muito admirado com a atitude dele...
o negócio do usado não assisti ... Lá pelo menos... Eu não estava presente... nem na celebração do contrato nem da entrega do cheque...
que se pode, da mesma forma, séria fundada e válida – e muito menos, evidente – afirmar que a versão do assistente não tem correspondência com os factos ocorridos e que, apenas, a sua desesperança em obter o ressarcimento do prejuízo pode explicar que inclua o arguido nos factos, pois que todo o negócio foi tratado com o co-arguido E... (condenado por estes factos no processo paralelo que correu termos sob o n.º 54/07.9PCGDM, do agora Juízo Local Criminal de Matosinhos), única pessoa que dominava a execução dos factos, com quem o D... negociou e apresentou ao assistente para concretizar o negócio objeto dos presentes autos.
Se é certo que a testemunha indicou o co-arguido E... ao assistente, nada mais sabe do que depois se veio a passar.
E, por isso, não se pode daqui, afirmar que os factos descritos na acusação não tenham suporte na prova produzida em julgamento.
Tal seria olvidar indesculpável e injustificadamente, a entrada em cena do assistente, como protagonista – e não como mero figurante, ou como simples, ponto ou regra.
E, a questão então agora reduz-se ao facto de saber se – como pretende o arguido - as suas declarações não se revelam credíveis nem assertivas, donde, a sua mera declaração, titubeante, de que teria sido ele ou o outro co-arguido a preencher o cheque ou que teria sido ele a assiná-lo, acaba por resultar como manifestamente insuficiente para lhe imputar a prática do crime de falsificação e burla.
Ou dito de outra forma, saber se merece censura o entendimento sufragado na decisão recorrida, que teve como “determinantes as declarações do assistente, que interveio directamente na situação em causa nos autos e reconheceu peremptoriamente o arguido como tendo nela participado, que reconheceu, sem margem para dúvidas, o arguido como tendo assinado o cheque, referindo que esse lhe exibiu o seu bilhete de identidade, e ainda que a sua assinatura era coincidente com a do BI, não tendo tido, o tribunal quaisquer dúvidas relativamente à autoria do arguido nos factos dados como assentes em 1. a 6”,
Cremos – desde já o adiantamos - que, efectivamente, os apontados concretos excertos da prova pessoal e as aduzidas razões em que o arguido estrutura a existência de erros de julgamento, não merecem acolhimento e não podem, por isso, proceder.
Desde logo, nenhum dos excertos invocados pelo arguido permite infirmar que - e é o que aqui está em causa e, já, não tanto a forma dada à redacção do texto do ponto 2. - que o que ali consta se possa ter como erradamente julgado.
Seja que, (...) o arguido ou o E... com conhecimento e anuência daquele e na posse desse cheque e encontrando-se os dois com o assistente, preencheu-o com os dizeres que dele constam, emitindo-o a favor do referido C..., datando-o de 7 de Fevereiro de 2007 e no mesmo apondo a quantia de € 3.250,00, em numerário e por extenso e o local de emissão ....
Com efeito, se daqui resulta o preenchimento do cheque em relação aos elementos e segmentos atinentes com o tomador, a data, o valor, em numerário e por extenso e, o local – imputado em co-autoria, sem distinção entre material e moral, a ambos os arguidos, ao aqui arguido ou ao E... (já julgado e condenado, sendo que o aqui arguido esteve declarado contumaz, o que atrasou o seu julgamento, que só agora ocorreu) com conhecimento e anuência daquele - é o ponto 3. que se reporta - quer à impugnada qualidade assumida de gerente da sociedade titular da conta bancária a que o mesmo pertencia e, decisivamente à aposição pelo próprio punho, por parte do aqui agora arguido, da assinatura do titular da conta.
Com efeito aí consta - seguidamente, o arguido apôs no dito cheque, pelo seu próprio punho e no local próprio para a assinatura do respectivo titular da conta, o que lhe pareceu ser a assinatura de um dos gerentes daquela sociedade, assinatura essa que, assim, imitou, dessa forma viciando o dito cheque.
Diz o assistente, a este respeito, que,
não reparou se o cheque estava em nome de uma sociedade;
estes senhores eu não os conhecia....
Não falaram em nada.... Simplesmente diziam... Portanto, como o Sr. D... era da confiança deles... Portanto ele dizia que eram sócios, que a sociedade que eles tinham seria precisamente essa....
E, assim, se, das próprias declarações do assistente resulta que aceitou o cheque sem se ter apercebido se era ou não de uma sociedade, com base na confiança que lhe dava o facto de terem sido indicados pela testemunha, que lhe falou que eram sócios, que tinham uma sociedade, já não resula – como pretende, o arguido fazer crer – que o cheque haja sido entregue pelo co-arguido E... – o que nem seuqre assume particular levo no caso.
Se a questão atinente com a qualidade de gerente, de si irrelevante, vem impuada, apenas e tão só, como de verosimilhança ou de parecença para com o assistente, na sua prspectiva meramente pessoal “o que lhe pareceu ser...” e, por isso de demonstração do contrário, impraticável e impossível, fora das suas próprias declarações – sendo que a ele próprio lhe foi dito pela testemunha que eram sócios e tinham uma sociedade para o efeito.
E, assim, relevo assumirá o facto de saber não tanto, quem negociou, quem contratou, mas decisivamente, quem emitiu o cheque, como meio de pagamento do veículo – no que se traduz, pelo que vem vem de ser dito, saber quem o subscreveu.
E, o que sabemos é que tem o nome do arguido.
E da mesma forma que ninguém, na ocasião falou em ser sócio, gerente ou legal representante da sociedade titular da conta a que o cheque pertencia.
E, assim, não podia, ter-se considerada tal qualidade como provada, se a mesma viesse descrita objectivamente, mas como vimos apenas vinha, imputada numa vertente subjectva, reportada à pessoa do assistente – que por essa precisa razão, não pode ser beliscada. Nem precisa, até por irrelevante, para o caso.
Para finalizar, e do que vem de ser dito, se como é consabido, o elemento subjectivo na falta de prova directa sobre a sua existência e, na falta de confissão por parte do arguido, nada impede que seja afirmado em face da conjugação da totalidade da objectividade apurada, então, no caso concreto, da mesma forma, se não pode ter com erradamente julgada a verificação dos elementos subjectivos, quer do intelectual, quer do volitivo, quer do emocional traduzidos no conhecimento e na vontade de praticar – livre e conscientemente - os factos, consabidamente ilícitos.
Donde nenhuma maior e particular exigência de fundamentação se exigiria, para o afirmar, em relação ao arguido – cujo nome consta no local da emissão do cheque – que,
8. Sabia ainda o arguido que, não sendo o legítimo portador de tal cheque, não possuía legitimidade para o preencher e assinar, como o fez e, consequentemente, que o não podia usar conforme foi descrito, entregando-o ao assistente C..., igualmente bem sabendo que agia contra a vontade e sem a autorização da pessoa que figurava no mesmo como titular da conta bancária sobre que fora sacado e que, consequentemente, tal era inclusivamente susceptível de causar prejuízo patrimonial a esta, prejuízo esse em montante equivalente à quantia aposta no dito cheque, o que só não se veio a verificar por o cheque, apesar de haver sido apresentado a pagamento, não haver sido pago, tendo sido devolvido com a menção de que fora extraviado pelo dono e, portanto, por razões independentes da sua vontade.
9. Agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de por em crise a fé pública de que goza tal título de crédito e criando no mencionado assistente C..., a quem, nos moldes supra referidos, o entregou, na errónea convicção de que o mesmo lhe pertencia e que tinha boa cobrança,
Pretender o contrário seria, além de um grosseiro e manifestamente indesculpável, erro notório na apreciação da prova, um atentado à inteligência humana, por muito rudimentar que possa ser.
Então, resta concluir por que o assim fundamentado julgamento firmado sobre a matéria de facto não revela, nem incoerência, nem incongruência, alguma nem tão pouco se baseia em elementos de prova, contraditórios, sobre o que é essencial.
Nem sequer, se pode ter como necessariamente falsas, ou a versão do assistente ou a da testemunha, desde logo, nos segmentos apontados pelo arguido ou a daquele, contraditória com a prova documental estruturada no cheque e na ficha e assinatura da conta a que o mesmo pertence.
Pelo contrário, ambas são absolutamente compatíveis entre si – apenas enfocarão, momentos distintos da realidade.
O que não quer dizer que estejam ambas, ou esteja, uma delas, a faltar à verdade.
Porventura, ambas dizem a verdade.
As regras da experiência comum, não só, não impedem o julgamento firmado sobre a materialidade de facto impugnada, como pelo contrário, julgamento em sentido diverso constituiria, isso, sim, um flagrante e indesculpável erro grosseiro na apreciação da matéria de facto.
Cremos, assim, não poder resultar dúvida, nem séria, nem razoável ou fundada, na mente de quem quer que seja - sob pena de crasso e grosseiro erro notório na apreciação da prova e, mesmo de atentado à inteligência humana, por rudimentar que seja - que se possa defender que não foi o arguido que apôs do seu punho, o nome que consta no texto do cheque – que afinal é o seu.
O que parece, medianamente, evidente, de resto.
Nem que seja por recuso à prova indirecta. Com efeito, da materialidade apurada, resulta de forma certa, segura e inequívoca que apenas o arguido tinha interesse, teve a oportunidade, o meio, para da mesma forma com o móbil que se lhe deparava, adquirir o veículo sem o pagar, praticar os factos, no caso assinar o cheque de uma conta de outrem, assim, visando atingir aquele seu desiderato.
Assim, ao contrário do que defende o arguido, tudo conduz, de forma directa ou indirecta, mas em qualquer dos casos, de forma inequívoca, à sua pessoa na aposição do que corresponde à sua própria identificação, no local do cheque destinado à assinatura do emitente.

Assim, se, como é certo,
a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum;
desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, se deve acolher a opção do julgador da 1ª instância,
então, não merece acolhimento, na generalidade, a crítica que é dirigida ao decidido.
Com efeito o enunciado julgamento, a invocada prova e pormenorizada fundamentação de que a decisão recorrida dá conta, não só não pode ser colocada em causa pelos concretos e parciais, excertos, invocados pelo arguido, como de resto, responde, por antecipação, de forma cabal e absolutamente esclarecedora, às apontadas críticas.
Não se evidencia, de todo, no juízo alcançado na decisão recorrida, algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a resposta dada pela 1ª instância tem suporte no artigo 127° C P Penal e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.
Perante a motivação e análise crítica, constantes da decisão recorrida, que se traduz numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência, que permitem objectivar a apreciação dos factos em causa, há que concluir, que se não mostra assim, violado o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º C P Penal, que dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal”.
A sentença recorrida cumpre, sem reparo, a exigência de motivação e da análise que faz nada nos permite um pronunciamento de censura quanto ao juízo, quer, de credibilidade, quer de verosimilhança, atribuído às declarações dos assistentes e ao depoimento da testemunha.
Com efeito, da concreta prova invocada pela arguida, nenhuma por si só, ou conexionadas todas entre si, permite afirmar que se haja errado ao julgar – o que é essencial - qualquer dos factos cujo julgamento vem impugnado.
Assim, cremos poder afirmar não existir qualquer erro de julgamento no julgamento da matéria de facto, mormente acerca dos factos impugnados.

Donde e, em conclusão cremos estar, também, este segmento do recurso votado ao insucesso – na parte crime, desde logo.

Improcede, assim, também, este segmento do recurso do arguido.

III. 3. 3. A subsunção dos factos ao direito.

Nesta capítulo entende o arguido que a decisão recorrida violou os artigos 256.°/1 alíneas a) e c) e 3 e 217.°/1 C Penal e,
assim, entende que, produzindo-se a alteração da matéria de facto provada – como vem impugnada - deve ser absolvido da prática do crime de falsificação e do crime de burla de que vinha acusado ou, então,
ainda que assim não fosse, entende que nunca poderia ter sido condenado pela prática do crime de falsificação, uma vez que não subsistem os seus elementos objectivos;
comete o crime de falsificação previsto no artigo 256.°/1 alíneas a) e c) e 3 C Penal, aquele que, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, (alínea a)) fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo ou (alínea c)) abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
como se viu, entende o arguido que a matéria de facto dada como provada não corresponde ao ocorrido, pelo que sempre teria de ser absolvido da prática do crime ora em causa;
não obstante, e compulsado o cheque de fls. 7, constata-se que nele está escrito o nome do aqui arguido - o qual não era gerente ou representante legal da firma titular daquele título de crédito, como resulta da ficha de assinaturas de fls. 18;
e, assim, ficando esta matéria assente, não estão preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime de falsificação;
por um lado, o arguido não fabricou qualquer documento falso - na tese da acusação, preencheu um cheque verdadeiro e apôs o seu nome no lugar da assinatura do sacador e, esta conduta não integra a alínea a) do citado artigo 256.°/1 C Penal;
e, por outro, o arguido não abusou da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento - pois que apenas escreveu o seu próprio nome no referido cheque e, esta conduta, também, não integra a alínea c) do citado artigo 256.°/1 C Penal;
e, assim, nunca poderia ter sido condenado pela prática do crime de falsificação, uma vez que não subsistem os seus elementos objetivos, já que – citando Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do C Penal, 3.ª ed., 932/3, não o comete "... o agente que apõe o seu nome num cheque relativo a uma conta de uma sociedade sem que tenha poderes para assinar cheques da referida sociedade"; "não comete o crime de falsificação de documento o agente que apõe o seu nome no cheque alheio, fazendo-se passar por co-titular da conta sacada, para induzir a pessoa a quem o entrega a fornecer-lhe mercadorias, cfr. aqui, Acórdão deste tribunal de 17.1.2001, in CJ,XXVI, I, 224..." e, ali, nota 9 ao artigo. 256.°;
sendo, este, precisamente, o caso, tal como descrito na acusação: o arguido apôs o seu nome num cheque de uma sociedade que não era sua nem que legalmente representav - conduta que poderá integrar o elemento típico do crime de burla relativo ao "erro astuciosamente provocado", mas já não é suficiente para o crime de falsificação de cheque.

III. 3. 3. 1. Os fundamentos da decisão recorrida.

Uma vez que a questão da absolvição pelo crime de burla vem estruturada, pelo arguido, como dependência da procedência da impugnação do julgamento firmado sobre a matéria de facto, que, como vimos, acaba por não ocorrer, então a mesma terá que se ter prejudicada e, assim, a coberto de qualquer crítica por parte do tribunal de recurso
Resta a questão atinente com o crime de falsificação - que além daquele, comum, fundamento - vem estruturada, ainda, no não preenchimento da factualidade típica, em relação aos factos, desde logo, julgados como provados na decisão recorrida.

Na decisão recorrida a este pertinente e, agora único subsistente, propósito, expendeu-se pela forma seguinte:

“(...)
Dispõe o artigo 256.° CPenal o seguinte:

"1- Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; (...)
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
3 - Se os factos referidos no n.° 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267°, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias."
(...)
E, de acordo com o artigo 255.°, al. a):
O crime de falsificação de documentos encontra-se no título relativo aos crimes contra a vida em sociedade, sendo considerado um tipo de crime a "meio caminho entre os crimes contra os bens colectivos e os crimes patrimoniais" (FIGUEIREDO DIAS, Actas 1993 297, citado por HELENA MONIZ, in Comentário Conimbricense, II, 675).
Aliás, FIGUEIREDO DIAS, na Comissão de Revisão do Código Penal (Actas 1993, 298), acentuou, em relação à alínea b) do n.° 1 [correspondente à actual alínea d)], «não contemplar qualquer falsificação de documento mas sim uma falsa declaração em documento regular», pelo que, «a ficar [no texto da lei] tornar-se-á necessária uma interpretação restritiva, papel a desempenhar pela doutrina».
Por isso, Helena Moniz, refere que seguindo este rumo, a falsidade em documentos é punida quando se tratar de uma declaração de facto falso, mas não de todo e qualquer facto falso, apenas daquele que for juridicamente relevante, isto é, aquele que é apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.
... Além disto, não é toda e qualquer falsa declaração que pode ser punida à luz deste dispositivo, mas apenas aquela que uma vez incorporada no documento acrescente algo mais à ilicitude da conduta que a simples declaração oral - HELENA MONIZ, Comentário Conimbricense, II, 683.
Por isso, esta autora, in ob. cit., pág. 679, refere que «Não existe, pois, actualmente, no sistema jurídico português, nenhum tipo legal de crime que puna o terceiro que se serve de funcionário de boa fé para inserir no documento elementos inexactos ou falsos. E quanto a nós correctamente, visto que a actividade de falsificação irá ser integrada no tipo legal de crime que temos vindo a analisar, e apenas a indução em erro parece não ser punida, sendo certo que irá ficar sujeita aos mecanismos de invalidação dos actos jurídicos do direito civil. O que confirma uma vez mais que o direito penal apenas deve intervir quando a tutela presta por outros ramos de direito não se afigura suficiente».
(...)
Vejamos, agora, o tipo objectivo de ilícito, que comporta, desde logo, diversas modalidades de conduta. A saber:
a) fabricar documento falso: Com esta conduta procede-se a uma "contrafacção total, isto é, à feitura ex novo e ex integro de um documento" (Simas Santos, in "Código Penal Anotado", Vol. II, Rei dos Livros, 2000, pág. 1100); (...)
c) abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso: Esta modalidade de conduta prende-se com os casos de fraude na identificação. Nesses casos, o documento não é autêntico, a declaração não foi proferida pela pessoa que o escrito aparenta. Por outras palavras, "utiliza-se uma assinatura mecânica alheia não autorizada para os documentos em que é aposta" aproveita-se de "papel assinado em branco por terceiro íntroduzindo-lhe uma declaração de vontade que não pertence ao dono da assinatura" (cfr. Simas Santos, loc. cit.);
No que diz respeito ao tipo subjectivo de ilícito, o crime de falsificação é um crime intencional, isto é, o agente deve actuar com a "intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo".
No caso vertente, dúvidas não restam de que o arguido assinou um cheque fazendo dele constar falsamente a sua assinatura, bem sabendo que o cheque não lhe pertencia e não era o seu legítimo portador,
E, posteriormente o arguido quis usar, e usou, tal documento, bem sabendo da falsidade do mesmo, para fazer com que o assistente lhe entregasse o veículo Toyota ..., como veio a conseguir com tal actuação.
O arguido colocou em causa a fé pública e a confiança que os cheques merecem no tráfico jurídico e comercial, bem sabendo que tal actuação a faria incorrer na prática de um ilícito criminal.
Assim sendo, também quanto ao tipo subjectivo de ilícito se deve considerar preenchido, tendo o arguido actuado com dolo directo [cf. art. 14.°, n.° 1 do Cód. Penal],
Sendo o documento falsificado um cheque, também não existem dúvidas de que a agravação prevista no n.° 3 do citado preceito legal está aqui verificada.
(...)
Donde se conclui, sem margens para dúvidas, que se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.°, n.°1, al. a) e c) e 3 do Código Penal, pelo qual vinha acusado, razão pela qual a conduta do arguido merece a emissão de um juízo de censura penal.

III. 3. 2. Atentemos

Temos então que o arguido entende não estar preenchida a factualidade típica do tipo de falsificação – que, recorde-se, no caso, se entendeu ser p. e p. pelo artigo 256.º/1 alíneas,
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
com o argumento de que pretencendo o cheque a uma conta bancária titulada por uma sociedade - em relação à qual o arguido nenhuma relação tem, nem assume ter – então a sua emissão, no sentido de aposição de assinatura própria no local reservado ao emitente, não preenche o elemento objectivo do tipo de crime de falsificação, pois que,
por um lado, o arguido não fabricou qualquer documento falso - na tese da acusação, preencheu um cheque verdadeiro e apôs o seu nome no lugar da assinatura do sacador e, esta conduta não integra a alínea a) do citado artigo 256.°/1 C Penal;
e, por outro, não abusou da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento - pois que apenas escreveu o seu próprio nome no referido cheque e, esta conduta, também, não integra a alínea c) do citado artigo 256.°/1 C Penal.
Cremos bem, contudo, que esta posição carece de fundamento legal.
Isto não obstante, efectivamente segundo a lição do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do C Penal, 3.ª ed., 932/3, não cometer o crime de falsificação,
quem apõe o seu nome num cheque relativo a uma conta de uma sociedade sem que tenha poderes para assinar cheques de tal sociedade;
nem, quem, apõe o seu nome no cheque alheio, fazendo-se passar por co-titular da conta sacada, para induzir a pessoa a quem o entrega a fornecer-lhe mercadorias – aqui como decidiu este tribunal em 17.1.2001, in CJ, I, 224.
Entendimento, este, de resto, igualmente, sufragado por Miguez Garcia e Castela Rio, in Código Penal, Parte Geral e Especial, 1009.
Com efeito, cremos bem que, atento o texto e o espírito da lei, comete o crime de falsificação, na modalidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 256.º C Penal – e já não da alínea c) como vinha acusado e foi condenado - aquele que preenche do seu punho o local reservado ao sacador do cheque apondo o seu próprio nome, conforme o BI, bem sabendo que o cheque não lhe pertence, nem nenhum direito lhe assiste a utilizá-lo.
E, assim, a assinatura de cheque alheio com nome próprio - como o arguido aceita de resto e, por decorrência lógico-dogmática das razões por que assume tal entendimento em relação ao crime de burla - além de preencher a factualidade típica do crime de burla, no segmento do erro astuciosamente provocado, preenche, do mesmo modo, o tipo de falsificação, na apontada modalidade da alínea a) do n.º 1 .
Em suporte deste entendimento e, porque não conseguiríamos dizer nem mais, nem melhor, com a devida vénia, transcrevemos, o que a este propósito entendeu o STJ no acórdão de 26.2.2004, consultado no site da dgsi e secundado, posteriormente, por este tribunal, para uma situação de assinatura ilegível, através do acórdão de 27.5.2009 in CJ, III, 225:
“(…)
é jurisprudência, se não uniforme, pelo menos largamente maioritária deste Supremo Tribunal a de que a assinatura de cheque alheio com nome próprio, integra efectivamente a prática do crime de falsificação em causa.
Sem necessidade de mais desenvolvimentos citam-se os seguintes arestos, um dos quais também relatados por quem ora relata este:
«I - Se é verdade que a simples adulteração do impresso de cheque com a mudança inverídica da indicação da identidade do titular da conta não pode integrar por si só o elemento do tipo objectivo do crime de falsificação de documento, certo é também que esse elemento pode ficar preenchido com a assinatura, como se do verdadeiro sacador se tratasse, da própria pessoa correspondente à identidade substitutiva do verdadeiro titular, indicada no impresso mediante a referida adulteração. II - Sendo o documento em causa, um título de crédito, incorporando o direito literal e autónomo nele mencionado, não deixa ele, nas circunstâncias referidas, de constituir um cheque, ainda que falsificado pela mencionada adulteração do nome do verdadeiro titular da conta correspondente e pela assinatura, no lugar destinado ao sacador, pela pessoa falsamente indicada como titular dessa conta. III - É verdade que não pode ter-se por integrada a modalidade típica do "abuso de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso", prevista na parte final da al. a) do n.º 1 do art. 256.º do CP, quando o agente assina como sacador com o seu próprio nome. Considerando, porém, a conjugação dessa assinatura com a adulteração do nome do titular da conta (mediante a utilização de letra de máquina), pela qual passou a indicar-se no cheque como sendo titular a pessoa que veio a assinar como sacador, pode ter-se como perfeccionado o elemento típico objectivo do crime de falsificação, na modalidade de "fabricar documento falso (1.ª parte da al. a) do n.º 1 do art. 256.º), no caso "fabricar cheque falso", a partir do mero impresso. IV - É, no entanto, de notar que, embora se trate de um crime de perigo abstracto e não concreto de ofensa do interesse jurídico pretendido proteger com a incriminação - a segurança e a credibilidade do tráfico jurídico, na situação em causa pela confiança no cheque como meio de pagamento - é indispensável que a falsidade do documento se apresente, nas circunstâncias concretas do caso, apreciadas segundo as regras da experiência comum, como idónea, adequada, com virtualidades para a produção daquele perigo, o que não se verifica na hipótese do "falso grosseiro", ou seja, quando, atento os seus termos, é facilmente detectável pela generalidade das entidades ou pessoas a que o cheque pode ser presente como ordem ou meio de pagamento. V - Entende-se ser essa situação de "falso grosseiro" a integrada pelos factos dos autos, quando considerada apenas a posição do banco sacado. É que, exigindo o pagamento do cheque pelo banco que este verifique da existência de provisão e regularidade do cheque, o mínimo de cuidado exigível nessa operação pressupõe naturalmente a verificação da correspondência entre o nome do sacador e o do titular da conta, pelo que se apresenta como inidónea, inadequada a causar prejuízo, mesmo que abstracto, a emissão de cheque por pessoa diferente do titular da conta. VI - Contudo, a questão da idoneidade terá de avaliar-se também em relação à generalidade dos possíveis tomadores do cheque, tendo em conta a natureza de meio de pagamento do mesmo e a sua transmissibilidade por endosso, conjugada com a natureza do interesse jurídico pretendido proteger - o interesse público da segurança e a credibilidade do tráfico jurídico, através, na hipótese em consideração, da confiança no cheque como meio de pagamento. VII - Ora, do circunstancialismo fáctico provado nos autos nada revela que a viciação do cheque se apresente como "grosseira", no sentido de ser facilmente perceptível pela generalidade das pessoas abrangíeis pelo tráfico jurídico em que o título de crédito poderia funcionar como meio de pagamento. A circunstância referida da utilização de letra de máquina na dita substituição do nome do verdadeiro titular, conjugada com a respectiva correspondência da assinatura aposta no local destinado ao sacador, indicia, pelo contrário, a idoneidade da adulteração para dar ao cheque aspecto de regularidade. VIII - Pelo que, no caso concreto, a falsificação do cheque foi não só meio idóneo como integrante da "astúcia" determinante de erro, elemento típico do crime de burla (o arguido, com o título assim viciado, logrou a "aquisição" de diversos produtos num supermercado), mas também meio adequado para colocar em perigo o interesse da segurança e da credibilidade do tráfico jurídico, pretendido proteger com o tipo legal de crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do CP. IX - Por isso, dos factos provados conclui-se que o arguido cometeu, em concurso efectivo, o crime de falsificação de documento e o crime de burla», 14-06-2000 Proc. n.º 285/2000-3, Armando Leandro, Virgílio Oliveira, Mariano Pereira, Flores Ribeiro,
«I - Na falsificação material o documento deixa de ser genuíno, não garante a sua proveniência ou a sua forma está adulterada; na falsificação intelectual o documento é inverídico, ou porque a declaração incorporada no documento não corresponde à prestada ou porque se traduz num facto falso juridicamente relevante. II - O que se mostra essencial é tentar detectar se existe ou não uma mutatio veri, de forma a colocar no lugar da realidade uma aparência diversa, aceitável no tráfico geral do documento ou na sua utilidade social. III - A legislação, de raiz transnacional, que regula o uso do cheque é enformada por princípios que visam garantir a sua circulação com o máximo de fidedignidade e segurança, quer em relação aos que apõem a sua assinatura como sacador, endossante ou avalista, quer quanto à responsabilização em face do tomador - o beneficiário do pagamento - pelo valor inscrito no cheque. IV - O facto de alguém, como sucedeu com o arguido, assinar um cheque respeitante à conta de outrem, com o seu próprio nome, não descarta, só por isso, a hipótese de prática do crime de falsificação de cheque, havendo que indagar se o documento, tal como se apresenta, é idóneo a constituir uma aparência de verdadeiro junto daqueles a que se destina, em primeira linha o tomador, mas também os endossantes e o sacado. V - Tendo-se o arguido apossado de um cheque relativo a uma conta solidária dos seus pais, nele apondo a sua assinatura vulgarmente usada, na qual consta um apelido igual ao do nome do pai, impresso no título, mostra-se criada a aparência de documento verdadeiro, suficiente para levar o tomador do cheque a aceitá-lo como bom. VI - O arguido, ao tomar a posição de um dos titulares da conta, agindo na falsa qualidade de sacador, apondo a sua assinatura no documento em circunstâncias tais que leva a supor, pelo menos para alguns dos interventores no circuito do cheque - necessariamente para o tomador - que age como dominus da conta respectiva, afecta a credibilidade que o Estado pretende manter na circulação deste título de crédito, sendo o prejuízo, de natureza não material, normalmente existente. VII - Aquela postura, como se fosse o sacador verdadeiro, agindo (assinando e movimentando o cheque) como tal, consubstancia um facto juridicamente relevante, isto é, um facto susceptível de desencadear consequências jurídicas, criando, modificando ou extinguindo uma relação jurídica», 07-11-2001 Proc. n.º 2527/01-3, Lourenço Martins, Pires Salpico, Leal-Henriques, Borges de Pinho
«I - A aposição da assinatura do agente num cheque que sabia não ser seu para com tal cheque proceder à compra de um bem constitui um acto de falsificação material, melhor, de alteração de documento expressamente prevista na al. a) do art. 256.º do CP. II - Em tal caso, a falsificação na modalidade referida, consistiu na aposição, sem qualquer legitimidade, da respectiva assinatura em cheque que só podia ser assinado pelos titulares da respectiva conta», 07-02-2002 Proc. n.º 240/02-5, Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins
Comete um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do CP, e não um crime de emissão de cheque sem provisão, o arguido que, tendo em seu poder um módulo de cheque relativo a certa conta bancária, da qual é titular uma sociedade comercial, coloca nele a sua própria assinatura, no local respectivo, sem que detenha poderes para assinar cheques da referida sociedade, o que é do seu conhecimento.
19-01-2000 Proc. n.º 1124/99-3, Flores Ribeiro, Brito Câmara, Lourenço Martins
Como se escreveu no acórdão de 7/2/02 supra citado «a aposição da assinatura do arguido num cheque que sabia não ser seu para os fins apontados, é, claramente, ao invés do que defende um acto crasso de falsificação material, melhor, de alteração do documento expressamente prevista na alínea a) do artigo 256.º, a), do Código Penal.
Alteração tipificada que, no caso, consistiu na aposição, sem qualquer legitimidade, da respectiva assinatura em cheque que só podia ser assinado pelos titulares da respectiva conta.» O cheque passou, por acção do arguido a documentar um facto falso: o de que ele era o sacador [legítimo] do título, e, assim, o dono dos fundos a que a ordem de pagamento se dirigia.
Conclusão tanto mais inatacável quanto é certo que, no caso, o módulo assinado pelo arguido só consentia a assinatura da respectiva titular e mais ninguém, por se tratar de conta singular e não conjunta nem solidária”.
E, então, como ali se disse, “por aqui já se vê, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, que podem ser buscados nos textos respectivos, que a jurisprudência do STJ dá inteira cobertura ao entendimento que, a propósito, foi levado avante na decisão recorrida”.
Donde, também, este segmento do recurso, está, assim, votado ao insucesso.

III. 3. 4. A medida das penas.

Invocando a violação do disposto nos artigos 70.º a 72.º C Penal, mostra, ainda, o arguido discordar das penas, parcelares e única, que lhe foram impostas, que tem por, manifesamente, excessivas, desproporcionais à ilicitude e culpa - decorrentes dos factos dados como provados ou que deveriam ter sido dados como provados e dos elementos de prova resultantes dos autos – invocando, em concreto, como razões de discordância, as motivações relativas à ilicitude, à fé pública do cheque, ao dolo, à inexistência de fundamentação da pena do crime de burla e face ao circunstancialismo concreto dos crimes e, sobretudo, às condições particulares relativas à conduta e à vida do arguido - e à sua consideração comparativa com os demais arguidos, como de seguida se demonstrará (no que se pode ter como um manifesto erro de enfoque).

Como parece medianamente evidente a invocação dos artigos 70.º e 72.º nenhuma pertinência tem ao caso. Com efeito, na alternativa entre penas de prisão e de multa, na decisão recorrida optou-se, invariavelmente, em relação aos dois crimes, pela pena não detentiva, donde não se vê onde se possa situar a razão de discordância do arguido e, por outro lado, o artigo 72.º reeporta-se ao instituto da atenuação especial da pena, que o arguido não invoca e, que, de todo, não tem a virtualidade de ter aplicação ao caso concreto.
Resta assim, a norma contida no artigo 71.º, pedra basilar na operação da determinação da medida da pena.

III. 3. 4. 1. A este propósito – depois de se ter entendido que dada a falta de antecedentes criminais do arguido e, o facto de se mostrar inserido familiar e socialmente, cumpria optar pela aplicação de pena de multa - expendeu-se na decisão recorrida pela seguinte forma:
“(...)
Há assim que ponderar os seguintes factos:
contra o arguido depõem:
o grau de ilicitude dos factos: que se afigura mediano, atendendo ao modo de execução dos mesmos pelo arguido e, bem assim, ao grau lesivo dos bens jurídicos aqui tutelados;
as consequências do crime: traduzidas numa ofensa da fé pública e a confiança que os cheques merecem no tráfico jurídico e comercial.
a intensidade do dolo do arguido: que reveste a forma de dolo directo, de acordo com o art. 14.°, n.° 1 do Cód. Penal.
A favor do arguido depõem:
as exigências de prevenção especial mostram-se reduzidas, sendo que o arguido não regista quaisquer antecedentes criminais;
a sua inserção social e familiar;
Sopesados todos estes elementos, afigura-se-nos justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido, pela prática de um crime de falsificação de documento, de uma pena concreta de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa.
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido, pela prática de um crime de burla simples, de uma pena concreta de 120 (cento e vinte) dias de multa.
Quanto á fixação do quantitativo diário da multa, estabelece o art. 47.°, n.° 2 do Cód. Penal, aplicável por remissão do art. 43.°, n.° 1, parte final, que a taxa diária da multa deverá ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, tendo em conta a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais.
Assim, considerando a concreta situação económica do arguido (constante dos factos provados n.°s 13 a 29), nomeadamente o seu rendimento mensal líquido e do seu agregado familiar, afigura-se-nos ajustado fixar uma taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), para a pena de multa aplicada ao arguido.
(...)
Apuradas as penas parcelares aplicáveis aos crimes praticados pelo arguido, cumpre agora efectuar o cúmulo jurídico, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 77.° do Cód. Penal.
Assim, nos termos do seu n.° 2, no caso concreto, a moldura penal a aplicar ao arguido passa a ter como limite máximo 360 dias de multa, e como limite mínimo 240 dias.
Operando-se o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares, tendo em consideração a personalidade do agente, acha-se ajustado, tendo em consideração os elementos já atrás aduzidos, aplicar ao arguido uma pena única de 300 (trezentos) dias de multa.
Obtendo-se assim um valor total de € 1.650 (300 x € 5,50)”.

III. 3. 4. 2. As razões do arguido.

Entende o arguido que in casu, a metodologia utilizada na decisão recorrida, se desprezou a culpa e não se considerou, minimamente, como circunstâncias que depõem a seu favor, como deveriam ter sido, donde resultaram enas que se fixaram em cerca de metade e de um terço do abstratamente aplicável no que respeita ao crime de falsificação (240 dias no máximo de 600 dias) e crime de burla respetivamente (120 dias) no máximo de 360 dias.
Concretamente entende o arguido que,
a ilicitude é diminuta atento o facto de, por um lado, o arguido ter escrito o seu próprio nome no dito cheque sem que ninguém colocasse em causa se ele era ou não legítimo portador do mesmo ou gerente da pessoa coletiva titular desse título;
quanto à fé pública do cheque, a sua alegada violação, in casu, não tem a intensidade que se lhe pretende apontar, uma vez que, tratando-se de cheque de uma sociedade, àquele que o aceita deveria igualmente exigir-se que confirmasse a legitimidade e autorização de quem o assina;
quanto ao dolo, o Tribunal apena refere tratar-se de dolo directo, não se pronunciando sobre a sua intensidade – entendendo que, ainda que directo, o dolo é de intensidade mediana, já que se resume à mera aposição de um nome num cheque, a que acresce, que é o próprio assistente a declarar que confiou, não nas palavras dos co-arguidos, mas na pessoa do Sr. D... que os tinha apresentado, já que se este os apresentou, eles seriam de confiança e, como se viu, o D... não conhecia o aqui arguido, só o co-arguido E..., pelo que, a existir dolo da sua parte, terá de ser mediano;
finalmente, o Tribunal a quo nada refere quanto ao que o motivou e fundamentou para aplicar a medida concreta da pena do crime de burla.
E, assim, conclui por que estes factos aliados às atenuantes relativas à falta de antecedentes criminais e às suas condições concretas da vida e inserção social e económica, a pena a aplicar - já que deverá ser absolvido do crime de falsificação - deveria configurar o seu mínimo ou muito mais próximo do mínimo.

III. 3. 4. 3. Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º C Penal, estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.
Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
Como sabemos, há muito está ultrapassada a fase da consideração, como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena, o do ponto médio da sua moldura abstracta – que, de resto, da decisão recorrida não resulta haja sido aplicado, expressamente ou, tenha estado subjacente e, aplicado de forma implícita, à operação de determinação da medida da pena, que, não obstante culminou com tal resultado - bem como, consolidado está o entendimento de ser esta a matéria onde transparece e se assume na plenitude, a arte de julgar, como ponto incontornável de partida e de chegada e que a operação de determinação da medida da pena se faz em função dos critérios gerais de medida da pena, seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
As circunstâncias factuais determinativas da medida concreta da pena são apenas aquelas que constam da decisão da matéria de facto – maxime dos factos provados - sem prejuízo de o significado preciso de alguma expressões circunstanciais poder eventualmente conjugar-se com a motivação da convicção formada pelo tribunal.
Dispõe o artigo 71º/1 C Penal, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e exigências de prevenção”.
Por outro lado, as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida, do possível, na reinserção do agente na comunidade e por outro lado a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa, artigo 40º/1 e 2 C Penal.
Deve, então, a medida concreta da pena ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos concretizados no n.º 2 do artigo 71.º C Penal.
Culpa e prevenção são assim os dois termos de um binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena.
Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena, através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
Só finalidades relativas de prevenção geral e especial e não finalidades absolutas de retribuição e expiação justificam a intervenção do sistema penal.
Com a determinação de que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral, procura dar-se satisfação à necessidade da comunidade, de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos e com o recurso à vertente da prevenção especial, procura satisfazer-se as exigências de socialização do agente com vista à sua integração na comunidade.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 121: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa. A culpa é condição necessária mas não suficiente, da aplicação da pena
O princípio da culpa, não se fundamenta em qualquer concepção retributiva da pena, antes sim no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal e “é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização”, cfr. Prof. Figueiredo Dias – in ob. cit. § 56.
A função da culpa no sistema punitivo assume-se “numa incondicional proibição de excesso, constituindo o limite inultrapassável: de quaisquer exigências preventivas”, cfr Prof. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 109 e ss.
Citando, ainda o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 227, “a medida da pena há-de ser dada pela tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz nas expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”.
“O Código Penal atribui à pena um conteúdo de reprovação ética, dando tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime, ligada ao princípio da eminente dignidade da pessoa humana, limita de forma inultrapassável a medida da pena, sem deixar de atender aos fins da prevenção geral e especial.
A culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura, que funciona ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena”, ibidem, 215.
O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina, ainda, o Prof. Figueiredo Dias, “aquele que comete à culpa a função, única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral, de integração, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dento da referida “moldura de prevenção”, que sirva melhor as exigências de socialização ou, em casos particulares, de advertência ou segurança do delinquente” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, 186-187.
As circunstâncias e critérios do artigo 71º C Penal devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

III. 3. 4. 4. Vejamos.

Importaria que o arguido fizesse uma ponderação em concreto dos factores que pudessem conduzir aos efeitos pretendidos.
Ao arguido incumbia, naturalmente, alegar e situar quais as circunstâncias que foram subavaliadas e situar quais as que foram sobrevalorizadas - que não estejam ajustadas aos enunciados fins das penas, contidos no artigo 40º/1 C Penal ou que violem os critérios legais de determinação da medida concreta das penas, contidos no artigo 71º C Penal.
E, fê-lo com as apontadas circunstâncias de onde pretende ver a pena do crime de burla – pois que pugna pela absolvição do de falsificação - reduzida ao patamar mínimo ou próximo disso.
De salientar que, como indubitavelmente resulta do teor da motivação, o arguido não coloca em causa, ié, não demonstra discordar, da taxa diária da multa – que, por isso, aqui se não abordará.
Será que,
a ilicitude é diminuta, atento o facto de, por um lado, o arguido ter escrito o seu próprio nome no dito cheque sem que ninguém colocasse em causa se ele era ou não legítimo portador do mesmo ou gerente da pessoa coletiva titular desse título;
a violação da fé pública do cheque, in casu, não tem a intensidade que se lhe pretende apontar, uma vez que, tratando-se de cheque de uma sociedade, àquele que o aceita deveria igualmente exigir-se que confirmasse a legitimidade e autorização de quem o assina;
o dolo directo, sem que tenha havido pronúncia sobre a sua intensidade – se terá de entender como de intensidade mediana, já que se resume à mera aposição de um nome num cheque, a que acresce, que é o próprio assistente a declarar que confiou, não nas palavras dos co-arguidos, mas na pessoa do Sr. D... que os tinha apresentado, já que se este os apresentou, eles seriam de confiança e, como se viu, o D... não conhecia o aqui arguido, só o co-arguido E...;
o que aliado, à falta de antecedentes criminais e às suas condições concretas da vida e inserção social e económica;
destes factores, destas circunstâncias, deste ponto de partida, se pode afirmar que na decisão recorrida se chegou a um resultado absolutamente díspar, incongruente e manifestamente desajustado, exagerado e desproporcionado - como pretende o arguido?
Será que os mesmos fundamentos de facto e a mesma justificação de Direito, pode suportar, de forma coerente e articulada, uma redução das penas, desde logo, parcelares, para o patamar mínimo ou muito mais próximo disso?
Cremos, que não, de todo.
A propósito da fixação e determinação da medida concreta da pena, no caso em apreço, há que convocar os seguintes argumentos:
o mediano grau de ilicitude do facto – já que o facto de ninguém, o assistente, ter colocado em causa se o arguido era ou não legítimo portador do cheque ou gerente da sociedade titular da conta a que o mesmo dizia respeito, não tem a virtualidade de o fazer diminuir, desde logo porque o assistente confiou, tinha razões, de resto, para, em princípio, o fazer, no apurado contexto de negócio, nas pessoas que lhe foram endereçadas pela testemunha – que afinal, abusaram da sua boa fé e, por isso nem sequer atento no facto de o cheque pertencer a uma sociedade;
da mesma forma, a violação da fé pública do cheque, assume mediana intensidade, carecendo de justificação a sua diminição por virtude de o assistente não ter acautelado a confirmação da legitimidade daqueles com quem estava a contratar em relação ao uso do dito cheque - que, de resto apenas com base na escritura de constituição da sociedade, com base no pacto social e com base na certidão do registo comercial, poderia ser aferida e, assim estaria encontrada a forma de combater a desonestidade comercial, que teria como contrapartida, a completa paralisação, mormente no ramo de actividade do comércio automóvel, em que os arguidos se inseriam;
a culpa do arguido, de normal intensidade a nível de dolo directo e não mitigada por qualquer circunstancialismo.
Aqui sim, assiste pertinência à crítica do arguido.
Com efeito, a este propósito convém salientar que apesar da actuação do arguido ter presente o dolo directo, tal não traduz, nem os factos provados evidenciam, se possa quantificar a culpa como de elevada intensidade. Com efeito, dolo directo não significa dolo intenso. Não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto. De resto, a singela, simples e básica, materialidade provada evidencia, também, aqui, uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos. Estamos assim, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade em relação à forma de cometimento destes crimes, quer a nível da ilicitude, quer da culpa;
as condições concretas da vida e inserção social e económica – que não obstante sendo pré-existentes nenhuma virtualidade tiveram no sentido de obviar, de dissuadir, de bloquear, de inibir a intenção criminosa;
o facto de o arguido não ter antecedentes criminais – o que como, se sabe, só por si não significa que tenha bom comportamento anterior– sendo tão só, aquele mínimo exigível a qualquer homem de bem;
as absolutamente normais necessidades de prevenção geral – dada a frequência assustadora e inusitada com que este tipo de crimes vêm ocorrendo, de forma a entravar o normal fluir das relações comerciais e, que no caso reportado ao uso do cheque, como meio de pagamento, teve o efeito de quase o reduzir a uma dimensão meramente simbólica e residual e,
finalmente, as bem menos acentuadas, de prevenção especial.
Saliente-se, a este propósito que – nem o arguido o pretende, de resto – dado o silêncio do arguido em julgamento, exercício de um direito previsto no texto legal, que, se é certo, o não pode prejudicar, não menos certo é, todavia, que o impede de poder beneficiar da circunstância atenuante, quer da confissão, mormente com relevo para a descoberta da verdade, e em maior escala, se acompanhada de demonstração inequívoca e sincera de arrependimento.
Da mesma forma, que não pode beneficiar, a título de comportamento posterior, por inexistência de qualquer arremedo, sequer, de tentativa de reparação do mal patrimonial do crime.
Assim e tendo presente que as molduras penais abstractas, previstas para o crime de falsificação de documento e de burla, no que ao caso releva em termos de multa, vão, respectivamente, de 60 a 600 e de 10 a 360 dias, cremos bem que se mostram ajustadas ambas as penas parcelares, fixadas, respectivamente, nos 240 e nos 120 dias.
Isto porque nenhuma das considerações feitas pelo recorrente tem a virtualidade de evidenciar que as mesmas deveriam ter sido fixadas num patamar inferior e, muito menos no mínimo, ou muito próximo disso.
E, da mesma forma, a pena única - que o arguido expresamente não chega a colocar em causa pois que não invoca a violação do disposto no artigo 77.º C Penal.
Assim, em resumo, dado ser susceptível – em via de recurso - de correcção, o procedimento e as operações de determinação da medida da pena (vg. o desconhecimento ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação da medida da pena, a falta de indicação de factores relevantes para tal operação, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis), temos que no caso concreto, a operação efectuada na 1ª instância, essencialmente, quanto ao limite e medida da culpa, não impõe qualquer correcção ao resultado final.
Penas parcelares – bem como o resultado final, de resto - que se têm como adequadas à medida da culpa do arguido e, seguramente, susceptíveis de assegurar, ainda, os apontados interesses da prevenção geral e especial.

Improcede, assim, também, este segmento do recurso.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os juízes que compõem este tribunal em conceder, apenas, parcial provimento ao recurso apresentado pelo arguido B...,

- em função do que se tem o crime de falsificação, tão só, como p. e p. pelo artigo 256.º/1 alínea a) C Penal;
- mantendo-se no mais tudo o decidido na decisão recorrida, nos segmentos impugnados.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2017.Junho.21
Ernesto Nascimento
José Piedade
______________
[1] In Direito Processual Penal, 202/203.
[2] No dizer do Ac. STJ de 4NOV1998, in CJ, S, III, 209.
[3] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 125.