Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1714/18.4T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
RECURSO
MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: RP201904111714/18.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONTRA ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º292, FLS.376-384)
Área Temática: .
Sumário: I - A manifesta necessidade “à melhoria da aplicação do direito” prevista no n.º2, do art.º 49.º da Lei 100/2009, só se verifica quando da decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando, pois, a corrigir eventuais erros de julgamento.
II - Amelhoria da aplicação do direitopressupõe que se esteja perante uma questão “que seja manifestamente complexa, de difícil resolução, na doutrina e na jurisprudência, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objetivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis”.
III - Não foi usado qualquer fundamento para justificar a aceitação do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito.
IV - Os fundamentos invocados - invocação de jurisprudência alegadamente divergente quanto à “interpretação do disposto no Art.º 1º, nº 1 do Dec. Lei nº 237/2007 de 19 de Junho, mais especificamente, o âmbito de aplicação do referido diploma legal” - apenas poderão ser atendidos como visando justificar a admissibilidade do recurso por tal se afigurar manifestamente necessário à promoção da uniformidade da jurisprudência.
V - Cada um dos arestos invocados debruça-se sobre diferente questão, sendo nessa indagação que se pronuncia sobre a aplicação, ou não, de determinadas normas daquele diploma.
VI - O pressuposto em que a recorrente assenta para pretender ver admitido o recurso não se verifica, visto não poder de todo dizer-se que a jurisprudência citada diverge quanto à “interpretação do disposto no Art.º 1º, nº 1 do Dec. Lei nº 237/2007 de 19 de Junho, mais especificamente, o âmbito de aplicação do referido diploma legal”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO nº 1714/18.4T8AVR.P1
Recurso de Contra - ordenação
4.ª SECÇÃO
I. RELATÓRIO
I.1 “B…, S.A.”, notificada da decisão administrativa da Autoridade Para as Condições do Trabalho (Centro Local do Baixo Vouga), aplicando-lhe uma coima de €1.650 €, pela prática de uma contra ordenação grave, a título negligente, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 8º n.º 2 e 16º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho e 554º n.ºs 1 e 3, al. e), do Cód. do Trabalho, veio deduzir impugnação judicial.
Alegou, no essencial, o seguinte:
- Não é aplicável ao caso o Decreto-Lei (DL) n.º 237/2007 de 19 de Outubro, porque existe em relação à actividade de transporte rodoviário em causa, a obrigatoriedade de utilização de tacógrafo e o diploma em referência apenas se aplica às entidades que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos a exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização de tacógrafo.
- Não pode em qualquer caso ser responsabilizada pela infracção, porque organiza o serviço dos seus motoristas, de forma a puderem observar as regras relativas aos tempos de condução e repouso, dando-lhes formação nessa matéria e também no que se refere à utilização do aparelho de tacógrafo, distribuindo-lhes um manual do motorista, que contém uma parte específica sobre isso.
- Não teve qualquer intervenção na situação em causa, nem lhe é imputado qualquer facto ou comportamento de onde possa resultar a sua responsabilização, nomeadamente ao nível dos elementos subjectivos do tipo.
Recebida a impugnação, foi designada data para a realização da audiência de julgamento.
I.2 Realizado o julgamento, subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Termos em que se decide julgar improcedente o recurso, mantendo-se em consequência a decisão recorrida.
*
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, tendo em conta a gravidade do ilícito e o grau de complexidade das questões suscitadas no processo – arts. 93º n.º 3 do DL n.º 433/82, de 27/10 e 8º n.ºs 7, 8 e 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.
*
Notifique e comunique a sentença, de imediato, ao Centro Local do Baixo Vouga da Autoridade Para as Condições do Trabalho - cfr. art. 45º n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
(…)».
I.3 Inconformada com essa decisão a arguida B…, S.A. interpôs recurso “nos termos do Art.º 49º, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e do Art.ºs 410º e seguintes do Código de Processo Penal, por, conforme se explicita infra, se afigurar manifestamente necessário à promoção da uniformidade da jurisprudência”.
Apresentou, ainda, alegações sintetizadas em conclusões.
I.3.1 No requerimento de interposição do recurso, sob o título “DA MANIFESTA NECESSIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA”, a recorrente usou a argumentação seguinte:
- «A interpretação do disposto no Art.º 1º, nº 1 do Dec. Lei nº 237/2007 de 19 de Junho, mais especificamente, o âmbito de aplicação do referido diploma legal, conforme se explicita infra, não se demonstra pacifica na jurisprudência.
No sentido defendido pela ora recorrente foram, à presente data, proferidos vários acórdãos, entre eles o Acórdão da Relação de Coimbra de 18-06-2015, no âmbito do processo nº. 610/14.9T8FIG.C1 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 11-03-2010 no âmbito do processo nº 608/09.9TTVIS.C1, segundo o qual “ O Dec. Lei nº 237/07, de 19/06, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2002/15/CE de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas (trabalhadores) que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário efectuado em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, de 20/12, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuem Transportes Internacionais Rodoviários (AETR) aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei nº 324/73, de 30/06. A Directiva nº 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85 ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR.
A Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG 3821/85, de 20/12, pelo que o Dec. Lei nº 237/07 apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 381/85. Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros”.
Também no Acordão da Relação de Coimbra de 15-07-2009 no âmbito do processo nº 81/09.1TTAVR.C1 se refere que “O Dec. Lei nº 237/2007, de 19/06, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva (CE) nº 2002/15/CE, de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, do Conselho, de 20/12, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei nº 324/73, de 30/06. A Directiva 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85, ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR. O Reg. (CEE) nº 3821/85, de 20/12 (alterado pelo Regulamento (CE) 561/06) veio introduzir a obrigatoriedade de utilização do aparelho de controlo (tacógrafo) relativamente aos veículos referidos no seu artº 3º. A Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG. 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG. 3821/85, pelo que o Dec. Lei nº 237/07 (que transpôs aquela Directiva) apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 3821/85. Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o REG. (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.”.
Em sentido contrário foram proferidos alguns acórdãos, entre os quais, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º781/17.2T9VRL.G1 e o Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa no âmbito do processo nº 656/08.6TTSNT.L1-4 de 17/06/2009, segundo o qual, “ O DL 237/07, de 19/07, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE do Parlamento e do Conselho, de 11 de Março e nele se regulam e desenvolvem determinados aspectos da duração e organização do tempo de trabalho dos trabalhadores que participam em actividades de transporte rodoviário prestadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento e do Conselho, de 15 de Março de 2006.; Consideram-se “trabalhadores móveis” os condutores e os demais trabalhadores viajantes que participam nas actividades de transporte rodoviário abrangidas pelo referido regulamento; Os intervalos de descanso dos “trabalhadores móveis” estão estabelecidos no art. 8º, n.ºs 1, 2 e 3 do DL 237/2007, de 19/06, não podendo estes prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo; As interrupções e as pausas de condução estão estabelecidas no art. 7º do Regulamento (CE) n.º 561/2001 do Parlamento e do Conselho, de 15 de Março de 2006, não podendo os condutores prestar mais de quatro horas e meia de condução consecutivas; O disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 8º do DL 237/07, de 19/7, não prejudica a aplicação aos condutores do regime de interrupções de condução previsto no art. 7º do Regulamento.
Incidindo a supra mencionada divergência jurisprudencial na dúvida quanto à aplicabilidade ou não do DL nº 237/2007, a admissão e procedência do presente recurso excepcional previsto no Artº 49º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14.09, mostra-se indispensável à melhoria do Direito e uniformização da jurisprudência, não se mostrando juridicamente viável manter na ordem jurídica a presente situação de incerteza quanto ao âmbito de aplicação de um diploma legal em vigência.
Assim, concordando-se integralmente com a supramencionada jurisprudência proferida
pelo Tribunal da Relação de Coimbra, terá que se concluir que o referido DL nº 237/2007 não se aplica a condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, para os quais vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.
No caso em apreço, o veículo propriedade da arguida, em causa nos autos encontrava-se equipado com tacógrafo, sendo o condutor em causa, motorista profissional, pelo que vigora quanto a ele o Regulamento (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, não sendo por isso aplicável o referido DL nº 237/2007 de 19/06.
Pelo exposto, não sendo aplicáveis nos presentes autos as disposições legais previstas no Dec. Lei nº 237/2007 de 19/06, não poderá imputar-se à arguida qualquer contraordenação
ao disposto em tal diploma legal, motivo pelo qual terá que proceder o recurso de impugnação e absolver-se a arguida da contra-ordenação que lhe vem imputada».
I.3.2 A conclusão (única) que encerra as alegações de recurso é a seguinte:
1 - O presente recurso apresentado nos termos do nº 2 do Art.º49 do DL 107/2009 tem como fundamento:
- A promoção da uniformização da divergência jurisprudencial quanto à aplicabilidade do DL nº 237/2007, de 19/06 à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no Regulamento (CE) nº 3821/85.
Nestes termos, deve a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que determine a absolvição da recorrente e, assim, fazendo a costumada Justiça!
I.4 O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a admissibilidade do recurso, admitindo-o na consideração do requerimento apresentado invocar o previsto no art.º 49.º, n.º 2, da Lei 107/2009, de 14 de setembro, e por ser tempestivo, ordenando a remessa dos autos a esta Relação nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 50.º do diploma legal referido.
I.5 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações, finalizadas com a conclusão (única) seguinte:
- «Pelo que, em nosso entender, a ser aceite o presente recurso para uniformização de jurisprudência deverá ser considerado que o DL 237/2007 de 19/06 se aplica a todos os trabalhadores móveis neles se incluindo os condutores que participam nas actividades de transporte rodoviário.
Devendo a douta sentença ser mantida nos seus precisos termos».
I.6 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), pronunciando-se pela admissibilidade do recurso e pela sua improcedência, aderindo “à posição expressa no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, invocado na decisão recorrida”.
I.7 Foi cumprido o disposto no art.º 418.º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e projecto de acórdão por via electrónica.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), as questões colocadas para apreciação são as seguintes:
i) Como questão prévia, a de saber se o recurso é admissível ao abrigo do disposto no art.º 49.º n.º2, da Lei 107/2009, de 14 de Setembro.
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II.2 QUESTÃO PRÉVIA: admissibilidade do recurso
Aplica-se ao caso o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, ou seja, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Conforme o disposto no n.º 1, do artigo 49.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da sentença, além do mais, quando for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC.
Para além dos casos enumerados no citado n.º 1, «pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência» - n.º 2, do mesmo normativo.
Nestes casos, cabe ao recorrente justificar a admissibilidade do recurso, em requerimento autónomo, constituindo questão prévia a apreciação e decisão do mesmo (art.º 50.º n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 107/2009).
No caso em apreço, a impugnação judicial foi julgada improcedente, mantendo-se em consequência a decisão recorrida, isto é, aplicando à arguida uma coima no montante de €1.650, pela prática de uma contra ordenação grave, a título negligente, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 8º n.º 2 e 16º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho e 554º n.ºs 1 e 3, al. e), do Cód. do Trabalho.
Sendo aquele valor inferior a 25 UC (25 x € 102,00= €2 550), o recurso só será admissível a título excepcional, nos termos previstos no n.º2, do art.º 49.º da Lei 107/2009, caso se verifiquem os necessários requisitos. De resto, como a recorrente o reconhece.
II.2.1 Vejamos, então se é de admitir o recurso, excepcionalmente, ao abrigo do disposto no n.º2, do artigo 49.º da Lei n.º 107/2017, o que apenas tem cabimento “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”.
Dispõem os n.ºs 2 e 3, do art.º 50.º da Lei 107/2009, o seguinte:
2 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior, o requerimento segue junto ao recurso, antecedendo-o.
3 - Nestes casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que é resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
Da conjugação destes preceitos retira-se que o requerimento a apresentar pelo requerente é autónomo, dado anteceder o recurso, bem assim que deverá conter a alegação dos argumentos suficientes para justificar a pretendida admissão excepcional do recurso, na medida em que “a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia”.
Dito por outras palavras, a admissibilidade do recurso a título extraordinário “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” é aferida, a montante, atendendo às razões, devidamente sustentadas, que devem logo ser explanadas no requerimento apresentado, e não a jusante, face aos argumentos que sustentam as alegações de recurso.
Concede-se que também se possa atender às alegações de recurso, mas como elemento complementar, dada a necessária conexão entre as razões que sejam invocadas para justificar o recurso e as questões que neste se pretendam colocar à apreciação do tribunal de recurso. Mas já não é de aceitar os casos em que o recorrente procure justificar a admissibilidade do recurso remetendo exclusivamente para a argumentação das alegações de recurso.
Refira-se que as normas em causa correspondem ao disposto nos artigos 73.º n.º 2 e 74.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas [aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro]. E, no sentido da posição avançada, pronunciando-se sobre o n.º2, do art.º 73.º, observa António Beça Pereira [Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 209], o seguinte:
- «No caso previsto no n.º2, para além do recurso propriamente dito, há um requerimento prévio, no qual se terão que alegar factos demonstrativos da manifesta necessidade de melhorar a apreciação do direito ou de promover a uniformidade da jurisprudência (..)».
No caso, a requerente, no requerimento de interposição do recurso, mas após as alegações, autonomizou o requerimento acima transcrito autónomo para justificar a admissibilidade do recurso.
Ora, ao contrário da forma como procedeu a recorrente, esse requerimento deveria antes ter antecedido as alegações de recurso, conforme estabelecido no n.º2, do art.º 50.º da Lei 107/2009. Não obstante, entende-se que essa incorrecção não obsta à sua apreciação.
Como flui do mesmo, entende a requerente que o recurso deve ser admitido por esta Relação, em razão da “ A interpretação do disposto no Art.º 1º, nº 1 do Dec. Lei nº 237/2007 de 19 de Junho, mais especificamente, o âmbito de aplicação do referido diploma legal”, não ser pacífica na jurisprudência, por isso sendo a admissão do recurso “ indispensável à melhoria do Direito e uniformização da jurisprudência, não se mostrando juridicamente viável manter na ordem jurídica a presente situação de incerteza quanto ao âmbito de aplicação de um diploma legal em vigência”.
Justifica a alegada divergência estribando-se nos arestos de tribunais da Relação que cita. Mas depois prossegue com alegações que já não tem a ver com a justificação para o recebimento do recurso, antes estando directamente relacionadas com o objecto do recurso, mais precisamente, com as razões da discordância da recorrente com o decidido. Referimo-nos aos três últimos parágrafos, onde se lê:
- «Assim, concordando-se integralmente com a supramencionada jurisprudência proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, terá que se concluir que o referido DL nº 237/2007 não se aplica a condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, para os quais vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.
No caso em apreço, o veículo propriedade da arguida, em causa nos autos encontrava-se equipado com tacógrafo, sendo o condutor em causa, motorista profissional, pelo que vigora quanto a ele o Regulamento (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, não sendo por isso aplicável o referido DL nº 237/2007 de 19/06.
Pelo exposto, não sendo aplicáveis nos presentes autos as disposições legais previstas no Dec. Lei nº 237/2007 de 19/06, não poderá imputar-se à arguida qualquer contraordenação ao disposto em tal diploma legal, motivo pelo qual terá que proceder o recurso de impugnação e absolver-se a arguida da contra-ordenação que lhe vem imputada».
Como se vê do que resta, as razões esgrimidas para ponderação consistem apenas na invocação de jurisprudência alegadamente divergente quanto à “interpretação do disposto no Art.º 1º, nº 1 do Dec. Lei nº 237/2007 de 19 de Junho, mais especificamente, o âmbito de aplicação do referido diploma legal”.
A requerente afirma que o recurso deve ser admitido por, no seu entender, atenta a “divergência jurisprudencial” que procura evidenciar, a sua apreciação “mostrar-se indispensável à melhoria do Direito e uniformização da jurisprudência”.
Pois bem, como de seguida justificaremos, adianta-se já não existir fundamento para sustentar a aplicação do n.º2, do art.º 49.º da Lei 107/2009.
Conforme é entendimento pacífico e unânime da jurisprudência dos Tribunais das Relações, a aceitação do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito só tem justificação quando da decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando, pois, a corrigir eventuais erros de julgamento [cfr. Ac. Rel. Évora, de 27-05-2008, proc.º 883/08-1, Desembargador Ribeiro Cardoso; Ac. Rel. Coimbra, de 9-12-2010, Proc.º 51/10.7TTTMR.C1, Desembargador Azevedo Mendes; Ac. Rel. Porto de 24-09-2012, proc.º 426/11.4TTBGC.P1, Desembargador Eduardo Petersen Silva; Ac. Rel. Coimbra, de 13-10-2016, roc.º 2368/15.5T8CBR.C1, Desembargadora Paula Paço; (todos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Nesta linha de entendimento, no Acórdão desta Relação, de 5 de Janeiro de 2017 [proferido no Recurso n.º 5426/15.2T8OAZ.P1, Desembargador Nelson Fernandes (aqui 1.º adjunto)], elucida-se o seguinte:
- «não esclarecendo a lei o que deve entender-se por “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”, importa desde já assinalar, por manifesto, e em primeira abordagem, que o objectivo perseguido da melhoria da aplicação do direito não poderá traduzir-se na possibilidade de ser sindicada toda e qualquer decisão de que discorde o arguido ou o Ministério Público. Por outro lado, ainda, estando de facto em causa a melhoria na aplicação do direito, a recurso fica no entanto limitado às situações em que tal se apresente “manifestamente necessário”.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica, Lisboa, 2011, pág. 303), a questão, jurídica da “melhoria da aplicação do direito”, tendencialmente preencherá três requisitos: (i) ser relevante para a decisão da causa, (ii) ser uma questão que necessita de esclarecimento e (iii) ser passível de abstração no sentido de que permita o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a casos similares.
Tratando-se de um recurso de natureza extraordinária, já que apenas tem lugar quando não for admissível a interposição de recurso ordinário, visa essencialmente preservar a correcção do direito e a uniformidade da sua aplicação, sendo que após o RGCOC passou a estar também consagrado primeiro no Código do Processo dos Tribunais Administrativos, através do artigo 150.º, e depois no Código de Processo Civil, mediante o artigo 721.º-A (aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) – actualmente artigo 672.º, n.º 1, al. a), com a ressalva neste último, que não assume aqui relevo, de que se utiliza o advérbio claramente em vez de manifestamente, sendo que, então, ao abrigo dessa norma, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que questão com relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito “é a que seja manifestamente complexa, de difícil resolução, na doutrina e na jurisprudência, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objetivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis” (cf. sumário do acórdão de 19-01-2012, revista excecional n.º 837/09.5TBMAI.P1.S1, disponível em www.stj.pt, sumários de acórdãos de apreciação liminar-revista excecional). Aliás, dentro do citado objectivo se podem enquadrar, afinal, no domínio criminal, os acórdãos de fixação de jurisprudência (artigo 437.º e seguintes do Código de Processo Penal)».
Revertendo ao caso, verifica-se que não resulta do requerimento qualquer argumento que vise sustentar um eventual erro grosseiro, notório ou incomum que torne manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito a admissibilidade do recurso. De outra parte, tão pouco pode dizer-se estar-se perante uma questão “que seja manifestamente complexa, de difícil resolução, na doutrina e na jurisprudência, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objetivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis”, nem a requerente colocou a questão nesses termos.
Por conseguinte, não foi usado qualquer fundamento para justificar a aceitação do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito. Daí que, os fundamentos invocados apenas poderão ser atendidos como visando justificar a admissibilidade do recurso por tal se afigurar manifestamente necessário à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Acontece que o recorrente não tem razão quando vem alegar, diremos, de forma genérica, que a jurisprudência citada diverge quanto à “interpretação do disposto no Art.º 1º, nº 1 do Dec. Lei nº 237/2007 de 19 de Junho, mais especificamente, o âmbito de aplicação do referido diploma legal”.
Com efeito, apenas o acórdão da Relação de Lisboa, citado na sentença, apreciou questão que apresenta alguma similitude com o caso vertente. Dito de outro modo, embora todos os arestos citados se refiram ao DL 237/2007, ao debruçarem-se sobre a sua aplicabilidade tiveram em vista as concretas situações objecto do recurso, sendo que as apreciadas pelos arestos da Relação de Coimbra – que o requerente diz subscrever – não têm a ver com o objecto do recurso que aqui se pretende ver admitido, nem tão pouco com aquele aresto invocado na sentença, relativamente ao qual se aponta um entendimento divergente.
Com o efeito, no acórdão da Relação de Coimbra de 18-06-2015, [processo n.º 610/14.9T8FIG.C1, Desembargador Ramalho Pinto, disponível em www.dgsi.pt], para além de outras questões que aqui não relevam, colocava-se a questão de saber “se a arguida cometeu a infracção pela qual foi condenada pela autoridade administrativa”, em concreto, “pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artºs 4º e 14º, nº 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, 1º, nº 1 e 3º, nº 3, da Portaria nº 983/2007, de 27 de Agosto, e 554º, nº 4, al. e), do Código do Trabalho”, em razão de “No momento da interceção policial, o ajudante de motorista não se fazia acompanhar de livrete individual de controlo”.
Concluiu-se nesse acórdão “que o livrete individual de controlo deve ser utilizado relativamente a trabalhadores não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio rodoviário, vulgo tacógrafos, façam eles parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça actividade de transporte rodoviária (dispensados da utilização do tacógrafo por força do artigo 3º do REG (CE) 561/06 ou pela Portaria 222/08 de 05/03), ou por serem trabalhadores privativos de outras entidades sujeitas ao Cód. do Trabalho”.
E, no respectivo sumário, no que aqui releva, sintetizou-se o percurso seguido conforme segue:
I - O livrete individual de controlo deve ser utilizado relativamente a trabalhadores não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio rodoviário, vulgo tacógrafos, façam eles parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça actividade de transporte rodoviário (dispensados da utilização do tacógrafo por força do artº 3º do REG (CE) 561/06 ou pela Portaria 222/08, de 05/03), ou por serem trabalhadores privativos de outras entidades sujeitas ao C. Trabalho.
II - Para os condutores sujeitos à utilização do tacógrafo vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006 e também o Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho de 20/12/85, que estabelecem regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.
III - A lei define ‘trabalhador móvel’ (al. d) do artº 2º do DL 237/07) como aquele que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.
IV - (..)».
Por seu turno, no acórdão de 11-03-2010, da mesma Relação de Acórdão [proc.º 608/09.9TTVIS.C1, Desembargador Felizardo Paiva, disponível em www.dgsi.pt], estavam em causa infrações contra-ordenacionais imputadas à ali recorrente em razão do motorista não se fazer acompanhar de mapa de horário de trabalho ou de isenção do mesmo, bem assim por não dispor (falta) de livrete individual de controlo, vindo a concluir-se, no essencial, o seguinte:
- « (..)
No caso, embora a recorrente tivesse deixado de estar sujeita à utilização do aparelho do tacógrafo por força da alínea o) do nº 2 da Portaria nº 222/08 – publicada e com entrada em vigor em data posterior à entrada em vigor do Dec. Lei 237/07 e da Portaria 983/07 – não ficou isenta de observar o disposto nestes dois últimos diplomas sobre o registo dos tempos de trabalho; e isto, precisamente, por se encontrar isenta do uso daquele aparelho.
Não pode é a recorrente concluir que por ter ficado isenta do uso do referido aparelho, também ficou isenta de utilizar o livrete individual de controlo.
Nada na lei permite esse raciocínio, sendo manifesto que os regimes que resultam da aplicação dos diplomas em referência não são incompatíveis.
Por outro lado, embora a recorrente não seja uma empresa de transportes não deixa de estar sujeita ao regime da Portaria 983/07 que, no seu artigo 1º nº 1, alarga o seu campo de aplicação a “outras entidades sujeitas às disposições do Cód. do Trabalho”, o que manifestamente é o caso da recorrente, enquadrando-se a profissão de motorista na definição de trabalhador móvel constante da alínea d) do artigo 3º da Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Março de 2002 e a actividade da recorrente nas “actividades de transporte rodoviário abrangidas pelo REG (CEE) nº 3820/85” – artigo 2º nº 1 da citada Directiva – não colhendo o argumento que a recorrente pretende retirar do lapso (e é manifesto de que de um lapso se trata) constante do artigo 1º nº 2 da Portaria nº 983/07 ao remeter para a forma de registo a que se refere o nº 1 do artigo 5º do Dec. Lei 237/07.
É patente que a remissão é feita para o nº 1 do artigo 4º do aludido Dec. Lei o qual tem por epígrafe “registo” e que só um lapso justifica a alusão ao artigo 5º, o qual que nem sequer tem números, sendo apenas constituído pelo seu corpo com a epígrafe “tempo de disponibilidade”.
Por tudo isto, com devido respeito por opinião diferente, conclui-se pela aplicação ao caso do regime decorrente do Dec. Lei 237/07 de 19/06 e da Portaria 983/07 de 27/08, tal como havia concluído a decisão sob censura.
A partir do momento em que a recorrente ficou dispensada da utilização do tacógrafo (podendo continuar, se assim o entendesse, a utilizar tal aparelho, porquanto a Portaria 222/08 não proibiu mas apenas dispensou o seu uso), passou a estar sujeita ao regime aplicável às actividades de transporte rodoviário não sujeitas ao aparelho de controlo, ou seja, ao regime que decorre do Dec. Lei 237/07 de 19/06 e da Portaria 983/07 de 27/08.
(..) ».
Por último e, em contraponto, no Acórdão de 17-06-2009, da Relação de Lisboa, [proc.º n.º 656/08.6TTSNT.L1-4, Desembargador Ferreira Marques, disponível em www.dgsi.pt], como nele se aponta, estava em causa “saber se os tempos máximos de condução dos condutores de veículos de transporte rodoviários, de mercadorias e de passageiros, foram ou não alargados para 6 horas consecutivas pelo DL 237/2007, de 19/06”. A fundamentação consta sintetizada no sumário que segue:
- «1. O DL 237/07, de 19/07, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE do Parlamento e do Conselho, de 11 de Março e nele se regulam e desenvolvem determinados aspectos da duração e organização do tempo de trabalho dos trabalhadores que participam em actividades de transporte rodoviário prestadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento e do Conselho, de 15 de Março de 2006.
2. Consideram-se “trabalhadores móveis” os condutores e os demais trabalhadores viajantes que participam nas actividades de transporte rodoviário abrangidas pelo referido regulamento.
3. Os intervalos de descanso dos “trabalhadores móveis” estão estabelecidos no art. 8º, n.ºs 1, 2 e 3 do DL 237/2007, de 19/06, não podendo estes prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo.
4. As interrupções e as pausas de condução estão estabelecidas no art. 7º do Regulamento (CE) n.º 561/2001 do Parlamento e do Conselho, de 15 de Março de 2006, não podendo os condutores prestar mais de quatro horas e meia de condução consecutivas.
5. O disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 8º do DL 237/07, de 19/7, não prejudica a aplicação aos condutores do regime de interrupções de condução previsto no art. 7º do Regulamento».
Ora, no caso vertente a imputação da contra-ordenação resultou da verificação dos factos seguintes:
1. No dia 06/06/2017, pelas 14h40, na A1, Área de Serviço C…, sentido Norte- Sul, …, a arguida mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direcção e no exercício das suas funções, o motorista D…, conduzindo o veículo pesado tractor de mercadorias, serviço de aluguer, de matrícula .. - .. - RE, propriedade da arguida.
2. No dia 18/05/2017, o referido motorista, entre as 13h00 e as 19h45, trabalhou um total de 06h45m consecutivas, incluindo condução e outros trabalhos.
Em suma, estava em causa a condução do veículo por período contínuo para além das seis horas. E, concluiu o tribunal a quo o seguinte:
- «Ou seja, os trabalhadores móveis que sejam condutores de veículos sujeitos a tacógrafo, para além de estarem sujeitos às regras e limites respeitantes ao tempo de trabalho em geral, constantes do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, têm também que observar as normas relativas às pausas, interrupções e limites no tempo de condução, consagradas no Regulamento (CE) n.º 561/2006 – a que os demais trabalhadores móveis (não condutores) não estão sujeitos.
De resto, é expressamente ressalvado no n.º 4 do art. 8º do DL n.º 237/2007, que o regime de intervalos de descanso no período de trabalho diário dos trabalhadores móveis, consagrado nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, “(…) não prejudica a aplicação aos condutores do regime de interrupções de condução previsto no art. 7º do regulamento ou do AETR.”.
Isto posto e passando à apreciação do aspecto substantivo das infracções, dispõe o art.8º n.º 2 do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, regendo sobre os intervalos de descanso, que “Os trabalhadores móveis não podem prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo.”.
Por conseguinte, o pressuposto em que a recorrente assenta para pretender ver admitido o recurso não se verifica, visto não poder de todo dizer-se que a jurisprudência citada diverge quanto à “interpretação do disposto no Art.º 1º, nº 1 do Dec. Lei nº 237/2007 de 19 de Junho, mais especificamente, o âmbito de aplicação do referido diploma legal”.
Como se disse, cada um dos arestos debruça-se sobre diferente questão, sendo nessa indagação que se pronuncia sobre a aplicação, ou não, de determinadas normas daquele diploma.
Assim sendo, nem sequer se coloca a questão de saber se uma divergência de entendimentos expressos em diferentes arestos da segunda instância e com a amplitude alegada pela requerente, seria o suficiente para justificar a admissibilidade do recurso por tal se afigurar manifestamente necessário à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Com efeito, para que a questão se colocasse era necessário que a alegada contradição, pressuposto que sustenta o fundamento invocado, se verificasse efectivamente e nos termos alegados, mas como vimos, não é esse o caso, nem sequer podendo afirmar-se que existem diferentes entendimentos sobre a mesma questão e, muito menos, sobre aquela que é objecto do presente processo.
Conclui-se, pois, que na verdade, a arguida pretende é sujeitar à apreciação deste Tribunal ad quem o eventual erro de julgamento do Tribunal a quo na aplicação do direito.
Acontece, porém, que a sua discordância com o decidido não é o suficiente para justificar a admissibilidade do recurso a título extraordinário.
Conclui-se, pois, pela inadmissibilidade do recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em rejeitar o recurso interposto pela arguida “B…, S.A.”.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC [artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8º, nº 4 e 5 e Tabela III do RCP].
Porto, 21 de Fevereiro de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes