Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3405/18.7T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE ADMINISTRADORES
GERENTES E DIRETORES PELO PAGAMENTO DE COIMAS APLICADAS ÁS EMPRESAS - ART.º 551º
N.º3 DO CT
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
PROIBIÇÃO DA TRANSMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL
ADMOESTAÇÃO
Nº do Documento: RP201907103405/18.7T8PNF.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º296, FLS.231-239)
Área Temática: .
Sumário: I - A responsabilidade solidária de administradores, gerentes e directores pelo pagamento de coimas aplicadas às empresas, prevista no art. 551º, nº 3, do CT, não pressupõe a prática, por estes, de qualquer ilícito contra-ordenacional, com base na culpa ou com base na culpa presumida, nem há qualquer transmissão da responsabilização pela prática da contra-ordenação.
II - O art. 551º, nº3 do CT, apenas, institui uma solidariedade no pagamento da coima não na infracção, ou seja, consagra uma garantia de satisfação do pagamento da coima.
III - Com efeito, os sujeitos ficam apenas responsáveis pelo pagamento da coima, não lhes sendo transmitida a autoria do ilícito contra-ordenacional em si mesma considerada.
IV - A norma consagrada no referido art. 551º, nº 3 do CT não viola o princípio de presunção de inocência nem o princípio da proibição da transmissão da responsabilidade criminal, inexistindo, pois, qualquer violação dos art.s 30º, nº3 e 32º, nº2 da CRP, invocados pelos recorrentes.
V - A admoestação só, excepcionalmente, pode ser proferida e aplicada às infracções contra-ordenacionais qualificadas como leves ou simples, não sendo legal a sua aplicação, em casos, em que a infracção é qualificada de muito grave.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 3405/18.7T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este - Juízo do Trabalho –Juiz 2
Recorrentes: B…, Lda e C…
Recorrida: ACT – Unidade Local D…
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
A sociedade B…, Lda, com sede na Rua …, nº …, …, Felgueiras e C… impugnaram judicialmente a decisão administrativa proferida pela Autoridade para as Condições de Trabalho que aplicou à primeira, uma coima única no valor de €9.200,00 e a sanção acessória de publicitação na página electrónica da ACT, pela prática, com negligência, de uma contra-ordenação muito grave, prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 79º, nº1 e 171º, nº1, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e punível nos termos da al. e), do nº4, e nº 8 do art. 554º, do Código do Trabalho e condenou o segundo, na qualidade de gerente da arguida, como responsável solidário pelo pagamento daquela coima em que foi condenada a sociedade B…, Lda, nos termos do nº 3, do artigo 551º, do Código do Trabalho.
Para sustentarem a impugnação judicial, apresentaram as seguintes conclusões:
1ª – O volume de negócios da sociedade arguida é enquadrável na alínea b), do nº 4 do artigo 554º do Código do Trabalho, norma que por isso foi violada;
2ª – A julgar-se verificar-se a prática da infracção pela qual a sociedade impugnante foi condenada, deve a coima ser reduzida para o valor correspondente a 32 UC;
3ª – A sociedade arguida agiu sem culpa, pelo que não pode ser julgada verificada a infracção contra-ordenacional, devendo a decisão impugnada ser revogada e a arguida aqui impugnante absolvida.
4ª – Em qualquer caso, o impugnante C… deve sempre ser absolvido, porquanto a norma do artigo 551º, nº 3 do Código do Trabalho deve ser julgada materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 30º, nº 3 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que admite a transmissão da responsabilidade infraccional da sociedade para pessoa jurídica diversa do infractor.
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Recebida no Tribunal, ora recorrido, foi admitida a impugnação judicial, realizada a audiência de discussão e julgamento e proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
Pelo exposto, julgo o recurso interposto pela sociedade B…, Lda, e por C… parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência:
I) Condeno a sociedade B…, Lda, com sede na Rua …, nº …, …, Felgueiras, numa coima no valor de €3.468,00 (três mil quatrocentos e sessenta e oito euros) e na sanção acessória de publicitação na página electrónica da ACT, pela prática, com negligência, de uma contra-ordenação muito grave, prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 79º, nº1 e 171º, nº1, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e punível nos termos da al. b), do nº4, e nº 8 do art. 554º, do Código do Trabalho.
II) Condeno C…, na qualidade de gerente da arguida, como responsável solidário pelo pagamento daquela coima no valor de €3.468,00 (três mil quatrocentos e sessenta e oito euros) em que foi condenada a sociedade B…, Lda, nos termos do nº 3, do artigo 551º, do Código do Trabalho.
Custas pela arguida. Notifique e deposite.
Comunique oportunamente à autoridade administrativa nos termos do disposto no art. 70º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 433/82, de 27/10.”.
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Inconformados com esta decisão a sociedade/arguida e C… interpuseram recurso,
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Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público apresentando contra-alegações, nos termos que constam a fls. 155 e ss.,
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Nesta Relação, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, remetendo para a resposta apresentada pelo Ministério Público, em 1ª instância, conclui que deve manter-se inalterada a sentença.
Notificados, os apelantes não apresentaram resposta a este.
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Foi cumprido o disposto no art. 418º do CPP, com vistos electrónicos.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (cfr. art.s 403º, nº 1 e 412º, nº 1, do CPP), as questões colocadas pelos recorrentes para apreciação consistem em saber, se a decisão recorrida:
- deve ser revogada, quanto ao arguido C…, por dever julgar-se materialmente inconstitucional o art. 551º, nº 3, do CT, por violação do disposto nos art.s 30º, nº 3 e 32, nº 2, da CRP; e
- deve ser substituída por outra que determine a substituição da coima aplicada pela sanção de admoestação.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS:
O Tribunal a quo, discutida a causa, fixou o elenco factual seguinte:
“A) No dia 11 de Abril de 2018, pelas 11h30m, em visita inspectiva efectuada ao estabelecimento sito na Rua …, n.º …, … - Felgueiras, verificou-se que a arguida mantinha ao seu serviço, sob a sua autoridade e direcção, entre outros, o trabalhador E…, admitido em 01/10/2007, com a categoria profissional de modelador.
B) Tendo em vista a verificação das condições de trabalho dos trabalhadores, no decurso da visita inspectiva, foi a arguida notificada para, até ao dia 20/04/2018, apresentar vários documentos, nos serviços D… da ACT, designadamente, a apólice de acidentes de trabalho, último recibo pago e declaração de retribuições à seguradora onde conste o nome e retribuição dos trabalhadores desde Setembro/2016.
C) Uma vez que, a arguida não apresentou qualquer documento, foi a mesma novamente notificada, através de correio registado com aviso de recepção, para apresentar os mesmos documentos nos serviços D… da ACT até 21/05/2018.
D) Na data designada, a arguida apresentou o recibo comprovativo do pagamento da apólice n.º …….., referente ao contrato de seguro celebrado entre a arguida e a “F…, S.A.”, não tendo apresentado mais documentos relativos ao seguro de acidentes de trabalho.
E) Da análise do referido recibo constata-se que o mesmo se refere ao período de 01/01/2018 a 01/04/2018.
F) Em Maio/2018, por contacto telefónico, solicitou-se à arguida a apresentação de seguro de acidentes de trabalho válido na data da visita inspectiva (a saber, 11/04/2018), tendo a trabalhadora G…, Assistente Administrativa, informado que o recibo apresentado referia-se ao último seguro que havia sido pago, não existindo qualquer outro seguro de acidentes de trabalho, não existindo qualquer seguro de acidentes de trabalho que estivesse em vigor a partir de 01/04/2018.
G) À data de 4 de Julho de 2018 a arguida tinha uma trabalhadora, a saber, G….
H) A arguida não demonstrou que havia procedido à transferência da responsabilidade civil para uma entidade legalmente autorizada para o efeito, não tendo comprovado que os trabalhadores se encontravam protegidos por um seguro de acidentes de trabalho, mantendo uma trabalhadora ao seu serviço, a qual não se encontra protegida por um seguro de acidentes de trabalho.
I) No ano de 2017 a arguida declarou um volume de negócios de €1.010.564,73.
J) De acordo com o Registo Individual de Infractores a arguida não foi condenada em contra-ordenação grave ou muito grave nos cinco anos anteriores.
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B) O DIREITO
Aplica-se, ao caso, o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro (designado de ora em diante RPCOL e diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) e, por determinação do seu art. 60º, subsidiariamente, desde que o contrário dela não resulte, “…,são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.”, ou seja, no Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, (RGCO, forma como será designado de ora em diante) com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro e nº 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Dispõe o art. 51º, sob a epígrafe, “Âmbito e efeitos do recurso”, que:
“1 – Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.”.
Regra que acolhe o princípio já enunciado naquele RGCO, nomeadamente, no nº 1 do seu art. 75º que, com redacção semelhante àquele, dispõe: “Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Decorre, assim, da lei que, em sede de contra-ordenações laborais, a segunda instância, por regra, tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída a sua intervenção em sede de decisão sobre a matéria de facto.
Ou seja, este Tribunal “ad quem” não pode conhecer de impugnação da decisão fáctica e das questões probatórias, (neste sentido Ac. RE de 6.1.2015, in www.dgsi.pt (local da internet onde estão disponíveis os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)).
Na vertente do direito substantivo relevam, no essencial, os art.s 79º, nº1 e 171º, nº1, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro e a al. b), do nº4, do art. 554º, do Código do Trabalho.
Vejamos o caso.
Analisando as conclusões dos recorrentes verifica-se que, no essencial, a sua pretensão se resume a que seja revogada e substituída a decisão recorrida, em primeiro lugar, por não se conformarem de nela não se ter julgado, quanto ao arguido C…, materialmente inconstitucional o art. 551º, nº 3, do CT, por violação do disposto nos art.s 30º, nº 3 e 32, nº 2, da CRP, nos termos já suscitados em sede de impugnação judicial da decisão administrativa.
Debruçando-se sobre essa questão, o Tribunal “a quo” pronunciou-se nos termos seguintes:
- «(...) Cumpre, por último, apreciar a questão suscitada pelo impugnante C…, o qual sustenta a sua absolvição na alegação de que a norma do artigo 551º, nº 3 do Código do Trabalho deve ser julgada materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 30º, nº 3 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que admite a transmissão da responsabilidade infraccional da sociedade para pessoa jurídica diversa do infractor.
Essa responsabilidade solidária do gerente da arguida pelo pagamento da coima decorre do preceituado no artigo 551º, nº 3, do Código do Trabalho, onde se estabelece que: “Se o infractor for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores”.
Note-se que de tal normativo não decorre a confusão entre o arguido e o responsável solidário. Ao primeiro é imputada a autoria de um ilícito contra- ordenacional, e é a esse nível que se situa a sua responsabilidade; o segundo é apenas civilmente responsável, enquanto co-devedor da sanção pecuniária relativa à infracção.
E a própria lei processual é clara a fazer essa distinção, quando no art.º 20º da citada Lei 107/2009 manda aplicar ao sujeito solidariamente responsável pelo pagamento da coima, com as necessárias adaptações, as disposições dos arts.º 17º, 18º e 19º, do mesmo diploma, todas elas respeitantes ao arguido, e apenas a ele.
Quer isto dizer que, diferentemente do que sustenta o Recorrente a responsabilidade dos gerentes é meramente obrigacional, pois a solidariedade respeita apenas à obrigação pelo pagamento da coima e, como tal, não existe qualquer transmissão da responsabilidade infraccional da sociedade arguida para pessoa jurídica diversa do infractor.
Do já citado art.º 551º, nº 3, resulta obviamente que aos gerentes não são extensíveis outros efeitos da condenação, designadamente as sanções acessórias previstas no artigo 562º. do Código do Trabalho, tal como não poderão ser incluídos no registo a que alude o art.º 565º do mesmo código.
E a conformidade à Constituição daquela norma foi já repetidamente afirmada pelo Tribunal Constitucional, como por exemplo nos seus Acórdãos 180/2014, 201/2014, 207/2014, e 321/2014, 395/2014 e outros disponíveis in www.dgsi.tribunalconstitucional.pt.
Como tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal Constitucional - cfr. o acórdão n.º 691/2016, Proc. n.º 40/15, de 14-12-2016) «(…) no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais, para além de que, para a punição assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social, não podendo, invocar-se, por isso, para essa categoria de infrações, um conceito de culpa equivalente ao exigível para a imposição de uma sanção criminal».
E o n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho, ao estabelecer que se o infractor for uma pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores, não pretende imputar a estes qualquer solidariedade quanto à infracção, mas apenas a solidariedade quanto ao pagamento da coima, de forma a garantir o pagamento desta face a quaisquer riscos decorrentes do funcionamento da pessoa colectiva.
Como se assinalou no referido acórdão do Tribunal Constitucional de 14-12-2016, com referência ao mencionado n.º 3 do artigo 551.º, «(…) não se trata aqui de definir a moldura da coima aplicável a um administrador ou gerente com base em elementos de aferição que apenas respeitem à pessoa colectiva e que são necessariamente diferenciados. O que está em causa é uma responsabilidade solidária que confere ao sujeito individual a condição de garante do pagamento da coima, a qual não deixa de ser fixada, no âmbito do processo contraordenacional, em função da moldura ajustável à personalidade colectiva do devedor primário. Não ocorre, por isso, uma parificação, quanto ao objeto, de situações de responsabilidade que, do ponto de vista da natureza do sujeito responsável, sejam desiguais, e pudesse suscitar uma desconformidade com o princípio da igualdade (…) Portanto, estando em causa apenas a solidariedade pelo pagamento, enquanto garantia da satisfação da obrigação pecuniária, e não a responsabilidade pela infracção, não há violação da regra constitucional prevista no artigo 30.º, n.º 3 da CRP (…)».
Por isso, face à abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujo entendimento perfilhámos e ao qual aderimos na íntegra, no sentido de não julgar inconstitucional o n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho, segundo o qual os administradores, gerentes ou directores de pessoa colectiva ou equiparada respondem solidariamente pelo pagamento da coima aplicada a esta, só nos resta concluir, nesta parte, pela improcedência das conclusões da motivação de recurso.».
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Ora, como já dissemos, importa assinalar que os recorrentes não vieram, nesta sede, aduzir qualquer argumento novo quanto a esta questão, limitando-se a repetir a posição assumida na impugnação judicial da decisão administrativa.
Questão que, conforme se pode constatar pela fundamentação da sentença recorrida na parte supra transcrita, a Mª Juíza “a quo” apreciou e, no nosso entender, bem, com aprofundada e criteriosa fundamentação, rejeitando a invocada inconstitucionalidade do nº 3 do art. 551º do CT/2009, seguindo o entendimento, sucessivamente afirmado pelo Tribunal Constitucional, como o demonstram os acórdãos que citou e acolhemos, a título de exemplo, os Acórdãos 180/2014, 201/2014, 207/2014, 321/2014, 395/2014 e 691/2016, entre outros, todos (disponíveis in www.dgsi.tribunalconstitucional.pt.).
Assim, se bem que se nos cumpra justificar esta nossa posição, procuraremos evitar mas, salvaguardando, desde já, eventuais repetições.
Pois, para além de concordarmos na generalidade com a fundamentação da sentença recorrida, também a acolhemos quando sublinha e faz relevar o facto de não assistir razão aos recorrentes ao sustentarem a inconstitucionalidade do nº3, do art. 551º, do CT, por violação do disposto nos art.s 30º, nº 3 e 32º, nº 2, da CRP, uma vez que, ao contrário do que sustentam, a responsabilidade dos gerentes, em caso de condenações como a que ocorre nos autos, é meramente obrigacional, respeitando a solidariedade, apenas, à obrigação pelo pegamento da coima e não “da responsabilidade infraccional da sociedade para pessoa diversa do infractor” como, sempre com o devido respeito, em nosso entender, erradamente consideram.
Na verdade, este é o ponto fulcral e único da questão.
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Vejamos, então.
Invocam os recorrentes a questão da inconstitucionalidade material do art. 551º, nº3 do CT, reiterando a argumentação deduzida em sede de impugnação judicial, “por violação do disposto nos artigos 30º, nº 3 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, consideram, admite a transmissão da responsabilidade infraccional da sociedade para pessoa jurídica diversa do infractor.
Dispõem, aqueles, respectivamente, que, “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão” e que, “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.
Por sua vez, sob a epígrafe “Sujeito responsável por contra-ordenação laboral”, dispõe o nº3 do referido art. 551º que, “Se o infractor for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores”.
Dispositivo correspondente ao art. 617º, nº3, do CT/2003, a respeito do qual (João Soares Ribeiro in “Questões Laborais”, nº 15, 2000, pág. 20) refere que, “A responsabilidade que a lei atribui aos gerentes, directores, administradores em solidariedade com a responsabilidade da pessoa colectiva, é algo que vem desde, pelo menos, o Código do Processo de Trabalho de 1963 e embora aí se imputasse também a infracção (para além do pagamento da multa) a essas entidades, certo é que, como diz H…, «pretendeu assim a lei garantir a sua satisfação efectiva contra os riscos inerentes ao próprio funcionamento das pessoas colectivas». Está-se, pois, perante uma mera garantia de satisfação da sanção pecuniária. Justifica-se, por isso, que se trate aqui de uma mera solidariedade, não quanto à infracção, mas apenas quanto ao pagamento da coima em que a pessoa colectiva foi condenada, pois tanto basta para que aquela garantia de satisfação seja alcançada”.
Posição que, ao contrário do que consideram os recorrentes, entende que, a responsabilidade dos gerentes, administradores e directores não pressupõe a prática de qualquer ilícito contra-ordenacional, com base na culpa ou com base na culpa presumida, nem há qualquer transmissão da responsabilização pela prática da contra-ordenação.
Daquele mesmo autor (João Soares Ribeiro, in “Contra-ordenações laborais-Regime Jurídico”, 3ª edição, 2011, pág. 336) lê-se que, o art. 551º, nº3 do Código do Trabalho, apenas, institui uma solidariedade no pagamento da coima não na infracção, pelo que não se verifica qualquer transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional.
Ou seja, como bem se considerou na decisão recorrida, o que está em causa, na previsão do nº 3 do artigo 551º do CT, é a solidariedade quanto ao pagamento da coima e não a solidariedade quanto à infracção, o que se pretende instituir é, apenas, uma garantia de satisfação da sanção pecuniária contra os riscos inerentes ao próprio funcionamento das pessoas colectivas, decorrente da necessidade de acautelar o pagamento das coimas aplicáveis àquelas, prevenindo a possibilidade de as mesmas virem a ser colocadas numa situação de insuficiência patrimonial que inviabilize por motu próprio a satisfação do crédito.
Sem dúvida, o entendimento perfilhado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, como o demonstram os acórdãos já referidos nos autos, no sentido de que é, o recurso a um princípio civilístico de solidariedade passiva, para esse efeito – que nunca poderia justificar a transferência de uma responsabilidade penal -, não deixa de ser uma medida compreensível no plano de política legislativa e numa perspectiva utilitarista de eficácia da prevenção contra-ordenacional. Funciona aqui uma garantia patrimonial que é exigível ao administrador ou gerente em função da sua qualidade de representante legal da pessoa colectiva e em atenção à sua ligação física e funcional à actividade empresarial que é susceptível de envolver a prática de infracções contra-ordenacionais, conforme, neste mesmo sentido, de novo o autor, já citado (J. S. Ribeiro, na obra, também, citada Contra-ordenações Laborais, pág.s. 335 e 336).
Acolhemos, tal como se fez na decisão recorrida, este entendimento e não vislumbramos qualquer razão para defender entendimento diverso.
No que concerne à invocada violação dos princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência, consideramos que a garantia da satisfação do pagamento da coima em que se traduz a responsabilidade solidária, que consideramos é prevista no art. 551º, nº3 do CT, não belisca minimamente aqueles. Nem os recorrentes alinham argumentos susceptíveis de convencer do contrário.
Os bens dos directores, administradores ou gerentes ou só respondem, solidariamente, porque houve a prática de uma infracção pela sociedade que dirigem, administram ou gerem que ofenderam bens jus-fundamentais.
Como decorre do entendimento que seguimos, através da responsabilização prevista naquele normativo, o legislador apenas terá pretendido tornar mais eficaz a efectivação do sistema sancionatório no âmbito do direito contra-ordenacional laboral, garantindo uma maior eficácia na cobrança coerciva da coima e prevenindo, ao mesmo tempo, o cometimento de infracções laborais, protegendo por essa via os bens tutelados pelo direito contra-ordenacional laboral, como a saúde e segurança dos trabalhadores, etc..
Em suma, o mencionado art. 551º, nº3 do Código do Trabalho, não enferma da inconstitucionalidade material invocada pelos recorrentes, baseada na violação dos princípios da intransmissibilidade da responsabilidade penal, da presunção de inocência ou qualquer outro.
Pelo que, em face da constitucionalidade material do art. 551º, nº3 do CT e por se verificarem os requisitos previstos neste normativo, bem andou o tribunal de 1ª instância em considerar o ora recorrente, na qualidade de gerente da sociedade/arguida, responsável solidário pelo pagamento da coima, ao abrigo deste preceito legal.

Improcede, assim, esta questão do recurso.
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Vejamos, agora, a segunda questão suscitada.
Na linha de argumentação que invocam, vêm os recorrentes defender que o Tribunal “a quo” errou na decisão, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que determine a substituição da coima aplicada pela admoestação, (conclusão 2).
Sobre esta questão, da pena a aplicar e sua medida, na fundamentação da decisão recorrida lê-se o seguinte:
- «A sociedade arguida B…, Lda, insurge-se contra a decisão que a condenou pela prática, com negligência, de uma contra-ordenação muito grave, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 79º, nº1 e 171º, nº1, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e punível nos termos da al. b), do nº4, do art. 554º, do Código do Trabalho.
Dispõe o artigo 79º, n.º1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que “O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro”.
Por sua vez, o artigo 171º, n.º 1º do referido diploma estabelece que “ Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no artigo 26º e n.ºs 1 e 2 do artigo 79º”.
Ora, perante os factos provados, dúvidas não restam que a partir de 1 de Abril de 2018 a arguida não tinha transferido relativamente aos trabalhadores ao seu serviço, E… e G…, a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
E nem se diga, como pretende a arguida, que agiu sem culpa, pois que só a ela aquela omissão é imputável e censurável, não tendo actuado com a diligência e o cuidado que podia e devia.
Consequentemente, impõe-se concluir, face aos factos provados, que a arguida praticou a contra-ordenação pela qual foi condenada.
No entanto, no que respeita à coima que lhe foi aplicada, a qual teve por base um volume de negócios igual ou superior a €10.000.000,00, nos termos do disposto no art. 554º, nº8, do Código do Trabalho, não poderá tal coima manter-se, porquanto logrou a arguida provar que no ano de 2017 apresentou um volume anual de negócios de 1.010.564,73€.
Consequentemente, atento o disposto no art. 554º, nº4, al. b), do Código do Trabalho, a contra-ordenação muito grave descrita e cometida pela arguida é punida com uma coima de 32 UC a 80 UC, uma vez que foi praticada com negligência.
Prescreve o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. Ora, atendendo aos elementos constantes dos autos, considerando a circunstância de a arguida ser primária, aliada à ausência de dolo na sua actuação, entendemos que lhe deverá ser aplicado uma coima próxima do mínimo.
Assim, consideramos justa e equitativa, em concreto, uma coima no valor de 34 Uc´s, correspondente ao valor de €3.468,00, mantendo-se a sanção acessória de publicitação prevista nos n.os 1 e 3 do artigo 562.º do Código do Trabalho.».
Para sustentarem a sua discordância os recorrentes invocam que a decisão recorrida “ao não substituir a coima aplicada pela admoestação prevista no art. 51º do RGCO, desconsiderando assim a ausência de consequências e a natureza negligente da conduta ilícita, o reduzido grau de culpa e o contexto da prática da contra ordenação, o reduzido benefício económico retirado e a natureza primária da recorrente, violou por erro de interpretação e aplicação a referida norma, bem como o disposto nos arts. 18º do RGCO e nºs 1 e 2 do art. 559º do Código do Trabalho”.
Ora, adiantando desde já a nossa decisão, temos de referir, que não têm razão.

Senão, vejamos.
De acordo com o disposto no art. 79º, nº1, e 171, nº1, da Lei nº 98/2009, a contra-ordenação cometida é considerada muito grave.
O art. 79º, sob a epígrafe, “Sistema e unidade de seguro”, dispõe:
“1 - O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.”
E, o art. 171º, sob a epígrafe “Acidente de trabalho”, incluído na “SECÇÃO II” daquela, que respeita às “Contra-ordenações em especial”, no nº1 dispõe que “- Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no artigo 26.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 79.º”.
A admoestação prevista no art. 51º do RGCO tem em vista casos de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, encontrando-se, por isso, reservada para contra-ordenações leves ou simples. Dispondo o seu nº 1 “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.
Por sua vez, o art. 48º do RPCOL, sob a epígrafe “Admoestação judicial”, dispõe: “Excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação.”.
Ora, basta atentar neste dispositivo e no que estabelece o referido art. 171º, nº 1, para se concluir que não assiste razão aos recorrentes.
Em situações, como é o caso, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, atenta a natureza da infracção praticada. Sendo, objectivamente muito grave que, qualquer entidade patronal, mantenha ao seu serviço, sob as suas ordens e direcção trabalhadores, sem transferir a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes de acidente de trabalho, independentemente, do número, um ou mais. Pelo que, o facto de, no momento da fiscalização e da constatação da infracção, a arguida apenas manter nos seus quadros dois funcionários, não tem a virtualidade de alterar a culpa da sua conduta ou a qualificação que lhe é atribuída por aquele art. 171º, nº1.
A contra-ordenação em causa é muito grave, não só, atento o bem jurídico protegido, mas pela própria moldura da sanção, (deve notar-se que a coima mínima prevista para a contra-ordenação, em causa, se praticada com negligência, é de 32 UC, podendo atingir o máximo de 80 UC), conforme art. 554º, nº 4, al. b) do CT.
Não vemos, assim, como contornar os dispositivos em causa e acolher os argumentos invocados pelos recorrentes, sempre com o devido respeito, sem qualquer apoio legal.
Diga-se, apenas, que não se percebe a que aludem quando invocam ter sido desconsiderada “a ausência de consequências”, quando tal não é elemento constitutivo do cometimento da infracção, nem quando se limitam a invocar “o contexto da prática da contra-ordenação”, que não fundamentam, nem enquadram legalmente.
E, quanto à invocada natureza negligente da conduta ilícita, o reduzido grau de culpa o reduzido benefício económico retirado e a natureza primária da recorrente, também estes não vemos como se afirma que foram desconsiderados, quando a Mª Juíza “a quo” na sentença recorrida, como se verifica pela coima, em concreto, que considerou justa e equitativa, 34 UC, muito próxima do mínimo legal, considerou aqueles.
Por fim, não esquecer, como assinala o Ministério Público na resposta à motivação do recurso, que aquele já referido art. 48º do RPCOL, apenas, excepcionalmente, permite a substituição da coima por admoestação “se a infracção for considerada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique”.
No mesmo sentido, refere (Sérgio Passos, in Contra-ordenações, Almedina, 2ª edição, 2006, pág. 365) que, “a admoestação só será de aplicar às infracções qualificadas como leves ou simples, em que o grau da culpa seja reduzido, designadamente, àquelas em que há actuação por negligência ou… em que hajam circunstâncias que atenuem a culpa…”, o que já vimos não é o caso.
A infracção cometida é qualificada de muito grave.
Assim, considerando o teor das disposições legais citadas, só se pode concluir que, é legalmente inadmissível a substituição da pena, nos termos pretendidos pelos recorrentes e, desse modo, a decisão recorrida deve manter-se, porque, não violou qualquer dispositivo legal, em particular, os referidos por aqueles.

Improcede, assim, também, esta questão e improcedem todas as conclusões do recurso.
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III - DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente/arguida, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.s 513º nº 1 e 514º nº 1 do CPP e 8º nº 5 e tabela III anexa do RCP)
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Após trânsito em julgado deste Acórdão, comunique à ACT, com cópia certificada do mesmo.
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Porto, 10 de Julho de 2019
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes