Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0622691
Nº Convencional: JTRP00039262
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: CITAÇÃO
TRADUÇÃO
ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RP200606060622691
Data do Acordão: 06/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 218 - FLS 134.
Área Temática: .
Sumário: I - É legal a citação ocorrida em território nacional a pedido de Tribunal Italiano, sem tradução em português de qualquer documento.
II - Portugal não opôs quaisquer reservas ao Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho de 29 de Maio de 2000
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

B………., Spa, empresa com sede em Firenze, Itália, requereu, no Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, que fosse declarada força executória à decisão proferida pelo Tribunal de Firenze (Secção de Empoli), Itália, em 17 de Fevereiro de 2005, em que é Ré C………., Lda, com sede em ……….-………., Paços de Ferreira.
Alegou, para tanto, em resumo, que intentou, no aludido Tribunal, uma acção ordinária por falta de pagamento de mercadorias regularmente fornecidas à Requerida; esta foi notificada para deduzir oposição, mas, apesar de regularmente citada por carta registada, a Requerida não deduziu oposição; por isso, o referido Tribunal condenou a Requerida a pagar à Requerente a quantia de Euros 18.794,42, acrescida de juros e despesas legais com o processo liquidadas pelo mesmo Tribunal; tal decisão transitou em julgado.
Proferiu-se, seguidamente, decisão que concedeu força executória à sentença proferida pelo Tribunal de Firenze (Secção de Empoli), Itália, em 17 de Fevereiro de 2005, contra a Requerida.
Inconformada com o assim decidido, interpôs a Ré (Requerida) recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Alegou, oportunamente, a agravante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª – “A Requerida, C………., Lda, não foi citada para o processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Firenze (Secção de Empoli) – Itália e que findou com a sentença de 17 (dezassete) de Fevereiro de 2005, que a decisão recorrida declarou executória, ao abrigo do Artigo 41º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22-12-2000;
2ª – Não foi citada em Português e não percebe o italiano pelo que foi violado o Artigo 8º do Regulamento (CE) nº 1348/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000;
3ª – Também não foi citada por meio de qualquer das entidades referidas no Artigo 2º do Regulamento (CE) nº 1348/2000, como não foi citada por via diplomática ou consular, como determina, em alternativa o aludido Regulamento, que se aplicava ao caso concreto pois substituiu a Convenção de Haia de 1965, aprovada para ratificação pelo DL 210/71, de 18-5 (cfr. Artigo 20º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 1348/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000);
4ª – A falta ou nulidade da citação no processo declarativo é fundamento de oposição à execução fundada em sentença condenatória, de acordo com o Artigo 814º, alínea d) do Código de Processo Civil, o que desde já se invoca e se voltará a invocar em sede executiva, se a mesma for instaurada;
5ª – Perante a revelia da C………., Lda, o juiz italiano deveria ter suspendido o processo, abstendo-se de julgar a mesma C………., Lda, como manda o Artigo 19º, nº 1, al. a) e b) do Regulamento (CE) nº 1348/2000, do Conselho, de 29-5-2000, sendo certo que o que consta da conclusão iii, sempre inviabilizaria o julgamento pelo tribunal italiano ao abrigo do Artigo 19º, nº 2, do Regulamento (CE) nº 1348/2000, do Conselho, de 29-5-2000, diploma aplicável ao caso por força do Artigo 26º, nº 2 e nº 3 do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22-12-2000;
6ª – A notificação levada a cabo no Processo …./05.. TBPFR, do .º juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira teve como objecto apenas a sentença cuja força executória se requereu nos presentes autos e não o acto que iniciou a instância no tribunal italiano;
7ª – Como notificação da sentença, falta-lhe a indicação do prazo que a C………., Lda tinha para interpor recurso da decisão italiana ali notificada violando-se, desse modo, a Ordem Pública Portuguesa que impõe o Princípio da Igualdade das Partes no Artigo 3º-A do Código de Processo Civil, que tem dignidade constitucional, pois decorre do Princípio do Estado de Direito e do Princípio da Igualdade, ambos com consagração nos Artigos 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa, todos eles violados pela decisão de declaração de executoriedade da sentença italiana em questão, pois não foi assegurada a igualdade substancial das partes;
8ª – Assim sendo, deve-se considerar que a sentença cuja força executória se requer, foi notificada à C………., Lda, com violação da Ordem Pública do Estado Português, preenchendo-se a hipótese do Artigo 34º, nº 1 do Regulamento 44/2001;
9ª – Consequentemente, deve ser revogada a decisão recorrida, revogando-se a força executória da sentença proferida pelo Tribunal de Firenze (Secção de Empoli) – Itália em 17-2-2005 em que é Ré a C………., Lda e Autora a B………., SPA, pois tal força executória, sendo concedida, violará a Ordem Pública Portuguesa”.

Contra-alegou a agravada, pugnando pela manutenção do julgado.
O M.º Juiz do Tribunal “a quo” sustentou tabelarmente a decisão recorrida.
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As conclusões dos recorrentes delimitam o âmbito do recurso, conforme se extrai do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, a questão a decidir por este Tribunal cinge-se a saber se estão reunidos os requisitos para ser concedida força executória à sentença proferida pelo Tribunal de Firenze, Itália, em 17-2-2005.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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OS FACTOS

Extraem-se dos autos os seguintes factos:

1º - Por sentença de 17 de Fevereiro de 2005, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal de Florença (Secção de Empoli), Itália, proferida no processo nº …/C/2002, em que figuram como Autora B………., SPA e com Ré C………., Lda, foi esta condenada a pagar àquela a quantia total de € 18.794,42, além dos juros legais (a partir de 10 de Maio de 1998 no que diz respeito à quantia de € 7.399,42 e a partir do dia 16 de Julho de 1998, no que diz respeito à quantia de € 11.355,00); mais foi a Ré condenada no pagamento das despesas processuais, que foram fixadas em € 2.367,73 (docs. de fls. 11 a 21);
2º - Naquela acção, a Ré não contestou nem apresentou qualquer defesa;
3º - A Ré foi citada para os termos da acção referida no item 1º através de carta registada com aviso de recepção assinado em 09/8/2002 (fls. 24), cujo anexo se encontra redigido nas línguas italiana e inglesa (fls. 22 e 23).
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O DIREITO

A ora agravante foi demandada pela agravada num tribunal italiano, processo esse em que a agravante não apresentou qualquer defesa, tendo culminado pela respectiva condenação, decisão que foi devidamente notificada à agravante, sem que esta a impugnasse pela via de recurso.
A agravada veio requerer a executoriedade, nos tribunais portugueses, daquela decisão, o que a agravante procura infirmar pela via do presente recurso.
Aduz a agravante que foi citada na língua italiana e não em português, pelo que haverá falta de citação. E daí parte para afirmar que a sentença italiana ofende a ordem pública portuguesa e até o princípio da igualdade. Salvo o devido respeito, sem a menor razão. Vejamos.

Muito embora se nos afigure que a existir falta ou nulidade de citação da ora agravante, tal questão devia ser suscitada, em tempo oportuno, no Tribunal de Firenze (Secção de Empoli), onde correu a acção condenatória em causa, o certo é que não se verifica a invocada falta de citação.
A agravante não nega que foi citada para os termos da referida acção. Defende somente que a citação e respectivos anexos deviam ter sido acompanhados da tradução em língua portuguesa.
O art.º 247.º do C. de Proc. Civil dispõe que, quando o réu reside no estrangeiro, observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais (n.º 1) e que, na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (n.º 2).
Como tivemos oportunidade de escrever no Recurso nº 6574/03, em situação similar à dos presentes autos, era então aplicável a Convenção de Haia Relativa à Citação e Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Cível e Comercial, de 15 de Novembro de 1965, aprovada para ratificação pelo citado Dec. Lei n.º 210/71.
A Autoridade Central a que alude o art.º 2.º daquela Convenção não regulava as formalidades da citação em si mesma, mas tão somente os trâmites burocráticos e os procedimentos que os Estados vinculados pela Convenção têm de adoptar, quando recebem os pedidos de citação e de notificação emanados de outro Estado.
Não decorria do art.º 5.º da mesma Convenção que fosse obrigatória a tradução em língua do país onde reside o citando dos documentos que lhe são remetidos do país onde corre a acção em causa.
Como decidiu a R. de Évora [In B.M.J. n.º 326.º, 540], no Ac. de 4/2/83, aquela Convenção não veda a citação de residentes no estrangeiro (EUA) por carta registada com aviso de recepção. Para a efectivação de tal acto não é obrigatória a tradução da petição e nota de citação, porquanto tal formalidade não consta do art.º 244.º do C. de Proc. Civil, devendo, consequentemente, serem observadas as prescrições da «lex fori», designadamente, o disposto no art.º 139.º, n.º 1 do apontado código, segundo o qual nos actos judiciais usar-se-á a língua portuguesa [No mesmo sentido, Ac. desta Relação de 15/9/88, B.M.J. n.º 379.º, 638].
Como escreveu António Santos Abrantes Geraldes [In Temas Judiciários, vol. 1.º, 66], “nada na lei ou na Convenção obriga a que, nesta modalidade de citação (por via postal), os elementos remetidos sejam traduzidos na língua do país destinatário, ao invés do que ocorre quando a citação é solicitada à Autoridade Central do Estado requerido, caso em que o artigo 5.º, § 3.º, admite a legitimidade desta exigência [sem prejuízo do disposto no artigo 20.º, al. b)].
Pode parecer estranho que alguém seja citado no estrangeiro, através de carta registada redigida numa língua, desconhecida do destinatário. Porém, este argumento é de nulo valor face ao regime vigente, uma vez que diversa opção deveria encontrar assento nos locais apropriados (na referida Convenção ou na lei nacional)”.

Posteriormente, como se diz na decisão recorrida, o Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões, em matéria civil e comercial (publicado no J.O.C., nº L 12, de 16/01/2001), veio criar um instrumento normativo de direito comunitário que permitiu a unificação, no âmbito da sua aplicação, das normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como a simplificação das formalidades com vista ao reconhecimento e execução, rápido e simples, das decisões proferidas sobre essas matérias.
De acordo com o artº 33º daquele Regulamento, “as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo”.
No que respeita à exequibilidade das decisões, prescreve o artº 38º do referido Regulamento que “as decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada”.
Não vem posto em causa que ao caso vertente se aplica o Regulamento (CE) nº 1348/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000, que entrou em vigor no dia 31 de Maio de 2001.
Nos termos do artº 14º deste Regulamento, qualquer Estado-Membro, por um lado, tem a faculdade de proceder directamente por via postal à citação de actos judiciais destinada a pessoas residentes em outro Estado-Membro e, por outro lado, que pode precisar, nos termos do nº 1 do artigo 23º, que se opõe às citações por esse meio no seu território.
O artigo 23º do mesmo Regulamento, para que o nº 2 do seu artigo 14º remete, prescreve, para além do mais que aqui não tem relevo, que os Estados-Membros devem comunicar à Comissão as informações a que se refere o artigo 14º e que aquela as fará publicar no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.
Ora, no que se refere àquele artigo 14º, a República Portuguesa comunicou não ter “quaisquer reservas a formular relativamente a este artigo”.
Por sua vez, a Itália comunicou, em relação ao mesmo artigo, que “a condição indispensável para poder aceitar os actos por via postal é que os mesmos sejam acompanhados da sua tradução na língua italiana” (Jornal Oficial das Comunidades Europeias, C 151/4, de 22 de Maio de 2001).
Deste modo, tendo a citação da agravante ocorrido em território nacional, e porque a República Portuguesa não formulou quaisquer reservas em relação ao referido artº 14º, não tinha quer ser utilizada, na efectuada citação, a língua portuguesa.
Dir-se-á que Portugal não agiu com a devida diligência e deixou desprotegidos os seus cidadãos, ao não exigir, como fez a Itália, que as citações fossem acompanhadas da respectiva tradução na língua do citando. Esta crítica fica, porém, fora do poder de apreciação dos tribunais. O certo é que, quem representava, então, a República Portuguesa entendeu fazer a referida comunicação, a qual vincula, agora o Estado Português, não podendo os cidadãos nacionais exigir que as citações que lhes são dirigidas por tribunais de outros Estados-membros sejam acompanhadas da respectiva tradução em português.
Segundo o disposto no artº 139º, nº 1, do C. de Proc. Civil, a regra é que nos actos judiais deve ser utilizada a língua do foro.
Como se escreveu no Ac. do S.T.J. de 26/2/04 (Conselheiro Salvador da Costa, in www.dgsi.pt), “na hipótese de o citando ser um estrangeiro domiciliado no estrangeiro, nem a lei portuguesa de origem interna nem o aludido Regulamento exigem a tradução da petição inicial, dos documentos que a acompanham e da nota de citação”.

A ora agravante foi citada para os termos da acção que contra ela correu no Tribunal de Firenze (Secção de Empoli). A carta de citação não tinha, pois, que vir traduzida em português, já que, como se disse, a República Portuguesa comunicou não ter quaisquer reservas a formular relativamente ao citado artigo 14º.
De nenhuma anomalia carece, pois, a efectuada citação, a qual foi efectuado de acordo com a lei interna portuguesa e com o aludido Regulamento (CE) nº 1348/2000.
Por isso, a citação da agravante não ofende a ordem pública portuguesa, antes está em conformidade com a legislação a que a República Portuguesa se vinculou internacionalmente.
E também não se mostra, de modo algum, ofendido o princípio da igualdade das partes. A ora agravante foi devidamente citada para os termos da acção que contra si foi instaurada e teve, por isso, oportunidade de apresentar a sua defesa. E foi, além disso, notificada da sentença proferida pelo referido tribunal italiano, pelo que teve também oportunidade de reagir contra a sentença condenatória proferida. Não tendo feito uma coisa nem outra, só pode queixar-se da sua própria inércia.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação da agravante, pelo que o despacho recorrido terá de se manter.
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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao agravo e, em consequência, mantém-se o despacho recorrido.
Custas pela agravante.

Porto, 6 de Junho de 2006
Emídio José da Costa
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso