Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
28/12.8GAETR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA MANUELA PAUPÉRIO
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
EXTRADIÇÃO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
ESTRANGEIRO
INCOMPATIBILIDADE
Nº do Documento: RP2019091828/12.8GAETR-C.P1
Data do Acordão: 09/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO O RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º38/2019, FLS.70-76)
Área Temática: .
Sumário: I – Não é legalmente possível pedir a execução de uma sentença num país estrangeiro enquanto estiver pendente MDE para efeitos de extradição.
II – Verificados os demais requisitos previstos no artigo 104º da Lei nº 144/99, de 31/08, o impasse assim surgido deverá ser ultrapassado através do pedido de devolução do MDE, o qual deverá ser ulteriormente renovado se vier a mostrar-se inviável o pedido de execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 28/12.8GAETR-C.P1

Relatora: Maria Manuela Paupério
Adjunta: Desembargadora Maria Ermelinda Carneiro

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No processo comum coletivo com o número acima referido foi o recorrente B…, condenado na pena de 3 anos de prisão, decisão devidamente transitada em julgado. Na sequência dessa condenação e para cumprimento da pena que lhe foi irrogada o arguido veio a ser detido na Suíça em consequência de ter sido emitido mandado de detenção europeu (MDE). A residir naquele país e tendo aí família constituída o recorrente pretende o cumprimento da pena na Suíça tendo solicitado ao tribunal da condenação a recolha dos respetivos mandados de extradição.

Na sequência da formulação desse pedido o Tribunal de Aveiro proferiu decisão denegando essa pretensão nos despachos de que o recorrente agora vem interpor o presente recurso, fazendo-o com os fundamentos que constam de folhas 144 a 151 verso dos autos, que agora aqui se dão por integralmente reproduzidos, concluindo pela forma seguinte: (transcrição)

A. O ora Recorrente foi condenado por Acórdão do Tribunal Judicial da Comarca Aveiro, Juízo Central Criminal de Aveiro, Juiz 5, transitado em julgado em 27/04/2015, na pena de 3 (três) anos de prisão, encontrando-se, actualmente, detido no Estabelecimento Prisional na Suíça, ao abrigo daquele Acórdão, desde o dia 11 de Março de 2019.
B. O Recorrente é nacional português que reside legalmente na Suíça, desde 04/11/2015, é casado e tem um filho de 4 anos e a sua mulher está grávida de mais um filho seu, que irá nascer, previsivelmente, em Outubro de 2019 e, à data em que foi detido, encontrava-se familiar, pessoal e profissionalmente enquadrado na Suíça.
C. O Recorrente não esteve presente no julgamento em que foi condenado, não tendo sido notificado do acórdão de primeira instância ou da Relação, dos quais apenas tomou conhecimento na data da sua detenção. Não obstante essa circunstância, foi considerado, por decisão do Tribunal que tal não obstava ao trânsito em julgado (cf. fls. 1059-1064 dos autos, e p. 5 do Acórdão do STJ que decidiu o pedido de habeas corpus) que a decisão transitara em julgado, tendo a apresentação de recurso pelo seu então mandatário sido tomada como renúncia à notificação pessoal, conclusão que se manteve na decisão sobre a providência de habeas corpus por si apresentada.
D. Tendo em conta o circunstancialismo dos presentes autos e o desconhecimento por parte do Recorrente de que tinha sido proferida decisão condenatória e, consequentemente, de que a mesma transitara em julgado, o impediu de apresentar um pedido de delegação da pena antes de apresentado o pedido de extradição, evitando assim as dificuldades daí decorrentes.
E. Em face das características do caso concreto, por não ser aconselhável in casu obter a extradição para o cumprimento da pena em Portugal e ser mais vantajoso para a reinserção do condenado o cumprimento da pena na Confederação Suíça, o Recorrente requereu à Procuradoria Geral da República que a execução da referida pena fosse delegada na Confederação Suíça, o que fez nos termos do disposto no artigo 104.º, n.º 1, alíneas b), c), parte final, d), e) e f), e 107.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal) e nos artigos 94.º, n.º 1 e 85.º, n.º 1 e n.º 2, da lei suíça, em concreto do IRSG – Lei federal sobre assistência jurídica internacional em matéria penal (Lei sobre a cooperação judiciária (“IRSG”) de 20 de Março de 1981 (versão de 1 de Março de 2019) ([Bundesgesetz über internationale Rechtshilfe in Strafsachen (Rechtshilfegesetz (IRSG))].
F. De acordo com as informações obtidas junto das autoridades Suíças, foi possível perceber que para que o condenado possa cumprir a pena a que foi condenado em Portugal na Suíça, Portugal terá de revogar o despacho que decreta a apresentação o pedido de extradição.
G. O Recorrente solicitou assim junto do Tribunal competente, a revogação do despacho solicitou a extradição na pendência da apresentação do pedido de delegação da execução da pena.
H. O pedido formulado pelo Recorrente junto do Tribunal Judicial da Comarca Aveiro para que se revogasse o despacho que ordenou os pedidos de MDE e MDI e retirasse o pedido de extradição na pendência do procedimento com vista à delegação da execução da pena, foi indeferido, nas conclusões de 24 de Junho de 2019, 8 de Julho de 2019 e 18 de Julho de 2019, com fundamento na inexistência de fundamento legal para o efeito.
I. Não pode o ora Recorrente conformar-se com tal decisão, uma vez que a mesma colide, manifesta, injusta e infundadamente, com o fim e o fundamento legitimador da imposição das penas em processo criminal – o de prevenção nas suas dimensões geral e especial.
J. Nada impede, ao abrigo do princípio da legalidade, que seja deferido o solicitado pelo ora Recorrente, sendo antes imposto pelo princípio da legalidade no processo penal e de execução de penas que as condenações transitadas em julgado sejam executadas, mas já não que o sejam, necessariamente, em território português, nada dizendo os artigos 467.º e seguintes do Código de Processo Penal acerca desta matéria.
K. Estando o condenado a residir noutro Estado deverá o Tribunal, ponderando a solução que melhor se adeque à realização dos fins das penas (cf. artigos 40.º, n.º 1 e 42.º, n.º 1 do Código Penal e artigo 2.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade), decidir se solicita a extradição ou a entrega em sede de Mandado de Detenção Europeu, ou se solicita a execução da condenação no Estado em que a pessoa se encontre, o que, aliás, decorre dos pressupostos da formulação do pedido de delegação (não se julgar aconselhável obter a extradição e existirem razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social do condenado, cf. artigo 104.º, n.º 1, al. c) parte final e al. d) da Lei n.º 144/99 de 31/08).
L. Se o Recorrente se encontrasse num dos Estados-Membros da União Europeia (aos quais, aliás, se dirigia em primeira linha o MDE emitido), teria o direito de, na pendência do processo no Estado de execução, solicitar a recusa da entrega mediante a assunção do cumprimento da pena, ficando assim manifestamente prejudicado pelo diferente enquadramento legal e coordenação entre os instrumentos de cooperação em vigor entre Portugal e a Suíça, isto apesar de a Suíça fazer parte do Espaço Schengen.
M. O Recorrente aceita a sua condenação e pretende cumprir a sua pena na proximidade da sua família, podendo assim dar o apoio necessário à mesma e beneficiar, quando chegar o momento, de medidas de flexibilização da pena que permitam promover o bem-estar dos seus filhos e a sua reinserção.
N. No caso concreto, a função de “reintegração” ou de prevenção especial positiva da pena imposta ao condenado, ora Recorrente, não se encontra devidamente assegurada pelo cumprimento da mesma em Portugal, já que é na Suíça onde se encontra familiar, pessoal e profissionalmente enquadrado, não tendo, aliás, actualmente, quaisquer ligações permanentes com Portugal.
O. O direito à vida privada e familiar e em particular o superior interesse das crianças de 4 anos e do filho nascituro do condenado a manterem o contacto com os seus pais deve, nestas circunstâncias, prevalecer em face do instituto da extradição, já que a própria lei prevê a possibilidade de delegação da execução da pena, nos termos legais já identificados – mais a mais, quando é uma possibilidade conferida não só pela lei portuguesa, como pela lei suíça.
P. Deve considerar-se que, tendo em conta a situação familiar do condenado – mulher, filho de 4 anos, e filho nascituro com o nascimento previsto em Outubro de 2019, todos sem ligação a Portugal e possibilidade de para aqui deslocarem o seu centro de vida, também por falta de capacidade financeira e sequer conhecimentos da língua portuguesa, o art. 8.º da CEDH e a protecção do superior interesse da criança impõe também que estas circunstâncias sejam ponderadas no sentido de dar procedência ao requerido.
Q. Deve considerar-se que, estando o condenado a residir noutro Estado e existindo razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social e que aí melhor se realizarão os fins pretendidos com a imposição de uma pena na decisão condenatória – o que foi aceite pelo Tribunal a quo ao solicitar a apresentação de pedido de delegação da pena – e que a extradição prejudicaria gravemente o superior interesse das crianças filhos do condenado, bem como a respectiva vida privada e familiar, estamos perante caso em que não é aconselhável obter a extradição, nos termos e para os efeitos do artigo 104.º, n.º 1, al. c) parte final, da Lei n.º 144/99 de 31/08).
R. Assim, e em face destas circunstâncias, deve ponderar o Tribunal a solução que melhor se adeque à realização dos fins das penas (cf. artigos 40.º, n.º 1 e 42.º, n.º 1 do Código Penal e artigo 2.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade), e decidir se solicita a extradição ou a entrega em sede de Mandado de Detenção Europeu, ou se solicita a execução da condenação no Estado em que a pessoa se encontre, o que, aliás, decorre dos pressupostos da formulação do pedido de delegação (não se julgar aconselhável obter a extradição e existirem razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social do condenado, cf. artigo 104.º, n.º 1, al. c) parte final e al. d) da Lei n.º 144/99 de 31/08).
S. In casu, impõe-se a conclusão de que a solicitação da extradição não é aconselhável, facto que só se tornou evidente após a apresentação do respectivo pedido, devendo assim ser retirado o pedido de extradição para o que o procedimento de delegação da execução da pena possa seguir os seus trâmites. No limite, considerando-se imprescindível, fazendo uso do artigo 113.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99 de 31/08 – o que, pelos motivos supra referidos e que estão na base do pedido de delegação de execução da pena, não é manifestamente o caso.
T. Errou o Tribunal recorrido ao não aplicar as normas referidas no sentido propugnado, normas assim violadas pela decisão recorrida.
U. Deve o presente recurso ser considerado procedente e ser revogado o despacho que indefere o requerimento para que, na pendência da tramitação do pedido de delegação da execução da pena às autoridades suíças, seja retirado o pedido de extradição, ao abrigo dos quais o condenado se encontra actualmente detido no Estabelecimento Prisional C…, na Suíça, desde o dia 11 de Março de 2019.

Termos em que, admitido o presente recurso, deve o mesmo ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido na parte em que que indefere o requerimento para que, na pendência da tramitação do pedido de delegação da execução da pena às autoridades suíças, seja retirado o pedido de extradição.»

A este recurso respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido nos termos que constam de folhas 158 verso a 160 destes autos, que agora igualmente aqui se dão por reproduzidos, concluindo pela forma seguinte:
1. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, compete à autoridade judiciária diligenciar pela sua execução em território português ou em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional (artigo 467.º do CPP).
2. In casu as vicissitudes espelhadas nos autos impuseram a necessidade de mandado de detenção do arguido, com o subsequente pedido de extradição, às Autoridades Helvéticas visando possibilitar a execução da pena em que o mesmo foi condenado.
3. O arguido encontra-se detido, de acordo com a informação prestada pelas autoridades Helvéticas, no âmbito do processo de extradição desde o dia 11-03-2019.
4. Inexiste nos autos informação quanto ao desfecho do processo de delegação de execução da pena impulsionado pelo arguido.
5. Não obstante as condições sociais e familiares do arguido, enunciadas pelo recorrente, poderem eventualmente ser um dos fatores de ponderação na decisão concernente à delegação da execução da sentença penal, por “existirem razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social do condenado” (artigo 104º, n.º 1 c) da Lei 144/99, de 31.08), o certo é que tal apreciação incumbe às Autoridades Helvéticas e não é razão suficiente para fundamentar a revogação do pedido de extradição efetuado.
6. O Mmo. Juiz a quo fez uma correta interpretação da Constituição e da Lei e não violou o preceituado nos artigos, 40º do Código Penal e 104º, n.º 1 c) da Lei n.º 144/99 de 31/08, nem qualquer normativo legal
7. Pelo exposto, deve ser, negado provimento ao recurso, assim se fazendo JUSTIÇA»

Coincidente o parecer emitido neste Tribunal de recurso pela Digna Procuradora Geral Adjunta, como resulta de folhas 163 e 164.

Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código do Processo Penal o recorrente veio responder reiterando a sua pretensão.

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta à apreciação do mérito.
Têm o seguinte teor as decisões recorridas:

Despacho datado de 08/07/2019

«Mediante contacto prévio telefónico com a PGR (fls. 1501) informe como doutamente promovido, mais solicitando informação sobre documentação necessária para a instrução da transmissão de sentença para execução perante as Autoridades Judiciárias Suíças.
Assim, informe que sem prejuízo da manutenção do procedimento de extradição para o caso das Autoridades Helvéticas do respectivo Cantão entenderem não ser de deferir o pedido de execução da sentença naquele país, face à posição assumida pelo Arguido pretende-se que seja formulado um pedido de execução da sentença perante as Autoridades Judiciárias Suíças.
Dn. Notifique.»

Despacho datado de 18/07/2019
«Requerimento de 11-07-2019 (fls. 1508 a 1513/1514 a 1519):
O arguido B… vem requerer que seja retirado o pedido de extradição às Autoridades Judiciárias da Suíça, que se encontra em curso, até à conclusão do processo de delegação de execução de pena na Suíça.
Solicita que se reconsidere o decidido no despacho de 08-07-2019, no que concerne à manutenção do pedido de extradição (fls. 1505).
Considera-se, contudo, que o agora requerido não tem qualquer fundamento legal, sendo que o mesmo se encontra detido, no âmbito do processo de extradição, desde o dia 11- 03-2019, conforme deram conta as Autoridades Helvéticas (fls. 1364).
Com efeito, tal como bem refere a Digna Procuradora-Adjunta na promoção que antecede, o pedido de delegação da execução da pena em que o arguido foi condenado no âmbito destes autos não retira o interesse e necessidade de manutenção do pedido de extradição (e respectiva detenção a que o arguido se encontra sujeito na Suíça), porquanto, para além do mais, não há sequer garantias de que as autoridades Helvéticas do respectivo Cantão venham a aceitar aquela delegação de execução da pena de prisão.
Pelo exposto, indefere-se o requerido pelo arguido B…, mantendo-se o pedido de extradição às autoridades judiciárias da Suíça, sem prejuízo da existência do processo de delegação de execução da pena junto das Autoridades Helvéticas.
Notifique.»

Cumpre decidir:
No caso que agora aqui nos ocupa, pretende o recorrente ver alterados os despachos proferidos que indeferiram requerimentos por ele apresentados e que pretendiam que, na pendência da tramitação do pedido de delegação da execução da pena às autoridades suíças, fosse retirado o pedido se extradição.
Façamos, para melhor compreensão, um breve resumo do que se passou até ao momento no processo.
O recorrente, por decisão transitada em julgado em 27/04/2015, foi condenado na pena de 3 anos de prisão. Na sequência, não se tendo apresentado para cumprimento da pena e não sendo conhecido o seu paradeiro foi emitido, pelo tribunal da condenação, MDE que veio a ser cumprido na Suíça, país onde o arguido se encontrava a residir. O arguido encontra-se detido desde o dia 11/03/2019.
Sucede que arguido, aqui recorrente, cidadão português, pretende cumprir a pena em que foi condenado na Suíça por aí se encontrar a residir, a trabalhar e ter constituído família. Requereu-o junto da Procuradoria-Geral da República e desta recebeu a resposta de que se mostra incompatível, nos termos da lei portuguesa, desencadear o procedimento previsto no artigo 104º da Lei 144/99 de 31 de agosto (Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal), mantendo-se o pedido de extradição.
Junto aos autos encontra-se email remetido pela Senhora Coordenadora da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal ao Senhor Juiz do processo dando-lhe conta dessa impossibilidade legal e solicitando a “reponderação” da oportunidade da extradição a fim de poder ser desencadeado o mecanismo de transmissão de sentença.
Contudo o senhor juiz a quo, pese embora resultar do conteúdo das decisões sob recurso – sobretudo da proferida em primeiro lugar - não se opor ao mecanismo da transmissão da sentença, concluiu que não pode retirar o pedido de extradição por inexistência de fundamento legal para tal.
Vejamos então: estabelece o artigo 104º da Lei 144/99 de 31 de agosto que:
- Pode ser delegada num Estado estrangeiro a execução de uma sentença penal portuguesa quando, para além das condições gerais previstas neste diploma:
(..)
b) O condenado for português, desde que resida habitualmente no Estado estrangeiro;
c) Não for possível ou não se julgar aconselhável obter a extradição para cumprimento da sentença portuguesa;
d) Existirem razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social do condenado;
e) O condenado, tratando-se de reação criminal privativa da liberdade, informado das consequências da execução no estrangeiro, der o seu consentimento;
f) A duração da pena ou medida de segurança impostas na sentença não for inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não for inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual, podendo, no entanto, mediante acordo com o Estado estrangeiro, dispensar-se esta condição em casos especiais, designadamente em função do estado de saúde do condenado ou de outras razões de ordem familiar ou profissional.»
No caso que aqui agora nos ocupa, um cidadão português, condenado por decisão transitada em julgado na pena de 3 anos de prisão, que vive e trabalha na Suíça, aí constituiu família quer, nesse país, cumprir a pena.
De acordo com as várias alíneas do artigo acima transcrito o recorrente reúne todas as condições legais para formular tal pedido com exceção da constante na alínea c). Com efeito, expressamente, a lei refere que para aquele mecanismo só pode ser desencadeado quando se entender que não é possível ou não se julgue aconselhável obter a extradição.
Tendo sido emitido um mandado de detenção europeu e estando o arguido detido não se pode dizer que não é possível a sua extradição. Mas face aos elementos que constam dos autos a extradição do condenado revela-se desaconselhável.
O senhor juiz a quo, nas decisões agora sob recurso, concede a existência de vantagens no cumprimento da pena na Suíça, não se opondo a que seja desencadeado tal procedimento. Contudo, entende que inexiste fundamento legal para pedir a devolução dos mandados de detenção europeus expedidos. De igual modo, o Ministério Público, na resposta que apresenta, concede ver vantagens na delegação da execução da sentença nas Autoridades Helvéticas. Mas, ambos, nada referem quanto ao que se encontra estabelecido na alínea c) do artigo 104º da Lei a que vimos fazendo referência, e ao modo de compatibilizar esse preceito com a manutenção do pedido de extradição.
Nos termos da lei estando pendentes de execução mandado de detenção para extradição do condenado não pode legalmente ser desencadeado o procedimento para cumprimento da pena na Suíça.
Estamos perante um impasse que importa ultrapassar.
Não abrindo mão da execução dos mandados de detenção europeus já emitidos, na prática, está a negar-se ao condenado a possibilidade de fazer uso de um direito que a lei lhe concede, concretamente o que se encontra regulado no citado artigo 104º da Lei da Cooperação Judiciária Internacional.
Refere o senhor juiz a quo, na última das decisões aqui em apreço, que sequer existe a certeza de que a Suíça aceite o pedido que lhe seja formulado no sentido de ali ser cumprida, pelo cidadão português, a pena em que foi condenado em Portugal. É verdade. Essa certeza não existe. Mas existe uma outra: a de que mantendo-se o pedido de extradição – mantendo-se o pedido de que seja cumprido o mandado de detenção – a lei não permite sequer a formulação de tal pedido.
Ao Estado Português importa que a decisão proferida pelo Juízo Central Criminal de Aveiro seja executada – aqui ou na Suíça -.
Se este país não aceitar o pedido de execução de sentença que lhe vier a ser formulado, logicamente, terá o condenado de ser, de novo, detido e extraditado para Portugal para aqui cumprir a pena que lhe foi irrogada.
Não fica o Estado Português coartado de assim proceder, emitindo novo MDE para esse fim.
Temos de ponderar as circunstâncias do caso concreto; dúvidas não existem de que a execução da sentença na Suíça, onde o arguido reside e onde tem o seu cônjuge e filho(s), permitirá a sua melhor reinserção social: ali poderá, por eles, ser visitado e melhor acompanhado durante o seu pedido de reclusão. Esta solução é aquela que melhor se coaduna com o preceituado no artigo 8º da CHDH e a que melhor garante os direitos dos filhos menores do condenado que só assim o poderão visitar e não perder, por decurso de lapso temporal excessivo, a vinculação afetiva que o contacto próximo, ainda que condicionado, propicia.
A concreta situação pessoal e familiar do condenado só foi conhecida do tribunal da condenação em momento posterior à emissão do MDE solicitando a sua extradição para cumprimento da pena.
Esse conhecimento superveniente faz com que se julgue não aconselhável, de momento, manter o pedido de extradição, devendo, ao invés, iniciar-se, quanto antes, os procedimentos necessários à formulação do pedido de execução da sentença na Suíça.
Assim sendo, o recurso interposto tem de proceder revogando-se as decisões proferidas, substituindo-as por outra que solicite a devolução sem cumprimento do MDE expedido a fim de, nos termos do preceituado no artigo 104º da Lei 144/99 de 31 de agosto, poder iniciar-se pedido de execução, da decisão proferida, na Suíça, país onde reside o condenado e onde tem os seus familiares mais próximos, devendo ademais tal pedido ser acompanhado da justificação de que é feito apenas e só para que possa ser dado início ao pedido de execução da sentença na Suíça.
Decisão:
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente B… e, em consequência:
- Solicitar, às Autoridades Suíças, a devolução sem cumprimento do MDE emitido visando a sua extradição, fazendo-se expressa menção de que este pedido visa possibilitar pedido de execução da sentença na Suíça:
- Dar desta decisão imediato conhecimento à Entidade Coordenadora a fim de encetar a tramitação do pedido de delegação de execução da sentença às Autoridades Suíças.

Sem tributação.
(elaborado pela relatora e revisto por ambas as subscritoras- cfr. artigo 94º número 2 do Código do Processo Penal)

Porto, 18 de setembro de 2019
Maria Manuela Paupério
Maria Ermelinda Carneiro