Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2769/13.3TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
INFILTRAÇÕES DE ÁGUA NO LOCADO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
RESPONSABILIDADE DO LOCADOR
RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RP201505042769/13.3TBMTS.P1
Data do Acordão: 05/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O telhado e as caleiras são partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal – artigo 1421º, 1, b) e d), do CC, incumbindo o respetivo dever de vigilância ao condomínio.
II - Não incumbe ao senhorio, mas ao condomínio mandar reparar ou reparar caleiras e telhados para evitar infiltrações de águas pluviais nas frações autónomas, sendo diretamente responsável pelos danos resultantes da omissão dessas reparações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc 2769/13.3TBMTS.P1
Apelação 1288/14
TRP – 5ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I RELATÓRIO

1 -
B…, residente na Rua …, …, Matosinhos, intentou contra
C… e D…, residentes na …, …, R/C Esq., …, e
CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA …, NºS … E … EM …, Matosinhos, a presente acção declarativa, pedindo
que sejam condenados solidariamente os RR. a pagar à A a quantia de € 4.023,63 a título de danos patrimoniais e a quantia de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegou, para tanto, que celebrou com os primeiros RR. um contrato de arrendamento, que cessou em março de 2012, e que no decurso do mesmo a fracção arrendada, que se situava no último andar do prédio, sofreu diversas inundações que a tornaram inabitável e que nenhum dos RR. cuidou de a reparar, tendo sido a A. quem se substituiu em tais reparações, pretendendo ser indemnizada dos gastos suportados bem como ser ressarcida de outros danos que das referidas inundações resultaram.
2 –
Os RR. contestaram, mas as contestações não foram admitidas por terem sido julgadas extemporâneas,
3 –
Consequentemente, foram declarados confessados os factos alegados pela A. em conformidade com o disposto no artº. 567º. nº. 1 do NCPC.
4 –
Os RR. vieram alegar a ilegitimidade da A. por a mesma vir desacompanhada do seu marido, fundamentado tal invocação no disposto nos artos 28º, 1, e 28º-A, 1, do CPC e o art. 1678º, 3, do CC. Alegaram, ainda, a prescrição do direito da A. relativamente aos danos decorrentes das inundações de agosto de 2008 e outubro de 2009 por sobre as mesmas terem decorrido mais dos três anos previsto no art. 498º, 1 e 2, do CC.
5 –
Foi decidido: Dispunha o artº. 489º. do CPC/61 e dispõe hoje o artº. 573º. do NCPC que “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, …” (nº. 1) e que “Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente” (nº. 2) Temos, assim, que apenas da excepção de ilegitimidade activa cumpre conhecer, por apenas esta ser de conhecimento oficioso – cfr. artº. 577º. al. e) e 578º. do NCPC e 303º. do C.C.
6 –
E foi julgado ter a A. legitimidade ativa para esta ação.
7 –
Da parte dispositiva da Sentença consta
Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julga-se a presente acção parcialmente procedente condenando solidariamente os RR a pagar à A a quantia de € 4.523,63.
8 –
Desta Decisão apelaram os RR., tendo o R. Condomínio formulado as CONCLUSÕES que se transcrevem, de seguida:
1. A acção proposta, tem o seu fundamento na titularidade do direito real de propriedade dos primeiros Réus e a compropriedade titulada por todos os condóminos, representada juridicamente pelo condomínio.
2. Sendo certo que as contestações apresentadas por todos os RR. foram desentranhadas, por extemporaneidade, tal não é sinónimo de que esteja provada a titularidade daqueles direitos reais, pois de acordo com o vertido no artigo 568.º, alíneas c) e d) do NCPC, não é suficiente a confissão das partes para a prova ser efectuada.
3. A confissão, nos termos do citado artigo, não opera quanto a factos cuja vontade dos Reús for ineficaz para produzir o efeito jurídico que a acção pretende obter, e quando se tratem de factos para cuja prova se exija documento escrito, sendo este o caso sub judice, conforme o vertido no artigo 364.º do Código Civil.
4. Não existe qualquer prova documental aduzida pela A. que ateste a titularidade dos direitos reais em litígio. Mormente a escritura pública de compra e venda da fracção dos primeiros R., nem certidões prediais que titulem a constituição da propriedade horizontal.
5. Facilmente se vislumbra que se encontra vedado ao Tribunal de primeira instância conhecer da titularidade da fração autónoma dos primeiros Réus e das alegadas partes comuns cuja titularidade é representada pelo segundo Réu, condomínio.
6. Acresce ainda que, nos termos do artigo 342.º do Código Civil é à A. a quem cabe o ónus da prova dos factos alegados. Contudo, mesmo que não possuísse qualquer documento em questão, poderia a A. fazer uso do direito previsto no n.º1, do artigo 429.º, do NCPC, requerendo na sua petição inicial que o 2.º R. fosse notificado para os aduzir. O que não o fez.
7. É consabido que o título constitutivo da propriedade horizontal é o acto modelador do estatuto da propriedade horizontal, sendo esta um direito real que combina a propriedade singular e a compropriedade, fundindo-se tais direitos para constituir uma unidade nova. O que no caso sub judice não sabemos, nem podemos saber, pois não foi aduzido pela A. qualquer prova documental que titule a legitimidade dos Réus.
8. Nos termos do artigo 1421.º, n.º1, al.b) o telhado, as caleiras e o sótão, presumem-se parte comum do prédio, cabendo ao 2.º R. a prova do contrário, atendendo ao disposto nas regras do ónus da prova do artigo 342.º, n.º1, do Código Civil e à inversão do ónus da prova estabelecida no artigo 344.º, n.º1, também do Código Civil. Todavia, e como não se encontra provado que estamos perante um edifício em propriedade horizontal, não há qualquer presunção relativamente ao telhado, as caleiras e o sótão integrarem as partes comum do prédio, competindo à A. a prova do alegado.
9. Tal distinção revela especial importância, atendendo a que A. determina que as águas que causaram as inundações entravam pelo telhado, e que ocorreram devido à falta de conservação e degradação das caleiras e do telhado.
10. A Sr.ª Juiz “a quo” fundamenta a sua decisão de indemnizar a A. por danos morais apelando ao mecanismo da responsabilidade civil extracontratual previsto no artigo 483.º, do Código Civil, em conjugação com a responsabilidade dos condóminos pelas partes comuns, atendendo ao disposto no artigo 1421.º, n.º1, al.b) e o artigo 1412.º, ambos do Código Civil.
11. Ora não se pode responsabilizar os condóminos, recorrendo a ilações e dando provados factos por confissão, quando a lei exige a prova documental dos mesmos.
12. Deste modo, não se pode aplicar o instituto da responsabilidade por factos ilícitos ao 2.º R., pois não está provada a sua existência, nem em que termos está titulado, caso exista.
E os demais RR. formularam as CONCLUSÕES que seguem transcritas:
1. Dispõe o artigo 28.º, n.º1 do NCPC que se a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. No mesmo sentido também o n.º2, ao explicitar que é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
2. O artigo 1678.º, n.º3, do Código Civil, estabelece que a administração dos bens comuns dos cônjuges pertence a ambos, com as devidas excepções explanadas no número anterior.
3. Além do mais, nos termos do disposto no artigo 28.º-A, n.º1, do NCPC, devem ser propostas por marido e mulher as acções de que possa resultar a perda ou a oneração que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família.
4. A Sr.ª Juiz “a quo” dá como assente que a A. é casada com o E…, sem a A. ter aduzido certidão de casamento no presente processo. É nosso entendimento, que a exigência da prova do casamento deve ser feita por documento previsto no Código de Registo Civil. Não partilhando do entendimento que a certidão de casamento apenas é necessária para as acções de estado, mas também para aquelas em que a existência de casamento é condição de produção de efeitos jurídicos patrimoniais.
5. Não é suficiente a alegação pela A. de que os bens são comuns do casal, atendendo a que não contém qualquer facto susceptível de fundar um juízo de valor, que pudesse levar a concluir pela qualificação dos bens, neste caso, bens comuns. Tal alegação é insusceptível de confissão, pelo nunca se deveria dar como provada por falta de contestação, como sucedeu, por extemporaneidade.
6. Nos termos do artigo 342.º, n.º1, do Código Civil, impendia à A. o ónus de alegar e demonstrar a existência do seu casamento com E… e qual o regime de bens em vigor, atendendo a que o pretenso casamento da A., e o seu regime de bens é condição de produção de efeitos jurídicos patrimoniais.
7. A questão da classificação dos bens não é displicente. A legitimidade da A. é diferente, consoante se tratem de bens comuns do casal ou próprios da A., ou do marido da A. Atendendo a que a Sr. Juiz “a quo” entendeu que a A. é parte legítima para intentar a presente acção, desacompanhada do marido, por esta se subsumir à administração ordinária dos bens comuns do casal, nos termos do disposto no artigo 1678.º, n.º3, do Código Civil, entende-se a relevância da discussão.
8. E tanto mais importante se demonstra a prova do casamento e regime de casamento da A., porquanto a Sr.ª Juiz “a quo”, dá como provado o casamento entre a A. e o E…, bem como que os bens em questão no presente processo são comuns.
9. Mas a questão fulcral é que não sabemos, porque não foi provado, se os bens dados como provados que são comuns, o são efectivamente. Pois se estivermos perante bens próprios do E…, a A. já não detém da legitimidade para intentar a presente acção desacompanhada do marido, caso este o seja. E nem se diga que a serem bens próprios, são utilizados exclusivamente pelo marido da A. como instrumentos de trabalho, ou que são bens próprios do marido da A. e que esta possui mandato conferido pelo marido, a atribuir-lhe o poder de administração dos seus bens próprios, porque tal não foi alegado na presente acção, nem dado como provado, nos termos do disposto no artigo 1678.º, n.º2, al.) e e g, do Código Civil.
10. Afigura-se deste modo, mais do que evidente, a ilegitimidade da A. na presente acção.
11. A acção proposta, tem o seu fundamento na titularidade do direito real de propriedade dos primeiros Réus e a compropriedade titulada por todos os condóminos, representada juridicamente pelo condomínio.
12. Sendo certo que as contestações apresentadas por todos os RR. foram desentranhadas, por extemporaneidade, tal não é sinónimo de que esteja provada a titularidade daqueles direitos reais, pois de acordo com o vertido no artigo 568.º, alíneas c) e d) do NCPC, não é suficiente a confissão das partes para a prova ser efectuada.
13. A confissão, nos termos do citado artigo, não opera quanto a factos cuja vontade dos Réus for ineficaz para produzir o efeito jurídico que a acção pretende obter, e quando se tratem de factos para cuja prova se exija documento escrito, sendo este o caso sub judice, conforme o vertido no artigo 364.º do Código Civil.
14. Não existe qualquer prova documental aduzida pela A. que ateste a titularidade dos direitos reais em litígio. Mormente a escritura pública de compra e venda da fracção dos primeiros R., nem certidões prediais que titulem a constituição da propriedade horizontal.
15. Facilmente se vislumbra que se encontra vedado ao Tribunal de primeira instância conhecer da titularidade da fração autónoma dos primeiros Réus e das alegadas partes comuns cuja titularidade é representada pelo segundo Réu, condomínio.
16. Acresce ainda que, nos termos do artigo 342.º do Código Civil é à A. a quem cabe o ónus da prova dos factos alegados. Contudo, mesmo que não possuísse qualquer documento em questão, poderia a A. fazer uso do direito previsto no n.º1, do artigo 429.º, do NCPC, requerendo na sua petição inicial que o 2.º R. fosse notificado para os aduzir. O que não o fez.
17. É consabido que o título constitutivo da propriedade horizontal é o acto modelador do estatuto da propriedade horizontal, sendo esta um direito real que combina a propriedade singular e a compropriedade, fundindo-se tais direitos para constituir uma unidade nova. O que no caso sub judice não sabemos, nem podemos saber, pois não foi aduzido pela A. qualquer prova documental que titule a legitimidade dos Réus.
18. Se o título constitutivo é prova dos factos, prova-se pela referida escritura, não podendo ser provado por outro meio de prova como estabelece o artigo 607.º, n.º5, do NCPC. O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Mas a livre convicção não abrange os factos cuja prova a lei exiga que só podem ser provados por documentos.
19. A formalidade descrita é uma formalidade constituriva, só pode ser provada por certidão da escritura pública onde o contrato está consignado. Tal formalidade não pode ser dispensada por falta de contestação, atento o estatuído no 607.º, n.º5, do NCPC, que no caso em apreço foi desentranhada por extemporânea.
20. A A. teria que ter apresentado os referidos documentos para fazer prova dos fundamentos da acção, de acordo com o 423.º, n.º1, do NCPC. E mesmo que esta não possuísse tais documentos, poderia a A. fazer uso do direito previsto no n.º1, do artigo 429.º, do NCPC, requerendo na sua petição inicial que os primeiros RR. fossem notificados para os aduzir.
23. Ora nenhum desses fundamentos consta da petição inicial nem da douta sentença. Concretamente não foi junto pela A. a certidão do contrato de divisão em propriedade horizontal, ou certidão do registo predial em que presuntivamente tal seria fixado.
24. A Sr.ª Juiz “a quo”, fundamenta a responsabilidade dos primeiros Réus no instituto da responsabilidade civil contratual.
25. Ora tal responsabilidade não resulta provada, pois a presente acção assenta na titularidade do direito real de propriedade dos primeiros Réus, e esta não foi alegada nem provada pela A.
26. Ora não se pode responsabilizar os primeiros Réus, recorrendo a ilações e dando provados factos por confissão, quando a lei exige a prova documental dos mesmos.
27. Deste modo, não se pode aplicar o instituto da responsabilidade civil contratual aos primeiros Réus, pois não está provada a sua existência.
28. Assim o Tribunal “a quo” na decisão que sentenciou, violou claramente o artigo 607.º, n.º5, do NCPC.´
9 –
A Apelada contra-alegou, tendo formulado as CONCLUSÕES que seguem transcritas:
I. Alegam os primeiros Réus a ilegitimidade da Autora mas, salvo o devido respeito por melhor opinião, a decisão da Meritíssima Juiz “a quo” não merece qualquer reparo. Não houve violação do art. 607º, nº 5, do NCPC.
II. Alegaram os primeiros que sendo a Autora casada com E…, no regime da comunhão de adquiridos, e sendo este parte no contrato de arrendamento celebrado com os primeiros Réus, deveria o marido da Autora ser também Autor nos presentes autos, nos termos do art. 30º, nº 1 do NCPC (antes art. 26º, nº 1 CPC) e do art. 34º do NCPC (antes art. 28º - A CPC).
III. Contudo, como se refere na douta sentença recorrida, “Contrariamente ao defendido pelos RR, e como resulta da análise do contrato de arrendamento junto aos autos, o marido da A não é parte no mesmo, …”.
IV. E, consequentemente, “pretendendo a A com a presente acção ser indemnizada das despesas tidas com a reparação da fracção por si arrendada e despesas tidas com a substituição e reparação de bens móveis que resultaram danificados por força das inundações da dita fração, o exercício de tal direito, ainda que os referidos bens sejam comuns do casal, inscreve-se no conceito de mera administração ou administração, não tendo a A que estar acompanhada do marido.” (nosso sublinhado).
V. Ao contrário do alegado pelos primeiros Réus a Meritíssima Juiz “a quo” não dá como provado que a Autora é casada, nem que os bens móveis em questão no processo são comuns.
VI. O Tribunal recorrido limitou-se, e bem, a responder à exceção deduzida pelos Réus.
VII. A Autora, com a presente ação, pretendia ser indemnizada das despesas tidas com a reparação da fração arrendada e ser indemnizada das despesas tidas com a substituição e reparação de bens móveis danificados com as inundações na referida fração e ser indemnizada pelos danos morais sofridos.
VIII. E, com se refere na douta sentença recorrida, “ainda que os referidos bens sejam comuns do casal”, a Autora, apesar de casada, não tem de estar acompanhada do seu marido.
IX. Acresce, que o que se refere na douta sentença é que “ainda”, ou seja, mesmo que os bens sejam comuns a Autora não se torna parte ilegítima, pois estamos perante atos de administração ordinária, nos termos do art. 1678º, nº 3, do Código Civil.
X. Assim, tinha a Autora legitimidade para intentar a presente ação.
XI. A presente ação assenta na celebração de um contrato de arrendamento entre os primeiros Réus e a Autora e no direito desta em ser indemnizada das despesas tidas com a reparação da fração arrendada, ser indemnizada das despesas tidas com a substituição e reparação de bens móveis danificados com as inundações na referida fração arrendada e, ainda, ser indemnizada pelos danos morais sofridos, em consequência, das inundações.
XII. A Autora alegou e resultou provado que entre esta e os primeiros Réus foi celebrado um contrato de arrendamento. Resultou provado pela confissão das partes e pela junção aos autos do contrato de arrendamento – vide documento nº 1, junto à petição.
XIII. Para tal contrato a lei não exige forma especial, consubstanciando-se com a redução a escrito. E, o contrato de arrendamento em causa nos presentes autos foi reduzido a escrito. E, não foi impugnado pelos Réus.
XIV. No referido contrato de arrendamento, os Réus, C… e D…, intervêm como primeiros outorgantes e na cláusula primeira do mesmo contrato refere-se: “Os primeiros outorgantes são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “K”, …”.
XV. Quando pretenderam resolver o contrato os Réus, C… e D…, não puseram em causa a sua titularidade sobre a fração autónoma e remeteram carta à Autora– vide documento nº 2, junto à petição –, na qual referem: “Na qualidade de proprietários da fração autónoma designada pela letra “K”, sita na ..., n.º…, ..º dto., na freguesia de …, concelho de Matosinhos…”.
XVI. A Autora alegou e resultou provado que ocorreram inundações na fração arrendada e que, em consequência, dessas inundações teve despesas para reparar a fração, teve despesas para reparar ou substituir bens móveis danificados em resultado das inundações e que sofreu danos morais, em consequência, das mesmas. Tendo essa prova sido feita por documentos e mediante a confissão das partes.
XVII. O contrato de arrendamento foi validamente celebrado, não foi impugnado nos presentes autos, nem foi posto em causa durante a sua vigência, sendo validamente oponível entre partes.
XVIII. E, recorde-se que os primeiros Réus intervieram na qualidade de Senhorios, enquanto donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “K”. Colocarem, agora, em causa tal facto, ou seja, que são donos e legítimos possuidores da fração é clara litigância de má-fé.
XIX. Além de ineficaz, pois o contrato de arrendamento é oponível às partes contratantes; os primeiros Réus intervieram como senhorios e é nessa qualidade que respondem perante a Autora.
XX. Assim, na qualidade de senhorios cabia aos primeiros Réus assegurar à sua arrendatária o gozo da coisa para o fim a que se destinava – vide art. 1031º do CC.
XXI. Como resulta dos factos provados, com a inundação de 5 de Outubro de 2009, os tetos e as paredes da fração ficaram manchados e sujos e com manchas de bolor.
XXII. É necessariamente de concluir que o local arrendado necessitava de obras, e nos termos do art.1074º, nº 1 do CC, tais obras eram da responsabilidade do senhorio.
XXIII. E, como resulta dos factos provados, os Réus, C… e D…, nunca fizeram qualquer obra. Tendo sido a Autora a realizar as obras necessárias.
XXIV. Assim, têm os Réus, C… e D…, na sua qualidade de senhorios, o dever de reembolsar a Autora pelos gastos com a reparação da fração.
XXV. Pois, o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação torna-se responsável pelo seu cumprimento, cabendo ao devedor ilidir tal presunção, o que os primeiros Réus não lograram fazer – vide arts. 798º e 799º do CC.
XXVI. Também resulta dos factos provados que os primeiros Réus, pese embora terem conhecimento de que a fração já tinha sofrido uma inundação em Agosto de 2008, nada fizeram para resolver a situação e evitar futuras inundações.
XXVII. A responsabilidade em fazer as obras era dos primeiros Réus enquanto senhorios, mas também aqui falharam no cumprimento das suas obrigações (art. 798º do CC).
XXVIII. Também aqui, nos termos do art. 799º do CC, a culpa dos primeiros Réus se presume e não conseguiram afastar tal presunção.
XXIX. Assim, tal como doutamente decidido em sede de 1ª instância recai sobre os primeiros Réus a responsabilidade de indemnizar a Autora pelos danos patrimoniais.
XXX. Os Réus, C… e D…, incorrem também no dever de indemnizar a Autora pelos danos não patrimoniais.
XXXI. Pois, como se refere no douto acórdão STJ, de 22-6-2005, in www.dgsi.pt, “Na responsabilidade contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito.”
XXXII. Logo, não incorre em qualquer erro a douta sentença ao condenar os primeiros Réus em indemnizar a Autora nos danos morais sofridos.
II FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Da Sentença constam como provados os seguintes Factos:

a) Em 1 de abril de 2007 a A. celebrou com os 1os RR. um contrato de arrendamento tendo por objecto a fração K, correspondente a uma habitação no .º Andar direito do prédio sito na …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº. 02691.
b) O referido prédio está constituído em propriedade horizontal e os 1os RR. são donos da referida fração K.
c) O contrato de arrendamento referido em a) cessou no dia 31 de março de 2012.
d) A fração arrendada localiza-se no último andar do prédio.
e) Em agosto de 2008 a fração arrendada sofreu uma inundação sendo a água proveniente do sótão existente por cima da fração e que, por sua vez, entrava pelo telhado.
f) Em consequência da referida inundação todos os tetos e paredes da fração ficaram com humidade.
g) Os 1os RR. recusaram-se a fazer qualquer obra imputando a responsabilidade ao 2º R.
h) O 2º R enviou ao arrendado um empreiteiro, mas não fez qualquer obra.
i) Com autorização do 1º R. (marido) a A. pintou toda a fração com exceção da cozinha e casa de banho.
j) Em 5 de outubro de 2009, devido a chuvas torrenciais, ao entupimento das caleiras e à degradação do telhado o sótão existente por cima da fração arrendada ficou inundado, atingindo a água cerca de 30/40 cm de altura.
k) Contactados o 1º R. (marido) e a administração do 2º R.., face ao risco de derrocada da placa do sótão e a conselho e pedido empreiteiro do 2º R., na madrugada do dia 6 de outubro, foram feitos uns furos no teto de forma a que a água escoasse de forma mais célere.
l) Em consequência direta das inundações a fração arrendada ficou com os tetos e as paredes todas manchadas e sujos e com manchas de bolor.
m) Em 8 de outubro de 2009 a A. contactou o R. marido, solicitando a realização de obras com urgência por a casa não estar em condições de habitabilidade.
n) O 1º R. (marido) e a administradora do condomínio deslocaram-se à fração da A., tendo esta dito que iria agendar com brevidade uma reunião de condóminos para tratar do assunto e pedir orçamentos para arranjar o telhado e o interior da habitação da A., tendo tornado claro que tal reunião poderia demorar.
o) Perante tal facto a A. deixou claro que não queria esperar pois queria aproveitar o bom tempo para pintar a habitação, tendo o R. (marido) declarado que não pagaria qualquer obra sem que antes se realizasse a reunião do condomínio.
p) Em 12 de outubro de 2009 o 1º R. (marido) deslocou-se à fração arrendada acompanhado de um perito da seguradora F… para verificar os danos que a mesma apresentava.
q) Também se deslocaram à fração arrendada uns empreiteiros para elaborar orçamentos a pedido do A. (marido).
r) Porque as obras no interior da fracção da A. não foram realizadas até ao final do mês de outubro e a fração não tinha condições de salubridade e habitabilidade, a A. fez a seu custo as obras que a mesma necessitava, pintando os tetos e as paredes de todas as divisões da casa, excepto as da cozinha.
s) Em fevereiro de 2010 o 1º R. (marido), que sabia que a casa já havia sido pintada, informou a A. que podia tratar de comprar as tintas necessárias e mandar pintar a casa pois já tinha recebido o dinheiro.
t) Nas obras referidas em r) a A gastou a quantia de € 550,00.
u) Em consequência das inundações referidas em j) a l) ficaram danificados os seguintes objectos:
- 3 candeeiros de teto e 1 candeeiro de pé, avaliados em € 130,00 e que ficaram irrecuperáveis;
- 2 colchas avaliadas em € 80,00;
- 4 carpetes avaliadas em € 120,00;
- 2 aquecedores, 1 elétrico e um a gás, avaliados em € 50,00;
- 1 televisor e 1 videogravador cuja reparação foi orçada em € 50,00.
v) Ainda em consequência das inundações partiu-se um vidro da porta da varanda que a A substitui e que lhe custou € 72,00, ficando ainda danificado um espelho cuja reparação foi orçada em € 73,80.
w) Ficaram ainda danificados e necessitam de ser limpos em lavandaria dois casacos de pele, sendo o custo de tal serviço de € 122,40.
x) A A gastou ainda a quantia de € 100,00 na limpeza em lavandaria de cortinas, cobertores lençois e roupas pessoais.
y) Em virtude da necessidade que teve de lavar e secar roupa em casa teve um consumo adicional de electricidade de € 364,43.
z) Na limpeza da sua habitação a A. despendeu a quantia de € 40,00.
aa) Em 10 de dezembro de 2011 e 1 de janeiro de 2012 a fração arrendada voltou a ser inundada, ficando os tetos e as paredes cheias de sujidade das águas e de bolor causado pela humidade.
ab) A A. procedeu de novo à pintura da casa, deixando por pintar a cozinha de modo a que se pudesse verificar como estaria a habitação não fosse as suas sucessivas intervenções e informou os RR de tais factos, não obtendo qualquer resposta..
ac) Com as obras atrás referidas a A. gastou € 300,00.
ad) Em resultado das sucessivas inundações ficaram estragados um desumidificador, uma máquina de lavar roupa e um aspirado, tendo a A. gasto na sua substituição o valor de € 453,75.
ae) Com as sucessivas inundações o móvel da sala de jantar, que é lacado, ficou lascado, o mesmo se passando com 4 cadeiras da sala de jantar e com a mesa da cozinha e 4 cadeiras da cozinha.
af) A reparação do móvel da sala foi orçada em € 500,00, a das cadeiras da sala em € 160,00 e a da mesa e cadeiras da cozinha em € 200,00.
ag) O sofá da sala ficou danificado coma as águas da chuva e humidade, tendo que ser substituído por outro que custará € 350,00.
ah) A reparação de dois guarda-roupa de madeira de pinho foi orçada em € 105,00.
ai) Em virtude de terem sido colocados baldes para apanhar a água que caía do teto a cama da A. partiu-se e o colchão ficou totalmente inutilizado, custando a sua substituição a quantia de € 656,00.
aj) Os RR. foram interpelados pela A. no sentido de a indemnizarem dos danos sofridos, não o tendo feito.
al) O marido da A. padece de problemas dos foro psicológico, vindo a ser acompanhado na G…, pelo Dr. H….
am) O marido da A. sentiu-se psicologicamente afetado com a falta de condições da habitabilidade e salubridade da habitação arrendada aos primeiros RR. e com as dificuldades de comunicação com estes.
an) A A. temia que a tensão emocional em que o marido vivia provocasse o insucesso do seu tratamento resultando desta preocupação com estado de saúde do marido que a própria tivesse que ser medicada com ansiolíticos e antidepressivos.
Atendendo à circunstância deter sido invocado e dado por integrado no artigo 1º da P.I. o contrato de arrendamento junto como doc. 1 e ter interesse para a decisão da causa, consideramos, ainda, como provado que:
Da cláusula 4ª desse contrato de arrendamento consta – “O imóvel dado de arrendamento destina-se exclusivamente à habitação da segunda outorgante (ora A.), não lhe podendo ser dado outro fim ou uso, sob pena de resolução contratual.”

DE DIREITO

A – Falta de junção de documentos
Não foi posta em causa, nem esta ação tem por objeto o conhecimento do contrato de casamento da A., nem foi posta em causa, nem esta ação tem por objeto o condomínio, pelo que não se tornava necessário a apresentação dos documentos invocados pelos Apelantes.
A impugnação da existência do casamento e do condomínio, como questões objeto de litígio é que implicariam a necessidade da respetiva prova documental.
Por outro lado, o pedido formulado contra os 1ºs RR. assenta numa relação contratual e não numa relação de direitos reais, com abaixo se dirá.

B – O contrato de arrendamento e legitimidade ativa -
Entre a A. e os primeiros RR. foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação da Ré, tal como do mesmo consta - ver artigos 1022º e 1023º do CC.
E tratava-se de um arrendamento urbano para fins habitacionais – ver artigos 1064º e 1067º do CC.
De acordo com o disposto no artigo 1031º do CC são obrigações do locador, a) entregar ao locatário a coisa locada; b) assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que se destina.
Conforme ANTÓNIO DE MENEZES CORDEIRO, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, Coimbra, 2014, p. 45 - O 1031º, b), teve o propósito de conservar a locação no âmbito das relações obrigacionais, concretizando a definição do 1022º. Pela natureza das realidades envolvidas, o gozo de uma coisa concretiza-se mercê da atividade de um sujeito sobre o próprio objeto. “Assegurar o gozo” só pode ter o sentido de abarcar as obrigações secundárias instrumentais que, para além da entrega, o locador deva assumir, para o funcionamento do contrato.
Por seu turno o artigo 1032º do CC, referindo-se a vícios da coisa locada, determina:
Quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido: a) se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa; b) se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador.
E do não cumprimento, quando preenchidos os pressupostos daquele artigo 1032º, nasce a responsabilidade civil do locador que deverá ressarcir o locatário de todos os prejuízos por este sofridos, intervindo aqui, também, o disposto nos artigos 798º e 562º do CC – ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 49.
E o artigo 1033º do CC prevê as hipóteses de irresponsabilidade do locador.
Por sua vez, o artigo 1036º prevê as hipóteses em que é lícito ao locatário proceder a reparações ou outras despesas urgentes, incluindo em situações em que não há mora do locador.
No que concerne ao arrendamento urbano, no que a obras respeita, prevê o artigo 1074º do CC: 1. Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário. 2. O arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio. 3. Excetuam-se do disposto no número anterior as situações previstas no artigo 1036º, caso em que o arrendatário pode efetuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento da renda. 4. … 5. …
Da leitura da P.I. resulta que a A. alegou:
que para sua habitação tomou de arrendamento a fração K, correspondente a uma habitação no .º Andar direito do prédio sito na …, …;
que as despesas com obras foram por ela suportadas e que a água danificou inúmeros objetos que tinha no interior de sua casa, danificando e deteriorando a mobília da A., que a A. sofreu prejuízos patrimoniais que contabilizou em € 4.023,63 e que ela A. sofreu danos não patrimoniais.
Alegou, contudo, danos materiais sofridos em dois casacos do marido.
Em parte alguma alegou que tivesse sido ou fosse a casa de morada de família, nem factos de onde tal seja permitido concluir.
Resulta, ainda, que a A. concluiu formulando a condenação dos RR. a pagarem-lhe indemnização, que liquidou, referente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.
Para efeito de determinação da legitimidade ativa, que é um pressuposto processual, é evidente que, no caso em apreço, não é necessária qualquer certidão, cuja questão de carência só à parte da prova dos factos dirá respeito.
Assim, tendo em atenção a data da propositura desta ação, forçoso é concluir que a A., a quem respeitava unicamente o contrato de arrendamento quanto à posição de locatária e as despesas e bens em causa, à exceção dos casacos do marido, de que nada permite concluir ser administradora, tem legitimidade ativa para a presente ação, não devendo ser apenas conhecida a quota-parte referente a esses casacos, não existindo qualquer situação de litisconsórcio necessário – ver artigos 26º e 27º, 1, do CPC, não ocorrendo qualquer situação prevista no artigo 28º ou 28º-A do CPC.
C – Responsabilidade civil pelos danos sofridos pela A.
O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil em três lugares distintos: no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º; no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 562º a 572º; e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798º a 812º)[1].
Dispõe o artigo 483º do CC, sob a epígrafe "princípio geral": 1. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
Por sua vez dispõe o artigo 496º, 1, do CC: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".
São pressupostos da responsabilidade civil: 1- facto voluntário (pode ser ação ou omissão, mas quanto a esta ver o artigo 486º do CC); 2 - ilicitude (infração de um dever jurídico, por violação direta de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida); 3 - nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente); 4 - dano (perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar; 5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (o facto tem de constituir a causa do dano)[2].
Além das duas grandes diretrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º sobre o conceito de ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos - veja-se, por ex. o do artigo 484º do CC - afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa[3].
Há que referir que os danos podem ser classificados em patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletindo-se no património do lesado, e os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral[4]. De acordo, porém, com o disposto no artigo 496º, 1, do CC “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
O artigo 562º do CC dispõe que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação[5].
Daqui não resulta, sem mais, a exclusão da função punitiva da indemnização[6].
Por seu turno, o artigo 563º do CC, consagrando a teoria da causalidade adequada[7], dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
O montante indemnizatório deverá equivaler ao dano efetivo, como grande princípio, com a avaliação concreta do prejuízo sofrido, que deverá prevalecer sobre a avaliação abstracta[8].
E o artigo 564º, 1, do CC determina que o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (danos emergentes e lucros cessantes).
Dentro dos danos indemnizáveis estão os danos futuros, desde que previsíveis - artigo 564º, 2, do CC.
De acordo com o disposto no artigo 496º, 3, do CC o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal. A indemnização por tais danos não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado, na medida do possível[9]. Na fixação desta indemnização deverá ser atendido o grau de culpabilidade dos agentes, a situação económica destes e dos lesados e demais circunstâncias do caso que o justifiquem - artigos 496º, 3, 1ª parte, e 494º do CC[10].
E esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[11].
Constata-se que o artigo 70º, 1, do CC dispõe que "a lei protege o indivíduo contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral".
É nesta disposição consagrada uma cláusula geral de tutela da personalidade[12].
Esse n.º 1 toma como bem jurídico, objeto de uma tutela geral, a "personalidade física ou moral" dos "indivíduos", isto é, os bens inerentes à própria materialidade e espiritualidade de cada homem[13]. Protege cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e na sua particular realidade moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à conceção e atuação moral próprias[14].
O artigo 70º, 1, do CC declara a ilicitude das ofensas ou ameaças à personalidade física e moral dos indivíduos, em termos muito genéricos e sucintos, inferindo-se a existência do direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à saúde, ao repouso essencial à existência física, à imagem, à palavra escrita e falada, ao carácter pessoal, à história pessoal, à intimidade pessoal, à identificação pessoal, à verdade pessoal e à criação pessoal[15].
A propriedade horizontal e a administração das partes comuns
A propriedade horizontal “existe quando as frações de que se compõe um edifício, ou um conjunto de edifícios contíguos, funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou de algumas unidades ou frações que os compõem, geralmente garagens construídas no subsolo, estão em condições de constituírem unidades independentes[16].”
Esta noção é-nos dada em comentário ao disposto no artigo 1414º do CC, que deverá ser combinado com o disposto no artigo 1438º-A do CC, tendo este último sido aditado pelo DL n.º 267/94, de 25-10.
Concluída a constituição válida da propriedade horizontal, o anterior proprietário adquire tantos direitos de propriedade horizontal quantas as frações autónomas individualizadas no título, extinguindo-se o direito de propriedade singular sobre o imóvel[17].
O objeto da propriedade horizontal compõe-se da fração autónoma e das partes comuns do edifício[18].
No que diz respeito ao direito de propriedade horizontal há quem defenda que este corresponde a um só direito e não um conjunto de dois, abrangendo, em simultâneo, a fração autónoma e as partes comuns[19], e quem defenda, interpretando literalmente o artigo 1420º, 2, do CC, que coexistem, concorrem na propriedade horizontal dois direitos, sendo um sobre cada uma das frações e outro sobre as partes comuns, aquele em propriedade exclusiva e este em contitularidade[20].
Mas, mesmo quem defende aquela primeira posição, que consideramos a mais correta, o conteúdo típico do direito de propriedade horizontal é dúplice[21].
No que toca à fração autónoma, o conteúdo do direito do condómino tem a mesma feição da propriedade; o conteúdo do direito do condómino sobre as partes comuns não está sujeito à aplicação direta do regime da compropriedade, pois que a lei prevê um regime especial para a compropriedade das partes comuns, que aparece, em particular, no artigo 1420º e segs. do CC; no que não contrarie o regime da propriedade horizontal, é aplicável subsidiariamente o regime da compropriedade[22].
De acordo com o disposto no artigo 1414º do CC citado são pressupostos ou requisitos da propriedade horizontal: 1) que o seu objecto seja um edifício com determinadas características; 2) que o edifício esteja dividido em frações autónomas; 3) que estas frações sejam independentes entre si[23].
Em conformidade com o disposto no artigo 1430º, 1, do CC a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. Estes são os órgãos do condomínio que existem, unicamente, para a administração das partes comuns. Aquele é um órgão deliberativo e este um órgão executivo, que está sujeito à fiscalização da assembleia – ver artigo 1435º do CC[24].
As funções próprias do administrador de um condomínio, para além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia de condóminos, estão elencadas no artigo 1436º do CC. Porém, a lei atribui-lhe, pontualmente, outras funções[25].
Do elenco dessas funções destacamos, com eventual interesse para estes autos: a) convocar a assembleia dos condóminos; e) exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas; f) realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns; h) executar as deliberações da assembleia. Incumbe-lhe, ainda, efetuar as despesas relativas às partes comuns[26].
As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns previstas no artigo 1427º do CC “devem ser feitas pelo administrador como órgão executivo das deliberações da assembleia dos condóminos ou como zelador dos bens comuns”[27].
O telhado e as caleiras são partes comuns do prédio – artigo 1421º, 1, b) e d), do CC, incumbindo o respetivo dever de vigilância ao condomínio.
Relativamente às infiltraçõe ocorridas em agosto de 2008 ficou assente o seguinte: g) Os 1os RR. recusaram-se a fazer qualquer obra imputando a responsabilidade ao 2º R.; h) O 2º R enviou ao arrendado um empreiteiro, mas não fez qualquer obra.
Ou seja, estando inteirados de deficiências na conservação do edifício, pois que entrava a água da chuva, nada fizeram, omitindo o 2º R. o devr de vigilância sobre as partes comuns e que é até imposto pelo RGEU, nomeadamente pelo seu artigo 89º.
Conforme se encontra escrito no Ac. da Relação do Porto, de 22-1-2015, com o que concordamos inteiramente: Embora seja certo que o senhorio deve assegurar ao arrendatário o gozo do locado para os fins a que se destina e, para tal efectuar as obras necessárias, a verdade é que não se situava na coisa locada ou em parte integrante ou componente dela, nem portanto, se relaciona com a sua esfera de domínio e actuação, enquanto proprietários e senhorios, qualquer deficiência ou falha que implicasse a necessidade de obras de conservação, manutenção ou reparação a seu cargo.
O dever deles previsto na lei e actuado pelo contrato não tem o sentido de os obrigar, apesar de se tratar de fracção autónoma arrendada, a fazer obras em partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal e em que a mesma se integra. Logo, a responder pela falta delas, sua demora e respectivas consequências.
Decorrendo embora do artº 1037º, nº 1, do CC, que o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, o certo é que não tem obrigação de assegurar esse gozo contra actos de terceiro, no caso o condomínio.
Resultando, além do mais, que das infiltrações logo teve conhecimento o condomínio, não é possível, sequer, presumir culpa dos 1ºs RR. no âmbito da responsabilidade contratual – artigo 799º, 1, do CC.
E a responsabilidade do Condomínio resulta do disposto no artigo 493º, 1, do CC aliado ao disposto nos artigos 89º e 100º-A do RGEU em vigor à data dos factos que impunham um dever de conservação e uma obrigação de indemnização pelos danos causados a terceiros, conforme se lê no citado ac. da Relação do Porto, de 22-1-2015.
Ora, a presunção de culpa consagrada no mencionado artigo 493º, 1, não foi elidida.
Verifica-se, assim, em relação ao Condomínio: que houve omissão do cumprimento da sua obrigação de reparar o telhado, nomeadamente após o acontecido em 2008; há nexo de causalidade entre esta omissão e os danos sofridos pela A., com ilicitude dessa atuação.
Havendo que concluir pela sua obrigação de reparar os danos sofridos pela A., nos quais não estão incluídos, como é óbvio e pelo acima exposto quanto à legitimidade, os respeitantes aos bens do marido da A.
III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica acordamos em julgar procedente a Apelação dos 1ºs RR., a quem absolvemos do pedido, e parcialmente procedente a apelação do 2º R. (Condomínio) a quem condenamos a pagar à A. a quantia de € 4.401,23, absolvendo-o do restante.
Custas, nesta e na 1ª Instância, a cargo da A. e 2º R. (Condomínio) na proporção do decaimento em relação à quantia pedida pela A.

Porto, 2015-05-04
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
______________
[1] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, ob. cit., pp. 216-217.
[2] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 525 e segs.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 500 e segs.; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., Coimbra Editora, pp. 471-475. Ver JAVIER TAMAYO JARAMILLO, De la Responsabilidad Civil, I, Editora Temis, Santa Fe de Bogotá, 1999, p. 41 e 169.
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II Direito das Obrigações, T. III, Almedina, Coimbra, 2010, p. 432, refere que, seja qual for o tipo de responsabilidade civil, há um ponto sempre presente que é o dano, cabendo ao Direito decidir sobre a sua imputação a outra pessoa, através da obrigação de indemnizar, podendo a imputação ser delitual, objetiva e pelo sacrifício de quem tenha provocado o dano, apesar de lícito.
[3] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 548; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 507.
[4] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 534; RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, ed. policopiada, Coimbra, 1983, p. 229. Ver, ainda, ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 600-601. Ver, também, a defesa da Teoria da Diferença feita por PAULO MOTA PINTO, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, pp. 553-567.
[5] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 576, consideram que é a consagração do dever de reconstituir a situação anterior à lesão. CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º. p. 113, escreve que o sentido e fim da indemnização é a criação da situação em que o lesado estaria presentemente, no momento em que é julgada a ação de responsabilidade, se não tivesse tido o lugar o facto lesivo - situação hipotética ou provável (criação da provável situação atual) -, ficando, assim, superada a 2ª parte do artigo 2364º do C. de Seabra. Esta última parece ser a mais correta.
[6] - Ver PAULA MEIRA LOURENÇO, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 373 e segs., que defende que a função punitiva é um fator de modernização da responsabilidade civil; PAULO MOTA PINTO, ob. e vol. cits., pp. 818-841, quanto à “função da indemnização e justiça corretiva”; e, ainda, RUI SOARES PEREIRA, A Responsabilidade por Danos Não Patrimoniais do Incumprimento das Obrigações no Direito Civil Português, Coimbra Editora, 2009, pp. 223-226.
[7] Ver CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 113, nota (1), e toda a Doutrina aí citada, AC. DO STJ, DE 20-1-2010, CJSTJ, XVIII, T. I, p. 32, esclarecendo que é a causalidade adequada na sua formulação negativa.
[8] CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 114.
[9] AC. DO S. T. J., de 26-1-1994, CJSTJ, II, I, p. 67.
[10] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, CJSTJ, VII, III, p. 18.
[11] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, já citado. Ver, ainda, o AC. DO S. T. J., de 10-2-1998, CJSTJ, VI, I, p. 67, além da doutrina e jurisprudência aí citadas.
[12] LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, I, 3ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2001, p. 222.
[13] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 106.
[14] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 116.
[15] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 104; ORLANDO DE CARVALHO, referido por forma concorde por RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 151-152; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., p. 229- 231; HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, Coimbra, 2000 (reimpressão da edição de 1992), p. 59-260; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, T. III, Pessoas, Almedina, Coimbra, 2004, p. 123. Ver, ainda, JEAN CARBONNIER, Droit Civil, 1., P.U.F., 1ª ed., Paris, 1974, pp. 215-218.
[16] JORGE ALBERTO ARAGÃO SEIA, Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, 2002, p. 13. Ver, ainda, quanto a conjunto de edifícios o escrito por LUÍS DE MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, Almedina, Coimbra, 2009, p. 310, e AC. DO STJ, DE 21-5-2009, www.dgsi.pt.
[17] JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pp. 731-732.
[18] JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, ob. cit., p. 727.
[19] JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, ob. cit., p. 724.
[20] Ver ACS. DO STJ, DE 13-4-1994 e 23-2-1995, BMJ 436º, p. 385, e BMJ 444º, 563; AC. DA RELAÇÃO DE COIMBRA, DE 28-4-1987, CJ, XII, 2, 95.
[21] JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, ob. cit., p. 724.
[22] JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, ob. cit., pp. 724 e 725.
[23] JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, ob. cit., p. 728.
[24] ARAGÃO SEIA, Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2002, p. 162.
[25] Ver, a título de exemplo, a enumeração feita por ARAGÃO SEIA, ob. cit., pp. 204 e 205; ver, ainda, SANDRA PASSINHAS, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 3ª reimpressão da 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 314-331.
[26] ARAGÃO SEIA, ob. cit., p. 206.
[27] A. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 2ª ed., Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 340.