Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3338/17.4T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: REQUERIMENTO PROBATÓRIO
ALTERAÇÃO
ÂMBITO
RESTRIÇÕES
Nº do Documento: RP201911073338/17.4T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite a alteração do requerimento probatório na audiência prévia, em termos tais que não impedem a apresentação de meios de prova diversos dos apresentados inicialmente.
II - A alteração do requerimento probatória prevista no n.º 1 do artigo 598.º do Código de Processo Civil, não conhece restrições, apenas se exigindo que a parte tenha apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se falar em alteração.
III - Na alteração prevista naquele preceito inclui-se a hipótese de a parte requerer meios de prova não indicados inicialmente, pelo que constitui lícita alteração de requerimento probatório a circunstância de vir arrolar testemunhas ou requerer perícia, quando, com a petição inicial ou com a contestação, apenas havia apresentado documentos para prova dos fundamentos da acção ou defesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2019:3338/17.4T8AVR-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
“B…, Ld.ª” e C…, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum contra D….
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Com a petição inicial, os AA. juntaram cinco documentos e não arrolaram, qualquer testemunha.
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Contestada a acção, foi proferido despacho saneador que, na parte que interessa, admitiu a junção de documentos feita pelos autores e o rol de testemunhas apresentado pelo réu e ainda concedeu o prazo de 10 dias para as partes, querendo, reclamarem do objecto do processo e/ou temas de prova e para, querendo, adequarem os respectivos meios de prova.
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Nesta sequência, em 10.05.2019, os Autores requereram prova testemunhal, demandando a audição de uma testemunha e ofereceram 14 documentos.
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Por despacho, proferido em 18.06.2019, o tribunal admitiu, designadamente, a inquirição da testemunha arrolada.
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Não se conformando com a decisão proferida no referido segmento recorreu o réu D…, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I.O douto despacho sob censura deve ser revogado por violar lei adjectiva e substantiva;

II. Em 25/09/2017, o Recorrido instaurou a acção apresentando a competente Petição Inicial mas não arrolou no formulário da plataforma informática citius, referência nº. 26811203, nem na sua peça processual anexa, qualquer testemunha;

III. Em 10/05/2019, através do requerimento referência citius nº. 32387438, o Apelado requereu “ex novo” prova testemunhal, demandando a audição de uma testemunha e juntou 14 documentos;

IV. Por douto despacho referência citius 405277090, expedido em 18/06/2019, o tribunal decidiu “Fls. 148: admito a inquirição da testemunha arrolada a fls. 148… Fls. 167: a testemunha foi indicada na sequência de despacho de adequação do processado prolatado a fls. 132. Assim é admissível a respectiva indicação.”;

V. Salvo o devido e merecido respeito por opinião em contrário, os Apelantes entendem que o tribunal a quo, nesta parte, decidiu mal, pois, socorrendo-nos da doutrina de Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro in Primeiras Notas ao Código Civil de Processo Civil, os artigos da reforma, 2013, Volume I, Editora Almedina, páginas 434 e 435, à qual se adere e transcreve: “2.1. Ónus de apresentar a prova com a alegação do facto a provar. Se no n.º 2 do art.º. 467. do CPC-95/96 a apresentação do requerimento probatório com a petição inicial era uma faculdade - “o autor pode” -, com o novo código passa a ser um dever -“o autor deve” - ou, melhor, um ónus, ressalvando-se, compreensivelmente, como já dispunha o RPCE, a possibilidade de ajustamento do rol à faculdade ulteriormente usada pelo réu. (…) A imposição de apresentação de um requerimento probatório com o articulado e as restrições à sua alteração reforçam a ideia de estarmos perante um verdadeiro ónus de apresentação integral do requerimento probatório em simultâneo com a alegação do facto a provar. (…) A alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento, que então se altera.”;

VI. Aliás, estes autores citam e nós também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 519/2000, onde se decidiu “Não julgar inconstitucional, face ao disposto no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, a norma constante do art.º. 512-A, do Código do Processo Civil, na interpretação segundo a qual não é possível apresentar novas testemunhas na data aí prevista, quando não exista qualquer rol prévio”;

VII. É também o que se preconiza no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 09/07/2015, Proc. n.º 2449/13.0TBABF, disponível in www.dgsi.pt: “No nCPC, o rol de testemunhas deverá ser indicado na petição, sendo que após esse momento apenas poderá ser alterado e nunca entregue ex novo, nos termos do seu art.º 552º, nº 2.”;

VIII. E este ónus da parte não pode ser corrigido pela adequação processual que o julgador entenda promover, ao abrigo do disposto no artºs 6.º, 590.º e 591.º, n.º 1, alínea e) todos do CPC;

IX. Isto porque, como referem os aludidos Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa, in obra supra citada, página 436: “Preclusão da oportunidade de requerer a prova. (…) Estamos perante um ónus da parte cuja inobservância é insusceptível de gerar um convite do tribunal ao aperfeiçoamento do articulado (para apresentação serôdia do requerimento probatório), sob pena de violação de dever de imparcialidade.”;

X. Pelo exposto, como o Autor não apresentou o seu requerimento de prova testemunhal com a Petição Inicial, apesar da adequação formal promovida pelo julgador, e ao abrigo do disposto no art.º. 552.º, n.º 2 do CPC, estava-lhe vedado indicar ex novo testemunhas.

XI. Assim, apodíctico é que a douta sentença recorrida, violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 6.º; 552.º; 12.º; 590.º e 591.º, n.º 1, alínea e); 598.º todos do CPC; art.ºs 341.º do Código Civil e ainda os princípios do acesso ao direito, igualdade e da tutela da confiança plasmados nos art.ºs 2.º; 13.º; 18.º, n.º 2; 19.º, n.º 4; 20.º, n.ºs 1, 4 e 5; 30.º, n.º 5 e 266.º, n.º 2 todos da Constituição da República e artº. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
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Foram apresentadas contra - alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pelo recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a única questão a decidir neste recurso consiste em saber se é admissível o rol de testemunhas apresentado pelos autores nos termos do requerimento acima referido.
3. Conhecendo do mérito do recurso
3.1 - Factos assentes:
Com relevância para a decisão da causa e consequente conhecimento do recurso, mostram-se assentes os seguintes factos:
- Em 25.09.2017, os recorridos instauraram a acção apresentando a competente Petição Inicial mas não arrolaram qualquer testemunha.
- Entretanto, em 06.11.2017, o Recorrente deduziu contestação e apresentou o seu requerimento probatório, onde além do mais indicou prova testemunhal.
- Em 26.04.2019, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador que, na parte que interessa admitiu a junção de documentos feita pelos autores e “…o rol de testemunhas apresentado pelo réu a fls.” e ainda “… Na sequencia de despacho de adequação do processo de fls. 124 a 126, concedo o prazo de 10 dias para as partes, querendo, reclamarem do objecto do processo e/ou temas de prova e para, querendo, adequarem os respectivos meios de prova.”.
- Nesta sequência, em 10.05.2019, os Apelados requereram prova testemunhal, demandando a audição de uma testemunha e ofereceram 14 documentos.
- Por despacho expedido em 18.06.2019, o Tribunal a quo decidiu:
Fls. 148: admito a inquirição da testemunha arrolada a fls. 148…
Fls. 167: a testemunha foi indicada na sequência de despacho de adequação do processado prolatado a fls. 132. Assim é admissível a respectiva indicação.”.
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3.2 - Fundamentos de Direito
A questão a resolver no âmbito do presente recurso prende-se em saber se a decisão recorrida no sentido admitir a audição da nova testemunha arrolada pelos autores, está conforme com a lei processual.

Vejamos:
A actividade processual consistente nos procedimentos de proposição, admissão, produção e assunção da prova integra a chamada fase instrutória, cuja função se destina a carrear para os autos os meios de prova, a facultar o exercício do contraditório sobre a sua admissibilidade e força probatória, bem como a actuar no processo os meios probatórios assim admitidos.
Ao tribunal não é imposta, nomeadamente, a obrigação de deferir as diligências de prova que não foram requeridas em devido tempo pelas partes, não obstante o juiz tenha a possibilidade de determinar a realização das diligências probatórias que considere necessárias para o apuramento dos factos relevantes para a decisão da causa, designadamente a requisição de documentos ou a inquirição de testemunhas, o que se insere nos seus poderes de investigação oficiosa, não deixando de constituir um poder-dever, que deve ser exercido quando, no decurso do processo o juiz se aperceba que há determinadas pessoas que têm conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa ou de documentos relevantes para o apuramento da verdade dos factos.
É certo que se deve privilegiar o andamento célere do processo, e arredar, por questões de economia processual, as diligências e actos inúteis.
Mas tais princípios nunca poderão colidir com o princípio supremo e último da busca e descoberta da verdade material e da justa composição do litígio - cf. artigos 6.º e 411.º, do Código de Processo Civil.
Aliás, foi com essa finalidade que se procedeu às recentes alterações legislativas em matéria de produção de prova testemunhal, tornando menos restritivos certos princípios que enformam a apresentação e produção dessas provas, nomeadamente, o direito à substituição ou modificabilidade da prova testemunhal, nos termos inseridos nos artigos 508.º e 520.º, do Código de Processo Civil.
De acordo com este entendimento, a recusa injustificada de realização de diligências que se revelem importantes para a justa composição do litígio é passível de ser sindicada em via de recurso, tal como podem ser impugnadas as decisões que não se enquadrem nos limites dos artigos 6.º e 411.º do Código de Processo Civil.
No caso vertente, o recorrente veio interpor recurso do despacho proferido em 18 de Junho de 2019, o qual admitiu a apresentação de uma nova testemunha pelos recorridos, não se conformando com o mesmo.
Importa referir que o oferecimento da testemunha em causa resultou do convite feito por despacho saneador, para que as partes, querendo, pudessem adequar os seus meios de prova.
Efectivamente o Código de Processo Civil de 2013, quebrando a tradição do nosso processo civil, impõe às partes o ónus de apresentarem os seus requerimentos probatórios no respectivo articulado, como resulta do artigo 522º, nº 2 e do artigo 572º, alínea d) ambos do Código de Processo Civil.
Não obstante, o artigo 598º do Código de Processo Civil, primando a descoberta da verdade material, admite a alteração do requerimento probatório, no seu nº 1, mas ainda vai mais longe permitindo nos nºs 2 e 3 a possibilidade do rol ser aditado.
A par de que com o Código de Processo Civil de 2013 veio a ser consagrado o princípio da adequação formal no artigo 547º do mesmo diploma, ou seja, o poder/dever que a lei confere ao Juiz para ser exercido com vista à justa composição do litígio (artigo 6º nº 1 in fine).
Ora, decorre do disposto nos nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil que:
“- O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º.
- O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.”.
Da sua simples leitura se depreende que o Código de Processo Civil não estabelece qualquer limite à alteração ou aditamento do requerimento de prova nas referidas condições, pelo que, mesmo que se proceda à alteração e aí sim para ser alterado será necessário ter sido apresentado rol probatório nos termos do artigo 522º, o mesmo pode ser completamente alterado, de tal forma que o requerimento probatório definitivo pode ser em tudo distinto do inicialmente apresentado, assim facultando a apresentação de diferente meio de prova, salvaguardado o contraditório.
Segundo Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 704, «o requisito mínimo é que tenha sido anteriormente apresentado algum requerimento probatório, podendo a alteração traduzir-se, se necessário, na indicação de outros meios de prova que tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova que não tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova já enunciados».
Segundo Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, págs. 141-142, está em causa a alteração de requerimento probatório que foi apresentado no momento devido, ou seja, com o respectivo articulado. Se a parte não apresentou requerimento algum com os articulados, não o pode fazer depois, ao abrigo do artigo 598.º, n.º 1, por preclusão da faculdade processual, porquanto não se altera ou adita o que não existe.
Coisa diferente é a parte ter apresentado certo requerimento probatório junto com os articulados e vir mais tarde requerer meio de prova diverso. Ora, visto que o artigo 598.º, n.º 1 se refere a este acto processual, sem mais distinções, forçoso é concluir que os concretos meios de prova nele indicados podem ser alterados.
Ainda segundo o mesmo Autor, a alteração do requerimento probatório tanto pode corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas, como a um aditamento de provas novas relativamente às já requeridas - cf. no mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 23.03.2017, proferido no processo n.º 425/16.0YIPRT-A.L1, in www.dgsi.pt..
Segundo Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 296 e nota 679, a alteração prevista no n.º 1 do artigo 598.º do Código de Processo Civil, «não parece conhecer restrições, apenas se exigindo que a parte tenha apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se falar em alteração.
(...)
Na alteração prevista no n.º 1 do art.º. 598.º inclui-se, naturalmente, a hipótese de requerer meios de prova não indicados inicialmente. E também constitui alteração de requerimento probatório (permitida pois) a circunstância de a parte vir agora arrolar testemunhas ou requerer perícia, quando (apenas) juntou à petição inicial ou à contestação documentos para prova dos fundamentos da ação ou defesa».
Segundo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2013, pág. 519, «a alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento, que então se altera. Essa modificação pode, todavia, ser da mais diversa ordem, desde a ampliação do rol de testemunhas - dentro dos limites fixados por lei -, até à apresentação de diferentes meios de prova, passando pelo requerimento de notificação das testemunhas já arroladas. A título de exemplo, a mera apresentação de um documento com a petição inicial - para efeitos probatórios (...) - compreende um requerimento implícito de admissão como meio de prova, tanto bastando para que o autor fique habilitado a alterar este requerimento na audiência prévia, apresentando, por exemplo, um rol de testemunhas».
Era, por isso, perfeitamente lícito aos autores, ora apelados, apresentar o rol de testemunhas no termos em que o fizeram.
Esta interpretação parece-nos a única compatível com o texto do artigo 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao não estabelecer qualquer restrição ao modo de alteração do requerimento probatório, assim permitindo a apresentação de diferente meio de prova, como as exigências de contraditório impõem que as partes organizem a sua prova em pleno conhecimento dos articulados da parte contrária e do enunciado dos temas de prova.
Logo, apesar dos apelados apenas terem apresentado prova documental com a sua petição inicial, não estavam impedidos de, face à contestação apresentada e ao modo como os temas de prova foram enunciados, apresentar outros meios de prova no momento processual previsto no artigo 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, como a confissão, a perícia, a inspecção judicial ou, como foi o caso, a testemunhal.
Além disso, o direito à prova é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) pelo que na dúvida deve fazer-se uma interpretação conforme a Constituição e acolher um sentido interpretativo menos restritivo dos direitos dos sujeitos processuais e em favor do “princípio pro actione” e, portanto, da admissibilidade da alteração do requerimento probatório.
Ponderando que esta é a linha jurisprudencial que reputamos mais conforme aos princípios processuais civis supra mencionados, o recurso merece ser desatendido - cf. neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 15.09.2016 e de 23.03.2017, proferidos, respectivamente, nos processos 1130-14.7TVLSB-A.L1-8 e 425-16.0YIPRT-A.L1-6, ambos publicados em www.dgsi.pt..
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante.
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Notifique.
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Porto, 07 de Novembro de 2019.
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva (Relator; Rto 279)
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas)