Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
167/11.2TYVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
RETRIBUIÇÃO
GERENTE
COMPETÊNCIA MATERIAL
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Nº do Documento: RP20170313167/11.2TYVNG-B.P1
Data do Acordão: 03/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 646, FLS.103-107)
Área Temática: .
Sumário: A pretensão formulada por gerente, ainda que sócio, dirigida contra a sociedade de que é gerente, no sentido desta ser condenada a pagar-lhe a retribuição da remuneração devida pelo exercício da gerência, por não constituir o exercício de um direito social, não cabe na competência do Tribunal de Comércio, atualmente Juízo de Comércio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 167/11.2TYVNG-B.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 167/11.2TYVNG-B.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
A pretensão formulada por gerente, ainda que sócio, dirigida contra a sociedade de que é gerente, no sentido desta ser condenada a pagar-lhe a retribuição da remuneração devida pelo exercício da gerência, por não constituir o exercício de um direito social, não cabe na competência do Tribunal de Comércio, atualmente Juízo de Comércio.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 18 de fevereiro de 2011, no então Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, B… instaurou ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra C…, Lda., D… e E… pedindo que se decrete a anulação da deliberação tomada na assembleia geral da primeira ré, de 22 de Janeiro de 2011, condenando-se esta a pagar ao autor a retribuição de gerência no montante de €3.000,00, a partir do momento que lhe foi retirada (Janeiro de 2011) e ainda, a condenação dos restantes réus, solidariamente, a pagarem ao autor a quantia de €50.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Em síntese, para sustentar as suas pretensões o autor alega:
- o autor, tal como os réus pessoas singulares eram sócios e gerentes da sociedade ré, auferindo por força dessa qualidade a quantia de três mil euros mensais;
- enquanto gerente, o autor tinha como funções o controlo da faturação da ré sociedade, com a elaboração das respetivas faturas a seu cargo, coordenando com um engenheiro informático a implementação do sistema informático de faturação, gerindo a faturação perante o técnico oficial de contas, assinando cheques e dando ordens de pagamento aos bancos;
- em 22 de Janeiro de 2011, depois de convocatória adrede efetuada, realizou-se assembleia geral da sociedade ré a que compareceram a sócia D…, em nome próprio e em representação do sócio E… e o autor;
- nessa assembleia geral, com os votos favoráveis da sócia D… e do seu representado, E… e com o voto contra do autor, deliberou-se:
a) a manutenção das remunerações relativas ao cargo de gerência desempenhado pelos sócios E… e D…, confirmando os valores brutos de três mil euros, para cada um deles;
b) que a gerência do sócio B… era meramente formal, não justificando a atribuição a este de qualquer regalia financeira, pelo que a sociedade não deve pagar o que quer que seja a título de remuneração ao sócio E…;
c) o sócio B… deve restituir à sociedade os valores recebidos desde a sua reforma em Março de 2010, exclusive até ao presente, lançando-se a débito na sua conta de sócio os valores indevidamente recebidos;
- a deliberação tomada em 22 de Janeiro de 2011 é uma forma de pressionar o autor a abandonar a sociedade, fragilizando-o do ponto de vista financeiro, vendo os seus rendimentos mensais reduzidos à pensão de reforma no montante de €2.472,68;
- o autor nasceu em 03 de março de 1945 e o seu agregado familiar e composto por si e pela sua mulher;
Os réus contestaram suscitando a incompetência em razão da matéria do Tribunal de Comércio quanto aos pedidos de condenação da ré sociedade ao pagamento ao autor da retribuição de gerência no montante de €3.000,00, a partir do momento que lhe foi retirada (Janeiro de 2011) e ainda, a condenação dos restantes réus, solidariamente, a pagarem ao autor a quantia de €50.000,00, a título de danos não patrimoniais.
O autor replicou pugnando pela competência material do Tribunal de Comércio.
Em 17 de setembro de 2013, o Sr. Juiz a quo entregou no respetivo juízo do Tribunal de Comércio os autos de que estes foram extraídos, proferindo a seguinte decisão, no que respeita a invocada incompetência em razão da matéria:
Compulsados os pregressos articulados,cumpre,desde logo, conhecer do que nos mesmos consta que contende com a arguida inadmissibilidade legal da cumulação de pedidos, sendo certo que quanto a este circunscrito particular adjectivo,dir-se-á que,”data vénia”,não assiste razão aos RF.E.
Na verdade –e com estribo na “causa petendi” atinente à causa (vd o contrato de sociedade que consagrou juridicamente a 1º Ré) – são formulados os pedidos tendentes à fixação de um “quantum” indemnizatório a título contratual e aquiliana, pedidos estes que se enquadram na previsão do art. 121º da Lei 52/2008 8vd. O seu nº1 c) e d)-exercício de direitos sociais),” petitum este para o qual este Tribunal é materialmente e territorialmente competente “ex vi” da vigente LOTJ.
Em 08 de outubro de 2013, inconformado com a decisão antes transcrita, C…, Lda., D… e E… interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
I – O A. veio propor a presente acção contra a Ré, sociedade, “C…, LDª, e, em simultâneo, contra os Co-RR., D. D… de Comércio e E…, peticionando, neste único processo, e neste Tribunal de Comércio de V.N.Gaia:
a) “… a anulação da deliberação proferida na assembleia geral da 1ª Ré, de 22/1/11, condenando-se esta a pagar ao A. a retribuição de gerência no montante de €3.000,00 a partir do momento em que lhe foi retirada (Janeiro de 2011);
b) e ainda, os 2ª e 3º RR condenados a pagar, solidariamente, ao A. a quantia de €50 000,00, a título de danos não patrimoniais.”
II – A cumulação de tais pedidos é impossível (e legalmente inadmissível).
III – Sendo inequivocamente incompetente, desde logo, em razão da matéria, o Tribunal de Comércio de V.N.Gaia para apreciar, quer o pedido quanto à Ré, sociedade (de condenação no pagamento ao A. da “retribuição” de gerência no montante de 3.000,00, a partir do momento em que lhe foi retirada – Janeiro de 2011 -) quer inequivocamente, o pedido de indemnização formulado contra os aqui 2ª e 3º RR.
IV – O Tribunal de Comércio é um Tribunal de competência especializada, sendo competente apenas para julgar as causas estipuladas na Lei.
V – Inequivocamente, os aludidos pedidos formulados, aqui, pela A., extrapolam a previsão legal.
VI – Com efeito, dos pedidos formulados pela A., na competência deste Tribunal de Comércio de V.N.Gaia, cabe apenas um pedido – a anulação de uma deliberação social.
VII – Quanto aos restantes pedidos, de condenação da sociedade ao pagamento de uma determinada importância, e em particular o da condenação dos 2ºs RR., no pagamento de uma indemnização de natureza extra-contratual por danos não patrimoniais, eles não cabem na competência deste tribunal, só podendo ser formulados no tribunal comum….
VIII – Aliás, aparentemente, este pedido indemnizatório contra a 2ª e 3º RR tem como fundamento uma responsabilidade excontratual (embora, salvo o devido respeito, tal pedido não tenha fundamento factico legal suficiente…).
IX – Em todo o caso, também não seria o Tribunal de V.N.Gaia o competente em função do território, mas sim o de Matosinhos.
X – Ou seja, para o pedido formulado pelo A. contra os 2ª e 3º RR., o Tribunal de Comércio de V.N.Gaia não é competente não só em razão de matéria, como também em razão de território.
XI – Sendo que a violação de tais regras de competência do Tribunal, pelo menos quanto à violação das regras em razão de matéria, são do conhecimento oficioso, v.g. art.s 101 e 102 e segts do anterior CPC (actuais artigos 96 e 99 do novo CPC)
Com efeito,
XII – Do artigo 121 da Nova LOFTJ, alínea a) é claro que o Tribunal de Comércio de V.N.Gaia é incompetente para o julgamento dos pedido indemnizatórios formulados pelo A. contra a 1ª Ré e, por maioria de razão, contra os 2º e 3º RR.
XIII – Não se trata, no caso, do exercício de quaisquer direitos sociais, ao contrário do pretendido pelo A., mas sim de um pedido de responsabilidade civil, como cristalinamente se alcança.
XIV – Por outro lado, o artigo 87 do anterior CPC (actual artigo 82), não tem qualquer aplicação ao caso.
XV – No caso dos autos trata-se de uma incompetência absoluta, porque violadora das regras da competência em razão da matéria.
XVI – O pedido de condenação numa quantia remuneratória a titulo de “gerência” é um pedido patrimonial, alegadamente de natureza contratual
XVII – A “gerência” quer se consubstancie nume relação laboral, quer se considere reconduzir-se a figura de prestação de serviços, vulgo mandato, representa sempre uma relação de natureza contratual (em boa verdade como a seu tempo de poderá demonstrar o A. não recebia qualquer remuneração a titulo de gerência, mas isso são outros tipos de razões …)
XVIII – Em todo o caso, o pedido de “retribuições” pelo exercício de funções, no âmbito do mandato, não consubstancia, seja qual for a perspectiva por que se observe o exercício de um direito social
XIX – Igualmente e por maioria de razão, o pedido patrimonial formulado pelo A., este apenas contra os 2º e 3º RR..
XX – Aqui o A. formula contra os 2º e 3º RR. (alegando serem os sócios que votaram uma deliberação) um pedido indemnizatório por danos não patrimoniais (supostamente sustentado em factos ilícitos?)
XXI – É claro que tal pedido jamais poderá consubstanciar o exercício de direitos sociais.
XXII – Não sendo despiciendo referir que não é a sua qualidade de sócio da 1ª Ré que o A. invoca para tal pedido, mas a qualidade de “gerente” (?!)
XXIII – Sendo claro que aos gerentes não lhes assistem quaisquer direitos sociais
XXIV – É pois inequivoco que o Tribunal Comercio de V.N.gaia não é competente para julgar todos os pedidos formulados pelo A..
XXV – Violou assim por erro de interpretação a decisão recorrida os artigos 67, 77, 82 (artº 87 do anterior CPC), 96 e 99 (artºs 101 e 102 do anterior CPC), todos do novo CPC, artigo 89º da Lei 3/99 de 13.01 e artigo 121 da Lei 52/2008 de 28.08.
O autor contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Solicitou-se e obteve-se certidão dos documentos oferecidos com a petição inicial.
Sendo as questões decidendas apenas de direito, havendo sobre as mesmas alguma produção jurisprudencial, com o acordo dos restantes membros do coletivo, decidiu-se dispensar os vistos e ordenar a imediata inscrição dos autos em tabela.
Cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
Da competência material e territorial do tribunal recorrido.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de factos relevantes e pertinentes para o conhecimento das questões decidendas constam do relatório desta decisão e resultam dos autos, nesta parte com força probatória plena.
4. Fundamentos de direito
Da competência material e territorial do tribunal recorrido
No presente recurso apenas se questiona a competência material e territorial do tribunal recorrido para a apreciação das pretensões do autor de condenação da ré sociedade e dos réus pessoas singulares ao pagamento de importâncias pecuniárias, estando fora do objeto do recurso a questão da competência material para a pretendida anulação da deliberação social tomada em 22 de janeiro de 2011[2].
À semelhança da generalidade dos pressupostos processuais (veja-se assim expressamente, a título supletivo, relativamente à legitimidade o artigo 30º, nº 3, do atual Código de Processo Civil), a competência do tribunal afere-se pelos “termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão”[3].
Na jurisprudência, atentos a esta obra seminal e secundando-a, vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, entre muitos outros que se poderiam citar: acórdão de 12 de Setembro de 2013, proferido no processo nº 204/11.0TTVRL.P1.S1; acórdão de 03 de Novembro de 2011, proferido no processo nº 13559/09.8T2SNT-A.L1.S1 e acórdão de 22 de Outubro de 2015, proferido no processo nº 678/11.0TBABT.E1.S1, todos acessíveis no site da DGSI[4].
A presente ação foi instaurada em 18 de fevereiro de 2011, pelo que, em primeira linha, para dilucidação das questões objeto do recurso há que atentar nas normas da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e do Código de Processo Civil que então vigoravam.
De facto, como se previa no nº 1, do artigo 22º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de janeiro[5], “[a] competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.
São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa” (nº 2, do artigo 22º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro[6]).
O artigo 89º, nº 1, alínea c), da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro[7] dispunha que competia aos tribunais de comércio preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais.
Por força do mapa anexo ao decreto-lei nº 186-A/1999, de 31 de maio, a área de competência do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia abarcava as então comarcas de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia.
Por assim ser, a competência territorial do tribunal recorrido, face aos elementos de conexão convocados pelos recorrentes para sustentar a incompetência territorial do tribunal recorrido, será de afirmar na medida em que se verificar a competência em razão da matéria e será consumida pela incompetência em razão da matéria, na medida em que esta patologia se venha eventualmente a constatar.
As pretensões cuja competência material e territorial é controvertida neste recurso são a da condenação da ré sociedade de pagamento da retribuição do gerente autor e a condenação dos réus pessoas singulares ao pagamento de uma compensação por danos não patrimoniais com fundamento no previsto no nº 3, do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais.
As duas pretensões têm fundamento normativo no disposto no Código das Sociedades Comerciais: no primeiro caso, o artigo 255º do citado diploma e, no segundo caso, o citado nº 3, do artigo 58º do mesmo diploma legal.
A questão que verdadeiramente importa resolver é a de saber se o exercício das aludidas pretensões se reconduz ao exercício de direitos sociais.
Alguma doutrina comercialística[8], qualifica como direitos sociais os direitos dos sócios perante a sociedade, ou seja os direitos que resultam da posição que os sócios ocupam na sociedade, direitos que podem caber a todos os sócios, designado então como direito sociais gerais, ou que conferem uma situação especial de vantagem, caso em que se denominam direitos sociais especiais.
A jurisprudência tem vindo a debruçar-se sobre a determinação do âmbito objetivo e subjetivo deste conceito normativo e em termos nem sempre coincidentes.
Assim, maioritariamente, a jurisprudência tem vindo a enquadrar neste conceito normativo os direitos dos sócios que lhe são conferidos por essa qualidade[9], incluindo outros também nele a própria sociedade, quando esse exercício corresponda ao exercício de um direito social conferido aos sócios[10], enquanto outros sustentam que nessa categoria de direitos cabem não só os sócios, mas também a sociedade e terceiros, bastando para que se preencha a previsão que esteja em causa um direito conferido pelas normas que regulam a relação societária[11].
Que dizer?
Pela nossa parte, temos como certo que no conceito normativo em análise se incluem as ações em que um sócio visa exercer um direito que esse estatuto lhe confere. Esse parece ser o conteúdo mínimo e, pacífico, ao que cremos, dessa expressão.
Também nos parece de aceitar a extensão do termo em análise aos casos em que a sociedade exerce um direito que também é conferido aos sócios enquanto tais, embora em benefício da sociedade, isto por identidade de razão.
Porém, as situações em que terceiros exercem direitos fundados na legislação societária, como seja o caso do gerente que demanda a sociedade que geria pretendendo indemnização por destituição sem justa causa (veja-se o artigo 257º, nº 7, do Código das Sociedades Comerciais), não nos parecem enquadrar-se no conceito de direitos sociais.
A nosso ver, se acaso fosse intento do legislador delimitar o conceito de direitos sociais apenas pela circunstância de a sua fonte ser a legislação societária, mais facilmente exprimiria essa intenção dizendo isso mesmo. E não o terá feito porque afigura-se-nos que uma tal opção conduziria a um alargamento excessivo da competência material dos tribunais de comércio, com distanciamento das razões subjacentes à especialização em razão da matéria.
No caso dos autos, relativamente ao exercício do direito de indemnização com base no disposto no nº 3, do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais, parece-nos não suscitar dúvidas que está em causa um direito conferido ao sócio enquanto tal e, por isso, um direito social.
No que respeita ao pedido de condenação da sociedade ao pagamento da retribuição de gerência, a partir do momento em que lhe foi retirada, embora tenha também fonte na legislação societária, não se trata de um direito conferido ao sócio enquanto tal e pelo facto de o ser, mas sim de um direito conferido ao gerente, seja ou não sócio. De facto, embora de acordo com o contrato social da ré sociedade comercial, todos os sócios sejam gerentes, isso não obsta a que estranhos possam ser designados para o exercício dessas funções (artigo 252º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais). Daí que a qualidade de gerente é claramente dissociável e independente da de sócio, não sendo o exercício dos direitos que competem aos gerentes o acionamento de posições jurídicas que cabem aos sócios como tais.
Só assim não será, segundo cremos, se estiver em causa a violação de um direito especial à gerência[12], situação que não é a dos autos pois que o contrato social se limita a prever que todos os sócios são gerentes da sociedade.
Para sustentar a competência material do atual Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia relativamente ao pedido de condenação da sociedade ao pagamento da retribuição de gerência, a partir do momento em que lhe foi retirada, pode ainda dizer-se que esta pretensão está em direta dependência da pretensão de anulação da deliberação social tomada em 22 de Janeiro de 2011 e que, por isso, o tribunal recorrido seria competente por conexão.
Este modo de ver o problema seria fundado se acaso o artigo 89º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, ou se o artigo 128º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto[13], previssem, como se previa e prevê para a competência laboral, nos artigos 85º, alínea o), da Lei nº 3/99, de 13 de janeiro e 126º, nº 1, alínea n), da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, uma competência material por conexão derivada de nexos de acessoriedade, complementaridade ou dependência.
Na falta de um preceito normativo com tal alcance, há que concluir que o tribunal recorrido não tem competência material para conhecer da pretensão formulada pelo autor no sentido da ré sociedade comercial ser condenada a pagar-lhe a retribuição que lhe cabe enquanto gerente, desde janeiro de 2011.
Pelo exposto, conclui-se pela parcial procedência do recurso, na parte em que o tribunal a quo afirmou a sua competência material para conhecer do pedido do autor de condenação da ré a pagar-lhe a retribuição que lhe cabe enquanto gerente, desde janeiro de 2011, improcedendo no mais.
As custas do recurso, porque quer recorrentes quer recorrido decaíram, são da responsabilidade dos recorrentes e do recorrido em proporção a fixar a final, pois não foi fixado o valor da causa, em termos de permitir desde já a repartição da responsabilidade tributária (artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por C…, Lda., D… e E… e, em consequência, em revogar parcialmente a decisão recorrida proferida com data de 21 de agosto de 2013, declarando-se a incompetência em razão da matéria do atual Juízo de Comercio de Vila Nova de Gaia para conhecer do pedido de B… de condenação de C…, Lda a pagar-lhe a retribuição que lhe cabe enquanto gerente, desde janeiro de 2011 e absolvendo-se esta ré da instância no que respeita esta pretensão, confirmando-se, no mais, a decisão recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes e do recorrido, em proporção a fixar a final, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
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O presente acórdão compõe-se de dez páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
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Porto, 13 de março de 2017
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] E por isso, até por maioria de razão, não temos que nos debruçar sobre o fundamento jurídico desta pretensão, matéria que é doutrinalmente controversa (sobre esta questão veja-se, Curso de Direito Comercial, Volume II, 2013- 4ª edição, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, páginas 646 a 649).
[3] Citação extraída de Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, Manuel A. Domingues de Andrade, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, página 91.
[4] O Sr. Professor Teixeira de Sousa critica esta orientação, como deixou expresso em comentário a um “post” no blogue do IPPC ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01 de outubro de 2015, proferido no processo nº 7953/10.9TBALM-F.L1-2, acessível no site da DGSI.
[5] A que corresponde, presentemente, sem quaisquer divergências, o nº 1, do artigo 38º, da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto.
[6] A que corresponde, presentemente, sem quaisquer divergências, o nº 2, do artigo 38º, da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto.
[7] A que corresponde, na atualidade, sem qualquer alteração salvo no que respeita a designação do órgão jurisdicional, o artigo 128º, nº 1, alínea c), da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto.
[8] Assim, Direito das Sociedades Comerciais, 4ª edição, Paulo Olavo Cunha, Almedina 2010, página 278. O Professor António Ferrer Correia, nas suas Lições de Direito Comercial, Volume II, Universidade de Coimbra 1968, com a colaboração de Vasco Lobo Xavier, Manuel Henrique Mesquita, José Manuel Sampaio Cabral e António A. Caeiro, página 349 a 351, referia-se a estes direitos como direitos corporativos.
[9] Neste sentido, por ordem cronológica, vejam-se os seguintes acórdãos, todos acessíveis na base de dados da DGSI; do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de dezembro de 2008, proferido no processo nº 08B3907; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de setembro de 2009, proferido no processo nº 23/08.1TYLSB.L1-6; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de junho de 2011, proferido no processo nº 612/08.4TVPRT.P1.S1; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de novembro de 2011, proferido no processo nº 2081/06.4TBAGD.C1 (acórdão relatado pelo primeiro adjunto nesta decisão); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de julho de 2013, proferido no processo nº 7513/11.7TBCSC.L1-6; da Relação do Porto de 18 de Abril de 2016, proferido no processo nº 84362/15.3YIPRT.P1 (acórdão relatado pelo primeiro adjunto nesta decisão); da Relação de Lisboa de 18 de junho de 2016, proferido no processo nº 792-15.2T8BRR.L1-6.
[10] Neste sentido vejam-se os seguintes acórdãos, acessíveis no site da DGSI: do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de setembro de 2009, proferido no processo nº 94/07.8TYLSB.L1.S1; do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 2011, proferido no processo nº 1032/08.6TYLSB.L1.S1; da Relação de Lisboa, de 26 de junho de 2014, proferido no processo nº 5733/06.5TVLSB.L1-2.
[11] Neste sentido vejam-se os seguintes acórdãos, acessíveis no site da DGSI: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de maio de 2013, proferido no processo nº 5337/09.6TVLSB.L1-S1;acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de setembro de 2015, proferido no processo nº 5542/13.5TBLRA.C1.
[12] Veja-se o artigo 24º do Código das Sociedades Comerciais sobre os direitos especiais em geral. Sobre o direito especial à gerência e os seus contornos, veja-se por exemplo, Direito das Sociedades Comerciais, 4ª edição, Paulo Olavo Cunha, Almedina 2010, páginas 294 a 296.
[13] A aplicação deste normativo fundar-se-ia neste caso no disposto no nº 2, do artigo 22º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.