Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4871/14.5T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
AUTENTICAÇÃO
ADVOGADO
EXEQUIBILIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP201701234871/14.5T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 01/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º641, FLS.89-103)
Área Temática: .
Sumário: I - Na ação executiva a causa de pedir não se confunde com o título executivo, porque aquela é o facto jurídico de que resulta a pretensão do exequente e que imana do título, por isso, a causa de pedir é o facto jurídico nuclear constitutivo da obrigação exequenda, ainda que com raiz ou reflexo no título.
II - Para ser conferida exequibilidade extrínseca a um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se mister a sua autenticação por entidade dotada de competência para esse efeito, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes.
III - A validade dessa autenticação implica que seja efetuado o registo informático do respetivo termo dentro do prazo estabelecido no art. 4º da Portaria nº 657-B/2006, de 29 de junho, isto é, que o mesmo seja realizado no momento da prática do ato ou nas 48 horas seguintes se, em virtude de dificuldades de caráter técnico, não for possível aceder ao sistema nessa oportunidade temporal.
IV – A inobservância do referido condicionalismo temporal, afetando a validade do termo de autenticação, implica que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à ação executiva, por não consubstanciar título passível de ser subsumido à fattispecie da al. b) do nº 1 do art. 703º do Cód. Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4871/14.5T8LOU-A.P1
Origem: Comarca do Porto, Porto – Instância Central – 1ª Secção de Execução, Juiz 6
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. José Sousa Lameira
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Sumário
I- Na ação executiva a causa de pedir não se confunde com o título executivo, porque aquela é o facto jurídico de que resulta a pretensão do exequente e que imana do título, por isso, a causa de pedir é o facto jurídico nuclear constitutivo da obrigação exequenda, ainda que com raiz ou reflexo no título.
II- Para ser conferida exequibilidade extrínseca a um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se mister a sua autenticação por entidade dotada de competência para esse efeito, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes.
III- A validade dessa autenticação implica que seja efetuado o registo informático do respetivo termo dentro do prazo estabelecido no art. 4º da Portaria nº 657-B/2006, de 29 de junho, isto é, que o mesmo seja realizado no momento da prática do ato ou nas 48 horas seguintes se, em virtude de dificuldades de caráter técnico, não for possível aceder ao sistema nessa oportunidade temporal.
IV – A inobservância do referido condicionalismo temporal, afetando a validade do termo de autenticação, implica que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à ação executiva, por não consubstanciar título passível de ser subsumido à fattispecie da al. b) do nº 1 do art. 703º do Cód. Processo Civil.
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
Por apenso à ação executiva que lhes é movida por B… e C… vieram os executados D…, E… e “F…, Sociedade de Construções Ldª” deduzir os presentes embargos de executado advogando, para além do mais, que o documento dado à execução não possui os requisitos necessários para valer como título executivo.
Notificados os exequentes, apresentaram contestação pugnando pela improcedência dos embargos.
Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual se proferiu saneador/sentença julgando procedentes os embargos, por se considerar que os exequentes não dispõem de título executivo em que possam basear a execução, dado que a autenticação do documento particular que apresentaram para esse efeito não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos.
Não se conformando com o assim decidido, vieram os exequentes/embargados interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção que a mesma resulta de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria direito, e à luz do meios probatórios disponíveis.
2. O objecto do presente recurso é a impugnação da decisão proferida quanto à procedência dos Embargos de Executado e a consequente extinção da execução porquanto, segundo o entendimento do Tribunal a quo, os Exequentes, ora Recorrentes, não dispõe de um título executivo válido.
3. Pois bem, com todo o respeito, que é muito e bem devido, o Tribunal recorrido decidiu incorrectamente, o que, em consequência, determinou a prolação da decisão ora posta em crise.
4. Efectivamente, é firme convicção dos Apelantes que a decisão recorrida constitui uma errada aplicação das regras de direito. Senão vejamos:
I - DA ALEGADA FALTA DO TÍTULO EXECUTIVO:
5. Sucede que, os Embargantes, aqui Recorridos, através da respectiva Oposição à Execução mediante Embargos, vieram invocar que o documento dado à execução não preenche os requisitos como título executivo, nos termos do previsto nos arts. 703º, nº 1, al. b) e 707º, ambos do C.P.C., porquanto, segundo os Recorridos, o termo de autenticação, bem como os respectivos reconhecimentos de assinaturas, que fazem parte integrante da “Declaração de dívida e acordo de pagamento” que constitui o título executivo da acção executiva ora em apreço, são nulos por falta de forma, em virtude de os registos online de tais actos não terem sido efectuados no prazo previsto no artigo 4º da Portaria 657-B/2006, de 29 de Junho, o que, na sua opinião, levaria à violação do artigo 38º, nº 1 do D.L. 76-A/2006, de 29 de Março.
6. Em face disso, e de forma absolutamente inesperada, aquando da realização da Audiência Prévia no âmbito dos presentes autos, e sem que tivesse sido produzida a prova testemunhal arrolada pelos aqui Recorrentes, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu o respectivo despacho saneador/sentença, ora colocado em crise, e através do qual, conforme supra se disse, julgou procedente os Embargos de Executado deduzidos pelos aqui Recorridos, por entender que o documento particular que constitui o título executivo não se consubstanciar num documento autenticado, já que do seu ponto de vista a referida autenticação não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, e, por via disso, não pode valer como título executivo.
7. Porém, a verdade é que a argumentação supra explanada carece de suporte legal e factual que a fundamente, conforme infra melhor se demonstrará.
8. PARA O EFEITO, importa considerar que os Recorrentes deram à execução um documento particular autenticado intitulado de “Declaração de dívida e acordo de pagamento”.
9. Acontece que, os Recorrentes eram titulares de um direito de crédito perante a Recorrida “F…, Sociedade de Construção, Lda.”, decorrente do incumprimento pela Recorrida de um contrato de empreitada celebrado entre as partes.
10. No entanto, e apesar das diversas diligências extrajudiciais levadas a cabo pelos Recorrentes visando a obtenção da quantia em débito, a Recorrida, supra identificada, não procedeu à liquidação desse montante assim como, nunca manifestou o intuito de cumprir tal obrigação, pelo que, não restou outra alternativa aos aqui Recorrentes senão a de recorrerem à via judicial.
11. Porém, tendo em consideração que os Recorrentes terão tomado conhecimento que a sociedade comercial aqui Recorrida se encontrava numa situação económico-financeira precária, instauraram um procedimento cautelar de arresto contra a Recorrida “F…, Lda.”, o qual correu os respectivos termos no J3 da 1ª Secção Cível da Instância Central do Porto, da Comarca do Porto, sob o Proc. nº 683/14.4T8PRT, sendo que, à data, o referido crédito dos aqui Recorrentes foi liquidado no valor global de €65.707,16, acrescido dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, conforme decorre do teor do doc. nº 3 junto com o Requerimento Executivo e para onde se remete para os devidos efeitos legais.
12. Ora, os Recorrentes tinham um fundado e legítimo receio de que a aqui Recorrida “F…, Lda.” alienasse, ou fossem onerados, todos os bens que ainda possuía, capazes de constituir garantia patrimonial do crédito dos Recorrentes, tendo o Tribunal, em face de toda a prova produzida nos referidos autos, decretado o arresto de vários bens da propriedade da referida sociedade comercial, aqui Recorrida.
13. COM EFEITO, na sequência da decisão proferida no âmbito do referido procedimento cautelar, os bens nomeados pelos Recorrentes foram arrestados e, consequentemente, no dia 02/12/2014, procedeu-se à realização da diligência de tomada de posse dos imóveis e de apreensão dos veículos automóveis alvo de arresto (cfr. o Auto de Tomada de Posse, junto com o Requerimento Executivo sob o doc. nº 6).
14. Sucede, porém que, quando no dia da referida diligência o sócio da Recorrida “F…, Lda.”, o Exmo. Senhor E…, aqui também ele Recorrido, tomou consciência do objectivo da mesma, tentou, a todo o custo, impedir que os Recorrentes efectivassem a diligência, procurando, em alternativa, ultimar um acordo com os ora Recorrentes de forma a pôr fim ao litígio, o que assim veio a suceder, tendo as partes conseguido chegar a acordo.
15. Com efeito, os aqui Recorridos, ou seja, a sociedade comercial “F…, Lda.”, e os sócios da mesma, o Exmo. Senhor E… e a Exma. Senhora D. D…, assumiram-se solidariamente devedores dos Recorrentes, o que formalizaram mediante a elaboração e subscrição de uma declaração de dívida à qual atribuíram força executiva, no valor de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) referente a parte da quantia que se encontrava em discussão no âmbito do procedimento cautelar supra identificado (cfr. título executivo).
16. E comprometeram-se a proceder ao pagamento de tal quantia mediante a entrega imediata aos ora Recorrentes do cheque nº ………, emitido sob a G…, em 02/12/2014, no valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sendo que o valor remanescente da dívida, no montante global de €30.000,00 (trinta mil euros), seria pago pelos Recorridos em 5 (cinco) prestações, mensais e sucessivas, no valor de €6.000,00 (seis mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 2 de Janeiro de 2015, e as restantes em igual dia dos meses imediatamente subsequentes (cfr. título executivo).
17. Uma vez elaborada e devidamente assinada a referida confissão de dívida por todos os aqui Recorridos, o Exmo. Senhor Dr. H…, lavrou o respectivo termo de autenticação, nos termos do preceituado no art. 38º do Decreto-lei nº 76-A/2006 de 29 de Março, mediante o qual a Recorrida D… declarou ter manuscritamente elaborado a referida declaração de dívida e, ademais, através de tal instrumento, mais declararam, todos os aqui Recorridos, terem lido e assinado a referida declaração de dívida e que o conteúdo da mesma expressava a vontade de todos.
18. O respectivo termo de autenticação foi lido pelo Sr. Dr. H… aos Recorridos e aos mesmos explicado o seu conteúdo, tendo, posteriormente, todos os aqui Recorridos, sem excepção e sem qualquer objecção, assinado o respectivo termo de autenticação manifestando aqueles, desta forma, expressamente, que compreendiam e aceitavam o teor do mesmo.
19. CONTUDO, os Recorridos, incumpriram, desde logo, o referido acordo, ao não ter sido dado cumprimento à primeira prestação acordada, porquanto o supra referido cheque, entregue nessa mesma diligência, após ter sido apresentado a pagamento, no dia 03/12/2014, não foi pago.
20. E como se isso não bastasse, os Recorridos, posteriormente, não procederam livre e voluntariamente ao pagamento da quantia aposta no referido cheque, assim como na data de vencimento da primeira prestação do referido acordo, em 02/01/2015, bem como nas datas de vencimento das demais prestações, também não procederam ao pagamento das quantias a que se haviam vinculado.
21. Em face disso, e depois de terem sucessivamente interpelado os Recorridos a pagar, sem êxito, não restou aos aqui Recorrentes outra alternativa senão a de instaurar a competente acção executiva contra os aqui Recorridos.
22. Não obstante, a verdade é que mal andou o Tribunal recorrido ao considerar que o referido documento particular autenticado intitulado de “Declaração de dívida e acordo de pagamento”, que fundamenta a referida execução, não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo.
23. DESDE LOGO, cumpre referir que só são considerados como títulos executivos aqueles que a lei, expressamente, enumera como tal - art.º 703º do C.P.C. -, estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade – nullus titulus sine lege – sem possibilidade de quaisquer excepções criadas “ex voluntate”, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo.
24. Porém, na situação aqui em apreço, o título executivo que fundamenta a acção executiva consiste num documento particular autenticado por advogado, conforme supra se mencionou, pelo que, de acordo com o estabelecido no art. 703º, nº 1, al. b) do C.P.C., dúvidas não há de que tal declaração elaborada e subscrita pelos aqui Recorridos, devidamente autenticada, reveste a natureza de título executivo.
25. Quanto à exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados, dispõe o art. 707º do CPC que os «documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes».
26. Reunidos estes requisitos, no caso em apreço, cumpre então concluir que o documento que serve de título executivo nos presentes autos reveste indiscutível força executiva (exequibilidade extrínseca).
27. ACRESCE QUE, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 363º do Código Civil, os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.
28. Assim, decorre desta norma, de forma expressa, que a autenticidade, é conferida a um documento por autoridade pública ou oficial público, dotados de fé pública.
29. Contudo, o nº 2 do artigo 38º do Decreto-Lei 76-A/2006 de 29 de Março, estabelece, no âmbito do regime de reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documento, que advogados e solicitadores podem autenticar documentos particulares, com a mesma força probatória que teriam se tivessem sido realizados com intervenção notarial.
30. Com efeito, o Ilustre Advogado que autenticou o documento particular que constitui título executivo no âmbito dos presentes autos, tinha plena legitimidade para proceder à autenticação do referido documento, limitando-se aquele a agir em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 38º do D.L. 76-A/2006, pois o referido normativo prevê a competência dos advogados para efectuarem reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação.
31. Quanto aos seus requisitos legais, cumpre referir que o termo de autenticação deve ser lavrado no próprio documento a que respeita ou em folha anexa – cfr. art. 36º, nº 4 do Código do Notariado.
32. O termo deve, deste modo, satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, às formalidades comuns dos actos notariais as quais se encontram estabelecidas no art. 46º do Código do Notariado.
33. Ademais, o termo deverá também conter os seguintes elementos (cfr. art. 151º do Código do Notariado): 1- declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade; 2- a ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados – vide nºs 1 e 2 do art. 151º, que remetem para os arts. 46º, nº 1, al. a) a n), 48º e 65º a 69º do citado diploma.
34. Ora, analisando os referidos artigos, e confrontando-os com o conteúdo do termo de autenticação aqui em causa, cumpre concluir que, em boa verdade, todos os requisitos exigidos por lei se encontram integralmente cumpridos.
35. NO ENTANTO, o nº 3 do art. 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, menciona que o termo de autenticação deverá ser registado em sistema informático, cuja regulamentação e termos procedimentais estão previstos na Portaria nº 657-B/2006, de 29 de Junho.
36. In casu, o termo de autenticação foi, efectivamente, registado informaticamente pelo Sr. Dr. H…, em 05/12/2014, pelas 13h51, tendo-lhe sido atribuído o Registo nº 45729P/49 (cfr. título executivo).
37. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu que o facto de não ter sido feita referência expressa à impossibilidade do Ilustre Advogado aceder ao sistema informático no momento da realização do ato e a circunstância de o registo informático não ter sido realizado nas quarenta e oito horas seguintes ao ato, mas antes efectuado nas 69 horas e 51 minutos após a prática do acto, que inquinam a validade da autenticação, argumentação com a qual os ora Recorrentes jamais poderão concordar.
38. Ora, a este respeito o artigo 4º, nº 1 da referida Portaria, estabelece que o registo informático deve ser efectuado no momento da prática do acto.
39. Porém, o supra citado normativo legal refere no seu nº 2 que «Se em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do acto, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes».
40. Ora, não esqueçamos que a confissão de dívida e o respectivo termo de autenticação foram elaborados na pendência da diligência externa de tomada de posse realizada em 02/12/2014, na sede da Recorrida “F…, Lda.”, que teve início às 09h30 e terminou apenas às 17h10, conforme decorre do teor do respectivo auto, elaborado pela Exma. Senhora Agente de Execução Dr.ª I…, e que se encontra junto aos autos com o respectivo Requerimento Executivo sob o doc. nº 6.
41. Como tal, é evidente que o registo informático jamais poderia ter sido realizado no momento da prática do acto, por impossibilidade técnica, porquanto, como é óbvio, o Sr. Dr. H…, presente na referida diligência, não se encontrava munido dos meios informáticos e/ou técnicos que lhe permitissem proceder, naquele momento, ao registo informático do respectivo termo de autenticação.
42. Ora, é certo que, por mero lapso, no respectivo termo de autenticação não foi feita qualquer menção das dificuldades técnicas no registo online, e o mesmo não foi efectuado dentro das quarenta e oito horas seguintes porém, a forma exigida por lei para a prática do acto foi respeitada mediante a efectivação do registo, sendo que tal lapso meramente procedimental, por si só, não acarreta a nulidade do registo online e, consequentemente, a invalidade do termo de autenticação, conforme entendeu o Tribunal a quo.
43. Acresce que, tal conclusão sempre decorreria, desde logo, do próprio princípio da prevalência da substância sob a forma e do primado da verdade material sob a verdade formal, invocáveis na matéria aqui em apreço.
44. Ora, a forma de um acto jurídico ou de um negócio jurídico é basicamente o meio pelo qual ele se concretiza, tornando-se visível, mais concretamente, no caso em apreço, materializa-se no registo do acto.
45. Com efeito, a forma é o meio utilizado pela vontade para que esta seja objectivamente considerada.
46. Todavia, à luz do supra referido princípio e reportando-nos agora à situação aqui em apreço, a realidade é que, apesar do referido lapso no procedimento registral, no que respeita à falta da aludida menção e ao prazo do registo online do termo de autenticação, a verdade é que a declaração de vontade dos aqui Recorridos, expressamente vertida pelos mesmos na respectiva confissão de dívida e no próprio termo de autenticação, conferem, por si só, validade ao termo de autenticação aqui em causa, pelo que, dúvidas não há de que o documento particular que serve de base à execução reveste a natureza de documento particular autenticado, com todas as consequências legais daí resultantes.
47. Nesta senda, não esqueçamos que a dita declaração de confissão de dívida emergiu no decurso da diligência judicial supra descrita, ao final de cerca de seis horas e trinta minutos de extensas negociações entre os Recorrentes e os Recorridos, o que revela uma enorme ponderação dos Recorridos no que concerne à declaração emitida, exprimindo, desse modo, o teor da referida declaração de confissão de dívida a vontade real dos declarantes.
48. Ademais, a referida declaração de confissão de dívida foi redigida pelo próprio punho da Recorrida D…, o que demonstra, igualmente, uma reflexão cuidada e que o conteúdo de tal documento corresponde, inteiramente, à sua vontade e dos demais Recorridos.
49. Aliás, importa referir que os aqui Recorridos não necessitavam de redigir a declaração de confissão de dívida, bastando, para a validade jurídica da confissão de dívida, que, em tal documento, fossem apostas as assinaturas dos devedores.
50. Contudo, os Recorridos, não obstante terem conhecimento deste facto, fizeram questão de redigir a declaração de confissão de dívida pelo seu próprio punho.
51. Não esqueçamos também que os aqui Recorridos não se limitaram a subscrever a declaração de confissão de dívida, sendo que, além do mais, e conforme decorre do teor do título executivo e para onde se remete com todas as consequências legais daí decorrentes, cumpre salientar que os Recorridos subscreveram, igualmente, o próprio termo de autenticação elaborado pelo Sr. Dr. H…, pelo que, através de tal instrumento, os Recorridos conferiram validade inegável ao respectivo termo de autenticação, ao confirmarem, expressamente, que a declaração de confissão de dívida foi lida e assinada por todos e que o conteúdo da mesma expressava a vontade dos mesmos.
52. COM EFEITO, o facto do registo informático do termo de autenticação ter sido efectuado pelo Dr. H…, em sessenta e nove horas após o acto, e não dentro de quarenta e oito horas conforme decorre da referida Portaria, tal factualidade não acarreta inevitavelmente um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, que determine a invalidade do termo de autenticação.
53. Pois, ao contrário do que alegam os Recorridos, apenas estaríamos perante um termo de autenticação inválido ou ineficaz se o termo de autenticação não tivesse sido lavrado em conformidade com os requisitos legais prescritos no Código do Notariado, conforme supra melhor se explanou,
54. ou se, posteriormente, a autenticação de tal documento não tivesse sido registada no respectivo sistema informático e, ademais, se não fossem ainda registados no referido sistema informático os elementos elencados no art. 3º da Portaria, circunstancialismos fácticos que, no caso aqui em apreço, não se verificaram.
55. Nestes termos, a circunstância de o Exmo. Senhor Dr. H… ter procedido ao registo informático do termo de autenticação em sessenta e nove horas constitui uma mera irregularidade e, como tal, não acarreta a invalidade do acto, sendo que essa irregularidade ficou sanada com a efectivação do registo online do dito termo de autenticação.
56. CUMPRE, AINDA, REFERIR QUE, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/05/2009, «o título executivo é condição necessária e suficiente da acção».
57. Diz-se necessária porque não há execução sem título. E suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.
59. Com efeito, o fundamento substantivo da acção executiva é a própria obrigação exequenda, sendo que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela acção e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas.
60. Portanto, o título exibido pelo exequente tem que constituir ou certificar a existência da obrigação, não bastando que preveja a constituição desta.
61. Assim sendo, digamos que o título executivo é o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou direito que está dentro.
62. E sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele, ou seja, o direito ou a pretensão que é o seu conteúdo.
63. Assim, a causa de pedir na acção executiva é o conteúdo, não o invólucro.
64. Acontece que, in casu, os credores, aqui Recorrentes, “embrulharam” o seu direito ou a sua pretensão no invólucro adequado, e podem por isso exercitá-lo em acção executiva.
65. ISTO POSTO, cumpre concluir que o título executivo que serve de base à presente acção executiva é perfeitamente válido e não carece de qualquer requisito de forma. NÃO PROCEDENDO, MAS SEM PRESCINDIR,
II – QUANTO AO INSTITUTO DO ABUSO DE DIREITO:
66. Não obstante o Tribunal a quo ter entendido não haver abuso de direito por parte dos Executados, ora Recorridos, ao invocarem que os Exequentes, aqui Recorrentes, não dispõe de título executivo, a verdade é que, atenta a factualidade supra elencada, a declaração de confissão de dívida e o respectivo termo de autenticação foram subscritos pelos Recorridos, ao que acresce o facto de a confissão de dívida ter sido ainda redigida pela Recorrida D… na presença dos demais, porquanto o conteúdo de tais documentos expressava a livre vontade dos Embargantes, pelo que, não é legítimo que, agora, estes se tentem aproveitar de um lapso meramente procedimental para tentarem recuar na posição que assumiram, livre, espontânea e conscientemente, perante os Recorrentes.
67. Tal comportamento revela, aliás, manifesta má fé na actuação dos Recorridos, consubstanciando-se em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, o que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais, na medida em que, os ora Recorridos ao invocarem a invalidade e ineficácia do termo de autenticação da declaração de confissão de dívida elaborada e subscrita pelos mesmos, demonstram, inequivocamente, não só má-fé contratual, como agem em manifesto abuso de direito, ao venire contra factum proprium,
68. pois que, ao invocar tal invalidade os Recorrentes exercem uma posição jurídica que se encontra não só em completa e manifesta contradição com o seu comportamento assumido anteriormente, como também tal conduta é inconciliável com as expectativas adquiridas pelos Recorridos.
69. Destarte, os Recorrentes assumiram, através da dedução dos embargos de Executado, um comportamento e posição que os Recorridos não podiam, razoavelmente, prever, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que os Recorridos geraram no espírito dos Recorrentes.
70. Ao adoptarem tal conduta, os Recorridos violaram, portanto, os princípios basilares da boa-fé e da confiança, princípios esses que devem presidir a qualquer negócio jurídico.
71. DESDE LOGO, e no que respeita ao instituto do abuso de direito, o mesmo encontra-se previsto no art. 334º do Código Civil, segundo o qual «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
72. NESTES TERMOS, o abuso do direito apresenta-se, afinal, como uma conjunto de situações típicas em que o Direito, por exigência do próprio sistema, entende deter uma actuação que, em princípio, se apresentaria como legítima.
73. Trata-se, portanto, de uma figura correspondente a uma “válvula de segurança” para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico imperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito conferido pela lei.
74. Assim, é genericamente entendido que existirá tal abuso de direito quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece todavia, no caso concreto,
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Os embargantes apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:
. saber se os exequentes dispõem de título dotado de força executiva que legitime a instauração da ação executiva de que os presentes embargos de executado constituem enxerto declaratório;
. saber se a invocação pelos embargantes/apelados da não realização tempestiva do registo informático do termo de autenticação consubstancia um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1) Em 18/12/2014, B… e C… instauraram contra D…, F…, Sociedade de Construções, Lda. e E… a execução à qual estão apensos os presentes embargos.
2) No requerimento executivo que deu origem à execução à qual estão apensos os presentes embargos, após a epígrafe «Título Executivo», foi escrito «outro documento autenticado».
3) A execução à qual estão apensos os presentes embargos tem por base o conjunto de documentos apresentados com o requerimento executivo, conjunto esse com o teor que consta a fls. 12-23 do processo de execução.
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1- Da exequibilidade extrínseca do documento que os exequentes apresentaram para legitimar a propositura da ação executiva

Como é consabido, a ação executiva carateriza-se pela necessidade de uma base documental, isto é, a ação executiva não pode ser instaurada sem o exequente se encontrar munido de um título executivo. Isso mesmo decorre do nº 5 do art. 10º do Cód. de Processo Civil[1], onde se preceitua que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo define, portanto, os limites subjetivos e objetivos da ação executiva, constituindo a sua base, discutindo-se, a este propósito, qual a efetiva causa de pedir neste concreto tipo de ação. Assim, enquanto uns entendem que a causa de pedir é o título executivo de per se, outros consideram que a causa de pedir é constituída apenas pelos factos alegados no âmbito da obrigação subjacente e, ainda, outros defendem que a causa de pedir é a conjunção do título e da alegação dos factos da obrigação subjacente[2].
Malgrado a diversidade de entendimentos a respeito da aludida temática, vem-se registando na jurisprudência pátria[3] um generalizado consenso em considerar que na ação executiva a causa petendi não se confunde com o título executivo, porque aquela é o facto jurídico de que resulta a pretensão do exequente e que imana do título, por isso, a causa de pedir é o facto jurídico nuclear constitutivo da obrigação exequenda, ainda que com raiz ou reflexo no título. Esta posição tem, aliás, a seu favor um elemento de texto que resulta do art. 724º, n.º 1, al. d), ao impor ao exequente que no requerimento executivo faça uma exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido “quando não constem do título executivo”.
Como quer que seja, à luz da lei adjetiva, o título executivo apresenta-se como requisito essencial (rectius, como pressuposto processual específico) da ação executiva e há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, ou seja, terá de ser um documento[4] suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
Dada a necessidade de observância desse condicionalismo, a lei considera como ponto de interesse público que não se recorra a medidas coativas próprias do processo executivo contra o património do executado sem um mínimo de garantia (prova) sobre a existência do direito do exequente.
Daí que o art. 703º apresente uma enumeração taxativa dos títulos executivos que podem servir de fundamento a uma ação executiva, não sendo admissíveis, conforme tem sido recorrente sublinhado pela doutrina[5], convenções entre as partes pelas quais estas decidam atribuir força executiva a um determinado documento que não se encontre abrangido pelo elenco dos documentos mencionados no aludido normativo.
No caso vertente, a questão que é trazida a este Tribunal de recurso traduz-se, na essência, em dilucidar se o conjunto de documentos que os exequentes apresentaram a fls. 12/23 do processo principal consubstanciam título executivo à luz do disposto na al. b) do nº 1 do citado art. 703º, nos termos da qual “[à] execução apenas podem servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
O tribunal a quo sufragou o entendimento de que tais suportes documentais não podem valer como título executivo, argumentando essencialmente que, in casu, não foram cumpridos os requisitos legais relativos à sua autenticação.
É exatamente neste ponto que se situa o âmago do objeto do presente recurso, já que, na perspetiva dos apelantes, esses documentos reúnem as condições necessárias para desencadear a démarche processual executiva, por se estar em presença de documento particular que foi devidamente autenticado por advogado, sendo que o mesmo contém o reconhecimento por banda dos executados de uma obrigação pecuniária.
Quid juris?
Como emerge da exegese do inciso transcrito, presentemente[6] o documento particular somente valerá como título executivo quando importe a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação (isto é, quando nele se formaliza a constituição de uma obrigação ou então o devedor nele reconhece uma dívida pré-existente) e seja devidamente autenticado por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal.
Portanto, para se conferir exequibilidade a um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se mister a sua autenticação, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes, não sendo, pois, suficiente o simples reconhecimento de assinaturas.
Em consonância com o que se dispõe nos arts. 35º, nº 3, 150º e 151º, todos do Cód. do Notariado, esse procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade[7], após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação[8], atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respetivo conteúdo correspondia à sua vontade. Na sequência desse procedimento, em conformidade com o disposto no art. 377º do Cód. Civil, o documento passa, então, a ter “a força probatória dos documentos autênticos, ainda que não os substituam quando a lei exija documento desta natureza para a validade do ato”[9].
A competência para essa autenticação foi durante largo tempo da competência exclusiva dos notários (cfr. art. 363º, nº 3 do Cód. Civil e art. 4º, nº 2 al. c) do Cód. do Notariado), competência essa que, paulatinamente, foi sendo atribuída a outras entidades, mormente, no que ao caso releva, aos advogados.
Assim, na sequência da publicação do DL nº 76-A/2006, de 29.03 (que adotou medidas de simplificação e eliminação de atos e procedimentos notariais e registrais), os advogados, para além de outras competências que anteriormente se encontravam exclusivamente reservados aos notários, passaram a poder “autenticar documentos particulares (…) nos termos previstos na lei notarial” (art. 38º, nº 1), sendo que as autenticações por eles efetuadas “conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial” (art. 38º, nº 2).
No entanto, por mor do disposto no nº 3 do citado art. 38º, o ato de autenticação apenas pode ser validamente praticado por advogado “mediante registo em sistema informático”, o qual veio a ser implementado pela Portaria nº 657-B/2006, de 29 de junho.
Por conseguinte, como deflui do descrito quadro normativo, o procedimento tendente à autenticação de um documento particular por advogado pressupõe três momentos ou etapas. Assim, num primeiro momento esse documento é outorgado e assinado pelas respetivas partes, sendo que o advogado - enquanto entidade autenticadora - não outorga nem subscreve o documento. Poderá, quando muito, não como entidade autenticadora mas enquanto profissional habilitado e no exercício da sua função de aconselhamento técnico-jurídico, auxiliar as partes na redação do documento ou redigir ele próprio o documento que depois será assumido e assinado apenas pelas partes.
Num segundo momento, o documento particular assinado pelas partes é apresentado ao advogado para autenticação, sendo que no exercício dessa função exige-se, como se notou, que as partes confirmem perante ele o conteúdo do documento particular, devendo subsequentemente o termo de autenticação ser lavrado com observância dos requisitos estabelecidos nos citados arts. 150º e 151º do Cód. do Notariado, contendo, nomeadamente, a declaração das partes de que procederam à leitura do documento ou estão inteiradas do seu conteúdo e que o mesmo exprime a vontade nele declarada.
Finalmente, num terceiro momento, deve ser efetuado o registo informático em conformidade com o que se mostra estabelecido na citada Portaria nº 657-B/2006, de 29.06, sendo que no concernente à oportunidade temporal da sua execução rege o seu art. 4º, que no nº 1 estipula que “o registo informático é efetuado no momento da prática do ato, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato”, acrescentando o nº 2 do mesmo normativo que “se, em virtude de dificuldades de caráter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do ato, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes”.
Exposto, deste modo (ainda que em termos necessariamente sumários), o regime legalmente instituído para a autenticação de documentos particulares, cumpre agora avançar para a resolução da questão central que consubstancia o objeto do presente recurso.
Como se viu, na presença da “declaração de confissão de dívida e acordo de pagamento” que os exequentes utilizaram como título para desencadear a ação executiva, o tribunal de 1ª instância considerou que o mesmo não pode valer como título executivo, porque a sua autenticação não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, dado que «a circunstância de não ter sido feita referência expressa à impossibilidade de aceder ao sistema no momento da realização do ato e a circunstância de o registo informático não ter sido realizado nas quarenta e oito horas seguintes ao ato inquinam a validade da autenticação».
Como emerge das alegações recursórias que apresentaram, os apelantes não põem em crise que, efetivamente, no documento que suporta a execução que instauraram não foi feita a aludida menção e bem assim que o registo informático foi realizado mais de 48 horas depois da prática do ato.
Advogam, no entanto, que essa realidade não contende com a validade da autenticação, constituindo antes mera irregularidade que não afeta a força executória do documento em causa.
Não podemos, contudo, concordar com esse posicionamento, porquanto o descrito regime normativo aponta decisivamente no sentido de que a autenticação do documento particular somente será válida se for efetuada no prazo e com observância dos demais requisitos legalmente fixados.
Na verdade, o nº 3 do art. 38º do DL nº 76-A/2006, de 29 de março expressamente condiciona a validade do ato de autenticação de documento particular ao registo em sistema informático nos termos definidos na citada Portaria nº 657-B/2006, a qual, no seu art. 1º, reitera que a validade desse ato depende da efetivação do registo nas condições definidas nos arts. 3º (que estabelece os concretos elementos ou dados recolhidos que devem ser registados no sistema informático) e 4º (que concretiza o momento em que deve ser executado o registo nesse sistema).
Ora, a propósito da oportunidade temporal em que deve ser executado o registo na plataforma informática, a lei é clara no sentido de estabelecer que esse registo tem obrigatoriamente de ser efetuado “no momento da prática do ato”, ressalvando apenas a situação (excecional) de nesse momento ocorrer dificuldade de caráter técnico de acesso ao sistema, caso em que o ato é válido mesmo sem o registo, contanto que esse facto seja expressamente referido no documento que o formaliza e o registo seja efetuado nas 48 horas seguintes.
Perscrutando as razões que subjazem à imposição do imediato registo informático do termo de autenticação, afigura-se-nos que a mencionada determinação legal se ancora em razões de segurança e certeza jurídicas sobre a exata definição da data em que o documento particular adquiriu a natureza de documento particular autenticado, procurando, assim, salvaguardar a fé pública associada a este tipo de documento (que, como se referiu, passa a ter a força probatória do documento autêntico).
Como assim, dada a natureza cogente dos arts. 38º, nº 3 do DL nº 76-A/2006 e 1º e 4º da Portaria nº 657-B/2006, esse registo informático, ao invés do entendimento preconizado pelos apelantes, assume, na economia de tais diplomas, natureza de formalidade essencial (que não de mera irregularidade), cuja inobservância contende, pois, com a validade da autenticação realizada.
Daí que, sendo a autenticação efetuada fora do condicionalismo temporal definido no art. 4º da citada Portaria fica afetada a sua validade, pelo que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à ação executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à fattispecie da al. b) do nº 1 do art. 703º do Cód. Processo Civil[10].
Consequentemente, considerando que, no caso sub judicio, no documento não foi feita expressa referência à impossibilidade de aceder à plataforma informática no momento da realização do registo e considerando outrossim que esse registo não foi efetuado nas 48 horas subsequentes à prática do ato, na decorrência das considerações expendidas, tal implica que os documentos que foram dados à execução carecem de exequibilidade extrínseca que legitime e suporte a démarche processual executiva.
Improcedem, pois, as conclusões 1ª a 65ª.
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IV.2 – Da (eventual) neutralização da invocação do vício de falta de realização do registo informático dentro do prazo definido no art. 4º da Portaria nº 657-B/2006, de 29.06 através do instituto do abuso do direito

Como se deu nota, os apelantes filiam ainda a sua pretensão recursória argumentando que, in casu, consubstancia um abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, a invocação pelos embargantes/apelados do vício da não realização tempestiva do registo informático do termo de autenticação.
É sabido, que a possibilidade de a invocação de vício de forma poder ser excluída por aplicação da referida cláusula geral é objeto de controvérsia[11], preconizando-se, maioritariamente, que só caso a caso, perante as particularidades de cada situação se poderá aferir se a parte que invoca tal vício excede ou não manifestamente os limites impostos pela boa-fé.
Como deflui do art. 334º do Cód. Civil, com a reprovação do abuso do direito procura-se que se não desvirtue o verdadeiro sentido da norma abstrata que o confere. Visa-se, pois, evitar o exercício anormal, em termos reprováveis, do direito próprio, só formalmente adequado ao direito objetivo e, portanto, sancionam-se os manifestos abusos no exercício do direito, numa direção ilegítima ou para fim diverso daquele para que foi atribuído ao seu titular[12].
Do exposto decorre que a censura do exercício abusivo do direito não pretende suprimir ou extinguir o direito, mas apenas impedir que o seu titular o exerça numa direção ilegítima, visando, deste modo, manter o seu exercício em moldes adequados a um salutar equilíbrio de interesses, requerido pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito.
No entanto, tal como salienta GALVÃO TELLES[13], à verificação do exercício abusivo do direito não é necessário que o agente tenha consciência do seu procedimento ser abusivo; basta que o seja na realidade, sendo certo, todavia, que o citado normativo impõe que tal abuso seja manifesto, que o titular do direito ultrapasse de forma evidente ou inequívoca “os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”, não bastando que o exercício do direito cause prejuízos a outrem, visto que a atribuição de direitos traduz deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com eles conflituantes.
Isto posto, como resulta da posição assumida neste recurso pelos apelantes, advogam estes, como forma de neutralizar a invocação por parte dos executados/apelados do vício formal decorrente da ausência de tempestiva realização do registo informático da autenticação do ajuizado documento particular, a ocorrência de um venire contra factum proprium.
Portanto, se bem entendemos o propósito dos apelantes, a sua pretensão traduz-se primordialmente em obstaculizar que os executados possam arguir o aludido vício formal, na justa medida em que essa invocação é contrária à boa-fé.
Como assim, mais do que uma situação passível de ser reconduzida a um venire estaremos antes perante uma situação que melhor quadra no que tem sido denominado de inalegabilidade formal.
Malgrado a inalegabilidade se aproxime do venire (mormente no que tange aos respetivos requisitos de operância), vem-se considerando[14] que a possibilidade de neutralização de invocação de vício formal está dependente da verificação de determinados requisitos (que se articulam entre si nos termos de um sistema móvel, ou seja, não existe entre eles uma hierarquia, não sendo, em absoluto, indispensáveis: a falta de algum deles pode ser compensada pela intensidade especial que assuma algum ou alguns dos restantes), a saber:
. uma situação objetiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
. a justificação para a confiança;
. investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
. a imputação de confiança ao responsável que irá, depois arcar com as consequências;
. devem estar em jogo apenas os interesses das partes envolvidas; nunca, também, os de terceiros de boa-fé;
. a situação de confiança deve ser censuravelmente imputável à pessoa a responsabilizar;
. o investimento de confiança apresentar-se-á sensível sendo dificilmente assegurado por outra via.
Isto posto, tendo em conta os elementos que podem ser colhidos no processo, afigura-se-nos que, in concreto, não se antolha em que medida a arguição do aludido vício formal (aliás de conhecimento oficioso) configure uma atuação abusiva suscetível de preencher os enunciados requisitos da inalegabilidade, desde logo porque o vício em questão não foi ocasionado por qualquer comportamento imputável aos ora apelados (resultando antes, como se deu nota, do inadimplemento de formalidades legalmente prescritas por banda do advogado que conduziu o procedimento tendente à autenticação do ajuizado documento particular), nem os autos evidenciam que estes tenham assumido conduta passível de gerar fundada confiança nos exequentes/apelantes de que esse vício não viria a ser invocado.
Improcedem, assim, as demais conclusões recursórias.
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V- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo dos apelantes (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 23.01.2017
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Sousa Lameira
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr, sobre a questão, inter alia, LEBRE DE FREITAS, A acção executiva: à luz do Código revisto, 2.ª edição¸ pág. 64 e seguinte.
[3] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 15.05.2001 (processo nº 1113/01), de 04.04.2000 (processo nº 91/00), de 05.12.2000 (processo nº 2634/00) e de 1.07.1997 (processo nº 141/97), disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Sobre as conceções do título executivo como documento e como ato jurídico, cfr., por todos, LEBRE DE FREITAS, ob. citada, págs. 56 e seguintes.
[5] Cfr., inter alia, ANTUNES VARELA et alli, Manual de Processo Civil, pág. 79 e seguinte e TEIXEIRA DE SOUSA, A ação executiva singular, pág. 67 e seguinte.
[6] Não era assim, como é sabido, no domínio do direito pregresso, posto que a al. c) do nº 1 do art. 46º do Código de Processo Civil conferia força executiva a “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes”.
[7] Registe-se, neste conspecto, que a declaração cuja autenticação se impõe é, naturalmente, a da pessoa que se obrigou (a pagar, a entregar certa coisa ou a prestar determinado facto), ou seja a do devedor.
[8] Termo esse que, de acordo com o estabelecido no nº 4 do art. 36º do Cód. do Notariado, é lavrado no próprio documento a que respeita ou em folha anexa.
[9] Ressalvada a situação contemplada no segundo segmento dessa norma, o documento particular autenticado, substancialmente, difere pouco dos documentos autênticos notariais, razão pela qual se lhes equiparam em força probatória e executiva. Com efeito, o referido termo de autenticação é em si, um ato autêntico, valendo portanto como tal.
[10] Em análogo sentido se pronunciam VIRGÍNIO RIBEIRO e SÉRGIO REBELO, in A ação executiva anotada e comentada, pág. 141, aí escrevendo que «a autenticação apenas será considerada se o ato for registado de imediato no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas (…), pelo que, sendo apresentado à execução documento autenticado sem que o respetivo registo tenha sido efetuado nos termos sobreditos, deverá concluir-se que o documento não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo”.
[11] Cfr., sobre a questão, CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, págs. 437 e seguintes; HEINRICH HÖRSTER, Teoria Geral do Direito Civil, págs. 285 e seguinte; PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 666 e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Tomo IV, págs. 299 e seguintes.
[12] Cfr., neste sentido, MENEZES CORDEIRO, ob. citada, Tomo IV, págs. 238 e seguintes e CUNHA DE SÁ, Abuso do direito, págs. 171 e seguintes.
[13] In Direito das Obrigações, pág. 6.
[14] Assim, MENEZES CORDEIRO, ob. citada, tomo IV, pág. 311.