Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
248/12.5GCVFR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
PENA DE MULTA DE SUBSTITUIÇÃO
Nº do Documento: RP20160427248/12.5GCVFR.P2
Data do Acordão: 04/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 998, FLS.233-236)
Área Temática: .
Sumário: A pena de multa de substituição da pena de prisão pode (ainda) ser substituída por prestação de trabalho [art. 48.º, do Cód. Penal].
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 248/12.5GCVFR.P2
Origem: comarca de Aveiro, instância local criminal de St.Mª Feira- J1

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Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No âmbito do processo comum nº 248/12.5GCVFR que já então corria termos na instância local criminal de St.ª Mª da Feira, comarca de Aveiro, contra os arguidos B… e C… foi proferida sentença na 1ª instância em que se decidiu, designadamente:
1)- condenar a arguida B…:
a) pela prática, de um (1) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143°, n.º 1 e 145°, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132°, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de seis (6) meses de prisão;
b) - pela prática de um (1) crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347°, n.º 1, do Código Penal, na pena de nove (9) meses de prisão;
c) em cúmulo das referidas penas, na pena única de dez (10) meses de prisão, substituída por trezentos e trinta (330) dias de multa à taxa diária de seis euros (€ 6), perfazendo o montante global de mil novecentos e oitenta euros (€ 1980);
2)- condenar o arguido C…:
a) pela prática de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelos artigos 212°, n.º 1, e 213°, n.º 1, al. c), do Código Penal, na pena de três (3) meses de prisão;
b) pela prática de um (1) crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347°, nº 1, do Código Penal, na pena de nove (9) meses de prisão;
c) em cúmulo das referidas penas, na pena única de dez (10) meses de prisão, substituída por trezentos e trinta (330) dias de multa à taxa diária de seis euros (€ 6), perfazendo o montante global de mil novecentos e oitenta euros (€ 1980).
Tendo sido interposto recurso dessa sentença, por ambos os arguidos, para o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 25/3/2015, aí foi decidido, para o que agora releva, revogar parcialmente a sentença recorrida e, em consequência:
• absolver ambos os arguidos do imputado crime de resistência e coação sobre funcionário;
• manter a condenação da arguida, pela prática do imputado crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143°, n° 1, e 145°, nºs.1, al. a), e 2, por referência ao artigo 132°, nº2, al. l), todos do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, substituindo-se a mesma pena por cento e noventa e oito dias de multa, à taxa diária de seis euros, perfazendo a multa de mil cento e noventa e oito euros;
• manter a condenação do arguido, pela prática do imputado crime de dano qualificado, previsto e punido pelos artigos 212°, nº 1 e 213°, nº 1, al. c), do Código Penal, na pena de três meses de prisão, substituindo-se a mesma pena por noventa e nove dias de multa, à mesma taxa diária, o que equivale à multa de quinhentos e noventa e quatro euros.
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Transitada em julgado tal decisão, mas ainda durante o prazo de pagamento voluntário das penas de multa substitutiva, vieram, de novo, ambos os arguidos, ora recorrentes, requerer a substituição dessa mesma multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Sobre tal requerimento e após o Ministério Público ter tomado posição no sentido do seu indeferimento, veio o Ex.mo Juiz da 1ª instância a proferir o seguinte despacho: encontrar
«Fls. 314 e 315: Da substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade
1. C… (fls. 314) e B… (fls. 315), arguidos nos presentes autos, vieram requerer a substituição da pena de multa em que foram condenados por prestação de trabalho a favor da comunidade.
2. O Ministério Público, invocando a impossibilidade legal de tal pretensão, opôs-se ao requerido.
3. Cumpre decidir.
4. Como resulta da sentença condenatória, os arguidos foram condenados em pena de prisão (ele em 3 meses de prisão substituída por 99 dias de multa à taxa diária de € 6, no montante global de € 594; ela na pena de 6 meses de prisão, substituída por 198 dias de multa à taxa diária de € 6, no montante global de € 1188).
Ressalta então da condenação sofrida pelos arguidos que os mesmos foram condenados em pena de prisão, sendo esta pena (dita principal) substituída por multa.
Assim, a multa em que os arguidos foram condenados é uma pena de substituição (justamente da pena de prisão, dita principal).
Ora, a prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição, seja de pena de prisão (cf. artigo 43°, nº 1), seja da pena de multa (artigo 48.°). Consequentemente, apenas se pode recorrer à prestação de trabalho a favor da comunidade se servir a substituição de uma pena aplicada ao condenado a título principal.
Doutra banda, não é possível substituir uma pena de multa que, de seu lado, já substituiu uma pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, já que, no fundo, tratar-se-ia de substituir uma pena de substituição por outra pena de substituição. Sinal disso mesmo é que no artigo 43.°, n.º 1 e n.º 2 se remete, apenas, para o artigo 47.° e n.º 3 do artigo 49.°, não havendo qualquer remissão para o artigo 48.°, onde se prevê a possibilidade de substituir a pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (no sentido aqui defendido, pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, págs. 179 e 180).
No caso em apreço, como vimos, o arguido pretendia cumprir uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição de uma pena de multa que, de seu lado, já substituiu uma pena de prisão.
Tal, como vimos, não é possível.
5. Pelo exposto, indefere-se a requerida substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Notifique.
Liquide-se o julgado.
21/08/2015»
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Inconformados com o assim decidido, vieram os dois arguidos interpor o presente recurso, cujos fundamentos sintetizaram através das seguintes conclusões:
«1 - O número 1 do artigo 43° do Código Penal, não estabelece qualquer hierarquia, quanto à aplicação das penas de substituição, podendo o tribunal, optar por substituir a pena de prisão pela pena de multa, ou por trabalho a favor da comunidade.
2 - Resulta do preceituado no artigo 48°, n.º 1, do Código Penal que, a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho a favor da comunidade.
3 - O artigo 13° da Constituição da República Portuguesa impõe um tratamento igual para situações iguais, não permitindo situações de desigualdade criadas por razões arbitrárias ou, por razões que não sejam racionalmente justificadas, devendo o regime da multa ser aplicado independentemente de esta ser fixada a título principal, ou em substituição da pena de prisão.
4 - As finalidades da pena de multa substitutiva (em substituição da prisão) são exatamente as mesmas que, as finalidades de uma pena de multa, enquanto pena principal, podendo, por isso, em ambos em casos, ser substituída por trabalho a favor da comunidade.
5 - O número 2 do artigo 43°, ao referir que o não pagamento da multa, implica o cumprimento da pena de prisão aplicada, e a remissão, exceciona a sua execução, se o arguido comprovar que o não pagamento não lhe é imputável, podendo suspender a execução da pena de prisão, só se aplicará, caso, o arguido não peça a substituição da pena de multa aplicada, por trabalho a favor da comunidade, o que in casu ocorreu, e a remissão não veda a aplicação do artigo 48° do Código Penal.»
Finalizaram os arguidos o seu recurso pedindo a revogação do despacho recorrido por outro que determine a substituição da[s] pena[s] de multa aplicada[s] por trabalho a favor da comunidade.
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Na resposta que apresentou em 1ª instância, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da negação de provimento ao recurso interposto e, consequentemente, da manutenção do decidido.
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Porém, já nesta 2ª instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que pugna pela procedência do recurso.
Cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Tendo como ponto de partida os dados já acima expressos no relatório e, mormente, as conclusões do recurso, a única questão a decidir é a de saber se as penas de multa substitutivas de pena de prisão podem ainda ser substituídas pela prestação de trabalho prevista no artigo 48º do Código Penal.
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Como se extrai do seu próprio teor, a posição assumida no despacho recorrido louva-se basicamente no teor literal do nº 1 do artigo 43º do Código Penal (na versão conferida pela Lei nº 59/2007, de 4/9), e na remissão que aí é feita apenas para o artigo 47º e não já para o artigo 48º do mesmo diploma.
Daí resultaria que a prestação de trabalho apenas poderia decorrer da substituição de uma pena de multa aplicada a título principal e nunca de uma pena de multa já surgida, ela própria, como pena substitutiva.
O conforto formal dada a esta posição pelo referido argumento literal não é despiciendo, não sendo, contudo, a nosso ver, decisivo.
E, com efeito, ao lado da jurisprudência que adotou este entendimento restritivo, começou a ganhar espaço uma outra corrente jurisprudencial que – não reconhecendo razões substanciais para discriminar, a este nível, a pena de multa aplicada, como primeira ou originária opção do julgador, por um lado, da pena de multa aplicada como substitutiva da pena de prisão, por outro – tem vindo a admitir a substituição de penas de multa de substituição por dias de trabalho correspondentes, no âmbito do artigo 48º do Código Penal [2].
Não vemos nós, também, razões materiais para discriminar, a este nível da sua execução, as penas de multa originárias das substitutivas.
Com efeito, por um lado, não se nos afigura que haja uma qualquer violação do caso julgado, decorrente do argumento de que, podendo o Tribunal da condenação ter optado logo pela substituição da pena de prisão pela de prestação de trabalho comunitário prevista no artigo 58º do Código Penal, não o fez por a não julgar adequada às finalidades da punição. É que a opção pela pena substitutiva de multa pode ter ocorrido, por exemplo, por não estarem, então, presentes os requisitos formais da prévia aceitação.
Por outro lado, tendo embora a pena substitutiva prevista no artigo 58º e a substituição da multa por trabalho do artigo 48º efeitos semelhantes, aquela constitui uma pena de substituição em sentido próprio, enquanto esta configura uma forma de execução da pena de multa a pedido do condenado, conformando, pois, um instituto diverso e autónomo, sendo uma pena de substituição em sentido impróprio.
Por fim, verificando-se, em concreto, que tal forma de cumprimento realize as finalidades preventivas da punição, não pode dizer-se que a substituição da multa por cumprimento de dias de trabalho signifique um qualquer ‘aligeiramento’ sancionatório relativamente ao desembolso pecuniário representado pelo pagamento da multa propriamente dita. A prestação de trabalho comunitário representará, nestas circunstâncias, um constrangimento semelhante à compressão económica visada pela pena de multa.
Salvaguardadas que se mostram, no caso sub judice, as finalidades da punição, entendemos que o recurso merece provimento.
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Verificamos agora que entretanto, no dia imediato ao da publicação da 1ª versão deste acórdão, o S.T.J. proferiu o acórdão de 18/2/2016, que uniformizou jurisprudência no sentido por nós perfilhado, com o seguinte dispositivo: «Em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do art. 43.º, n.º 1, do CP, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no art. 48.º, do CP, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos arts. 489.º e 490.º do CPP
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelos arguidos e, revogando o despacho recorrido:
a) substituir a pena substitutiva de 198 (cento e noventa e oito) dias de multa, à taxa diária de 6 (seis) euros, aplicada à arguida B…, por 198 (cento e noventa e oito) horas de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou de instituições particulares de solidariedade social, pena esta cujo cumprimento será efetuado em termos a concretizar pela 1ª instância;
b) substituir a pena substitutiva de 99 (noventa e nove) dias de multa, à taxa diária de 6 (seis) euros, aplicada ao arguido C…, por 99 (noventa e nove) horas de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou de instituições particulares de solidariedade social, pena esta cujo cumprimento será efetuado em termos a concretizar pela 1ª instância.
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Sem custas.
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Porto, 27 de abril de 2016
Vítor Morgado
Raul Esteves
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[1] Tal decorre, desde logo, de uma interpretação conjugada do disposto no nº 1 do artigo 412º e nos nºs 3 e 4 do artigo 417º. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Têm vindo a decidir neste último sentido, designadamente (e seguindo aqui uma ordem meramente cronológica), os acórdãos da Relação de Évora de 24/11/2011 (processo 2239/09.4PAPTM.E1), da Relação de Lisboa de 17/4/2013 (processo 418/09.3PASXL.L1-3), da Relação do Porto de 19/6/2013 (processo 28/09.5GDVFR-A.P1), da Relação do Porto de 5/3/2014 (processo 1062/07.5TAGDM-A.P1) e de 11/6/2014 (processo 659/12.6PIVNG-A.P1), da Relação de Lisboa de 11/3/2015 (processo 291/06.3PTAMD.L1-3) e da Relação de Évora de 22/9/2015 (processo 476/14.9GTABF-A.E1), todos acedíveis, na presente data, em www.dgsi.pt.