Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3435/05.9TBVNG-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP201801243435/05.9TBVNG-D.P1
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 667, FLS 110-131)
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 61/2008 de 31.10, o direito a alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio está subordinado ao princípio da auto-suficiência de cada um, assumindo, pois, o direito a alimentos carácter temporário e subsidiário.
II - Segundo este modelo, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas dos pressupostos gerais de necessidade do alimentando, da possibilidade do obrigado e, ainda, da possibilidade de o alimentando prover ele próprio à sua subsistência.
III - Em acção destinada à cessação de obrigação alimentar pré-existente [acordada em sede de divórcio por mútuo consentimento] é ao autor, obrigado, que, de acordo com o disposto no nº 1 do art.º 342 do Código Civil, incumbe a prova de que, por força de circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados, ou que o alimentando não carece de continuar a recebê-los.
IV - Para avaliar das possibilidades do obrigado não releva apenas o rendimento líquido por si auferido no exercício da sua profissão ou o valor líquido da sua pensão de reforma, mas, ainda, os valores que integram todo o seu património, nomeadamente valores em depósitos bancários, pois que todo o seu património constitui a garantia das suas obrigações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3435/05.9TBVNG- D.P1 - Apelação
Origem: Vila Nova de Gaia – Instância Central – 5ª secção – Família e Menores - J3
Relator: Jorge Seabra
1º Adjunto Des. Maria de Fátima Andrade
2º Adjunto Des. Oliveira Abreu
* *
Sumário:
......................................................
......................................................
.....................................................
* *
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1. B... propôs o presente processo contra C..., requerendo, a final, que seja decretada a cessação de alimentos do autor em favor da ré, sustentando, no essencial, ter ocorrido, após a fixação do valor de alimentos que acordou pagar à ré, uma diminuição significativa ao nível dos seus rendimentos [por via da situação actual de reformado em que se encontra] e, ainda, ao nível da composição do seu agregado familiar, pois que veio a contrair novo matrimónio, fruto do qual veio a nascer o seu filho D..., a 2.08.2010.
Destarte, sustentou que, em face deste seu novo circunstancialismo, os seus rendimentos diminuíram, as suas despesas são maiores (por ter constituído família e ter agora um outro filho menor a seu cargo), o que, a seu ver, à luz do preceituado nos arts. 2012º e 2013º, n.º 1 al. b) do Cód. Civil, deve determinar a cessação da sua obrigação alimentar em favor da ré, sua ex-cônjuge.
*
2. Realizada conferência, não foi possível obter o acordo das partes.
*
3. Nesta sequência, veio a ré deduzir oposição à pretensão do autor, alegando não ter condições de saúde para prover ao seu próprio sustento, vivendo em condições muito precárias, sendo certo que o autor vive com conforto, tendo rendimentos suficientes para continuar a suportar o pagamento da pensão oportunamente fixada.
Impugnou, ainda, os rendimentos e as despesas alegadas pelo autor.
*
4. Foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado o objecto do litígio e os temas de prova.
*
5. Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo a ré do pedido de cessação da obrigação alimentar a cargo do autor.
*
6. Inconformada, veio o autor interpor recurso de apelação, em cujo âmbito deduziu as seguintes
CONCLUSÕES
A- DA MATÉRIA DE FACTO
– De acordo com o disposto no nº1 do art.662º ex vi art.640º, ambos do Código de Processo Civil, os documentos juntos pelas partes impõe uma decisão diferente relativamente:
1. Á al.d) da matéria de facto dada como assente, devendo considerar-se provado que a partir de Março de 2010 o Recorrente passou a auferir uma pensão mensal de 1.221,27 €;
2. Á al.g) da matéria de facto dada como assente, que o Recorrente e o seu agregado familiar têm uma média despesas mensais de 1200 €;
3. Á al.i) da matéria de facto dada como assente, que o Recorrente é titular de saldos e aplicações bancárias de 40.561,73 € e 44,01 €;
4. Á al.o) da matéria de facto dada como assente, que a Recorrida não provou ter mais do que 239,74 € - ou seja, electricidade 38,28 €, condomínio 36 €, água 15,46 e alimentação 150 €;
B- DA MATÉRIA DE DIREITO
5. A sentença recorrida violou os arts.2004º, 2016º e 2016º-A do Código Civil porquanto a Lei 61/2008, de 3/10 – que introduziu alterações significativas ao regime de alimentos entre ex-cônjuges, que aderiu ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, o direito a alimentos entre cônjuges um caracter temporário e natureza subsidiária;
6. Sendo que o nº 3 do art.2016º do Código Civil preceitua que, o direito a alimentos poderá ser negado por razões de equidade;
7. Entende-se que o Tribunal a quo violou estas normas, pois, face à matéria de facto que deverá ser tida como provada, por força dos documentos juntos aos autos, o pressuposto da impossibilidade económica do Recorrente manter o pagamento da pensão de alimentos, se verifica;
8. Na medida em que, se o Recorrente tem um rendimento mensal médio de 1200 € e um valor de despesas (suas e do agregado familiar) no mesmo valor, não tem possibilidade económica de continuar a de pagar a pensão de alimentos à sua ex-mulher e é completamente injusto que a mesma tenha de ser paga com recurso as poupanças que o Recorrente conseguiu arrecadar em toda a sua vida e que, relativamente às quais, a Recorrida foi contemplada com tornas no valor de 90.000 €, aquando da partilha de bens subsequente ao divórcio de ambos.
10. Por outro lado, também se considera que, face à alteração que se impõe relativamente à matéria de facto relativa às despesas mensais médias da Recorrida, e tendo em consideração que a Recorrida terá direito ao Complemento Social para Idosos (DL nº 232/2005, de 29/12) e a outras regalias, tais como benefícios sociais relativos a electricidade, passe social e medicamentos, não terá necessidade da manutenção da pensão de alimentos por parte do seu ex-cônjuge;
11. Sendo que, pelos motivos expostos e por razões de equidade, nem sequer é exigível que a manutenção do pagamento da pensão de alimentos se faça em detrimento das obrigações alimentares que o Recorrente tem em relação à sua actual cônjuge e aos seus filhos, todos dependentes económica e exclusivamente do Recorrente, de acordo com o preceituado no nº2 do art.2016º-A do Código Civil.
12. A sentença recorrida é contrária à lei e, a actual jurisprudência, além de dar relevância ao caracter excepcional das pensões de alimentos a ex-cônjuges, ainda refere que não pode a obrigação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor.
13. E mesmo o Acordão Constitucional nº 394/2014, de 7 de Maio, publicado no DR, 2ª Série, nº 108 de 5.06.2014, considera que não pode ser deduzida a uma pensão auferida pelo obrigado uma prestação alimentar que não acautele o direito a não ser privado do que se considera essencial a uma existência minimamente condigna, na medida em que prive o obrigado à prestação de alimentos ao mínimo indispensável à sua sobrevivência (e neste caso do seu agregado familiar economicamente dependente), por violação do princípio da dignidade humana.
14. É que a sentença recorrida teve como preocupação exclusiva acautelar a situação da recorrida sem atender à normal subsistência do Recorrente e do seu agregado familiar.
*
7. Não foram oferecidas contra-alegações.
*
8. Foram cumpridos os vistos legais.
*
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não sendo lícito a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas se mostrem de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2, 1ª parte e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1ª instância e ali apreciadas, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no sistema de recursos vigente no nosso Código de Processo Civil, não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias, em função das questões convocadas pelas partes perante a 1ª instância. [1]
Neste enquadramento e no seguimento de tais princípios, em função das conclusões recursivas do autor, as questões a dirimir são as seguintes:
(i.) se o tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação da prova produzida e quanto aos pontos concretamente impugnados pelo recorrente;
(ii.) se incorreu o tribunal recorrido em erro de julgamento quanto à cessação da obrigação de alimentos do autor a favor da ré.
*
III. FUNDAMENTOS de FACTO:
Em 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
a) Por decisão homologatória de acordo, proferida a 19.06.2006 e transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre C... e B..., tendo, além do mais, os cônjuges aí requerentes definido por acordo que o aqui autor ficaria obrigado a pagar à ora ré a quantia mensal de € 200,00, actualizável anualmente, consoante o índice de inflação verificado no ano civil anterior, de acordo com a informação do INE, até ao dia 1 de cada mês, com início em Julho de 2006.
b) O autor trabalhou ao serviço de “E..., Grupo SGPS “, como encarregado de construção civil, até ao ano de 2010, auferindo o salário mensal de € 2.820,95.
c) Em 2010, reformou-se e, a partir de Março de 2010, passou a auferir a pensão mensal do regime contributivo do Centro Nacional de Pensões, pensão que, em Junho de 2014, se cifrava no valor líquido (abatidos os descontos) de € 1.182,17.
d) O autor é casado com F..., desde 15.11.2008, vivendo com a sua mulher e com dois filhos, D... e G..., nascidos a 2.08.2010 e 11.03.1997, respectivamente, sendo ambos estudantes, a cargo dos pais.
e) A mulher do autor não exerce actividade profissional remunerada.
f) O autor tem despesas mensais, com pagamento de despesas de alimentação e vestuário do agregado familiar e despesas escolares dos filhos, IMI e seguro da habitação em que residem, fornecimento de água, electricidade, gás, tv cabo, telefone e internet, e despesas de saúde, a quantia mensal média e aproximada de, pelo menos, € 1.050,00.
g) Nos anos fiscais de 2013 e 2014, o autor declarou o rendimento global de € 18.228,26, tendo recebido reembolsos de IRS de € 2.337,44 e € 2.151,13, respectivamente.
h) À data de 17.10.2016, o autor era titular de saldos bancários e aplicações financeiras de poupança, depositados na H..., com os montantes de € 8.000,00, € 40.561,73 e € 466,01.
i) O autor não aufere qualquer outra pensão ou prestação social, além da pensão identificada em c).
j) A ré foi submetida a artroplastia total do joelho direito, com mau resultado cirúrgico, mantendo défice marcado da flexão do joelho direito e défice da força muscular do quadricepete, apresentando dor intensa no joelho direito, incapacitante, com claudicação na marcha.
k) A ré padece ainda de gonartrose do joelho esquerdo, aguardando cirurgia para artroplastia, por patologia degenerativa da coluna lombar com alterações graves, realizando tratamentos de fisioterapia regulares, mantendo limitação funcional pela dor e rigidez articular.
l) Sofre também de diabetes tipo 2, dislipidemia, obesidade e doença venosa crónica, tomando medicação crónica diária e medicação regular para a dor, dada a não estabilização do seu quadro clínico.
m) A ré, além da pensão referida em a), recebe uma pensão mensal de € 297,69, incluindo os duodécimos de subsídio de natal, vivendo sozinha.
n) Suporta despesas mensais domésticas, com electricidade, água, condomínio, transporte público, alimentação e vestuário e medicação crónica, no valor global aproximado de, pelo menos, € 467,00.
o) A ré, pela sua idade e condições de saúde, não pode exercer actividade profissional remunerada. [2]
* *
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Questão Prévia – Não admissão dos documentos juntos pelo recorrente com as suas alegações.
Como resulta da apelação o autor pretende que nesta instância sejam considerados três «documentos» que juntou com o aludido recurso, apesar de não explicitar sequer das razões ou dos fundamentos para a sua junção apenas na presente fase recursiva, partindo, pois, da tese de que a faculdade de juntar documentos com as alegações de recurso é meramente potestativa, quando, ao invés, essa faculdade está sujeita ao condicionalismo previsto nos arts. 425º e 651º do CPC.
Impõe-se, assim, como questão prévia ao objecto do recurso conhecer da admissibilidade processual da junção dos aludidos documentos.
Nos termos da primeira das aludidas disposições legais, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Nos termos da segunda, as partes apenas podem juntar documentos às alegações naquela situação e ainda no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
No tocante à primeira situação que torna admissível a junção, como se referiu, não foi sequer alegada qualquer impossibilidade de junção dos documentos no momento aprazado. Para esse efeito são absolutamente irrelevantes as datas dos documentos n.º 1 e n.º 2, respectivamente, de 30.03.2017 e 6.03.2017 (fls. 281-283 e 289), pois que tendo os mesmos sido elaborados e emitidos a pedido do autor, segundo o que consta dos mesmos, a aludida impossibilidade de junção em data anterior ao encerramento da discussão só existiria se o réu estivesse, antes dessa data, impedido de solicitar a elaboração de tais documentos, o que não só foi alegado como é totalmente desmentido pelo teor dos documentos: - o primeiro referente ao valor da sua pensão de reforma e obtido junto do ISS-serviço local de VN Gaia [e que, naturalmente, o recorrente podia ter obtido em qualquer momento, em particular na pendência da causa e antes do encerramento da discussão]; e o segundo referente a um atestado médico emitido a 6.03.2017 em que é confirmado ter o autor uma incapacidade permanente global de 60%, atestado este que, naturalmente, o autor estaria em condições de solicitar no decurso da causa e até ao encerramento da discussão. Aliás, quanto a este último documento cumpre dizer que, além do exposto, ainda a avulta a circunstância de com o mesmo o autor e recorrente pretender fazer prova de factualidade que o mesmo não alegou na pendência dos autos, naturalmente em 1ª instância; De facto, compulsada a petição inicial e o requerimento do autor a fls. 109 em nenhum momento o autor alegou ser portador de uma incapacidade permanente global de 60%, referindo apenas ser uma pessoa doente e despendendo na toma de um medicamento diário a quantia mensal de € 40,00. Nada mais.
Por último quanto ao documento n.º 3 (“ Guia Prático Complemento Solidário para Idosos “), da autoria do Instituto da Segurança Social, trata-se de brochura daquele instituto, expondo o regime da aludida medida social, os seus termos, o seu âmbito, os procedimentos a adoptar para a sua obtenção junto do mesmo Instituto pelos potenciais utentes, tendo em vista, pois, o esclarecimento destes últimos e do público em geral sobre a medida de apoio social paga mensalmente aos idosos com baixos recursos.
Ora, sendo assim, não só não se alcança a utilidade de tal «documento», pois que é ao tribunal que incumbe analisar o regime jurídico da medida social em apreço e se o mesmo se mostrar relevante para a apreciação das questões suscitadas e com ele eventualmente conexas, como, ainda, não se alcança qual a factualidade alegada nos autos e que possa ser demonstrada com o aludido documento, sendo certo que os documentos se destinam à prova de factos e não a suportar conclusões jurídicas.
Por conseguinte, a junção dos documentos não é de admitir à luz da primeira situação e a que alude o art. 425º do CPC.
Quanto à segunda situação que poderia consentir a junção de documentos, a solução depende do que se deva entender por junção tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. Esta disposição já existia no antigo Código de Processo Civil, estando prevista no art. 693º-B, aditado pelo DL n.º 303/2007 de 24.08, e antes deste no art. 706º, n.º 1, sempre com a mesma redacção.
Conforme já por nós foi decidido em outros Acórdãos, a jurisprudência e a doutrina sempre convergiram na ideia de que a previsão normativa se reporta às situações em que 1ª instância conhece oficiosamente de uma questão não suscitada ou tratada pelas partes, toma em consideração meio de prova inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou se baseia em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. [3]

O que releva, portanto, é que a necessidade do documento não seja preexistente à decisão da 1ª instância, não seja um dado com o qual a parte devesse contar já antes da decisão e independentemente desta, mas algo resultante da própria decisão, no sentido de que é a inesperada abordagem feita nesta que torna indispensável o documento e justifica que a parte não devesse contar antecipadamente com essa exigência. Quando, pelo contrário, a junção do documento corresponde a um dever de diligência que já antes a parte sabia que a onerava e a decisão de 1ª instância é uma das que a parte tinha a obrigação de contar que pudessem ser proferidas, por mais que esperasse que a decisão fosse diferente, a junção do documento não se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
Por isso, tem sido afirmado pela jurisprudência em termos recorrentes que a junção de documento nas alegações de recurso não pode servir para suprir a insuficiência que a 1ª instância assinalou aos meios de prova produzidos pela parte no decurso da instrução do processo, pela simples razão de que a necessidade de prova dos factos, que é o objectivo final da junção do documento qualquer que seja a fase do processo em que pode ser feita, é algo com que a parte, a partir do momento em que intervém no processo, alegando ou impugnando a alegação alheia, não pode deixar de contar.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.03.2003, citando o Acórdão do mesmo Tribunal de 27.06.2000, «a junção de documentos em fase de recurso, nos termos do art. 706º, n.º 1, do CPC… tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objecto da decisão fazem surgir a necessidade de provar factos (ou infirmá-los) com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela, e não quando a parte, já sabedora da necessidade de produzir prova (ou contraprova) sobre certos factos, obtém decisão que lhe é desfavorável e pretende, mais tarde, infirmar o juízo já proferido.» [4]
As partes sabem que no nosso sistema jurídico o tribunal é livre na avaliação dos meios de prova e, como tal, que uma vez chegado o momento de formar a sua convicção e a motivar pode perfeitamente considerar que a prova produzida é insuficiente, que lhe falta a razão de ciência que era exigível para a demonstração do facto, que no caso eram exigíveis outros meios de prova com maior valor probatório. Por isso, parte alguma pode pretender que a circunstância de a decisão não vir de encontro à sua expectativa representa algo com que não podia razoavelmente contar.
O processo civil continua a reger-se pelos princípios do dispositivo e da responsabilização das partes pelo resultado do seu esforço processual em ordem à satisfação dos deveres de prova que as oneram.
Ora, neste contexto, a sentença proferida em 1ª instância, situando-se no estrito âmbito das questões debatidas os autos (alteração da situação pessoal e económica do obrigado a alimentos e consequente cessação dessa obrigação ou redução do seu montante) e sobre as quais as partes tomaram a posição devida e produziram os meios de prova que tiveram por convenientes, não constitui motivo ou razão que torne necessária a junção dos documentos em apreço, sendo que, como se expôs, a eventual insuficiência dos meios de prova produzidos pelo autor não constitui fundamento legal para essa junção ulterior na fase recursiva dos autos.
O que, em conclusão, implica o julgamento no sentido da inadmissibilidade dos documentos n.ºs 1, 2 e 3, juntos pelo autor, que não serão atendidos nos autos para qualquer efeito.
*
(i). Impugnação da decisão de facto:
Dirimida a questão prévia atinente aos documentos juntos pelo autor nesta instância recursiva, cumpre conhecer da primeira questão suscitada pela recorrente, qual seja a de saber se o tribunal incorreu em erro na valoração dos meios de prova produzidos e quanto aos pontos de facto concretamente impugnados pela recorrente.
Em sede de impugnação da decisão de facto, como é consabido, a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com toda a precisão dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, dos meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do Recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação, deduzindo a sua (própria) apreciação crítica da prova.
Neste sentido, preceitua o art. 640º, n.º 1 do CPC que «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»
Por seu turno, ainda, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, sempre que «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes
Deve, assim, o recorrente, sob cominação de imediata rejeição do recurso [sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento [5] ], delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão de facto que pretende questionar, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões [6], motivar o seu recurso através da indicação dos concretos meios de prova constantes dos autos ou que neles tenham sido registados e que impõem decisão diversa quanto a cada um dos factos, e relativamente aos pontos da decisão de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas cumpre-lhe, ainda, indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes, sem prejuízo da transcrição (facultativa) de tais excertos.
Por outro lado, ainda, terá o recorrente de deixar expressa a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação, tendo em conta a (sua) apreciação crítica dos meios de prova produzidos. [7]
Cumpridos estes ónus, cujo cumprimento deve ser analisado com rigor [8], cumpre ao Tribunal da Relação conhecer da impugnação reapreciando a prova produzida em 1ª instância.
Neste sentido, dispõe o art. 662º, n.º 1 do CPC que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
Como é hoje indiscutido, por mor desta nova redacção do art. 662º, em contraponto com o art. 712º do CPC anterior, pretendeu-se realçar que, sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão de facto e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação do julgador, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, sujeito às mesmas regras de direito probatório material que são aplicáveis em 1ª instância, os elementos de prova que se mostrem acessíveis imponham uma solução diversa da antes acolhida.
Afastada está pois a tese que a modificação da decisão de facto só poderá ter lugar em casos excepcionais de erro manifesto ou grosseiro de valoração ou apreciação dos meios probatórios ou, ainda, que a Relação, atentos os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, não poderá contrariar o juízo formulado em 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação.
Sem deixar de ter presente esses princípios e o seu relevo para a convicção do julgador e sem ignorar que o Juiz em 1ª instância se encontra, por via do imediato contacto com a produção da prova, em condições únicas para a realização do julgamento de facto, a evolução legislativa e a solução consagrada no citado art. 662º, n.º 1 [e, ainda, no n.º 2 als. a) e b) do mesmo inciso] apontam no sentido de a Relação se assumir «como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), assistindo-lhe, pois, plena autonomia decisória, e «competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.» [9]
Como assim, neste pressuposto, cumpre conhecer da impugnação da decisão de facto deduzida pelo recorrente e, em particular, se a motivação invocada na sentença recorrida, no que tange à matéria de facto impugnada, deve ser secundada nesta outra instância, reapreciando, em termos próprios e autónomos, os meios probatórios aduzidos ou, ainda, outros meios de prova que se mostrem disponibilizados e se mostrem relevantes para a decisão da matéria colocada em crise.
Os pontos de facto impugnados pela recorrente são os seguintes:
Na alínea c) [na sentença recorrida alínea d)] ao invés de provado que a pensão mensal auferida, a partir de Março de 2010, pelo autor é de € 1.302,02, segundo a recorrente, deveria ter-se como provado que essa pensão mensal é de € 1.221,27.
Na alínea f) [na sentença recorrida alínea g)], ao invés de as despesas mensais do agregado familiar do autor serem de € 1.050,00, segundo a recorrente, deveria ter-se como provado que essas despesas se cifram em € 1.200.
Na alínea h) [na sentença recorrida alínea i)] deveria ter-se como provado apenas que o autor é titular de saldos e aplicações bancárias no valor de € 40.561,73 e € 44,01, tendo-se, pois, como não provado que o valor do saldo bancário de € 8.000,00 ali referido é seu.
Na alínea n) [na sentença recorrida alínea o)] deveria considerar-se provado como valor de despesas mensais da ré apenas a quantia de € 239,74, ao invés da quantia de, pelo menos, € 505,00, constante da sentença recorrida.
Relativamente à factualidade ora em apreço, o tribunal de 1ª instância aduziu a seguinte motivação:
«No que concerne às condições de vida do autor, o tribunal atendeu, primeiramente, aos documentos juntos com o requerimento inicial, dos quais ressaltam os valores auferidos, a título de salário anual que recebia, e o montante da pensão que passou a auferir no ano de 2010, a partir de Março (fls. 7 verso e 8).
A composição do seu agregado familiar e as despesas suportadas ficaram assentes pelos referidos documentos (em especial de fls. 8 verso e seguintes), conjugados com as declarações do próprio autor e ainda com os depoimentos das testemunhas I... e J..., referindo-se à situação familiar do autor.
O tribunal ponderou ainda a informação fiscal de fls. 168 e seguintes, a resposta da Segurança Social de Moçambique, de fls. 185, atestando que o autor não recebe qualquer outra pensão ou prestação, e ainda as informações bancárias de fls. 214 e 215.
A situação pessoal da ré, nomeadamente quanto às suas circunstâncias de saúde, ficou assente pela análise de fls. 92 a 94, estando o recibo da pensão e seu valor e as suas despesas comprovadas pelos documentos de fls. 93 e seguintes.
A vivência diária da ré e suas dificuldades de saúde, impeditivas de trabalhar, ficaram assentes pelas declarações das testemunhas que arrolou, tendo ainda sido confirmadas também pela testemunha I..., já mencionada
Vejamos.
Quanto à alínea c) está em causa o valor mensal da pensão de reforma auferida pelo autor.
Neste conspecto, o tribunal recorrido deu como assente que a dita reforma ascende a € 1.302,02, conforme consta do documento a fls. 7 verso; Todavia, este valor é o montante bruto (sem descontos), não correspondendo pois ao efectivo rendimento auferido, a título de pensão, pelo autor.
Compulsados os autos e, em particular o documento a fls. 8 (que contém a lista dos processados mensais a título de pensão e se mostra emitido pela entidade processadora – CNP), verifica-se que em Junho de 2014 a pensão (valor líquido, efectuados os respectivos descontos) auferida pelo autor ascendia a € 1.182,17, conforme alegado pelo mesmo sob o art. 5º da petição inicial.

Destarte, nesta matéria, concatenando os ditos documentos e sendo de ponderar para efeitos de rendimento efectivo do autor o valor líquido da sua pensão, tal significa que procede a impugnação, tendo-se como assente sob a alínea c) do elenco dos factos provados que em Junho de 2014, o autor auferia uma pensão (valor líquido) de € 1.182,17.
No que se refere à alínea f) insurge-se o autor por ali figurar como provado o valor mensal de despesas do seu agregado familiar de € 1.050,00, sendo que, segundo o recorrente à luz dos «documentos juntos aos autos» [que não especifica], esse valor deverá antes cifrar-se em € 1.200,00, ou seja mais € 150,00.
Com o devido respeito, não assiste razão ao autor; De facto, compulsados os autos e os documentos por si juntos deles não resulta a demonstração da alegada despesa média mensal do seu agregado familiar de mais de € 1.200,00; Ao invés, considerando os ditos documentos, segundo um critério de razoabilidade e conforme às regras da experiência, o valor de € 1.050,00 – valor este que não é um valor fixo mas médio, aproximado e mínimo (como se refere na factualidade provada) -, julga-se correcto o julgamento efectuado, sendo certo que nada na motivação de facto sustenta a conclusão de que nesse valor o tribunal não considerou também as despesas de alimentação (almoço) da filha do autor. De facto, o dito valor, repete-se, que é um valor médio e mínimo, corresponderá a um valor mensal de despesas de cerca de € 262,500 por cada membro do agregado familiar, composto por dois adultos e dois filhos menores - (à data da propositura da acção), o filho com 4 anos e a filha com 17 anos -, valor este que temos por aceitável e conforme ao nível de vida e ao rendimento do agregado familiar em causa.
Por conseguinte, improcede, neste segmento, a impugnação quanto à matéria de facto em apreço.
No que se refere à alínea h) insurge-se o recorrente por ter o tribunal dado por provado que o valor de € 8.000,00 depositado em conta por si titulada (vide informação a fls. 214-215 dos autos prestada pela H...) é de sua propriedade, sustentando, ao invés, o recorrente que esse valor não lhe pertence, antes sendo de uma sua filha (do primeiro casamento com a ré), sendo que esta filha lhe solicitou que guardasse essa quantia em razão do seu divórcio e da prodigalidade do seu ex-marido.
Nesse conspecto, em abono desta sua divergência, refere que ele próprio declarou que essa quantia não lhe pertencia (vide requerimento a fls. 192), sendo que logo nesse mesmo requerimento requereu que a sua filha K... fosse «oficiada» para vir dizer que quantia entregou ao seu pai (o ora autor) para que este lhe guardasse.
Sucede, no entanto, acrescenta o recorrente, que o tribunal não atendeu ao pedido feito pelo autor para que a sua filha fosse interpelada sobre a titularidade desses € 8.000,00.
Destarte, a seu ver, deve ter-se como não provado que essa quantia lhe pertence.
Quanto a esta matéria a primeira referência que se impõe fazer é a de que o dito valor se encontra depositado em conta a prazo, conta esta de que é titular (apenas e só) o autor.
Como assim, salvo prova em contrário, é de presumir, segundo as regras da experiência e da normalidade, que o valor pecuniário em apreço é pertença exclusiva do autor que foi quem procedeu à constituição de tal depósito e que nele figura como titular dos respectivos fundos.
Por outro lado, como cremos ser evidente, não basta para aquela prova em contrário – que incumbe ao ora autor enquanto titular da conta bancária onde se encontram os ditos fundos e que pretende infirmar a presunção judicial em apreço -, vir o próprio invocar em declarações de parte que os ditos fundos não lhe pertencem; Para que esta sua afirmação – necessariamente interessada - possa colher o necessário sustento probatório em termos de credibilidade e consistência é suposto que a mesma colha algum outro indício probatório nos demais meios de prova produzidos nos autos. [10]
Ora, esse outro meio probatório não existe, de todo, nos autos, nem, aliás, o recorrente o invoca em termos concretos.
E não colhe, ainda, ao menos com o efeito que dele pretende extrair o autor, o facto de o tribunal não ter diligenciado junto da sua filha K... a confirmação dessa sua alegação ou afirmação, como foi por si requerido.
A dita omissão do tribunal, cumpre dizê-lo, consubstancia uma evidente irregularidade, pois que em face de tal pretensão deduzida pelo autor sempre teria o tribunal a quo que sobre ela se pronunciar, em termos fundamentados, deferindo (ou indeferindo) essa diligência.
Com efeito, como decorre do preceituado nos arts. 152º, n.º 1 e 154º, n.º 1, sendo formulado nos autos um pedido ou suscitada alguma dúvida, deve o juiz, no âmbito do exercício da administração da justiça que lhe está cometida, proferir despacho sobre a matéria pendente, despacho este que tem de ser fundamentado.
Ora, se é assim, preceitua o art. 195º, n.º 1 do CPC que «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa
Neste sentido, não tendo o tribunal emitido pronúncia sobre o requerido pelo autor quanto à audição de sua filha K... e, consequentemente, não tendo deferido tal diligência, foi cometida uma nulidade, isto é um desvio ao formalismo aplicável (nulidade processual).
Sucede que a dita irregularidade não só está sujeita a reclamação dos interessados, como ainda tem de ser suscitada no prazo geral de 10 dias (art. 149º do CPC) e a partir da data em que o interessado teve conhecimento do vício ou, pelo menos, a partir da data em que dele «pudesse conhecer, agindo com a devida diligência» - art. 199º, n.º 1, parte final, do CPC.
De facto, ocorrendo esse prazo sem que a irregularidade ou vício seja arguido pelo respectivo interessado, essa irregularidade/nulidade considera-se sanada, não podendo mais ser suscitada pelo respectivo interessado, nem conhecida pelo tribunal. [11]
Ora, neste enquadramento, pelo menos por via da notificação do despacho a fls. 222 [despacho este em que expressamente se considerou completa a produção de prova e se providenciou no sentido do prosseguimento do julgamento para alegações orais ou por escrito e posterior prolação da sentença], o autor teve (ou devia ter tido, se agisse com a devida diligência) conhecimento que o tribunal recorrido, por não ter atentado no peticionado a fls. 192, não só não tinha emitido despacho sobre a sua pretensão antes formulada a fls. 192, como, ainda, não iria, logicamente, diligenciar pela audição da testemunha L1..., pois que, como se disse, referiu expressamente que a prova estava completa, isto é concluída, não havendo lugar a produção de outro meio de prova.
Como assim, teria o autor que, no prazo de 10 dias, após a notificação deste último despacho, vir suscitar essa nulidade secundária, provocando pois a pronúncia do tribunal sobre a nulidade cometida, sem prejuízo da possibilidade de vir a recorrer desse despacho sobre a reclamação da nulidade por si suscitada e se para tal mantivesse interesse.
Precisamente, por mor desta regra, é usual dizer-se que das nulidades reclama-se e dos despachos recorre-se.
O que, com o devido respeito, não é possível é não suscitar qualquer irregularidade/nulidade perante o tribunal recorrido, conhecendo do seu cometimento, e remeter a sua invocação para o posterior recurso, sem prévio despacho do juiz de 1ª instância que dela conheça.
Neste conspecto, como se disse, segundo o regime de arguição previsto no art. 199º do CPC quanto à nulidade ora em apreço (não prevista nos arts. 186º, 187º, 193º, n.º 1 e 194º), entendendo o interessado que foi cometida qualquer nulidade processual antes de ser proferida a sentença, o mesmo interessado deve suscitá-la perante o tribunal a fim de este decidir da reclamação apresentada. Perante a decisão e caso não concorde com a mesma, o interessado poderá então, nos termos gerais, apresentar recurso do despacho que decidiu a reclamação; O que não pode é suprimir esta sua obrigação de arguir a nulidade perante o tribunal onde a nulidade foi cometida e suscitar a sua apreciação apenas perante o tribunal de recurso.
Por conseguinte, mostrando-se ultrapassada a irregularidade em causa e não existindo nos autos qualquer prova que permita, em termos rigorosos, consistentes e credíveis, infirmar que a quantia titulada pelo autor em conta da H... no montante de € 8.000,00 é de sua propriedade – sendo normal, verosímil e conforme à experiência comum que o titular da conta bancária seja também o proprietário dos respectivos fundos -, de tudo resulta, pois, que não ocorrem razões para divergir quanto à factualidade julgada provada sob a alínea h) do elenco da sentença recorrida, que se mantém.
Por último, insurge-se, ainda, o autor quanto ao valor das despesas mensais invocadas pela ré e que o tribunal julgou provadas no valor de € 505,00.
Vejamos.
Quanto ao valor em causa e aos seus componentes, como emerge das suas alegações recursivas, a primeira discordância do recorrente refere-se à despesa mensal de electricidade suportada pela ré, a qual, seu ver, é apenas de € 38, 28, ao invés do valor de € 94,92, tido por assente.
Relativamente a este valor, de facto, o valor de € 94,92 não colhe apoio no documento que para essa prova a ré juntou aos autos – fls. 96; O montante que aí surge como valor a pagar de € 94,92 é o correspondente ao somatório de € 38,28 (atinente a valores antes facturados e já vencidos) + 56,64 (factura actual); Destarte, o valor mensal referido na factura é de € 56,64, [e não 38,28, como refere o recorrente], valor este de consumo de electricidade que temos como aceitável como referência média, sendo certo que a ré vive sozinha.
Assim, o valor a atender para efeitos de despesa média mensal de electricidade é de situar em cerca de 56 euros.
Relativamente ao valor mensal do passe de transporte público pago pela ré o autor também dele discorda; No entanto, compulsada a alegação recursiva, o que o autor esgrime não é a existência ou não dessa despesa, mas a antes a sua necessidade, o que é coisa diversa.
Ora, nesta matéria, ao contrário do que parece sustentar o autor, a ré não está, obviamente, não obstante os problemas de saúde de que padece [que não foram impugnados], impedida de se locomover e de, na sua vida diária, fazer as deslocações que julgue convenientes ou necessárias, nada impondo que o faça apenas «esporadicamente»; Ora, sendo assim, e tendo-se presente que a ré, precisamente por força dos problemas de saúde de que padece, tem dificuldades de locomoção pelos seus próprios meios, carecendo e beneficiando com o transporte público - mesmo em viagens menores -, não se nos afigura, em absoluto, bem pelo contrário, que a aquisição de um passe (de valor modesto, como é o caso) represente um qualquer gasto desnecessário. Aliás, como bem se sabe, o passe de transportes públicos representa, precisamente, uma poupança, na estrita medida em que o seu valor mensal é inferior ao valor que seria despendido se, em cada viagem, o utente, durante um mês, adquirisse um bilhete avulso.
Por conseguinte, neste segmento, não se evidenciam razões para desconsiderar a dita despesa.
Por último, insurge-se, ainda, o autor quanto ao valor de despesas médicas mensais suportadas pela ré no valor de € 100,00 e de € 75,00 em vestuário e calçado.
Porém, neste segmento da impugnação o autor não faz qualquer menção aos meios probatórios em que sustenta essa sua divergência face ao decidido, nem sequer faz, logicamente, uma qualquer apreciação crítica desses meios probatórios ou dos que o tribunal invocou na sua motivação da decisão de facto.
De facto, nesta parte, o autor limita-se a referir que «não se concebe como é que o Tribunal a quo aceitou que a Ré gaste, mensalmente, uma média de 100€, em medicamentos, pois, por se tratar de doenças crónicas e para a dor terem de ser, senão na totalidade, pelo menos em grande parte, comparticipadas pelo Estado» ou «não se pode conceber que o Tribunal a quo aceite que a ré gaste mensalmente para se vestir e calçar 75 €» ou, ainda, que «dos documentos juntos aos autos pelas partes (…) impõe-se a modificação da matéria de facto…» - vide fls. 264-265 e 278.
Na verdade, como a propósito da impugnação da decisão de facto refere Ana Luísa Geraldes [12] «não cumprem as exigências legais de especificação a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova (salvo situações excepcionais em que o mesmo não deixe dúvidas quanto ao desacerto da decisão proferida em 1ª instância), e também se revela insuficiente no que respeita à prova testemunhal, o extracto de uma simples declaração da testemunha, sem correspondência com o sentido global do depoimento produzido de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida.
Ao invés, tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que tenham sido decisivas), nos termos do art. 653, n.º 2 [actual 607º, n.º 4 do CPC], também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diferente, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um outro segmento descontextualizado dos depoimentos.»
E, ainda, «neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados». [sublinhados nossos]
Vale pois por dizer que, independentemente da questão de saber se os concretos meios probatórios devem figurar nas conclusões do recurso ou se é bastante a sua referência no corpo das alegações, o que não há dúvida é que os concretos meios probatórios têm que ser invocados pelo recorrente que impugna a matéria de facto – ainda que seja apenas para sustentar que os mesmos não poderiam ter conduzido à convicção formada pelo tribunal - e devem, ainda, ser objecto de uma análise crítica que explicite e justifique a discordância manifestada pelo recorrente e demonstre que o julgamento quanto ao ponto de facto impugnado deveria ser diverso.
Na verdade, a imposição deste ónus mostra-se perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto e indicar os concretos meios de prova constantes dos autos ou do registo sonoro [tratando-se de prova pessoal por depoimento ou declarações] que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.
Ora, para tanto, com o devido respeito, não é bastante o recorrente referir-se – como ora sucede - apenas aos «documentos juntos pelas partes aos autos», sem fazer uma qualquer referência, mínima que seja, aos concretos documentos a que alude e de cuja apreciação e análise crítica resulte, na sua perspectiva, decisão diversa da proferida.
Com efeito, como já se referiu, seja a fls. 264, seja a fls. 265-266 (corpo das alegações) – na parte atinente à factualidade ora em apreço -, seja fls. 278 (conclusões), o recorrente não identifica, não especifica, nem concretiza, de entre os vários documentos que foram juntos pelas partes, quais os que, em concreto, foram apreciados pelo tribunal recorrido em termos erróneos ou indevidos ou que por ele foram desconsiderados, e que, na sua própria análise crítica, imporiam decisão diversa.
O que significa, pois, que quanto à matéria factual atinente às despesas médicas ou medicamentosas ou quanto às despesas mensais em vestuário e calçado, nenhuma censura se pode dirigir ao julgamento do tribunal recorrido por incumprimento, ainda que apenas nesta parte, dos ónus de impugnação consignados no art. 640º do CPC.
Por conseguinte, tendo em atenção a redução do valor da despesa mensal de electricidade – nos termos acima expostos -, o valor global mensal de despesas da ré e referidas sob o ponto o) ascende a € 467,00, ao invés dos alegados € 505,00.
O que significa, em conclusão, que procede parcialmente a impugnação da decisão de facto e nos termos expostos.
*
(ii) Da obrigação de alimentos e sua cessação:
Fixado nos termos que antecedem o quadro factual relevante, cumpre conhecer da questão de mérito, qual seja a de saber se ocorrem os pressupostos legais para a cessação da obrigação alimentar a cargo do autor e ora recorrente.
Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 2003.º do Código Civil «por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário», integrando o n.º 2, neste conceito “a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.
O artigo 2004.º define a medida dos alimentos, determinando que os mesmos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, e que na sua fixação concreta se atenderá à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Estão vinculados à prestação de alimentos, em primeira linha, o cônjuge e o ex-cônjuge, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2009.º do Cód. Civil.
Significa isto que, apesar de a sociedade conjugal se ter dissolvido e ter cessado, por conseguinte, o dever de contribuir para os encargos da vida familiar, se mantém ainda assim, verificados determinados pressupostos, o dever de o ex-cônjuge prestar alimentos.
Referindo-se especificamente ao divórcio e separação judicial de pessoas e bens, preceitua o artigo 2016.º, no n.º 1, na redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008 de 31.10, que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio, sendo que o n.º 3 prevê a possibilidade de o direito a alimentos ser negado por manifestas razões de equidade.
A alteração introduzida no n.º 1 mostra-se justificada na exposição de motivos do projecto de lei em razão do princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência, e de que a obrigação de alimentos tem um caracter subsidiário e temporário, embora possa ser renovada periodicamente.
Por seu turno, a alteração introduzida no n.º 3 mostra-se justificada na mesma exposição de motivos como referindo-se a casos especiais que os julgadores facilmente identificarão em que o direito de alimentos ao ex-cônjuge necessitado seja negado, por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.
A doutrina e a jurisprudência têm interpretado este normativo como referindo-se a situações que se prendem com a conduta do necessitado. Será o caso em que o credor dos alimentos viole gravemente os seus deveres para com o obrigado, o caso de alimentando ter contraído novo casamento, iniciar união de facto ou de se ter tornado indigno do benefício pelo seu comportamento moral. [13]
Esta mesma ideia mostra-se espelhada no AC STJ de 3.03.2016 [citado pelo recorrente] ou no AC STJ de 27.04.2017, referindo-se neste último aresto que «A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004 – veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, tendo esse direito passado a ter cariz excepcional.
Ao ter optado, claramente, por aderir ao princípio da auto-suficiência, o legislador passou a conferir ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, características estas que estão bem evidenciadas no art. 2016.º do CC.
Neste novo modelo – associado, em grande medida, ao divórcio desligado do conceito de culpa – o referido direito depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC (sendo que o primeiro, como decorre expressamente do texto do n.º 3 do art. 2016.º-A do CC, já não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial) e deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do CC), não se verificando, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo.» [14]
Finalmente, o n.º 1 do artigo 2016.º-A define critérios objectivos para a definição do montante da prestação alimentar na sequência do divórcio ou da separação de bens: «Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta».
Nos termos do n.º 3 do normativo citado, o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
De facto, em razão das alterações legislativas antes referidas, a obrigação de prestar alimentos deve cingir-se apenas nos termos gerais ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003, n.º 1 do Cód. Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da ruptura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal. Afastou-se, pois, em termos inequívocos, a possibilidade de o cônjuge carecido de alimentos manter posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela de que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido.
Nas suas conclusões, o recorrente começa por enfatizar que o tribunal recorrido violou o regime jurídico antes exposto, sendo que, em face das alterações ocorridas na sua vida - novo casamento, nascimento de mais um filho e redução dos seus rendimentos -, não tem ele condições para assegurar o cumprimento da obrigação de alimentos antes assumida, impondo-se, pois, por razões de equidade e face ao caracter subsidiário e temporário dessa sua obrigação, pôr-lhe termo, decretando a cessação de tal obrigação.
Relativamente ao caracter subsidiário e temporário da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges decorrente do princípio geral de que cada ex-cônjuge deve providenciar pela angariação dos seus próprios rendimentos (art. 2016º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil) não se nos suscitam quaisquer dúvidas que os mesmos se mostram expressamente consagrados no actual regime jurídico, tal como, aliás, antes se expôs e resulta pacífico.
A questão não se coloca, no entanto, no plano teórico dos princípios, mas na sua concretização prática ou casuística, em função da particularidade de cada caso trazido a juízo, ou seja ponderando e conciliando os específicos e contraditórios interesses das partes.
Ora, a este nível, dir-se-á que verificando-se a necessidade de um dos ex-cônjuges de alimentos para a sua sobrevivência condigna, e a possibilidade de o outro os poder prestar, nenhum princípio obstará à fixação de uma pensão a favor do mais desfavorecido.
Neste sentido, a nossa doutrina define os pressupostos e a medida da prestação de alimentos em função dos seguintes vectores: 1.º necessidade do alimentando; 2.º possibilidade do obrigado; 3.º possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência. [15]
O terceiro pressuposto enunciado tem subjacente o já referido princípio que o legislador veio proclamar na redacção que introduziu no n.º 1 do artigo 2016.º através da citada Lei n.º 61/2008, segundo o qual cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
Em suma, só na eventualidade de o ex-cônjuge não conseguir prover à sua subsistência, carecendo do auxílio e da solidariedade do seu ex-cônjuge para prover à satisfação das suas necessidades essenciais, e se o outro cônjuge reunir condições económicas, deverá ser decretada (ou mantida) a pensão alimentar, quantificada de acordo com os critérios objectivos enunciados no n.º 1 do artigo 2016.º-A, não esquecendo dois outros factores essenciais: o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (n.º 3 do art. 2016.º-A); por razões manifestas de equidade, pode ser negado o direito a alimentos a favor de quem deles carece (n.º 3 do art. 2016.º).
Dito isto, importa, pois, regressar à situação concreta que se nos depara nos autos.
Relativamente à necessidade da ré não cremos que existam dúvidas quanto à verificação de tal pressuposto.
Com efeito, a ré tem actualmente 70 anos (pois que nasceu a 15.10.1947 – vide fls. 94), está por mor da sua idade e dos seus problemas de saúde [vide factos provados em j), k) e l)], impedida de exercer actividade profissional remunerada [vide facto provado em o)] e aufere uma pensão de velhice no valor de € 274,79 mensais [a que acrescem € 22,90, a título de duodécimos de subsídio de natal].
Como assim, independentemente do valor das suas despesas mensais, não cremos que seja sequer discutível que a ré vive em situação de grande carência económica, sendo que, como é consabido, um valor de € 274,79 ou de 297,69 mensal, é manifestamente insuficiente para que alguém com 70 anos e com graves problemas de saúde possa ter uma vida com um mínimo de dignidade; Um tal valor mensal [independentemente dos eventuais apoios ao nível de preços de medicamentos ou outros apoios sociais] permitir-lhe-á, a nosso ver, (sobre) viver mas claramente abaixo do limiar mínimo da dignidade humana. De facto, se se considerar o dito valor mensal obter-se-á um valor diário de rendimento disponível inferior a € 10, valor esse com que a ré deverá prover, pelo menos, às suas necessidades essenciais, como sejam as suas despesas de saúde, as suas despesas de alimentação, de vestuário, de electricidade, de água, de condomínio e passe de transportes públicos.
E nem se sustente que a ré recebeu no âmbito do divórcio cerca de € 90.000 como tornas ou, ainda, que tem duas filhas que podem providenciar por esse auxílio.
Quanto às tornas, como refere o próprio autor (vide art. 11º da petição inicial), esse valor foi aplicado pela ré na aquisição de habitação própria; Como assim, não lhe é seguramente exigível, à luz de um critério de razoabilidade e normalidade, que, com a sua avançada idade e débil estado de saúde (com tendência para se agravar com o natural evoluir da idade), aliene a sua casa. [16]
Por outro lado, não releva que a ré tenha duas filhas do seu casamento com o ora autor.
De facto, como resulta de forma clara da hierarquia prevista nas várias alíneas do n.º 1 do art. 2009º do Cód. Civil e do preceituado no n.º 3 do mesmo inciso, apenas se algum dos vinculados [a começar pelo cônjuge ou ex-cônjuge – alínea a)] não puder prestar alimentos ou não os puder prestar integralmente é que esse encargo passa a recair sobre os onerados subsequentes.
Dito de outra forma, os filhos do carecido de alimentos apenas ficarão onerados a tal obrigação alimentar se o cônjuge ou o ex-cônjuge não os puder satisfazer, questão que tem, pois, que se resolver previamente.
Dito isto, a questão centra-se, pois, nas possibilidades do autor e ora recorrente, ou seja saber se o mesmo mantém ou não condições económicas para suportar a obrigação alimentar que, em sede de divórcio por mútuo consentimento (a 19.06.2006), acordou pagar em favor da sua ex-mulher e no valor de € 200,00.
Neste conspecto, como já antes se referiu a propósito dos critérios de fixação da pensão de alimentos deve o tribunal tomar em consideração, além do mais, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas possibilidades de emprego, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de um modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe alimentos e as possibilidades que o presta.
Estando em causa – como ora sucede - uma cessação da obrigação alimentar antes fixada, relevam, naturalmente, as alterações supervenientes relativamente à data em que a obrigação de alimentos foi fixada, seja quanto às necessidades do alimentando [que se têm por assentes, como antes se expôs], seja quanto às possibilidades do obrigado, pois que quanto às condições existentes à data do acordo é de presumir que as partes as tiveram presentes e ponderaram quando o outorgaram.
Todavia, antes de avançarmos na apreciação das possibilidades do autor e ora recorrente, coloca-se ainda, como antecedente lógico, a questão do ónus da prova.
Não restam dúvidas de que a prova das necessidades do alimentando incumbe a quem requer a prestação alimentar, ou seja, ao autor na acção de alimentos. [17]
Todavia, no caso dos autos, importa não olvidar que o autor (obrigado à prestação) lançou mão de um meio processual específico – processo (especial) para a cessação ou alteração de alimentos – previsto no artigo 936º do CPC -, pelo que sobre ele recai o ónus de alegar e provar que se alteraram as circunstâncias em que celebrou o acordo de alimentos definitivos, homologado por sentença, em termos que lhe impossibilitem o cumprimento dessa sua obrigação.
De facto, tendo acordado com a ré a prestação de alimentos em vigor, ao pretender a sua cessação ou, subsidiariamente, a sua redução, sobre o autor incumbirá a prova de que se alteraram as suas possibilidades económicas em termos que lhe não permitam honrar essa obrigação ou, em outra vertente, que se alteraram as necessidades da ré, ou que esta passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem o auxílio do autor.
No sentido apontado, em termos lineares, decidiu a Relação de Coimbra em Acórdão de 13.04.1999 que «Neste tipo de acções é ao autor que, de acordo com o disposto no nº 1 do art.º 342 do Código Civil, incumbe a prova de que, por circunstâncias a ele atinentes, não pode continuar a prestar os alimentos, ou que o alimentando, por suas circunstâncias, não carece de continuar a recebê-los». [18]
Feitas estas considerações, quanto às circunstâncias atinentes à ré, conforme já acima se expôs, não se vislumbra qualquer alteração relevante, pois que a mesma, em razão da sua idade e da sua saúde, não está em condições de providenciar pelo seu próprio sustento, sendo certo que aufere apenas uma pensão de velhice de € 274,97, valor que é, face a todo o circunstancialismo, manifestamente insuficiente para providenciar a uma vida com um mínimo de dignidade.
Relativamente às circunstâncias do autor não existem dúvidas de que, após a data do acordo cuja manutenção ora se esgrime, sobrevieram circunstâncias com relevo na sua capacidade económica e que a reduziram de forma relevante; É o caso de ter contraído novo casamento (a 15.11.2008), de ter sido pai de novo (o seu filho D... nasceu a 2.08.2010) – é de referir que a sua filha G... já era nascida à data do acordo de alimentos (pois que nasceu a 11.03.1997), não constituindo, pois, esse facto uma circunstância superveniente, não podendo o recorrente deixar de saber, quando outorgou o acordo de alimentos a favor da sua ex-mulher, que sempre teria que providenciar pelo sustento e educação desta sua filha – e, ainda, em particular, a circunstância de em 2010 se ter reformado e ter passado a auferir uma pensão mensal de € 1.182,17 (e que hoje se cifra em cerca de € 1.200), sendo certo que o seu agregado familiar tem despesas médias mensais que esgotam praticamente por inteiro aquele seu rendimento mensal.
Como assim, e ao contrário do que se refere na sentença recorrida, as ditas circunstâncias imporiam, à partida, e a nosso ver, a cessação da obrigação de alimentos pois que se é certo que o autor deve cumprir os compromissos assumidos este cumprimento não pode ir ao ponto de ignorar uma redução em cerca de metade no rendimento mensal do autor (à data do acordo o autor auferia um vencimento de cerca de € 2.800 como encarregado na empresa “E...“ e, a partir de 2010, com a sua reforma, passou a auferir uma pensão de cerca de € 1.200,00), de ignorar o facto de o autor ter contraído novo matrimónio e de ter sido, de novo pai, sob pena de se posta em causa a sua própria sobrevivência condigna e a do seu novo agregado familiar.
Em tais circunstâncias, tendo presente o caracter subsidiário e temporário da obrigação alimentícia e o próprio sentimento social dominante, revelar-se-nos-ia iníquo e injusto manter estritamente a obrigação alimentar em causa ou, no mínimo, não considerar uma sua redução significativa.
Note-se que, em conformidade com o disposto no art. 2016º, n.º 3 do Cód. Civil, o direito a alimentos pode cessar se razões manifestas de equidade assim o ditarem.
E, ainda, ao contrário do que se sustenta na sentença recorrida, não releva a circunstância de já em 2010 (a presente acção foi proposta em Novembro de 2014) o autor conhecer estas circunstâncias e não ter, desde logo, peticionado a cessação da sua obrigação alimentar; De facto, nada se pode extrair dessa conduta do autor, salvo que, apesar da redução do seu rendimento mensal, optou por manter o apoio, o auxílio económico à sua ex-mulher; Todavia, como cremos ser seguro e em sentido contrário do que se propugna na decisão recorrida, essa conduta não traduz uma renúncia ao direito de exigir a cessação da obrigação alimentar e, portanto, um comportamento contraditório e excludente de uma posterior demanda com esse fim.
De todo o modo, não obstante as comprovadas circunstâncias supervenientes, certo é também que o recorrente dispõe de valores depositados que ascendem à quantia total de € 49.027,74 – vide facto provado em h).
A questão coloca-se, pois, se perante este outro elemento do património do autor [para lá do valor da sua pensão de reforma], logrou ele cumprir o ónus de prova (que lhe incumbe, como se viu) de que, após o acordo quanto ao pagamento de alimentos a favor da sua ex-mulher, não está ele presentemente em condições económicas de honrar a obrigação de alimentos em favor da sua ex-mulher.
A resposta, a nosso ver, não pode deixar de ser negativa.
Nesta matéria, como se sabe, todo o património do devedor (susceptível de penhora) constitui garantia dos respectivos credores. É o princípio geral que decorre do disposto no art. 601º do Cód. Civil e que não se vislumbra como possa ser derrogado no domínio da obrigação de alimentos.
Destarte, a nosso ver, nada tem de injusto ou iníquo que também aquele património do autor e ora recorrente tenha de ser considerado para efeitos de aferição das suas possibilidades económicas quanto ao pagamento da obrigação alimentar em causa, pois que esse seu património sempre constitui a garantia da satisfação das suas responsabilidades, seja perante a ré, seja perante qualquer outro seu credor, não se vendo, pois, razões para qualquer distinção, que é de todo inexistente. Aliás, se distinção tivesse de haver sempre o crédito de alimentos nesse confronto teria de merecer especial protecção atentas as razões de auxílio e solidariedade pós-conjugal que lhe estão subjacentes.
Neste sentido preciso refere-se, ainda que em acção para fixação do valor dos alimentos devidos a ex-cônjuge, em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que «no capítulo das possibilidades do obrigado não conta apenas o rendimento líquido proporcionado pelo exercício da sua profissão ou pelos bens de que é proprietário, devendo ser ponderada a totalidade do património que constitui a garantia das obrigações.» [sublinhados nossos] [19]
Ora se assim é, considerando aquele património, não é possível ter-se como demonstrado que o recorrente não dispõe de condições económicas para suportar o encargo que antes assumiu; Para esse efeito, o seu rendimento mensal será insuficiente, mas já não o será o seu restante património, em particular o montante pecuniário que mantém em depósitos bancários.
O que, em suma, nos conduz à afirmação de que, não obstante as alterações supervenientes que o recorrente logrou demonstrar, as mesmas não traduzem ou não comprovam, devidamente avaliadas em conjunto com o demais património do mesmo, que, em termos equitativos, o mesmo está impossibilitado de cumprir a obrigação alimentar que antes assumiu perante a sua ex-mulher.
E assim sendo, ainda que em razão de diversa fundamentação da convocada na sentença recorrida, que não se perfilha, a conclusão deverá ser a de que a apelação deve improceder, com a consequente manutenção do sentido decisório ali acolhido, ou seja da improcedência da acção intentada pelo autor e ora recorrente.
Uma última referência ainda se nos impõe quanto ao regime do Complemento Social para Idosos, consagrado pelo DL N.º 232/2005 de 29.12., pois que sustenta o recorrente que tendo a ré direito a tal complemento deixará de carecer da prestação de alimentos a seu (dele) cargo.
Esta questão não pode no entanto deixar de improceder.
É que o regime instituído pelo aludido Complemento Social para Idosos não se destina a afastar ou derrogar as obrigações de alimentos tal como as mesmas decorrem das regras do Código Civil e, em particular, as que decorrem para o ex-cônjuge do idoso ou outros familiares, designadamente, os seus descendentes.
De facto, como se refere na exposição de motivos do aludido diploma legal «O complemento solidário para idosos traduz uma verdadeira ruptura com a anterior política de mínimos sociais para idosos, através de uma aposta na concentração dos recursos disponíveis nos estratos da população idosa com menores rendimentos, na atenuação das situações de maior carência de uma forma mais célere - por efeito da atribuição de um valor de prestação com impacte significativo no aumento do rendimento global dos idosos - e na solidariedade familiar, enquanto forma de expressão de uma responsabilidade colectiva e instrumento de materialização da coesão social
E, ainda, «A diferenciação do complemento solidário para idosos através da consideração dos efeitos da solidariedade familiar nos recursos globais dos idosos é, simultaneamente, justa e necessária porque trata de forma diferente o que é diferente, permitindo canalizar mais recursos para os idosos mais necessitados, designadamente os idosos isolados e sem apoio familiar.»
Em suma, como se alcança do exposto, o fim do aludido regime não foi, manifestamente, o de suprimir ou eliminar o apoio económico provindo dos que, relativamente ao idoso, estejam constituídos numa obrigação legal de prestar alimentos, como é o caso do autor, mas antes o de proporcionar ao idoso, sem qualquer apoio económico suplementar, designadamente por estar só, sem familiares, ou por estes não terem condições económicas para proporcionar esse apoio, um outro apoio, de cariz social, como complemento ou suplemento dos rendimentos do idoso sozinho ou sem familiares que possam ocorrer às suas necessidades (atento o valor médio das pensões, consabidamente muito reduzidas), tudo em ordem a atenuar ou corrigir os severos níveis de pobreza que o próprio legislador reconhecia existirem (e se mantêm) no seio da população portuguesa mais idosa (mais de 65 anos).
Ora, se assim é, como temos por seguro, linear e lógica se nos apresenta a conclusão de que a circunstância de a ré poder (eventualmente) ter direito ao complemento solidário não escusa ou exclui a obrigação alimentar do ora recorrente, seu ex-cônjuge, desde que se mostrem – como é o caso – preenchidos todos os pressupostos para o efeito, nomeadamente a possibilidade deste último arcar com tal auxílio.
O que, em conclusão final, também confirma a improcedência da presente apelação.
**
V. DECISÃO:
Pelos fundamentos antes expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar, ainda que com base em fundamentação diversa, improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
* *
Custas pelo Recorrente, que ficou vencido - art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
*
Pelo incidente de não admissão de documentos nesta instância a que deu causa e em que ficou vencido, suportará o apelante a taxa de justiça, que se fixa em 1 UC.
*
Porto, 24.01.2018
Jorge Miguel Seabra
Fátima Andrade
Oliveira Abreu

A redacção deste acórdão não segue as regras do novo acordo ortográfico.
_________
[1] Vide, neste sentido, por todos, FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, “ Manual dos Recursos em Processo Civil ”, 8ª edição, pág. 147, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Sequência introduzida nesta Relação e face ao lapso na sequência alfabética provinda da sentença proferida em 1ª instância.
[3] Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, pág. 95 e segs…, A. VARELA, M. BELEZA, S. NORA, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 533-534, AC STJ de 26.09.2012, GONÇALVES ROCHA, RP de 29.05.2014, LEONEL SERÔDIO, RP de 26.09.2016, MANUEL DOMINGOS FERNANDES, todos in www.dgsi.pt.
[4] AC STJ de 13.03.2003, ARAÚJO de BARROS, in www.dgsi.pt.
[5] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 134.
[6] Vide, neste sentido, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 132 ou, ainda, por todos, AC STJ de 23.02.2010, FONSECA RAMOS, in www.dgsi.pt.
[7] Vide, ainda, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 132-133.
[8] A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 135.
[9] Vide, neste sentido, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 232-233, F. AMÂNCIO FERREIRA, op. cit., pág. 213-221, ou, ainda, por todos, AC RP de 24.03.2014, OLIVEIRA ABREU [ora 2º Sr. Juiz Adjunto], AC STJ de 6.12.2016, GARCIA CALEJO, AC STJ de 26.01.2017, ABRANTES GERALDES e AC STJ de 18.05.2017, ANA LUÍSA GERALDES, todos in www.dgsi.pt.
[10] Sobre a avaliação probatória das declarações de parte vide, por todos, AC RP de 23.03.2015, JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA, in www.dgsi.pt.
[11] Vide, neste sentido, por todos, MANUEL de ANDRADE, “Noções Elementares de Processo Civil ”, 1979, pág. 180-182 ou, ainda, ao nível da jurisprudência, AC RP de 17.05.2016, VIEIRA CUNHA, AC RP 23.06.2015, FERNANDO SAMÕES e AC RP de 29.09.2014, ANA PAULA AMORIM, todos in www.dgsi.pt.
[12] ANA LUÍSA GERALDES, “Impugnação e Reapreciação da decisão da matéria de facto”, in www.cjlp.org/matérias/Ana _ Luisa _ Geraldes _ Impugnacao _ e _ Reapreciacao _ da – Decisao _ da _ Materia _ de _ Facto.pdf., pág. 5-6.
[13] Vide, neste sentido, JORGE A. PAIS de AMARAL, “Direito da Família e das Sucessões”, 2014, pág. 192 ou RITA LOBO XAVIER, “Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio …”, 2009, pág. 44.
[14] AC STJ de 3.03.2016, FERNANDA ISABEL PEREIRA, AC STJ de 27.04.2017, MARIA GRAÇA TRIGO ou, ainda, no mesmo sentido, AC STJ de 23.10.2012, HELDER ROQUE, todos in www.dgsi.pt.
[15] Vide, neste sentido, por todos, JORGE A. PAIS do AMARAL, op. cit., pág. 193 e P. LIMA, A. VARELA, “Código Civil Anotado”, V volume, 1995, pág. 581-582.
[16] Vide, neste sentido, o antes citado AC STJ de 3.03.2016.
[17] Vide, neste sentido, VAZ SERRA, “Obrigação de Alimentos”, BMJ 108º, pág. 107-108 e AC STJ de 18.11.2004, ARAÚJO de BARROS ou, ainda, AC RP de 15.04.2013, CARLOS QUERIDO, todos in www.dgsi.pt.
[18] AC RC de 13.04.1999, MONTEIRO CASIMIRO, disponível (em sumário) in www.dgsi.pt
[19] AC STJ de 23.10.2014, ABRANTES GERALDES, in www.dgsi.pt.