Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
515/19.7PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: CRIME DE AMEAÇA
ELEMENTOS OBJECTIVOS DO TIPO
INADMISSIBILIDADE LEGAL DA INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RP20230111515/19.7PWPRT.P1
Data do Acordão: 01/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não contendo o requerimento de abertura da instrução a descrição inequívoca dos factos integradores dos elementos subjetivos do crime de ameaça, deve aquele ser rejeitado por inadmissibilidade legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 515/19.7PWPRT.P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I RELATÓRIO
No processo n.º 515/19.7PWPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 4, por despacho judicial, proferido em 20/4/2022, foi rejeitado, por inadmissibilidade legal, o requerimento para abertura da instrução formulado pela assistente AA na parte referente ao despacho de arquivamento de fls.141 e ss.
Inconformada com a decisão, a assistente interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
I. O presente recurso é interposto do douto despacho proferido pelo Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal do Porto - Juiz 4 da Comarca do Porto, que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por considerar não ser o mesmo legalmente admissível, de acordo com o artigo 287.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.
II. Considerou o Tribunal de Instrução que a Assistente não indicou os factos a que se reportam o elemento subjetivo imputado, violando o artigo 287.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.
III. Não se conformando com tal entendimento, defende a Assistente que, atento o seu requerimento de abertura de instrução, se impunha decisão diferente, que admitisse a abertura de instrução.
IV. A Assistente alegou no artigo 8.° do seu RAI: "O Arguido agiu livre, voluntária e conscientemente e embora tivesse plena consciência que as condutas descritas lhe eram proibidas e punidas por lei, não se absteve de as praticar e prosseguir."
V. O Tribunal de Instrução considera que aquele artigo 8.° do RAI não é suficiente para cumprir com a imputação subjetiva do crime.
VI. Apesar de o próprio Tribunal de Instrução ter constatado e citado este artigo 8.° do RAI, considera a Assistente que este não foi corretamente apreciado pelo Tribunal de Instrução.
VII. São inúmeros os Acórdãos que referem que o elemento subjetivo do crime se basta com uma alegação similar à redigida pela Assistente no RAI.
VIII. Inclusive, um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (n°1/2015, de 11/20/2014, publicado no DR, Ia série - n°18 - de 27 de Janeiro de 2015) chega a referir que a fórmula
utilizada pela Assistente é aquela que tradicionalmente se utiliza “Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever- ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).”
IX. A acusação da Assistente obedece assim à estrutura acusatória do processo: contém os elementos intelectual (representação dos factos), volitivo (vontade de praticar os factos) e "emocional (consciência de estar a agir contra o direito) da atuação dolosa do Arguido.
X. A inclusão, ainda que numa fórmula ou num artigo só, de todos os elementos subjetivos imputados, não poderá significar uma omissão quanto aos mesmos.
XI. O despacho de rejeição do requerimento de instrução do qual se recorre, violou assim os artigos 283.º, n.° 3, al. b) e 287.º, n.° 2 e 3 do Código de Processo Penal.
XII. Pelo que, deverá ser revogada a decisão recorrida e, em consequência, ser substituída por outra que que ordene a abertura da instrução.
TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER ADMITIDO O REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO DA ASSISTENTE.
O Ministério Publico junto da 1ªinstância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência (fls.194 a 196).
Remetidos os autos ao tribunal da relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento (fls.190 a 195).
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II FUNDAMENTAÇÃO

Decisão recorrida
O despacho judicial recorrido tem o seguinte teor:
“A assistente AA não se conformando com o despacho de arquivamento do inquérito quanto aos factos atinentes ao crime de ameaça (cfr. fls.141 a 142 destes autos), veio requerer a abertura da instrução para pronúncia do arguido BB pela prática do aludido crime, o qual se mostra p. e p. pelo art. 153° do Código Penal.
Para tanto expôs as suas razões de discordância em face do despacho de arquivamento.
Dada vista ao Digno Ministério Público para se pronunciar sobre a admissibilidade da fase da abertura da instrução in casu, o mesmo pugnou pela inatendibilidade do requerido, com os fundamentos constantes na douta promoção que antecede.
Apreciando
Dispõe o art. 286°, n°1 do Código de Processo Penal que "a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento", sendo que o assistente a pode requerer, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação (art. 287°, n.°1, al. a) do Código de Processo Penal).
Nos termos do n°2 do art. 287° do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, sendo-lhe ainda aplicáveis as alíneas b) e c) do n°3 do art. 283°.
No caso, tendo o Ministério Público ordenado o arquivamento do inquérito relativamente aos factos reconduzidos ao crime de ameaça, nos termos do disposto no art. 277°, n°1 do CPP, com fundamento na insuficiência de indícios, e tendo sido a assistente quem requereu a abertura de instrução, tinha esta, por força do disposto nas als. b) e c) do n°3 do art. 283° daquele código, aplicável ex vi n.° 2, parte final, do art. 287° daquele diploma legal, que indicar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, bem como as disposições legais aplicáveis.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 161, "O objecto do despacho de pronúncia há-de ser substancialmente o mesmo da acusação formal ou implícita no requerimento de instrução.”.
No mesmo sentido, Maia Gonçalves, no Código de Processo Penal Anotado, 9.a edição, pág. 541, segundo o qual, "Em tal caso, de instrução requerida pelo assistente, o seu requerimento deverá, a par dos requisitos do n. °1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório e elaboração da decisão instrutória".
Ou seja, regendo-se o processo penal pelos princípios do acusatório e contraditório, resulta que o requerimento de abertura de instrução, quando requerida pelo assistente, porque é consequência de um despacho de arquivamento, deve conter todos os elementos de uma acusação, com especial relevância para a matéria de facto que descreve o ilícito que é imputado ao arguido.
No que concerne ao princípio do acusatório, e assumindo este especial relevância, cumpre atender ao estatuído no n° 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, que remete para o princípio do acusatório ao determinar que "o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do acusatório".
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada (3ª Edição, pág. 205-206) "O princípio do acusatório na sua essência significa que se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Rigorosamente considerada, a estrutura acusatória do processo penal implica: a) proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também um órgão de acusação; b) proibição de acumulação subjectiva a jusante do processo, isto é, que o órgão de acusação seja também órgão julgador; c) proibição da acumulação orgânica na instrução e julgamento (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3aEdição, pág. 205-206/'.
Assim, e tal como refere Germano Marques da Silva, em obra citada supra, pág. 144, " o Juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal, ou tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser objecto de acusação do MP. O requerimento para a abertura da instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação (alternativa ao arquivamento ou à acusação deduzida elo MP), que dada a divergência assumida pelo MP vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial.
Deste modo, tendo o requerimento de abertura de instrução por parte do assistente de configurar uma acusação, é esta que condicionará a atividade de investigação do Juiz e a decisão instrutória, tal como flui, claramente, do disposto nos artigos 303°, n°3 e 309°, n.°1 do Código de Processo Penal, sendo que a decisão instrutória que viesse a pronunciar o arguido por factos não constantes daquele requerimento, estaria ferida de nulidade.
*
Ora, e postas estas considerações, é manifesto que o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente não respeita as imposições que decorrem quer das disposições legais aplicáveis quer dos princípios de direito.
No que se reporta aos elementos do tipo imputado, mormente o elemento subjetivo, não tratou a assistente de narrar circunstanciadamente, de forma completa e coerente, os factos que, a seu ver, terão sido cometidos e serão suscetíveis de integrar o crime de ameaça em causa.
Note-se que lhe competia fazer a "narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática (...)".
É certo que no art. 8° do RAI, a assistente afirma que "o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente e embora tivesse plena consciência que as condutas descritas lhe eram proibidas e punidas por lei, não se absteve de as praticar e prosseguir". No entanto, esta alegação desacompanhada da alegação de outros factos que sejam demonstrativos do preenchimento da vertente subjectiva do tipo de crime de ameaça é insuficiente para cumprimento da exigência legal assinalada supra. Com efeito, nenhum facto é alegado relativamente ao propósito que terá animado o arguido aquando da prática dos demais factos que constam descritos. Não se alega, por exemplo, que o arguido actuou com o propósito (nem mesmo se o concretizou ou não) de provocar medo e inquietação à assistente e que conhecia bem o carácter inquietante das expressões que utilizou, bem como o carácter intimidatório do comportamento que desenvolveu ou que actuou bem sabendo que o fazia sem consentimento e contra a vontade da assistente.
No caso, a assistente não indica factos completos integradores do elemento subjetivo do tipo de crime por cuja pronúncia se propugna, não os apresentando, pois, com a estrutura de uma acusação como se exige.
A abertura de instrução, como supra se referiu, pode ser requerida pelo assistente relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação e deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito da discordância relativamente à não acusação, com indicação das provas a produzir e atos a realizar nessa fase, bem como dos factos que através de uns e de outros se visa apurar (arts. 287°, n° 2, e 283°, n°3, als. b e c, do Código de Processo Penal).
Nessa perspetiva e com a dita finalidade, nos casos em que o Ministério Público se absteve de acusar, deve o requerimento de abertura de instrução obedecer aos requisitos enunciados nos arts. 287°, n°s. 1 e 2 e 288°, n°4 Código de Processo Penal, nomeadamente indicando as provas que pretende ver realizadas e os factos que pretende ver provados, delimitando assim o objeto da instrução. Este requerimento deve assumir a estrutura de uma verdadeira acusação (art.° 283°, n° 3, b, ex vi do art.° 287°, n°2) com todas as menções referidas no art. 283°, n.°3 b) e c) por forma a permitir ao juiz de instrução que profira um despacho de pronúncia, uma vez que não compete ao juiz procurar nos meios de prova do inquérito e da instrução quais os factos indiciados com vista a proferir o suporte fáctico em que deve assentar um despacho de pronúncia.
Como se refere no douto Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de janeiro de 2004 (acessível em www.dgsi.pt) “Trata-se de garantir que a instrução tenha um «determinado objecto»”.
No requerimento apresentado, a assistente ao longo dos artigos em que expõe as razões de discordância relativamente ao despacho de arquivamento, não enuncia, de forma completa, os factos que entende poder provar e perante cuja verificação se mostrarão preenchidos os elementos típicos do crime imputado ao arguido, mormente o elemento subjetivo. Antes se limita a aflorar alguns aspetos de facto, parecendo querer aproveitar o conteúdo de peças processuais que fazem parte dos autos, talvez apostado em, por remissão implícita, aproveitar o que já verteu na denúncia).
Embora o requerimento de abertura de instrução não esteja sujeito a formalidades especiais, deverá, porém, obedecer ainda aos requisitos exigidos no art. 283°, n°3 b) e c) CPP para uma acusação.
Note-se que a lei não consente a descrição dos factos por remissão e, em matéria de processo penal, não se pode concluir que o que não é proibido é permitido - como se referiu no douto Acórdão da Relação de Lisboa que citámos e onde se poderá ler ainda:
“O princípio da legalidade pressupõe que a aplicação de penas possa ter lugar em conformidade com as disposições do Código de Processo Penal (art.° CPP) à semelhança do que, embora com alcance não inteiramente coincidente acontece com a lei substantiva (art.° CP).
A lei processual penal previu expressamente a forma de formular o requerimento de abertura de instrução ao defini-lo por semelhança com uma acusação (art.° 287°, n.°2 CPP in fine), pelas razões que se deixaram expostas. Neste preceito, em que estipula a forma de elaborar uma acusação o legislador não permite nem prevê que esta seja feita por remissão para factos constantes do processo; antes exige a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentem a aplicação de uma pena... incluindo se possível o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada (art.° 283o, n.°3 al. b) CPP).”.
No mesmo sentido se decidiu no Acórdão da Relação de Évora de 12 de abril de 2011 (igualmente acessível em www.dgsi.pt), onde se concluiu não ser aceitável que a menção dos factos seja feita por remissão para elementos dos autos. A isso obsta a exigência de rigor na delimitação do objeto do processo (recorde-se, num processo em que o Ministério Público não acusou) - sendo uma concretização das garantias de defesa, essa exigência não consubstancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos tribunais, pois tal direito não é incompatível com a consagração de ónus ou de deveres processuais que visam uma adequada e harmoniosa tramitação do processo. Aliás, a exigência feita ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa. A pretensão séria de submeter um determinado arguido a julgamento assenta necessariamente no conhecimento de uma base factual cuja narração não constitui encargo exagerado ou excessivo. Verifica-se, em face do que se deixa dito, que a exigência de indicação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente não constitui uma limitação efetiva do acesso do direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito. Faltando no requerimento de abertura de instrução a delimitação factual sobre a qual há-de incidir a instrução, inexiste uma verdadeira "acusação alternativa", dotada do mesmo rigor e precisão que é exigível ao libelo acusatório (público ou particular).
Tal como resulta da jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça - v.g. Acórdãos de 2004/6/05, 2007/02/21 e 2008/07/02 - as afirmações genéricas, não individualizadas, nomeadamente por falta de indicação do lugar, tempo, modo e motivação da prática de factos concretos e determinados que possam integrar a prática de um crime, violam os direitos de defesa do arguido, em especial o seu direito ao contraditório. Constituem, assim, imputações genéricas insuscetíveis de suportar uma condenação penal, o que tem levado à revogação de decisões condenatórias das instâncias com a consequente absolvição dos arguidos por falta de factos que integrem os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal em causa (em casos de imputação genérica como os decididos naqueles acórdãos do STJ não estamos, pois, perante vício processual, nomeadamente os previstos no art. 410° do CPP ou erro de julgamento em matéria de facto impugnável nos termos do art. 412° n°3 do CPP, mas antes perante erro de julgamento em matéria de direito que se traduz na condenação sem factos que integrem a prática do crime).
Optou a assistente por não fazer, como deveria ter feito, uma enumeração de factos circunstanciados no tempo e no espaço, integradores do elemento subjectivo do tipo de crime cuja pronúncia se propugna.
Tal como se disse no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2012 em face do requerimento que ali era apreciado, também no nosso caso o requerimento que a assistente apresentou “não se aproxima sequer da conformação de uma acusação à luz da exigência da lei, deve realçar-se - cfr. art. 283° n.° 3, do CPP.”
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Postas estas considerações, é manifesto que o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente não respeita as imposições que decorrem das disposições legais aplicáveis e dos princípios de direito.
Nos termos do n°3 do art. 287.° do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal.
No caso, entendemos que estamos perante uma situação de inadmissibilidade legal, quer atenta a nulidade plasmada no art. 283°, n°3, quer atenta a falta de objeto, sendo que esta causa de rejeição é de conhecimento oficioso (cfr., entre muitos outros, Ac. do STJ de 27/02/02 e 26/06/02, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Na verdade, a realização da instrução constituiria um ato inútil, na medida em que, finda a mesma, e por inexistência de factos integradores dos elementos de um tipo de ilícito, qualquer decisão que viesse a ser proferida e que considerasse factos não alegados no requerimento de abertura de instrução seria nula, pois que sempre haveria falta de objeto do processo (neste sentido, cfr. Ac. Trib. da Rel. de Lisboa de 9/02/00, in CJ, T.I, pág.153; Ac. Trib. Rel. do Porto de 5/05/93, in CJ, T. III, pág. 243, e Ac. Trib. da Rel. de Évora de 14/04/95, in CJ, T.I, pág. 280).
Também, e desde já, referimos que perfilhamos o entendimento seguido pela jurisprudência maioritária dos Tribunais Superiores que não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento apresentado pelo assistente (vide, neste sentido, Ac. de Uniformização de Jurisprudência n.° 7/2005, de 12 de Maio de 2005, in DR I Série-A, de 4/11/05 e também Ac. do Trib. da Rel. do Porto de 31/05/06 e de 1/03/06, publicados em texto integral em www.dgsi.pt), pois que, a existir, este convite colocaria em causa o carácter perentório do prazo referido no art. 287, n.°1 do Código de Processo Penal e a apresentação de novo requerimento de abertura de instrução, por parte da assistente, para além daquele prazo, violaria as garantias de defesa do arguido (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.° 27/2001 de 31/01/01, DR 2ª série de 23/03/01 e Acórdão n.°358/04, de 19/05, publicado no DR 2ª série de 28/06/04).
Face a tudo supra exposto, e bem assim na senda do propugnado pelo Digno Ministério Público na douta promoção que antecede, cuja argumentação se acolhe na íntegra, incluindo a jurisprudência aí citada - por pertinente e adequada -, rejeito o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente AA, por o mesmo ser legalmente inadmissível, atento o preceituado no art. 287°, n°3 do Código de Processo Penal.
Notifique e, transitado, conclua.
D.n..”
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Transcreve-se ainda parcialmente o requerimento de abertura da instrução na parte que releva para apreciação do recurso, ou seja, a parte relativa à narração da matéria de facto imputada ao arguido:
“1ª Na noite do dia 27 de junho de 2019, a comadre da assistente, CC, esteve na habitação daquela.
2ª A referida comadre saiu da habitação da Assistente pelas 00h00m do dia 28 de junho.
3ª Após a saída da casa da comadre, os vizinhos da frente da Assistente – residentes no rés-do-chão esquerdo – concretamente o arguido e a sua progenitora, começaram a falara, aos gritos, para a comadre no patamar do prédio.
4ª O Arguido aproximou-se da porta da Arguida e disse para esta quem “Quem vai bater com a porta sou eu, vou deitar a porta abaixo a pontapé e a soco. É uma grande puta, esta grande vaca aqui! Deitas o coiso que eu deito a porta abaixo que te fodo, grande vaca! Arrasta cadeiras esta noite, quem te vai arrastar a porta sou eu, com um soco aí na porta, que te fodo!”
5ª E ainda “Arrasta as cadeiras esta noite! Experimenta arrastar esta noite, a partir de agora, arrastar cadeiras de noite, que tu vais ver!”
6ª O Arguido proferiu ainda pontapés e murros na porta da Assistente.
7ª Como consequência direta e necessária das expressões proferidas pelo arguido e dirigidas à Assistente, repetidamente e de viva voz, criaram (e ainda criam) no espírito da assistente medo, receio e inquietação de que aquele, no futuro, fosse (e possa) perpetrar contra si agressões físicas.
8ª O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente e embora tivesse plena consciência que as condutas descritas lhe eram proibidas e punidas por lei, não se absteve de as praticar e prosseguir.
9ª Pelo exposto, cometeu o arguido um crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153.º do Código Penal”.

Apreciação
De harmonia com o disposto no nº 1 do art. 412.º do C.P.Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só cabendo ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo daquelas que cumpra conhecer oficiosamente.
Face às conclusões apresentadas no recurso, a questão trazida à apreciação deste tribunal é a de saber se o requerimento para abertura da instrução apresentado pela assistente deve ser rejeitado por não cumprir os requisitos exigidos pelas disposições conjugadas dos arts.287.º n.º2 e 283.º n.º3 alínea b) do C.P.Penal.
O art. 286.º n.º1 do C.P.Penal dispõe que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Por sua vez, o art. 287.º n.º1 do C.P.Penal estabelece, na parte que ora importa: “A abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias, a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) (...)
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. (…)”
E o n.º2 do mesmo artigo prevê que o requerimento para abertura da instrução “não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º3 do artigo 283.º. (…)”
Sendo a instrução requerida pelo assistente, como no caso vertente se verifica, ao respetivo requerimento, por força da parte final do citado art.287.º n.º2, é aplicável o disposto no art. 283.º, n.º 2, alíneas b) e c), ambos do C.P.Penal, o que significa que tem de conter, sob pena de nulidade:
- a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
- a indicação das disposições legais aplicáveis.
Estabelecendo o n.º2 do art. 287.º do C.P.Penal que ao requerimento do assistente para abertura da instrução é aplicável o disposto no art. 283.º, n.º3, alíneas b) e c) do mesmo diploma, tal requerimento deve conter uma verdadeira acusação.[1]
Não sendo deduzida acusação, o requerimento de abertura de instrução substitui tal peça, delimitando o thema decidendum, a atividade instrutória do juiz e, em última análise, o conteúdo de eventual despacho de pronúncia.
Esta exigência de que o requerimento do assistente para abertura da instrução conforme uma acusação decorre do princípio da vinculação temática, o qual é corolário da estrutura acusatória do processo penal, consagrada pelo art. 32.º, n.º5, da CRP, impondo que o objeto do processo seja fixado com rigor para que o arguido possa praticar o contraditório e exercer plenamente as suas garantias de defesa.
Desta delimitação do objeto do processo resulta o estabelecido nos arts.303.º n.º3 e 309.º n.º1, ambos do C.P.Penal, proibindo a pronúncia do arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos no requerimento do assistente para abertura da instrução, assim como os factos que representem uma alteração não substancial dos alegados nesse requerimento só podem ser atendidos caso seja observado o mecanismo processual previsto no n.º1 desse art.303.º.
No caso vertente, o despacho recorrido considera que o requerimento de abertura da instrução não contém a narração de factos que possam fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena, uma vez que a assistente não indica factos completos integradores do elemento subjetivo do tipo de crime por cuja pronúncia propugna.
Dispõe o art.153.º do C.Penal, sob a epígrafe Ameaça:
“1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - O procedimento criminal depende de queixa.”
O bem jurídico tutelado pela norma é a liberdade de decisão e de ação, porque as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afetam a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade.[2]
São elementos objetivos deste tipo legal:
- O anúncio de um mal futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente;
- O mal anunciado configure a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor;
- O mal anunciado seja adequado a provocar receio, medo, inquietação ou prejudique a liberdade de determinação de outrem;
- O mal anunciado tem de ser futuro; não pode, pela sua iminência, confundir-se com uma tentativa de execução do respetivo ato violento.
Já quanto ao elemento subjetivo, este tipo legal exige o dolo, bastando que o agente tenha consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado.
Segundo a doutrina tradicional do crime, sufragada pelo Professor Eduardo Correia, o dolo desdobra-se num elemento intelectual e num elemento volitivo ou emocional, ao passo que para uma corrente mais recente, defendida pelo Professor Figueiredo Dias, este elemento emocional constitui um terceiro elemento.
O elemento intelectual traduz-se no conhecimento (enquanto previsão ou representação), pelo agente, das circunstâncias do facto, ou seja, dos elementos materiais constitutivos do tipo objetivo do ilícito, incluindo eventuais circunstâncias modificativas agravantes nos tipos qualificados ou agravados.
O elemento volitivo do dolo consiste na vontade do agente na realização do facto típico, depois de ter representado (ou previsto) as circunstâncias ou elementos do tipo objetivo do ilícito. Em função da diversidade dessa atitude, são diversas as espécies de dolo previstas nos vários números do art.13.º do C.Penal: dolo direto (em que o agente tem a intenção de realizar o facto criminoso), o dolo necessário (quando o agente não quer o facto, mas prevê-o como consequência necessária da sua conduta) e o dolo eventual (quando o agente prevê o facto como consequência possível, conformando-se com o resultado).
Para a posição tradicional defendida pelo Professor Eduardo Correia, o que caracteriza o dolo é a vontade do agente revelar a sua personalidade contrária ao direito, ou seja, a sua determinação em sobrepor os seus próprios sentimentos e interesses aos valores tutelados pelo direito criminal. Daí que, para esta posição, o dolo do tipo legal de crime contenha já o chamado elemento emocional, traduzido na consciência, por parte do agente, de que realiza um tipo objetivo de ilícito e que tal supõe a sobreposição dos seus interesses aos valores tutelados pela lei.
Já a posição defendida pelo Professor Figueiredo Dias distingue entre dolo do tipo (de ilícito) e o dolo enquanto pertencente ao tipo de culpa. Segundo esta conceção, o dolo não pode esgotar-se no tipo de ilícito, mas exige do agente um qualquer momento emocional que se adiciona ao elemento intelectual e volitivo; torna-se indispensável um elemento que já não pertence ao tipo de ilícito, mas ao tipo de culpa. Esse elemento verifica-se quando o agente revele no facto uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal.
A consciência da ilicitude é também momento constitutivo do dolo (não do tipo de ilícito mas do tipo de culpa), acrescendo, como seu momento emocional, ao conhecimento de todas as circunstâncias do facto (elemento intelectual) e à vontade de realizar o facto típico (elemento volitivo), que são elementos do dolo do tipo, traduzindo-se na indiferença ou oposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma (tipo de culpa doloso). – cfr. Ac.R.Guimarães de 19/6/2017, que seguimos de perto, relatado pelo Desembargador Jorge Bispo.
Por isso, como se refere no Ac.R.Coimbra de 13/9/2017, “a acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual)”.
Assim, relativamente ao crime de ameaça, para que o dolo esteja preenchido é necessário que o agente represente que as palavras por si proferidas são idóneas a provocar medo e inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, queira agir, ou represente que as mesmas palavras necessariamente provocam medo ou inquietação ou prejudicam a liberdade de determinação do ofendido e, não obstante, queira agir, ou represente como possível que as mesmas palavras podem provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, conformando-se com tal possibilidade, queira agir, pelo que tais factos são necessariamente objeto de prova no processo.
Aliás, no AUJ nº 1/2015 fixou-se a seguinte jurisprudência: “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal”.
Neste acórdão refere-se que “a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), atuando, assim, conscientemente contra o direito.”
Em síntese, na acusação têm de ser narrados todos os factos constitutivos do tipo legal de crime, sejam eles pertencentes ao tipo objetivo do ilícito, sejam ao tipo subjetivo e ainda os elementos referentes ao tipo de culpa.
Revertendo ao caso em análise, do requerimento de abertura da instrução apenas consta a fórmula tabelar “O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente e embora tivesse plena consciência que as condutas descritas lhe eram proibidas e punidas por lei, não se absteve de as praticar e prosseguir”. Ainda que esta fórmula encerre na generalidade dos casos a afirmação mínima do dolo do tipo, pois ao dizer-se que o arguido agiu de forma “consciente” afirma-se que agiu com conhecimento da sua ação objetiva que se descreve e que ao agir de forma “deliberada” o fez com o propósito, com a intenção, de levar a cabo aquela mesma ação, no caso presente é insuficiente.
Neste caso não cabe no significado da fórmula tabelar que o arguido representasse que as palavras que proferiu eram idóneas a provocar medo e inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do ofendido, pois aquela locução tabelar por si só apenas significa que o arguido tinha conhecimento que estava a proferir as palavras descritas nos pontos 4 e 5 do requerimento de abertura da instrução e que o fez com o propósito ou intenção de as proferir.
Não contendo o requerimento de abertura da instrução a descrição inequívoca de factos integradores dos elementos subjetivos do crime de ameaça imputado ao arguido, bem andou a Sra. Juíza de Instrução ao rejeitar, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente.
O n.º3 do art.287.º do C.P.Penal dispõe que o requerimento de abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução. Este último conceito deve abranger os casos em que a lei diz que não há lugar à instrução e ainda aqueles em que a realização da instrução é um ato inútil e como tal proibido por lei na medida em que não pode conduzir à pronúncia do arguido por falta de requisitos legais.
No caso vertente, uma vez que o requerimento de abertura da instrução não tem a descrição completa dos factos integradores do crime de ameaça imputado ao arguido, concretamente os elementos subjetivos, a sua admissão traduzir-se-ia num ato inútil, pois nunca poderia conduzir a um despacho de pronúncia.
“Assim, a falta de descrição no requerimento de abertura da instrução do assistente dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, constitui ao mesmo tempo a nulidade prevista no art.283.º, n.º3, alínea b), dada a remissão do art.287.º, n.º2, e, em conformidade com o n.º3 deste último preceito, causa de rejeição desse requerimento.
Quer isto dizer que a nulidade prevista nesse art.283.º, n.º3, alínea b), com referência ao n.º do art.287.º, tendo como consequência a rejeição do requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente, é de conhecimento oficioso.” – Ac.R.Porto de 23/5/2001, in Coletânea de Jurisprudência, ano XXVI, tomo III, pág.238.
E saliente-se que não cabia à Sra. Juíza fazer o convite à assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura da instrução.
Com efeito, de acordo com a jurisprudência fixada no AUJ nº 7/2005 do STJ, DR, I-Série A, de 4/11/2005 “não lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art. 287º, 2, do CPP, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.
A jurisprudência fixada pelo AUJ n.º7/2005, tem por base o entendimento, já anteriormente assumido pelo Tribunal Constitucional (v., entre outros, Ac.TC nº27/2001, de 30/1/2001, nº358/2004, de 19/5/2004 e nº389/2005, de 14/7/2005, in www.tribunalconstitucional.pt), de que o convite ao aperfeiçoamento contende com o princípio constitucional das «garantias de defesa do arguido», consagrado no art.32.º n.º1 da CRP
Com efeito, a apresentação pelo assistente do requerimento para abertura da instrução para além do prazo estabelecido no art.287.º do C.P.Penal - o que ocorreria em caso de convite ao aperfeiçoamento - viola as garantias de defesa do arguido, pois “o estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura da instrução – prazo esse que, uma vez decorrido impossibilita a prática do acto – insere-se ainda no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido”, in Ac.TC n.º27/2001, supracitado.
Nesta conformidade, improcede o recurso.

III DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pela assistente AA, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando em 3 Uc a taxa de justiça (art.515.º, n.º1, alínea b), do C.P.Penal)
(texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários)

Porto, 11/1/2023
Maria Luísa Arantes
Luís Coimbra
Raúl Esteves
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[1] O entendimento de que o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente deve corresponder a uma acusação é unânime na jurisprudência, salientando-se, entre muitos, Ac.R.Évora de 3/12/2009, in www.dgsi.pt/jtre, Ac.R.P. de 20/1/2010, 4/6/2014, 29/1/2014 in www.dgsi.pt/jtrp, Ac.STJ de 25/10/2006, 7/3/2007 e 12/3/2009, in www.dgsi.pt/jstj.
[2] cfr. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 342.