Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7801/18.1T8VNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
CONTESTAÇÃO
PRAZO
ACESSO AOS TRIBUNAIS
Nº do Documento: RP201909237801/18.1T8VNG-B.P1
Data do Acordão: 09/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º298, FLS.74-82)
Área Temática: .
Sumário: I - Não havendo impugnação judicial, o prazo para contestar a acção judicial inicia-se após o termo do prazo concedido ao requerente para impugnar a decisão administrativa.
II - Havendo impugnação judicial, com decisão de indeferimento, aplica-se a regra do artigo 628.º do Código de Processo Civil, por respeito ao princípio do critério uniforme no tratamento de todas as decisões judiciais, mormente, as regras atinentes ao regime do caso julgado, um regime estruturante no direito processual civil. Só assim é garantida a igualdade de tratamento no sistema jurídico/processual civil e salvaguardados os princípios da certeza e segurança jurídicas.
III - Neste sentido, o trânsito em julgado da decisão judicial de indeferimento do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, ocorre após o prazo de 10 dias para eventual reclamação dessa decisão.
IV - Tal interpretação do artigo 24.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, é conforme ao princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7801/18.1T8VNG-B.P1
Origem: Comarca Porto - VNGaia-Juízo Trabalho-J3.
Relator: Domingos Morais – Registo 827
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. – Na acção declarativa com processo comum n.º 7801/18.1T8VNG.P1, a correr termos na Comarca Porto-VNGaia-Juízo Trabalho-J3, na qual figura como autora B… e como ré Colégio C…, Lda., a Mma Juiz proferiu o seguinte despacho, datado de 2019.03.26:
“A Ré apresentou contestação em 15-02-2019.
Conforme resulta dos autos, a ré foi citada para contestar a acção, contando-se o prazo de 10 dias para contestar a acção da data da audiência de partes, a qual se realizou em 6/11/2018 (fls. 14).
A Ré juntou ao processo no dia 6/11/2018 requerimento comprovativo de ter requerido o benefício de apoio judiciário na segurança social, nomeadamente, nas modalidades de nomeação e pagamento de honorários a patrono − fls. 15 a 17 − , acto esse que interrompe o prazo para contestar (de resto, conforme referido no despacho de 26/11/2018 − fls. 18).
No âmbito de recurso de impugnação judicial da decisão da segurança social que indeferiu o pedido de apoio judiciário interposto pela Ré, foi proferida em 17-01-2019 decisão que julgou improcedente tal recurso (fls. 28 e 29 do apenso A), a qual foi notificada à Ré por carta registada datada de 21/01/2019, enviada em 22/01/2019 e recebida em 23/01/2019, tudo conforme consta da pesquisa do respectivo registo postal no site dos CTT cujo print se segue:
(…).
Nos termos do disposto nos n.os 4 e 5 do art. 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, quando, como aqui sucedeu, o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso – no caso, o prazo para a apresentação da contestação − e que tinha sido interrompido com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, nos termos supra referidos, inicia-se a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Assim, há que considerar, no caso em análise, que o prazo para a Ré contestar a acção − interrompido pela junção aos autos do documento comprovativo de ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono − se iniciou no dia seguinte ao 3.º dia útil subsequente ao do registo (posição mais favorável para a Ré) da carta enviada para notificação à Ré da decisão que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial da decisão da segurança social que indeferiu o pedido de apoio judiciário formulado pela Ré, ou seja, no dia 26 de janeiro de 2019 (a Ré presume-se notificada a 25/01/2019, embora o tenha sido efectivamente no dia 23 de janeiro de 2019).
O prazo de 10 dias para contestar terminou, pois, no dia 4 de fevereiro de 2019.
Tal determinou, de resto, a prolação, no dia 11-02-2019, do despacho a declarar confessados os factos − fls. 23 do processo.
Em conformidade, a contestação só agora apresentada (em 15/02/2019) é claramente extemporânea, pelo que, por intempestiva, não admito a mesma.”.
2. – A ré, inconformada, apresentou recurso de apelação em separado,
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3. – A autora não contra-alegou.
4. - O M. Público emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
5. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
A matéria de facto a considerar, no âmbito deste recurso em separado, é a seguinte:
1. – No ofício de “Citação por carta registada com AR”, datado de 09.10.2018, remetido à ré/recorrente, consta:
Fica ainda citado para no prazo 10 dias, a contar da Audiência de Partes, contestar, querendo, a presente acção, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelo(a) Autor(a). sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
2. – A audiência de partes realizou-se no dia 06.11.2018.
3. – No dia 26.11.2018, foi proferido o seguinte despacho: “Atendendo à junção aos autos, no dia 6/11/2018, do comprovativo de ter sido requerido pela Ré apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, interrompem-se os prazos em curso.
Solicite à SS informação sobre qual a decisão que recaiu sobre o pedido de apoio judiciário apresentado pela ré.”.
4. – Em 20.12.2018, a ré informou nos autos:
“Exmo. Sr. Doutor Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 3, Proc: 7801/18.1T8VNG.
Relativamente ao processo em epígrafe, informamos o seguinte:
a) Remetemos para o serviço do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a Impugnação Judicial do indeferimento do pedido de apoio judiciário.
b) Tal remessa foi efetuada ontem sob registo postal, conforme talão dos CTT que anexamos.”.
5. - No âmbito da impugnação judicial da decisão do Instituto de Segurança Social, IP (Centro Distrital do Porto), que indeferiu o pedido do apoio judiciário da ré/recorrente, a Mma Juiz proferiu o seguinte despacho, datado de 17.01.2019:
(…). A impugnante optou por não juntar tais meios de prova.
Nos termos da lei, tal actuação, consistente na falta de junção dos meios de prova em causa, que estão na disponibilidade da requerente do apoio judiciário que dele pretende beneficiar, a despeito da notificação efectuada pela segurança social para tal (ou seja, para a apresentação dos meios de prova documentais referentes à situação económica da sociedade requerente necessários para se poder aferir qual é essa situação económica) determina o indeferimento do requerimento (art. 8.º-B, nos 2 a 4, da Lei n.º n.º 34/2004, de 29 de Julho, supra referida).
Decisão
Em conformidade, julgo improcedente o recurso interposto.
Custas pela requerente/impugnante.”.
6. – O despacho referido no ponto 5. foi notificado à ré por carta registada, datada de 21.01.2019, enviada em 22.01.2019 e recebida em 23.01.2019.
7. – Em 11.02.2019, foi proferido o seguinte despacho:
A Ré Colégio C…, L.da., regularmente citada para contestar a acção, nada disse no prazo fixado para a apresentação da contestação.
Em conformidade, face à falta de contestação consideram-se confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial, em conformidade com o disposto no artigo 57.º, n.º 1 do Cód. Proc. Trabalho.
Notifique.
Decorrido que seja o prazo supletivo legal, abra nova conclusão.
Em conformidade, julgo improcedente o recurso interposto.
Custas pela requerente/impugnante.”.
8. - A ré apresentou a sua contestação em 15.02.2019.
9. - Em 26.03.2019, foi proferido o despacho recorrido.
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2. - Objecto do recurso:
- Da violação do disposto no artigo 24º n.º 5, b) da Lei n.º 34/2004, de 29-7 (LAJ), bem como o art. 628º do Código de Processo Civil, conjugado com os arts. 615º e 616º do mesmo diploma, aplicável ex vi art. 49º n.º 2 do Código do Processo de Trabalho.
- Da violação do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa na interpretação do art. 24º n.º 5, al. b) da LAJ, no sentido de que o prazo interrompido pela junção aos autos do comprovativo de pedido de benefício de apoio judiciário se inicia no primeiro dia posterior à notificação da decisão da proferida em sede de impugnação judicial e não no décimo primeiro.
3.Questão prévia: nulidade do despacho recorrido
A recorrente “arguiu expressa e separadamente a nulidade do Douto Despacho recorrido, ao abrigo do disposto nos termos e com os seguintes fundamentos:
“O Douto Despacho de 26 de Março de 2019 vem rejeitar a contestação apresentada pelo Réu/Recorrente, por extemporânea.
O Réu/Recorrente não se pode resignar com tal decisão, porquanto, no seu modesto entender, tem na sua génese uma interpretação contra legem do disposto no art. 24º n.º 5 al. b) da Lei n.º 34/2004, de 29-7 LAJ), por violadora dos arts. 615º, 616º e 628º CPC.
Com efeito, nos termos das citadas disposições, e ao contrário do decidido, a contagem do prazo para dedução da contestação não se inicia no primeiro dia posterior à notificação da decisão de indeferimento da impugnação do pedido de protecção jurídica, mas sim no décimo primeiro dia que se lhe segue.
A decisão proferida no apenso de impugnação do pedido de apoio judiciário é uma decisão judicial, logo, aplicar-se-lhe-ão as disposições processuais referentes às regras do trânsito em julgado e as inerentes formas de reacção a qualquer decisão dessa natureza. E, a esse respeito, dispõe o art. 628º CPC que “a decisão considera se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação””.
Sobre as causas de nulidade da sentença (e dos despachos – cf. artigo 613.º, n.º 3), o artigo 615.º, ambos do CPC dispõe:
1 — É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.
Ora, no seu requerimento de arguição de nulidade, a recorrente não invoca nenhuma das causas previstas no citado artigo 615.º, n.º 1.
O fundamento da “nulidade” do despacho recorrido é o objecto do próprio recurso, isto é, aquilo que é invocado no requerimento de arguição de nulidade não integra qualquer das causas de nulidade previstas no citado artigo 615.º, n.º 1, mas sim discordância sobre a decisão proferida. A discordância é tratada em sede do conhecimento do objecto do recurso e não como nulidade do despacho recorrido.
Deste modo, improcede a arguida nulidade do despacho recorrido.
4.Data do início do prazo interrompido pela junção aos autos do comprovativo de pedido de benefício de apoio judiciário.
4.1. - Citada para contestar a acção, após a audiência de partes realizada no dia 06.11.2018, a ré/recorrente apresentou requerimento comprovativo de ter requerido o benefício de apoio judiciário no Instituto de Segurança Social, IP (Centro Distrital do Porto), nomeadamente, nas modalidades de nomeação e pagamento de honorários a patrono.
No âmbito do recurso de impugnação judicial da decisão daquele Instituto (que indeferiu o pedido de apoio judiciário requerido pela ré), foi proferida decisão judicial, em 17.01.2019, que julgou improcedente o recurso. Tal decisão judicial foi notificada à ré por carta registada datada de 21.01.2019, enviada em 22.01.2019 e recebida em 23.01.2019.
A ré apresentou contestação em 15.02.2019.
4.2. - Quid iuris?
4.2.1. - O artigo 20.º - Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva - consagra:
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”. (negrito nosso)
Este preceito reconhece dois direitos, conexos, mas distintos: (i) o direito de acesso ao direito e (b) o direito de acesso aos tribunais.
Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, págs. 412 e 418, “O direito ao patrocínio judiciário (n.° 2) destina-se funda­mentalmente a promover a igualdade dos cidadãos no acesso ao direito e aos tribunais em caso de carência de meios económicos para obter patrocínio (cfr. Lei n.º 34/2004, de 29-07). Embora o direito ao patrocínio judiciário vise, entre outras coisas, assegurar uma tutela jurisdicional efectiva (cfr. Cód. Proc. Civil, arts. 32.° e ss.), a decisão sobre o patrocínio judiciário não é necessariamente uma decisão jurisdicional. O «incidente de apoio judiciário» que, tradicionalmente, dava concretização parcial à ideia de patrocínio, pode, sem obstáculos jurídico-constitucionais, ser substituído por procedimentos administrativos junto aos serviços que estejam em melhores condições de avaliarem a necessidade do apoio judiciário, como, por exemplo, os serviços de segurança social (cfr. Lei n.° 34/2004, de 29-07, art. 20.°)”.
E no que reporta ao duplo grau de jurisdição escrevem os citados autores:
O direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição. Discute-se em que medida o direito de acesso aos tribunais inclui o direito ao recurso das decisões judiciais, traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição. (…). Não existe um preceito constitucional a consagrar a “dupla instância” ou o duplo grau de jurisdição em termos gerais (cf. Acs TC n.ºs 31/87, 65/88, 163/90, 259/97 e 595/98). Todavia, o recurso das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais, designadamente direitos liberdades e garantias, mesmo fora do âmbito penal, pode apresentar-se como garantia imprescindível destes direitos. Em todo o caso, embora o legislador disponha de liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso, ele não pode regulá-lo de forma discriminatória nem limitá-lo de forma excessiva”.
No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/97, de 18.03.1997, pode ler-se:
Na verdade, se o texto constitucional é omisso quanto ao limite máximo dos graus de jurisdição, também o é quanto ao mínimo - ressalvando-se a área das garantias de defesa em processo criminal, nos termos do nº 1 do artigo 32º - entendendo-se que a protecção do direito ao recurso passa pela sua não afectação substancial "enquanto via de defesa contra actos jurisdicionais e de controlo da objectividade da realização do direito" (cfr. o acórdão nº 715/96, ainda inédito, entre outros), sem prejuízo de, respeitado esse limite, o legislador ordinário poder ampliar ou restringir os recursos (por exemplo, aponta Armindo Ribeiro Mendes, "quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização dos valores das alçadas" - cfr. Recursos em Processo Civil, Lisboa, 2ª ed., 1993, pág. 101).”.
Ora, no âmbito da sua “liberdade de conformação”, o legislador aprovou a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto), que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.
O seu artigo 1.º - Finalidades – estatui:
1 - O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.”
E os artigos 6.º e 7.º determinam, respectivamente, o âmbito de protecção e o âmbito pessoal da referida lei.
No que toca à competência para a decisão, o artigo 20.º dispõe:
“1 - A decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.
2 - No caso de o requerente não residir ou não ter a sua sede em território nacional, a decisão referida no número anterior compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social onde tiver sido entregue o requerimento.
3 - A competência referida nos números anteriores é susceptível de delegação e de subdelegação.
4 - A decisão quanto ao pedido referido nos n.ºs 6 e 7 do artigo 8.º-A compete igualmente ao dirigente máximo dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão de protecção jurídica, sendo susceptível de delegação e de subdelegação.”.
Por sua vez, o artigo 24.º - Autonomia do procedimentoda Lei do Apoio Judiciário [Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto], dispõe:
1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
2 – (…).
3 – (…).
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”. (negrito nosso)
O artigo 27.º - Impugnação judicial -, prevê:
“1 - A impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
2 - O pedido de impugnação deve ser escrito, mas não carece de ser articulado, sendo apenas admissível prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do tribunal.
3 - Recebida a impugnação, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente.”.
E o artigo 28.º determina:
“1 - É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.
2 - No caso de existirem tribunais de competência especializada ou de competência específica, a impugnação deve respeitar as respectivas regras de competência.
3 - Se o tribunal se considerar incompetente, remete para aquele que deva conhecer da impugnação e notifica o interessado.
4 - Recebida a impugnação, esta é distribuída, quando for caso disso, e imediatamente conclusa ao juiz que, por meio de despacho concisamente fundamentado, decide, concedendo ou recusando o provimento, por extemporaneidade ou manifesta inviabilidade.
5 - A decisão proferida nos termos do número anterior é irrecorrível.”.
Daqui resulta que a lei ordinária [Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto], não só estabelece um grau de recurso jurisdicional da decisão administrativa que aprecie o pedido de apoio judiciário, como determina que o prazo interrompido por aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 24.º se inicie “A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono – artigo 24.º n.º 5, alínea b).
Sobre o início do prazo interrompido, por aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 24.º, já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido no Processo n.º 1629/15.8T8MTS.P1, subscrito pelo ora Relator e 1.ª Adjunta, na qualidade de Adjuntos, cujo sumário se transcreve:
I – O prazo para contestar a acção judicial, que se interrompeu com a apresentação do pedido de nomeação de patrono, inicia-se, nos termos do artigo 24º, nº5, al. b) da Lei do Apoio Judiciário – Lei nº34/2004 de 29.07 com as alterações introduzidas pela Lei nº47/2007 de 28.08, – a partir da notificação ao requerente da decisão judicial que julgou improcedente a impugnação judicial. II – Não havendo impugnação judicial, o prazo para contestar a acção judicial inicia-se após o termo do prazo concedido ao requerente para impugnar a decisão administrativa. III – Tal interpretação é conforme ao princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.”. (negrito nosso).
E havendo impugnação judicial, com decisão de indeferimento, como é o caso em apreço, quid iuris?
No caso de impugnação judicial, com decisão de indeferimento, devem aplicar-se as regras do Código de Processo Civil, por respeito ao princípio do critério uniforme no tratamento de todas as decisões judiciais, mormente, as regras atinentes ao regime do caso julgado, um regime estruturante no direito processual civil. Só assim é garantida a igualdade de tratamento no sistema jurídico/processual civil e salvaguardados os princípios da certeza e segurança jurídicas.
Como se expôs no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 853/14, de 10.12, proc. n.º 459/14, “Constituindo ‘uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais’, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva é - ele próprio - um direito fundamental (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, vol. I, Coimbra, 2007, p. 408).
Ora, na medida em que surge como condição de exercício efetivo do direito de acesso aos tribunais, o direito de apoio judiciário não pode deixar de ‘comunga[r] da fundamentalidade deste último direito’ (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2010 […])”.
Neste sentido, o artigo 628.º - Noção de trânsito em julgado – do CPC, dispõe: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.”. (negrito nosso).
A este propósito também já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 24.09.2018, relatado pela ora 1.ª Adjunta, cujo sumário se transcreve:
“II. Pese embora uma situação de dupla conforme, a possibilidade de recurso de revista é, em abstracto, de admitir, designadamente com fundamento nas als. a) ou b) do nº 1 do art. 672º, sendo que é ao STJ que compete apreciar da admissibilidade, ou não, de um tal recurso.
III. Assim, face ao referido em II, o prazo a ter em conta com vista à determinação da data do trânsito em julgado do acórdão da Relação é o prazo para (eventual) interposição do recurso de revista (o de 20 dias - art. 80º, nº 1, do CPT) e não o de 10 dias para reclamação do acórdão.”. (negrito nosso).
No mesmo sentido, isto é, que o trânsito em julgado ocorre após o prazo de 10 dias para eventual reclamação da decisão em causa, também já se pronunciara o STJ, ainda no âmbito do anterior CPC, no acórdão do STJ de 15.11.2006, proc. 06S1732, na dgsi, nos seguintes termos:
“Segundo o artigo 677.º do Código de Processo Civil, a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º do mesmo Código.
Tratando-se a decisão em causa de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já não era admissível recurso ordinário (artigos 676.º, n.º 2, 678.º, 691.º, 721.º, 733.º e 754.º todos do Código de Processo Civil).
Ora, sendo o mencionado acórdão proferido em 24 de Fevereiro de 2000 e tendo sido notificado por serviço postal registado, em 29 de Fevereiro de 2000, nos termos do n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil, presume-se feita a notificação em 3 de Março de 2000.
Logo, o prazo para deduzir reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º do Código de Processo Civil expirou em 13 de Março seguinte, isto é, 10 dias após a notificação daquele acórdão, conforme o prazo-regra estabelecido no n.º 1 do artigo 153.º do mesmo Código.
Uma vez que o autor não apresentou qualquer reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º citados, o trânsito em julgado daquele acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ocorreu, efectivamente, em 13 de Março de 2000.”.
Tal interpretação do artigo 24.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, é conforme ao princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
4.2.2. - No caso dos autos, sendo irrecorrível a decisão judicial de indeferimento, atento o disposto no citado artigo 28.º, n.º 5, da Lei do Apoio Judiciário, tal decisão poderia, no entanto, ser reclamada. E para a eventual reclamação (nesta cabendo a possibilidade de arguição de nulidades ou reforma da decisão), o prazo a aguardar para efeitos do trânsito em julgado é de 10 dias.
Assim, estando provado que a decisão judicial de indeferimento do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, foi notificada, à ré, por carta registada datada de 21.01.2019, enviada em 22.01.2019 e recebida em 23.01.2019, presume-se a notificação feita no dia 25.01.2019, nos termos do artigo 249.º, n.º 1, do CPC.
Contados os 10 dias para efeitos de eventual reclamação, o trânsito em julgado daquela decisão judicial de indeferimento do apoio judiciário ocorreu no dia 04.02.2019 (de 26.01.2019 a 04.02.2019).
E os 10 dias para contestar tiveram início em 05.02.2019 e terminaram a 14.02.2019.
A ré apresentou contestação em 15.02.2019, pagando a multa correspondente a um dia de atraso, nos termos previstos no artigo 139.º do CPC, conforme consta no documento electrónico “Contestação”, referência 702180066186463.
Deste modo, sendo tempestivo o articulado da contestação, apresentado pela ré/recorrente, procede o recurso de apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida.
IV. - A decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em dar provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, admitindo a contestação da ré, dê seguimento aos ulteriores termos processuais.
Sem custas do recurso de apelação.

Porto, 2019.09.23
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas