Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
269/07.0TYVNG-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: INSOLVÊNCIA
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS DOS TRABALHADORES
Nº do Documento: RP20181108269/07.0TYVNG-E.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º151, FLS.69-72)
Área Temática: .
Sumário: Tendo sido alienado o estabelecimento do insolvente no qual o adquirente, além do mais, assumiu todas as dívidas que aquele tinha para com os seus trabalhadores, não podem, no processo de verificação e graduação no âmbito da insolvência, os créditos dos referidos trabalhadores ser reconhecidos e graduados, quando a transmissão daquele estabelecimento se operou há mais de oito anos e os mesmos não informaram o Sr. Administrador de qualquer incumprimento no seu pagamento (cfr. artigos 285.º e 286.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/09 de 12/02 na sua redacção originária).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 269/07.0TYVNG-E.P1
Relator – Leonel Serôdio (703)
Adjuntos - Amaral Ferreira
- Deolinda Varão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
No procedimento de verificação e graduação de créditos do processo de insolvência de B…, S.A. foi proferida sentença que decidiu:
“ I. Julgo verificados os créditos constantes da lista dos credores reconhecidos a fls. 5-9 supra homologada.
II. Procedo à graduação dos créditos verificados, nos seguintes termos:
a) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº3485/20000317-A:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.

b) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº393/19870220-A:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional,
relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.

c) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº266/19871026:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.
d) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº267/19871026:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.

e) Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº578/19880314-M:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.

f) Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº578/19880314-A:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.

g) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº653/20030307:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.

h) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº1430/20030403:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.

i) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº4235/20020711:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Segurança Social;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.
j) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº5446/20061116:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
5º) Os créditos comuns; e
6º) Os créditos subordinados.
k) Quanto ao imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº351/19980806:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito garantido (por hipoteca) da Fazenda Nacional;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
6º) Os créditos comuns; e
7º) Os créditos subordinados.

l) Quanto ao imóvel descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº685/20011121:
1º) Os créditos garantidos (com privilégio imobiliário especial) dos Trabalhadores;
2º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, relativo a IMI atinente a este imóvel;
3º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;
4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;
5º) Os créditos comuns; e
6º) Os créditos subordinados.

m) Quanto aos bens móveis:
1º) Os créditos privilegiados (com privilégio mobiliário geral) dos Trabalhadores;
2º) O crédito privilegiado (com privilégio mobiliário geral) do Estado – Fazenda
Nacional, relativo a impostos;
3º) O crédito privilegiado (com privilégio mobiliário geral) da Segurança Social;
4º) Os créditos comuns; e
5º) Os créditos subordinados.
*
C… e D… que integraram os órgãos de gestão da insolvente, apelaram e pediram a reforma da sentença de graduação de créditos, apresentando as seguintes conclusões:
“ I – É desiderato deste recurso a reforma/ revogação da douta sentença de verificação e graduação de créditos notificada aos recorrentes, que se impetra sob a égide do disposto no artigo 616, nº 2, al. b) do C.P.C., na verificação de lapso manifesto do tribunal a quo, por constarem do processo elementos e documentos que por si só implicam decisão diversa da proferida na medida em que a sentença deve ter em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
II – Ora, a douta sentença em crise teve por referência a lista de credores elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência que constitui fls. 5 a 9 do apenso em apreço, que emerge e reproduz a relação de credores apresentada pela insolvente com a petição inicial.
III - Decorre da sentença recorrida a verificação de tais créditos segundo a dita lista, que consta do item I da parte decisória da sentença e na graduação dos créditos verificados, que se atribuiu primazia, como créditos garantidos com privilégio imobiliário especial em relação aos imóveis ali identificados nas alíneas a) a l) do item II e privilégio mobiliário geral, nos termos da alínea m) do mesmo item, aos créditos dos trabalhadores identificados na sobredita lista.
IV - Ora, constata-se que, por Deliberação da Assembleia de Credores de 21.05.2008 que constitui fls. 649 e seguintes dos autos principais, foi deliberado por maioria de votos correspondentes a 86,806% a alienação do estabelecimento industrial e comercial da insolvente, compreendendo todos os direitos, designadamente, todos os activos, incluindo imóveis, assim como o seu quadro de pessoal, de acordo com a realidade de facto existente, sendo assegurados aos trabalhadores pela entidade adquirente todos os direitos e garantias adquiridos, nomeadamente direitos de antiguidade e quaisquer remunerações em dívida na data. – ut. fls. 650 - VOL 4 dos autos principais.
V - Mais ocorre que, corridos os ulteriores, veio o Sr. Administrador de Insolvência a proceder à venda em 2 de Fevereiro de 2010 à adjudicatária do estabelecimento comercial e industrial da insolvente, incluindo todos os direitos e garantias adquiridos pelos trabalhadores, nomeadamente direitos de antiguidade e quaisquer remunerações em dívida à data, conforme emerge do requerimento e escritura que constituem fls. 337 e seguintes do apenso da apreensão - VOL II., com evidência para fls. 341.
VI – Pelo que é mister concluir que na douta sentença em crise não foi considerada e objecto de apreciação como deveria, pela sua relevância, a evidenciada situação de venda do estabelecimento e transmissão dos créditos laborais, assim constando dos autos elementos e documentos que por si só importam decisão diversa da proferida.
VII - Tudo na consideração de que inexistem créditos dos trabalhadores, enunciados na lista referida na douta sentença proferida, por superveniência e ocorrência de factos e trâmites a que cumpre atender.
VIII – Pelo que, na reforma e revogação do decidido, se pretende que, na consideração da inexistência de créditos de natureza laboral, a verificação não inclua os créditos dos trabalhadores constantes da lista e que a graduação se opere por forma a que passem a figurar em primeiro lugar os créditos garantidos com privilégio imobiliário especial e por hipoteca da Fazenda Nacional e da Segurança Social, com expurgação dos créditos laborais.”

O MP respondeu e acompanhou a posição dos Recorrentes, defendendo, em síntese, que “mercê do negócio celebrado, os credores laborais já não são credores da insolvente e, como tal, não podem figurar em primeiro lugar na graduação de créditos.”
Não foram apresentadas contra-alegações.

Por despacho de 09.07.2018, o Sr. Juiz a quo, ordenou a notificação do Sr. Administrador da Insolvência para:
“- informar se foi cumprido o dever legal de informar (previamente) os Trabalhadores incluídos na sua lista de fls. 5-9 acerca da transmissão do estabelecimento da Insolvente, operada através da escritura pública de 2.02.2010 e, na afirmativa, em que data;
- informar se todos os Trabalhadores incluídos na sua lista de fls. 5-9 integravam o “quadro de pessoal” a que refere a escritura pública de 2.02.2010; e
- se os Trabalhadores foram pagos (pela adquirente) dos créditos que lhes foram reconhecidos na lista de fls. 5-9 e, na afirmativa, em que datas e os respectivos montantes.”

O Sr. Administrador da Insolvência prestou as informações solicitadas nos seguintes termos:
“1. Na sequência da aprovação em Assembleia de Credores de 21 de Maio de 2008 da venda do estabelecimento e da aprovação pela Comissão de Credores em reunião de 11 de Junho de 2008 com o AI, da adjudicação da única proposta de compra do estabelecimento, e após ter sido celebrado o respetivo contrato de compra e venda, e depois de ter sido recebido o preço acordado, foi concretizada a escritura no dia 2 de Fevereiro de 2010.
2. Os trabalhadores estiveram sempre representados nas reuniões da Comissão de Credores com o AI, pelos senhores D. E… e F…, que votaram a favor da venda do estabelecimento na reunião de 21 de Maio de 2008 (efetuada num interregno da Assembleia de Credores, onde estavam presentes todos os trabalhadores) e da adjudicação do estabelecimento na reunião de 11 de Junho de 2008. Face ao exposto, quer no que concerne aos deveres dos representantes dos trabalhadores perante os seus representados, quer quanto ao facto de terem estado presentes todos os trabalhadores na Assembleia de Credores de 21 de Maio de 2008, em que foi deliberada a venda do estabelecimento, não restam dúvidas ao AI que todos os interessados tiveram conhecimento expresso do aprovado.
3. A medida de venda do estabelecimento aprovada, bem como a única proposta de compra recebida, incluíam, expressamente e nos termos legais, a assunção por parte do adquirente, de todos os direitos e garantias adquiridos pelos trabalhadores, nomeadamente direitos de antiguidade e quaisquer remunerações em divida à data.
4. Todos os trabalhadores constantes da Lista de Credores faziam parte do Quadro de Pessoal da insolvente.
5. Nos termos já antes indicados, os direitos e garantias dos trabalhadores foram assumidos pelo adquirente, não tendo o AI qualquer controle sobre o cumprimento desta clausula legal e incluída no contrato promessa de compra e venda. A ter havido algum incumprimento, que o AI desconhece, salvo melhor opinião, deveria ser da iniciativa do(s) afetado(s) a denúncia do facto. Pelo que o AI não está, nem poderia estar, habilitado a informar das datas e montantes que o adquirente se obrigou a liquidar.”

De seguida foi proferido despacho a indeferir a requerida reforma da sentença.
Fundamentação
A questão a decidir é a de saber se atenta a venda em 02.02.2010, pelo Sr. Administrador de Insolvência do estabelecimento comercial e industrial da insolvente, incluindo todos os direitos e garantias adquiridos pelos trabalhadores, se deve ou não continuar a manter-se a verificação e graduação dos créditos dos trabalhadores.

A factualidade a atender, para além da referida no relatório, como resulta dos documentos a seguir indicados e esclarecimentos prestados pelo Sr. Administrador, é a seguinte:

I. Na Assembleia de Credores de 21.05.2008, em que estavam representados os trabalhadores da insolvente, foi deliberado por maioria de votos correspondentes a 86,806% a alienação do estabelecimento industrial e comercial da insolvente, compreendendo todos os direitos, designadamente, todos os activos, incluindo imóveis, assim como o seu quadro de pessoal, de acordo com a realidade de facto existente, sendo assegurados aos trabalhadores pela entidade adquirente todos os direitos e garantias adquiridos, nomeadamente direitos de antiguidade e quaisquer remunerações em dívida na data (cf. ata cuja cópia consta de 260 a 263v destes autos);

II. Os Trabalhadores da Insolvente, estiveram representados na reunião da Comissão de Credores de 11.06.2008 em que se deliberou, por unanimidade, a alienação do estabelecimento da Insolvente à sociedade que viria a adquiri-lo (cf. ata de fls. 306 destes autos).

III. Em 02.02.2010, por escritura pública de compra e venda cuja cópia consta de fls. 109 a 127 destes autos, cujo teor se dá por reproduzido, o Sr. Administrador da Insolvência vendeu a G…, S.A., pelo preço global de 1.602.500€, o estabelecimento industrial e comercial da Insolvente, sendo este estabelecimento vendido como um todo, englobando todo o activo e direitos da Insolvente, bem como o seu quadro de pessoal, sendo assegurado pela adquirente todos os direitos e garantias adquiridos pelos trabalhadores, nomeadamente direitos de antiguidade e quaisquer remunerações em dívida nessa data.

IV. Todos os trabalhadores incluídos na sua lista de fls. 5-9 integram o “quadro de pessoal” a que se refere a escritura pública de 2.02.2010.
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Como defendem os Apelantes, nos termos do artigo 611º n.º 1 do C.P.C. a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

Ora, como decorre da fundamentação da sentença os créditos dos trabalhadores constantes na lista de fls. 5 -9, foram reconhecidos e graduados, como créditos garantidos com privilégio imobiliário especial em relação aos imóveis identificados nas alíneas a) a l) do item II e privilégio mobiliário geral, nos termos da alínea m) do mesmo item, sem ter sido considerado, dado o tempo entretanto decorrido, que na Assembleia de Credores de 21.05.2008 foi deliberado por maioria de votos a alienação do estabelecimento industrial e comercial da insolvente (que integrava todos os imóveis identificados nas als. a) a l), bem como os móveis da insolvente) e que em conformidade com essa deliberação e subsequente aprovação da comissão de credores, em 02.02.2010, por escritura pública, o Sr. Administrador da Insolvência vendeu a G…, S.A., pelo preço global de 1.602.500€, o estabelecimento industrial e comercial da Insolvente, sendo este estabelecimento vendido como um todo, englobando todo o ativo e direitos da Insolvente, bem como o seu quadro de pessoal.

A questão que se coloca é a de saber se deve continuar a reconhecer-se e a graduar-se os créditos dos trabalhadores com os referidos privilégios que têm como consequência serem pagos com preferência sobre os demais credores, apesar de ter havido em 02.02.2010, transmissão do estabelecimento da insolvente, englobando todo o activo e direitos da Insolvente, bem como o seu quadro de pessoal, apesar de ter ficado expressamente estabelecido que a adquirente assegurava todos os direitos e garantias adquiridos pelos trabalhadores, nomeadamente direitos de antiguidade e quaisquer remunerações em dívida nessa data.
De referir que a alienação de empresa ou estabelecimento do insolvente está expressamente previsto nos art. 161 n.º 3 al. a) e 162º do CIRE, sendo pela sua relevância económica, um dos atos que o legislador expressamente exigiu a necessidade de consentimento da comissão de credores e no caso de esta não existir da assembleia de credores.
No caso, como se constata da factualidade provada, a alienação obteve a aprovação não só da comissão de credores, mas da assembleia de credores por larga maioria.
Por outro lado, nessa alienação do estabelecimento a adquirente assumiu também todas as dividas que a insolvente tinha para com os seus trabalhadores.

Relativamente à posição dos trabalhadores, em caso de transmissão do estabelecimento, o art.º 285.º do Cód. do Trabalho aprovado pela Lei nº7/09, de 12.02, na sua redação originária (aplicável, por ser a vigente à data da transmissão do estabelecimento da Insolvente), estipulava:
“1. Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa ou estabelecimento ou ainda da parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores (…).
2.O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta”.

Por outro lado, o art. 286º do Código do Trabalho, estipulava:
1. O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respectivos trabalhadores ou, caso, não existam os respectivos trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projectadas em relação a estas.
2. A informação referida no número anterior deve ser prestada por escrito, antes da transmissão em tempo útil, pelo menos 10 dias antes da consulta referida no número anterior.

Temos, pois, que com a transmissão do estabelecimento da insolvente, em 02.02.2010, englobando todo o ativo e direitos da Insolvente, bem como o seu quadro de pessoal, transmitiram-se para a adquirente o estabelecimento, nos termos do citado n.º 1 do art. 285º do CT.
Nessa transmissão ficou expressamente estipulado que abrangia todos os direitos e garantias adquiridos pelos trabalhadores, incluindo os direitos de antiguidade e quaisquer remunerações em dívida nessa data.
Por outro lado, atenta a informação prestada pelo Sr. Administrador da Insolvência, sabemos que os trabalhadores estiveram todos presentes na assembleia de credores de 21.05.2008, em que foi deliberada a venda do estabelecimento e foram representados nas reuniões da Comissão de Credores, pelos seus representantes que votaram a favor da venda do estabelecimento na reunião de 21.05.2008 e da adjudicação do estabelecimento na reunião de 11.06.2008.
É, pois, de concluir que foram cumpridos os deveres legais de informação e consulta prévias dos trabalhadores, nos termos do artigo 286.º do Cód. do Trabalho.
De resto, o deficiente cumprimento desses deveres de informação, não afectava a validade da transmissão do estabelecimento, como decorre do n.º 5 do citado art. 286º na redação originária, que se limitava a sancionar essa violação como uma contra-ordenação leve.
Foi igualmente assegurado pelo Sr. Administrador da Insolvência que todos os trabalhadores incluídos na sua lista de fls. 5-9 integram o “quadro de pessoal” a que refere a escritura pública de 02.02.2010.
Apesar de reconhecer a validade da transmissão dos créditos dos trabalhadores e o cumprimento dos deveres de informação, o Tribunal recorrido indeferiu a peticionada reforma da sentença, por se desconhecer se a adquirente do estabelecimento efetuou, entretanto, o pagamento aos trabalhadores dos créditos que lhes foram reconhecidos na lista de fls. 5-9.
No entanto, não se acompanha esta argumentação, dado que o citado n.º 2 do art. 285.º do Cód. do Trabalho limita ao período de um ano subsequente à data da transmissão do estabelecimento a responsabilidade solidária do transmitente pelas obrigações vencidas até essa transmissão.
Ora, tendo a transmissão ocorrido em 02.02.2010 e a sentença sido proferida em 22.02.2018, ou seja, 8 anos após a data da transmissão e assunção da divida pela adquirente, a responsabilidade da insolvente/transmitente, nos termos do n.º 2 do art. 285º do CT há muito estava extinta.
De resto, caso tivesse havido incumprimento por parte da adquirente, das obrigações assumidas para com os trabalhadores, estes dentro do prazo de um ano estabelecido no n.º 2 do art. 285º do CT, tinham de comunicar ao processo de insolvência esse incumprimento, para que nos termos do citado artigo se mantivesse a responsabilidade da insolvente/transmitente.
Temos, pois, de partir do pressuposto que a adquirente cumpriu as obrigações assumidas pelo contrato celebrado com o Administrador da Insolvente em 02.02.2010, relativamente aos trabalhadores da Insolvente. Caso não tenha cumprido os trabalhadores podem sempre intentar a competente ação contra a adquirente.
Continuar a reconhecer e graduar os créditos dos trabalhadores, em princípio, ia traduzir um enriquecimento injustificado destes, por estarem a obter duplamente a satisfação dos seus créditos.
De referir que como resulta das regras da experiência e da lógica do mercado, o preço da alienação do estabelecimento da insolvente foi necessariamente condicionado pela circunstância da adquirente ter assumido a responsabilidade pelo pagamento dos créditos dos trabalhadores sobre a insolvente, por isso, os restantes credores, a manter-se a graduação dos créditos dos trabalhadores pelo produto da venda do estabelecimento, sofreriam uma penalização injustificada, correndo o risco de nada receberem do produto da venda do estabelecimento que engloba todos os imóveis e móveis (incluindo veículos) referidos na sentença de verificação e graduação de créditos.

Entendemos, pois, que não há fundamento legal para se continuar a reconhecer e graduar o crédito dos trabalhadores transmitidos há mais de 8 anos para a adquirente do estabelecimento do insolvente, como reconhece expressamente o MP e implicitamente os trabalhadores, que não informaram o Administrador do processo de insolvência ter havido incumprimento por parte da adquirente, nem apresentaram contra-alegações.
Decisão
Julga-se a apelação procedente e consequentemente altera-se a sentença recorrida e determina-se a exclusão da lista de fls. 5 e 7 dos créditos dos trabalhadores da insolvente e consequentemente elimina-se da graduação relativamente a todos os bens os créditos dos trabalhadores que nela surgem em 1º lugar, subindo os demais créditos graduados uma posição.

Custas pela massa insolvente.

Porto, 08.11.2018
Leonel Serôdio
Amaral Ferreira
Deolinda Varão