Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
99/14.2T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
NATUREZA SUBSIDIÁRIA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP2022040799/14.2T8PVZ.P1
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O recurso da matéria de facto deve basear-se em realidades concretas, úteis e aptas a demonstrar o alegado.
II - O instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem natureza subsidiária e o ónus de prova dos seus pressupostos cabe, neste caso, ao credor.
III - Não basta a insolvência da sociedade e a existência de um anterior empréstimo aos sócios para demonstrar uma utilização fraudulenta da personalidade da mesma.
IV - Estranho seria que os gerentes tenham intenção de prejudicar a apelante, quando existem outros credores com créditos de montante superior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 99/14.2T8PVZ P1


Sumário:
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1. Relatório
“Y..., S.A.”, actualmente denominada “S..., S.A.”, com sede na Via ... - ..., Matosinhos, intentou a presente acção declarativa, de condenação, com processo comum, contra “V..., Lda.”, com sede na Avenida ..., Póvoa de Varzim, AA, residente na Rua ..., Póvoa de Varzim e BB, residente na ..., Póvoa de Varzim, formulando os seguintes pedidos: “serem os 1ª , 2º e 3º réus condenados solidariamente a pagarem à autora:
A) a indemnização prevista no n. º 3 da cláusula 8ª , no importe de 4.833,33 eur;
B) os juros de mora sobre a quantia referida na anterior alínea a), à taxa legal para as dívidas comerciais, desde outubro de 2011, até à data do efectivo e integral pagamento, importando os já vencidos, na presente data, em 1.112,80 eur;
C) a devolução da contrapartida concedida pela autora, deduzida da parte proporcional correspondente ao período do contrato cumprido, no valor de 7.975,11 eur – cfr. N. º 4ª da citada cláusula 8ª;
D) os juros sobre a quantia referida na antecedente alínea c/, à taxa máxima permitida pela aplicação conjugada dos artigos 559.º, 559.º-A e 1146. º, n. º 2, do Código Civil, desde 14/09/2009 até ao efectivo e integral pagamento – cfr n. º 4 da citada cláusula, importando os juros já vencidos até à presente data, em 5.274,72 eur;
E) tudo no montante global de 18.195,96 eur.
Subsidiariamente, caso se entenda que o valor a pagar pelos 2º e 3º réus possui um carácter indemnizatório, que os mesmos sejam condenados a pagar à autora uma indemnização igual aos valores referidos nas anteriores alíneas A/, B/, C/ D/ e E/, assim como juros vincendos, calculados nos mesmos termos, até integral e efectivo pagamento.”.
Para o efeito a autora alegou, em resumo, que a 1ª ré é uma sociedade comercial que explorava o estabelecimento comercial denominado “Cervejaria ...”, sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, onde vendia ao público e publicitava os produtos fabricados e comercializados pela autora. Contudo, em 20/04/2012, foi proferida sentença de declaração de insolvência da 1ª ré e, em 02/10/2012, foi determinado o encerramento daqueles autos por insuficiência da massa.
Os 2º e 3º réus são os únicos sócios-gerentes da aludida sociedade ré. No exercício das citadas actividades comerciais, a autora e a 1ª ré celebraram, em 3 de agosto de 2009, um contrato de compra e venda, e como contrapartida da obrigação de exclusividade assumida pela 1ª ré, a autora pagou-lhe, em 14 de Setembro de 2009, a quantia de 17.400,00 euros. Contudo, a 1ª ré incumpriu as obrigações de compra e venda estabelecidas no mencionado contrato e em Outubro de 2011, a autora teve conhecimento que a 1ª ré encerrou definitivamente ao público o seu estabelecimento sem lhe efectuar qualquer comunicação. Por isso, o contrato celebrado entre a autora e a 1ª ré foi resolvido, por factos imputáveis àquela, pelo menos, em Outubro de 2011, por carta. A autora e a 1ª ré acordaram para o caso de resolução por incumprimento daquela, o pagamento de uma indemnização e a devolução da contrapartida, acrescida de juros. Acrescentou que as deliberações foram sempre tomadas pelos 2º e 3º réus, pelo que estes são responsáveis pela dívida, sendo que os mesmos, pretendendo obter para si um enriquecimento ilegítimo e injustificado, tornaram o património da sociedade insuficiente para a satisfação dos seus débitos, provocando a saída do estabelecimento em causa (seu único bem), do património da 1ª ré, fazendo-o seu, integrando o produto do referido estabelecimento comercial, no valor mínimo de 40.000,00 euros, assim como a quantia acima aludida nos seus respectivos patrimónios pessoais. O activo da sociedade, ou o produto da sua venda, foi “desviado” em benefício dos 2º e 3 réus, que não cumpriram as regras de conservação do capital social, em detrimento dos credores. Com tal atitude os 2º e 3º réus incorreram em responsabilidade civil extracontratual perante os credores daquela mesma sociedade, pelo que é legítima a derrogação do princípio da separação entre o ente societário e as pessoas que em nome e representação dele actuam, aqui 2º e 3º réus, podendo os credores atacar os bens pessoais destes. Ademais, os 2º e 3º réus são responsáveis pela situação económico-financeira da 1ª ré, actuando, no exercício das suas funções, de forma ilícita, uma vez que desde 2010 a sociedade “V...” não apresenta contas, incumprindo os deveres societários e legais a que estavam obrigados, previstos nos artigos 65º, 65º-A e 66º do C.S.C. e o 3º, n. º 1 al. n) do C.R.C., normas que também visam a protecção dos credores. Por outro lado, os 2º e 3º réus, enquanto legais representantes da sociedade “V...”, aquando da celebração do contrato de compra exclusiva, intencionalmente omitiram aos comerciais da autora a verdadeira situação deficitária da empresa que representavam, sendo que se a verdadeira situação financeira da 1ª ré sido comunicada aqueles comerciais o contrato em causa não teria sido celebrado. Por conseguinte, os 2º e 3º réus são responsáveis pelo pagamento do crédito aqui peticionado ou pelo pagamento de uma indemnização equivalente ao mesmo.
Os réus foram regularmente citados.
Os réus AA e BB contestaram a presente acção, invocando que, no âmbito de execução hipotecária movida pela Banco ..., foram aceites as propostas da exequente para aquisição das fracções prediais autónomas que tinham sido anteriormente nesse processo penhoradas, designadamente a fracção “L” que constitui o rés-do-chão onde funcionava a instalação principal e único estabelecimento comercial da empresa e das fracções “H” e “G”, que constituem garagens na cave do mesmo prédio, que constituíam os activos que tinham valor patrimonial significativo da sociedade. Por outro lado, o Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim procedeu à penhora, em sede de execução fiscal, de todos os bens móveis e equipamentos existentes no estabelecimento comercial. Nessa sequência, foi requerida e declarada a insolvência da sociedade ré, insolvência que não foi tida como culposa. Ademais, a responsabilidade por dívidas comerciais dos réus contestantes não pode existir nas relações com terceiros estranhos à sociedade, tendo em conta os factos concretos alegados. Concluem que a acção deve ser julgada totalmente improcedente e não provada contra os réus contestantes.
Em 11-12-2018, a autora apresentou articulado superveniente, no qual alegou, em síntese, o incumprimento pelos réus contestantes da obrigação de inverter a situação de perda de mais de metade do capital social da sociedade ré conforme prevê o artigo 35º do C.S.C. e desrespeito do dever de diligência imposto pelo artigo 64º do mesmo Código.
Mediante requerimento de 21-02-2019 os réus pronunciaram-se no sentido da inadmissibilidade do articulado por ser uma renovação do já apresentado em 21-05-2018 e sustentaram que a dissolução da sociedade ou a redução do capital social não evitariam o prejuízo da autora, nem os sócios daquela tinham possibilidades financeiras de realizar novas entradas de capital ou prestações suplementares.
Após saneamento, e instrução realizou-se a audiência final finda a qual foi proferida sentença que decidiu “julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, A) Condenar a sociedade ré “V..., Lda.” A pagar à autora “S..., S.A.” as seguintes quantias: 1- €4.833, 33 (quatro mil oitocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde Outubro de 2011 até efectivo e integral pagamento, à taxa legal comercial; 2- € 7.975,11 (sete mil, novecentos e setenta e cinco euros e onze cêntimos) acrescida de juros de mora contados desde 14 de Setembro de 2009 até efectivo e integral pagamento, à taxa legal comercial. B) Absolver os réus AA e BB dos pedidos.
Inconformada veio a autora recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação (artigo 644º, n.º1, al. a) do C.P.C.), com subida nos próprios autos (artigo 645º, n.º 1, al. a) do C.P.C.) e com efeito meramente devolutivo (artigo 647º, nº 1 do C.P.C.).
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2. Alegações
A apelante, em 65 páginas, concluiu que:
1. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta decisão de 29/08/2019, que absolveu da instância os Réus AA e BB do pedido, tendo em vista, não apenas a interpretação e a aplicação da lei aos factos já dados como provados, mas, também, a reapreciação da prova produzida, documental e testemunhal, com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para e os efeitos do estatuído v. g. no artigo 662º, do C.P.C.
2º Os FACTOS NÃO PROVADOS “1” E “4” (Aquando da sua celebração, os 2º e 3ª réus sabiam que a 1ª ré não podia efectuar os consumos previstos no acordo referido em 4 dos factos provados.); (Os 2º e 3º réus, enquanto legais representantes da 1ª ré, aquando da celebração do acordo referido em 4 dos factos provados omitiram aos comerciais da Recorrente a situação financeira da empresa, o que originou a aceitação pela Recorrente do acordo referido em 4 dos factos provados.) deveriam ter sido dados como provados, em resultado da conjugação e análise dos seguintes meios de prova: (…)
3º Os FACTOS NÃO PROVADOS “2” E “3” (Os 2º e 3º réus integraram o ativo imobilizado da sociedade ou o produto da sua venda, o produto do estabelecimento comercial, no valor mínimo de 40.000,00 euros, e a quantia aludida em 8 dos factos provados nos respetivos patrimónios
pessoais.); (Os 2º e 3ª réus encerraram o estabelecimento comercial para impedir a Recorrente de receber os seus créditos) deveriam ter sido dados como provados, em resultado da conjugação e análise dos seguintes meios de prova: (…)
4º Face à matéria dada como provada (e àquela que o deveria ter sido e antes mencionada), e, por outro lado, assente que está a obrigação de a sociedade V... pagar determinadas importâncias à Autora, não pode deixar de se concluir que os Réus AA e BB são solidariamente responsáveis por tais obrigações.
5º A tal conclusão se chega, nomeadamente por se impor desconsiderar a personalidade jurídica daquela sociedade e/ou por a conduta daqueles réus, enquanto seus gerentes e sócios, ser uma conduta ilícita, culposa e susceptível de ter causado danos à Recorrente.
6º A confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos sócios e a subcapitalização, originária ou superveniente, da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade – que se verifica no presente caso, devem fazer-se concluir no sentido defendido.
7º Demonstrou-se, com relevância para este efeito, que os Réus AA e BB tornaram o património social insuficiente para o cumprimento das dívidas sociais, provocando o encerramento do estabelecimento V....
8º Os 2º e 3º Réus não cumpriram as regras de conservação do capital social, o que implica a sua responsabilização (art. 483º, 334º e 10º nº 3 do CC).
9º Os 2º e 3º Réus, ao permitirem o encerramento do estabelecimento comercial, impossibilitaram a realização de negócios da 1ª Ré e do contrato que esta celebrara com a Autora.
10º Dissiparam por completo o ativo imobilizado daquela, descapitalizando-a (os réus deviam à sociedade cerca de 250.000€).
11º Atuaram, portanto, de forma manifestamente abusiva, usando a sociedade em benefício próprio, inviabilizando, dessa forma, a possibilidade de a Recorrente ver satisfeito o seu crédito perante a V..., Lda., a tal ponto que a sociedade Ré ficou em situação de insolvência, com caráter limitado, com total ausência de apreensão de bens.
12º São também solidariamente responsáveis, por causa do dito incumprimento contratual nos termos dos artºs 512° nº 1 do Código Civil e artigo 100° do Código Comercial.
13º São ainda responsáveis nos termos do artigo 78.° do Código das Sociedades Comerciais): (1) verifica-se o cometimento de factos ilícitos, com culpa, dano e nexo de causalidade, em que a ilicitude deriva da violação de obrigações, quer legais, quer contratuais por parte dos gerentes, sendo que tais obrigações (de carácter profissional) visam a protecção dos credores (cfr., n°s 3 a 6 do artigo 72º ex vi artº 78° n° 5 do Código das Sociedades Comerciais).
14º No caso, o dano adveio das seguintes condutas dos Réus: (1) não tomaram nenhuma das medidas previstas no artº 35 do CSC; (2) não pagaram à sociedade o valor superior a 250.000€ de que eram devedores.
15º Os 2º e 3º Réus não procederam ao depósito das contas do exercício e da aplicação dos resultados, do balanço, da demonstração de resultados e dos anexos ao balanço e demonstração de resultados e da certificação legal das contas, desde 2010, não sendo, por isso, possível determinar o destino que foi dado ao património social que existia à data do encerramento do estabelecimento.
16º O capital próprio da sociedade tornou-se inferior a metade daquela cifra e a situação líquida da sociedade tornou-se deficitária, no decorrer do ano de 2010, designadamente por os réus não lhe terem pago a quantia de mais de 250.000€ de que eram devedores.
17º Os Réus AA e BB, aquando da celebração do contrato, omitiram aos comerciais da Recorrente a verdadeira situação económico-financeira da sociedade que representavam; tivesse a real situação financeira da sociedade sido comunicada àqueles comerciais, o contrato em causa não teria sido celebrado (artºs 227º CC; artº 171º CSC).
18º Desrespeitaram o dever de diligência que lhes era imposto pelo art. 64º do CSC.
19º Incumpriram os deveres societários e legais a que estavam obrigados, derrogando os artºs 65º, 65º-A e 66º do CSC e 3º, nº 1, n) do CRC, normas que também visam a proteção dos credores.
20º Foram as decisões dos 2º e 3º Réus que conduziram à subcapitalização da 1ª Ré colocando-a numa situação de insuficiência patrimonial perante os respetivos credores sociais, v. g. a Autora.
21º A conduta dos Réus gerou prejuízos na sociedade V..., Lda. que, por sua vez, inviabilizaram a satisfação do crédito da Recorrente, em verdadeiro nexo de causalidade,
22º Assim sendo, encontra-se preenchida, além do mais, a totalidade dos pressupostos exigidos pelo artigo 78° do Código das Sociedades Comerciais assim como os dos artºs 65º, 65º-A, 66º e 79º do CSC e 3º, nº 1, n) do CRC.
23º Impondo-se, consequentemente, a condenação dos Réus na obrigação de indemnizar a Recorrente nos termos peticionados nos autos.
24º A douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto nos antes citados preceitos e diplomas legais, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue no sentido antes defendido, condenando os recorridos no pedido da presente ação.

2.2. A parte contrária nem sequer respondeu

3. Questões a decidir
1. Apreciar o recurso da matéria de facto
2. Determinar se o enquadramento jurídico deve, ou não ser alterado.

4. Recurso sobre a matéria de facto
A realidade judiciária é de facto cada vez mais criativa, de tal modo que lendo à primeira vista certas peças processuais ficamos impressionados com a solidez dos argumentos que, afinal, mais do que um castelo de areia, parecem ilusões artificiais criadas.
É este o caso da pretensão da apelante.
Esta omite todos os meios de prova que põem em causa a sua tese e consegue até usar (partes) de depoimentos testemunhais contrários, como se fossem favoráveis.

Por exemplo, foi alegado que a quantia entregue pela autora nunca foi depositada nas contas da sociedade. O documento de fls. 454 demonstra que, afinal, o valor de €17.400, foi efectivamente depositado na conta bancária da 1ª ré. Logo, estranho seria que um plano gizado para prejudicar a autora tenha afinal, omitido esse valor que corresponde quase ao valor do pedido actual. Só este fact0, para um interveniente medianamente racional, implicaria a constatação do erro na sua tese que, afinal, não está sustentada por qualquer facto objetivo.

Depois, por exemplo os colaboradores da AA (Srs. CC e DD) confirmam o relatório de incumprimento, aduzindo que se tratava de uma casa boa, com bom volume de facturação cujo valor de trespasse seria relevante/potencial.
O “gerente” da noite Sr. EE (cujo depoimento foi oficiosamente ouvido), refere a diminuição de facturação desde 2006, os problemas sucessivos que reduziram os empregados de 22 para cerca de 12, e as dificuldades de pagamento aos credores, sendo que “os gerentes saíram ainda pior do que eu”.

Ora, a tese da apelante é que os gerentes da Ré prejudicaram a Autora. Mas, consta dos autos que a insolvência da sociedade afinal mereceu o parecer de fortuita, que existem vários outros credores, um dos quais uma entidade bancária que nada requereu ou alegou sobre esta matéria e cujo crédito é quase 25 vezes superior ao da apelante. Logo, nesta tese, teríamos de acreditar que esses gerentes criaram uma conspiração apenas contra a Y..., seu fornecedor de cerveja. Sendo que o alegado montante do empréstimo (caso a entidade bancária tenha avais pessoais), nem será suficiente para liquidar o valor devido à instituição de crédito.

Depois, segundo DD, funcionário da própria Autora, o último fornecimento foi em Outubro de 2010 e segundo lhe disseram, tentaram trespassar as instalações e “chegou a ser um estabelecimento de referência que trabalhava bem”.
Portanto, em tese geral, é mais do que segura e manifesta a improcedência do recurso da matéria de facto que, aliás, se baseia numa ficção ou conjetura criada pela autora que nem sequer é partilhada pelos seus colabores/vendedores inquiridos (cfr. por exemplo FF).

4.2. Em particular, pretende a Autora a alteração da decisão de facto com base:
No documento 3 da Petição inicial; Depoimento de parte dos 2 e 3 RR; E depoimento de duas testemunhas GG e FF.
Caso o depoimento de parte tivesse produzido qualquer confissão a mesma teria de constar (e não consta) da acta.
Depois, o documento nº 3 é o contrato de compra exclusiva assinado entre as partes. Logo, a relevância probatória do mesmo, por certo não abarca os factos da desconsideração da pessoa coletiva.
Por fim, os depoimentos dessas duas testemunhas são inócuos.
O Sr. FF, colaborador da autora, confirma que a litragem do contrato era a que o estabelecimento seria capaz de consumidor, sendo que até era menor, porque a rua estava em obras e por isso foi inferior aos anteriores. Depois confirma que iriam tentar trespassar o estabelecimento, e (com o estabelecimento fechado) não contactaram a Y... para renegociar o contrato. Na contra-instância diz que tinha experiência com um dos gerentes e que nada fazia supor que a casa fechasse. A pergunta “era se pediram garantias, elementos contabilísticos e garantias”. Esclarece até que, em geral, os clientes querem mais litragem para receber mais dinheiro, mas neste caso o valor até foi menor por causa das obras, por vontade do gerente.
Ou seja, desses depoimentos podemos retirar que os gerentes até diminuíram a litragem, o que implica recebimento de menos dinheiro e contrapartidas e que a testemunha nada, absolutamente nada, sabe sobre qualquer plano gizado para prejudicar a Y....
Por seu turno, a testemunha GG (diretor financeiro da autora) limita-se a analisar as contas da ré sociedade dizendo que em data anterior a 2009 nelas consta uma divida dos gerentes à sociedade no valor de cerca de 250 mil euros, mas o activo liquido era até de 640 mil euros (ou seja quase 3 vezes esse valor). Ou seja, a razão de ciência da testemunha são as contas prestadas e das mesmas não resulta “qualquer plano gizado para prejudicar a autora”.
Improcede, pois, este segmento do recurso porque manifestamente não existe qualquer meio de prova, ainda que superficial, que sustente a tese da autora.


4.3. Quanto ao segundo segmento do recurso de facto indica os seguintes meios de prova
Os factos provados nºs 4, 8, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 29;
O Documento 3 da Petição inicial;
A inexistência de qualquer prova no sentido de que a quantia de 17.400,00 euros paga pela Y... tenha entrado nos cofres sociais;
O depoimento das testemunhas HH; GG, DD, e II,
O depoimento de parte do 2º Réu e do 3º Réu.
Decidindo
Quanto ao depoimento de parte e documento repetimos o que já se afirmou.
Quanto aos restantes factos não se vislumbra como os mesmos sejam aptos a provar o requerido, e também nada foi explicado.
Quanto à “inexistência de qualquer prova (…)”. Existe um lapso manifesto nessa alegação. É a autora/apelante que deve provar os fundamentos da desconsideração não o oposto (art 342º, do CC). Acresce que essa inexistência é desmentida pelo documento que consta dos autos a fls. 454. Logo, esta alegação tem uma inconsistência tal que revela bem a fragilidade da tese da apelante.
Assim restariam para prova desses elementos o testemunho de 4 testemunhas.

1) HH, antiga funcionária administrativa da 1ª ré, inquirida no dia 3.7.19. A instância limita-se a inquirir sobre o trabalho desta (até minuto 4). Depois, confirma problemas de funcionamento por causa das obras na avenida, que depois disso não tinha vendas para suportar os custos (diz que tinha 10 a 11 funcionários, antes mais gente e com muito movimento). Diz até que quem vendia a cerveja sabia das dificuldades por causa dos pagamentos atrasados. Confirma também que a Y... sabia a quantidade de cerveja fornecida e vendida. Fez-se a pergunta “alguma ouviu os gerentes a gizar um plano para prejudicar a Y...” resposta não. Pergunta alguma vez viu os gerentes a retirar bens da sociedade. Resposta não. Ou seja, a sua comprovação para a tese da autora é ZERO.

2. GG, contabilista que analisou a contabilidade apenas de dois anos (2009 a 2010) dizendo que esta demonstra a existência de dívidas dos sócios à sociedade ré, no valor de €252.077, 30, explicou que as mesmas serão anteriores a 2009, altura em que 1ª ré ainda apresentava activo superior ao passivo. Ou seja, esta realidade nada de útil pode comprovar, pois, diz respeito a uma data antes dos problemas financeiros da ré sociedade. Ou seja, a comprovação para a da tese da autora é ZERO.

3. DD, funcionário da autora, confirma que foi informado do fecho das instalações pelo distribuidor, que era um bom estabelecimento cujo trespasse valeria uma quantia relevante. Ou seja, a comprovação para a tese da autora é ZERO.

4. II advogado, confirmou ter sido mandatário da exequente Banco ... no âmbito da execução e ter tomado posse do prédio onde funcionava o estabelecimento comercial nesse âmbito, sendo que não existiam bens de valor nesse estabelecimento, que estava em mau estado no seu interior. Nada mais de útil referiu. Ou seja, a comprovação para a tese da autora ZERO.

Logo, conjugando esses meios de prova é manifesto que nunca poderiam comprovar de forma minimamente segura a tese da apelante que, recorde-se, só existe, numa alegação dos seus articulados e não é sustentada ainda que de forma ténua ou superficial, em qualquer meio de prova.

5. Motivação de facto
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à produção e comercialização de bebidas em geral e outras actividades conexas.
2. A 1ª ré explorava o estabelecimento comercial denominado “Cervejaria ...”, sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, onde vendia ao público e publicitava os produtos fabricados e comercializados pela autora como bebidas, vinhos, cervejas, refrigerantes, águas minerais e outros produtos alimentares.
3. Em 20/04/2012, foi proferida sentença de declaração de insolvência da 1ª ré no âmbito do processo que correu os seus termos sob o n. º 294/12.9TYVNG, do extinto 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, na qual ficou a constar que “verificando-se que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, não estando essa satisfação por outra forma garantida”, não tendo sido requerido o complemento da sentença.
4. No exercício das suas actividades comerciais, a autora e a 1ª ré celebraram, em 3 de agosto de 2009, um acordo que denominaram de “contrato de compra e venda exclusiva”, nos termos constantes de fls. 35 a 37 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
5. Consta das cláusulas 3ª e 6ª desse contrato que a autora se obrigou a fornecer à 1ª ré, directamente ou através da sua distribuidora da área, cervejas em barril, refrigerantes em barril e lata, vinho em barril e águas lisas.
6. E a 1ª ré obrigou-se a comprar-lhe esses produtos, sem ininterrupção durante o período de vigência daquele acordo, a não vender e a não publicitar naquele seu estabelecimento cervejas em barril, refrigerantes em barril e lata, vinho em barril e águas lisas de marcas não comercializadas pela autora.
7. Consta da cláusula 9. ª do aludido acordo que “1- O contrato terá inicio na presente data e durará até que hajam sido adquiridos, pelo Revendedor ao Distribuidor referido na cláusula 6.ª, pelo menos 111.000 litros dos produtos discriminados na cláusula 4.ª, salvo o disposto no número seguinte. 2- O contrato terá a duração mínima de três anos e máximo de cinco anos.”.
8. Como contrapartida da obrigação de exclusividade assumida pela 1ª ré, a autora pagou-lhe, em 14 de Setembro de 2009, a quantia de 17.400,00 euros, incluindo IVA, e aquela emitiu em nome da autora o recibo n. º 00...
9. Desde o início da vigência do acordo até 25 de Outubro de 2010, a 1ª ré adquiriu à autora e à sua distribuidora 36.533 litros dos produtos aludidos no mesmo.
10. Os gestores de clientes da autora visitaram várias vezes o estabelecimento daquela sociedade, na tentativa de esta voltar a adquirir os produtos, sem êxito.
11. Em Outubro de 2011, a autora teve conhecimento que a 1ª ré encerrou ao público o seu estabelecimento “Cervejaria ...”, deixando de ali vender quaisquer produtos daquela.
12. A 1ª ré não comunicou à autora o encerramento do estabelecimento.
13. Consta da cláusula 10. ª, n.º 3 do aludido acordo que “Não se verificando a transmissão dos direitos e obrigações conforme convencionado no n.º 1 da presente cláusula e ainda nos casos de encerramento do estabelecimento (…), do presente contrato, este considerar-se-á imediata e automaticamente resolvido pelo Revendedor, sem necessidade de qualquer interpelação a este ou ao novo proprietário ou cessionário do estabelecimento, ficando essa resolução sujeita aos efeitos consignados nos n.ºs 2, 3, e 4 da antecedente cláusula 8ª.”.
14. Consta da cláusula 8ª do referido acordo: “1- No caso de incumprimento ou mora no cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes deste contrato, que não seja remediada dentro do prazo de 15 dias a contar da recepção da comunicação escrita que, para o efeito dirigir ao contraente faltoso, poderá, o outro contraente, resolver o contrato. 2- A resolução não terá efeito retroactivo. 3- O incumprimento dará lugar ao pagamento, pelo contraente faltoso, de uma indemnização que, por acordo, se fixa em 1/3 do valor indicado na cláusula 7ª. 4- Para além da indemnização prevista no número anterior, o incumprimento, por parte do Revendedor, dará lugar à devolução das contrapartidas concedidas pelo Fornecedor, deduzidas da parte proporcional ao período do contrato entretanto já decorrido, considerando-se para este efeito, a vigência com a duração máxima estabelecida no n.º 2 da cláusula seguinte. As contrapartidas a devolver serão acrescidas de juros calculados à taxa máxima legal, permitida pela aplicação conjugada dos artigos 559º, 559º-A e 1146º, n.º 2, do Código Civil e computados, desde a data do pagamento previsto na cláusula 7ª e a data da efectiva devolução.”.
15. Em 14/12/2011, a autora enviou missiva à 1ª ré com o seguinte teor: “(…) Tomámos conhecimento de que v. Exas. não estão a cumprir o contrato celebrado com a nossa empresa em 03 de agosto de 2009, uma vez que, pelo menos desde 25 de Outubro 2010, não compram, para Venda no vosso estabelecimento “Cervejaria ...” qualquer quantidade dos nossos produtos objecto do referido contrato. Acrescendo ainda que, v. Exas no final de Outubro de 2011 encerraram ao público o vosso estabelecimento, o que constitui, nos termos da cláusula 10ª n. ºs 3, causa de resolução automática e Imediata daquele contrato. Como sabem, esta empresa atribuiu e pagou-lhes a quantia de 14.500,00 Eur, acrescida de IVA, para que V. Exas. promovessem a venda, em regime de exclusivo e de forma ininterrupta, das nossas cervejas em Barril, refrigerantes em barril e lata, vinho em barril e águas lisas, durante cinco anos, na pressuposição de que as compras do vosso estabelecimento, durante a vigência do contrato, atingissem pelo menos 111.000 litros. Em consequência, vimos comunicar-lhes, nos termos da cláusula 10ª n. º 3 e para os efeitos da clausula 8ª n. º 2, 3, e 4 do contrato, que consideramos aquele contrato resolvido desde o final de Outubro de 2011, sendo-nos devida, sem necessidade de nova interpelação, uma indemnização no montante de 4.833,33 eur e a devolução da contrapartida paga a v. Exas, deduzida da parte proporcional correspondente o período do contrato cumprido, considerando-se para este efeito a vigência com a duração máxima de 5 anos, e acrescida de juros à taxa máxima legal computados desde a data da celebração do contrato até à do efectivo pagamento da quantia em dívida. (…).”.
16. A aludida missiva foi recebida em 21/12/2011.
17. Na mesma data, a autora enviou ao 2º réu, na qualidade de legal representante da 1ª ré, por carta registada com aviso de recepção, missiva com o seguinte teor: (…) Vimos junto remeter a v. Exa, na qualidade de sócio gerente e legal representante da sociedade “V..., Lda.” cópia da carta que, nesta data, sob correio registado com aviso de recepção, endereçamos à referida sociedade. (…).”.
18. A referida comunicação foi recebida no dia 19/12/2011.
19. A autora enviou ao 3º réu, na qualidade de legal representante da sociedade 1ª ré, missiva com o mesmo teor.
20. A carta foi enviada para o domicílio daquele réu mencionado no proémio do referido acordo e foi devolvida à autora com a indicação aposta no envelope: “não atendeu”.
21. Consta da cláusula 11ª do referido acordo: “ Para o efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio, fica convencionado como local onde o Revendedor se considera domiciliado o que consta da respectiva identificação no proemio deste contrato.”.
22. Os 2º e 3ª réus são sócios-gerentes da 1ª ré desde 1992.
23. As deliberações da 1ª ré eram tomadas pelos 2º e 3º réus.
24. Em 2009, a 1ª ré apresentou contas nos termos constantes de fls. 455 a 460 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, nas quais tinha activo líquido no valor de €640.082, 74 e passivo no valor de €521.999, 87.
25. Em 2010, a 1ª ré apresentou contas nos termos constantes de fls. 464 a 478 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, nas quais tinha activo líquido no valor de €567.867, 88 e passivo no valor de €604.776, 85.
26. Desde 2010, a 1ª ré não apresenta contas.
27. Em 2010, Banco ... intentou execução n.º 1071/10.7TBPVZ, no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, contra os aqui 1ª, 2º e 3º réus e JJ, no valor de 371.147,13 euros.
28. Nessa acção foram aceites na diligência de abertura de propostas realizada neste tribunal, em 11 de Outubro de 2011, as propostas da ali exequente para aquisição das fracções prediais autónomas que tinham sido nesse processo penhoradas: a fracção “L” que constitui o rés-do-chão onde funcionava a instalação principal e único estabelecimento comercial da empresa, na Av.ª..., as fracções “H” e “G”, que constituem garagens na cave do mesmo prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º ..., pelo valor global de €314.000, 00.
29. Em 13 de Outubro de 2011, o Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim procedeu à penhora, em sede de execução fiscal intentada contra a 1ª ré, dos bens móveis e equipamentos existentes no estabelecimento comercial constantes do auto de fls. 97 verso a 99 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, no valor global de €12.100, 00.
30. Em 21 de Outubro de 2011, pela ap. ..., foi efectuado o registo predial da aquisição de tais fracções autónomas, no referido processo de execução, a favor da Banco ....
31. Em 28 de Outubro de 2011, Banco ... exigiu a entrega judicial dos imóveis adquiridos.
32. Em 04 de Novembro de 2011, foi determinada a entrega judicial a efectuar pelo Sr. Solicitador de Execução.
33. Após, Banco ... afixou um anúncio na porta principal do estabelecimento, a anunciar que o imóvel estava à venda.
34. Em 19 de Janeiro de 2012, os Serviços de Finanças da Póvoa de Varzim notificaram o 3º réu que os bens penhorados acima referidos iriam ser postos à venda por meio de leilão eletrónico a realizar em 14 de Fevereiro de 2012.
35. Em 27 de Março de 2012, os Serviços de Finanças da Póvoa de Varzim notificaram o 3º réu que os bens penhorados em execução fiscal intentada contra a 1ª ré, constantes de fls. 216 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, no valor global de €8.650, 00, 00 iriam ser postos à venda por meio de propostas em carta fechada a realizar em 16 de Abril de 2012.
36. Durante meses, a avenida onde se situava o estabelecimento da 1ª ré e que tinha estacionamento gratuito para automóveis nos dois sentidos dela esteve intransitável pelas obras de construção do parque subterrâneo, que se iniciaram antes da celebração do acordo referido em 3, e depois disso perdeu o estacionamento à superfície.
37. O que originou diminuição da procura de clientes do estabelecimento da 1ª ré.
38. Os aqui 2º e 3º réus foram inseridos na lista pública de execuções na acção executiva acima identificada, “com o valor em dívida de 38.136,13 euros”.
39. A Sra. Administradora da Insolvência apresentou parecer no sentido de qualificar a insolvência da 1ª ré como “fortuita”.

6. Motivação jurídica
O instituto da desconsideração ou ficção da pessoa coletiva tem uma origem doutrinal longa, mas jurisprudencial recente[1].
O mesmo pressupõe que a pessoa colectiva foi abusivamente utilizada pelos seus membros, sendo que ela só será admissível a título excepcional e para o caso concreto.[2]
Menezes Cordeiro[3] sistematiza os casos que podem fundamentar essa solução, nas seguintes modalidades:
a) a confusão de esferas jurídicas;
b) a subcapitalização;
c) o atentado a terceiros
d) e o abuso da personalidade.
Sendo que o ónus desses elementos cabe ao credor que pretende fazer uso da mesma[4]. E, que, o instituto assume natureza subsidiária[5], o que implica que não deva ser invocado apenas e só porque existe incumprimento de obrigações pecuniárias.
Como salienta, por exemplo, o Ac do STJ de 19.6.2018, nº 446/11.9TYLSB.L1.S1 (Graça Amaral), “para aplicação do instituto da desconsideração da personalidade colectiva não basta a existência de uma situação de confusão de esferas patrimoniais entre o sócio e a sociedade, como seja a de transferência de montantes da conta desta para a conta pessoal daquele. Mostra-se indispensável para tal efeito a demonstração do prejuízo e, concomitantemente, do nexo de causalidade entre este e a conduta desrespeitosa da autonomia patrimonial, no caso, a prova de que as transferências levadas a cabo por um dos sócios tenham causado falta de liquidez da sociedade e, como tal, a impossibilidade de entrega dos lucros distribuídos à sócia lesada”.
In casu, é seguro que a sociedade foi declarada insolvente mas o incumprimento das suas obrigações não demonstra a utilização fraudulenta da mesma para prejudicar a autora, tanto mais que, seria estranho que fosse esta a visada, quando existem credores, como a entidade bancária, com dívidas de montantes bem superiores.
Concluindo, in casu a apelante alegou muito, mas provou pouco, muito pouco. Logo, sem necessidade demais considerações, nos termos do art, 342º, do CC o seu recurso terá de improceder totalmente.

7. Deliberação
Pelo exposto, este tribunal julga a presente apelação, inteiramente improcedente, por não provada e, por via disso, confirma a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo da apelante porque decaiu inteiramente.

Porto em 7.4.2022.
Paulo Duarte Teixeira
Deolinda Varão
Isoleta de Almeida Costa
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[1] Entre outros Menezes Cordeiro, O Levantamento da Personalidade Colectiva, Almedina, 2000, fls. 111 a 113, Ricardo Costa, Considerar ou Desconsiderar, ROA, n.º 40; e Ac do STJ de 9.1.2003, anotado in ROA, 2004, 64; Ac do STJ 16.10.08 (Pires da Rosa).
[2] Cfr. ARMANDO MANUEL TRIUNFANTE, e LUÍS DE LEMOS TRIUNFANTE in “DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA — SINOPSE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL”, revista Julgar, 9, 2009, pág. 131 e segs.
[3] Na obra referida.
[4] Cfr. AC do STJ de 21-02-2006, sumariado in https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=22837 &codarea=1
[5] Cfr. Ac. TRP de 25-10-2005, HENRIQUE ARAÚJO, processo 0524260: “a desconsideração da personalidade jurídica só deverá ser invocada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar”.