Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21216/17.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: ACÇÃO DECLARATIVA
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
TRABALHADORA GRÁVIDA
ÓNUS DA PROVA
SUBSUNÇÃO JURÍDICA
AVALIAÇÃO
FORMAÇÃO
Nº do Documento: RP2019020421216/17.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º289, FLS.176-191)
Área Temática: .
Sumário: I - Em acção declarativa comum, intentada pelo empregador, compete-lhe a prova dos requisitos legais que consubstanciam a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho.
II - A extinção do posto de trabalho é devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa.
III - Mesmo que provado um dos motivos referidos em 2., é ainda necessário que o empregador demonstre os requisitos cumulativos descritos no artigo 368.º, n.º 1, alíneas a) a d), do Código do Trabalho.
IV - O “entendimento” do empregador sobre a falta de aptidões “técnicas e profissionais” de trabalhadora para integrar determinada equipa de trabalho, na empresa, não constitui um facto concreto da vida real para efeitos de subsunção jurídica da alínea b) do n.º 1 do artigo 368.º do CT.
V - O “entendimento” do empregador, referido em 4., baseado em avaliação de funções ocorrida três anos antes, deve ter-se por genérico e desactualizado.
VI - Quando se trata de trabalhadora lactante, regressada ao serviço após 7 meses de baixa médica e licença parental, a quem não foi prestada formação actualizada, numa empresa cujo objecto social é “actividades de programação informática”, área de constante mutação e inovação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 21.216/17.5T8PRT.P1
Origem: Comarca de Porto - Porto -Juízo Trabalho - J3
Relator - Domingos Morais – Registo 802
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
- Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. – B…, S.A., intentou a presente acção declarativa com processo comum, na Comarca de Porto - Juízo Trabalho-J3, contra C…, nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
No dia 24 de julho de 2017, a Autora procedeu, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 369.º do Código do Trabalho, a comunicação à Ré da intenção de proceder ao seu despedimento, em consequência da extinção do seu posto de trabalho.
A extinção foi justificada com base em motivos estruturais da empresa, nomeadamente de reestruturação da organização produtiva da Autora, por força da implementação de nova metodologia de trabalho.
Na sequência da referida comunicação, no dia 27 de julho de 2017, foi a Autora notificada do Parecer emitido pela Ré com fundamentação contrária à necessidade de despedimento por extinção do posto de trabalho.
Na mesma data, a Ré notificou ainda a Autora de que havia solicitado a intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), para verificação dos requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, ao abrigo do n.º 2 do artigo 370.º do Código do Trabalho.
Para o efeito, no dia 02 de agosto de 2017, a Autora apresentou toda a documentação solicitada, bem como parecer sobre a não obrigatoriedade de pedido de parecer à Comissão para a igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) naquela fase do procedimento.
Em 03 de agosto de 2017, foi a Autora notificada, do Relatório da ACT, respeitante à Extinção do Posto de Trabalho da Ré.
Posteriormente, a Autora remeteu via correio, em 17 de agosto de 2017, pedido de parecer prévio à CITE relativo ao despedimento da trabalhadora, aqui Ré, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Código do Trabalho, juntando cópia de todo o processo de Extinção do Posto de Trabalho.
Em 15 de setembro de 2017, foi a Autora notificada de parecer desfavorável ao despedimento, por extinção do posto de trabalho da trabalhadora lactante Ré, por parte da CITE.
O referido parecer foi aprovado, no entanto, com os votos contra da Representante da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), da Representante da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e do Representante da Confederação do Turismo Português (CTP), que apresentou declaração de voto.
Terminou, concluindo:
“Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e em consequência ser: declarados verificados os pressuposto para a extinção do posto de trabalho da ré, previstos no artigo 368.º do código do trabalho, legitimando assim o seu consequente despedimento.”
2. – Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, impugnado, parcialmente, a factualidade alegada pela autora.
Terminou, concluindo: “deve a presente acção apresentada pela A. ser julgada improcedente por não provada e, em consequência:
a) Ser declarado ilícito e sem justa causa o despedimento da R.;
b) Ser determinada a reintegração da R. nas mesmas funções e categoria;
c) Ser a A. condenada ao pagamento das retribuições e respectivos créditos vencidos ou que se venham a vencer;
d) Ser a A. condenada ao pagamento de custas e Procuradoria;
e) Ser a A. condenada ao pagamento de juros vencidos e que eventualmente se vençam.;”.
3. - No despacho saneador, o Mmo Juiz fixou o valor da acção em €30.000,01 e identificou o objeto do litígio e elencou os temas de prova.
4. - Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, o Mmo Juiz proferiu sentença:
Pelo exposto, julgo a presente ação de processo comum totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, não reconheço a existência de motivos justificativos para o despedimento por extinção do posto de trabalho promovido pela A., B…, S.A., e que visou a R., C….
Custas pela A.”.
5. – A autora, inconformada, apresentou recurso de apelação,
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6. - A ré contra - alegou,
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7. - O M. Público emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Os factos provados:
Atenta a prova produzida, considero assente, com relevo para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
1) No dia 24 de julho de 2017 a A. procedeu a comunicação à R. da intenção de proceder ao seu despedimento, em consequência da extinção do seu posto de trabalho, conforme resulta de fls. 30 a 52;
2) A extinção foi justificada com base em motivos estruturais da empresa, nomeadamente de reestruturação da organização produtiva da A., por força da implementação de nova metodologia de trabalho;
3) Na sequência da referida comunicação, no dia 27 de julho de 2017 foi a A. notificada do parecer emitido pela R., de fls. 53 a 55;
4) Na mesma data, a R. notificou ainda a A. de que havia solicitado a intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho (A.C.T.), para verificação dos requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho;
5) Face à requerida intervenção, no 31 de julho de 2017 foi a A. alvo de fiscalização por parte da A.C.T., sendo notificada para apresentação da seguinte documentação: a) Registo dos trabalhadores com a categoria profissional de Analista Programador, atualizado, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho; b) Recibos de retribuição de cada um dos Analistas Trabalhadores; c) Contratos de trabalhador a termo em vigor de trabalhadores com categoria profissional de Analista Programador; d) Apólice de acidentes de trabalho, último recibo pago e declaração de retribuição à seguradora onde conste o nome e retribuição dos trabalhadores; e) Último relatório da avaliação de riscos; f) Última avaliação de desempenho de cada um dos analistas programadores; g) Habilitações académicas de cada um dos trabalhadores com categoria profissional de analista programador; h) Documento comprovativo do Pedido de parecer à C.I.T.E. para a extinção do posto de trabalho da trabalhadora R.;
6) Em 3 de agosto de 2017 foi a A. notificada do relatório da A.C.T., cuja cópia consta de fls. 60 a 62, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
7) A A. remeteu via correio, em 17 de agosto de 2017, pedido de parecer prévio à C.I.T.E. relativo ao despedimento da trabalhadora, aqui R.;
8) Em 15 de setembro de 2017 foi a A. notificada de parecer desfavorável ao despedimento por extinção do posto de trabalho da trabalhadora lactante R., por parte da C.I.T.E., conforme se extrai de fls. 68 a 98, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
9) A R. foi admitida ao serviço da A. em 1 de novembro de 2009, para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Analista Programador, sendo integrada na área de Specapps, no Departamento de Software Development;
10) Até ao início do ano de 2016 a estrutura organizativa da A. assentava numa separação formal entre os vários departamentos, nomeadamente do Software Development e do Client Support, divisão essa tradicional no ramo de atividade da empresa;
11) Verificava-se, assim, uma separação de tarefas das várias áreas da empresa, com funções estanques por áreas, nomeadamente nos departamentos acima referidos;
12) Não obstante, por forma a assegurar a viabilidade e desenvolvimento da A., foi necessário apostar em metodologias de trabalho ajustadas às exigências do mercado, conforme as metodologias implementadas nas grandes empresas tecnológicas, apostando assim numa nova organização que permitisse uma maior eficiência e qualidade produtiva ao nível do desenvolvimento de software;
13) Assim, em janeiro de 2016 a A. deu início a um processo de reorganização total da sua estrutura interna, passando a trabalhar sobre a metodologia denominada “Scrum”;
14) Consequentemente, a área de Specapps onde a trabalhadora R. se integrava iniciou um processo de extinção no âmbito do novo modelo organizativo;
15) A metodologia “Scrum” define-se por ser uma estrutura processual para o desenvolvimento e manutenção de produtos complexos e caracteriza-se por ser uma estrutura dentro da qual os vários colaboradores da empresa estão aptos à resolução de problemas adaptativos complexos, ao mesmo que tempo que incrementam o maior valor possível aos produtos em desenvolvimento;
16) Esta nova metodologia evidencia a eficácia das práticas de gestão e desenvolvimento de produtos, por forma a que seja possível o aumento de valor dos produtos;
17) A referida metodologia assenta numa organização através das denominadas “Scrum Team”;
18) As “Scrum Team” distinguem-se por serem equipas de desenvolvimento, compostas por cerca de 6 a 10 trabalhadores, que integram, conjuntamente, trabalhadores anteriormente afetos a várias áreas da empresa, nomeadamente da parte de Client Support e Software Development, em equipas mistas;
19) Essas equipas caracterizam-se pela inexistência de uma divisão funcional através das funções tradicionais, tais como programador, designer, analista de testes e product owner;
20) Todos os colaboradores dos projetos em curso na A. passam assim a trabalhar conjuntamente, independentemente das funções que exercem, constituindo equipas multidisciplinares, completando os projetos em desenvolvimento com o qual se comprometeram conjuntamente para um Sprint;
21) O Sprint representa um Time Box dentro do qual um conjunto de atividades deve ser executado;
22) Neste novo modelo organizacional, atentas as suas características funcionais, impõe-se a todos os colaboradores da A. uma maior capacidade de trabalho em equipa, de maior conhecimento das várias fases de desenvolvimento e necessidades comerciais do produto, mas que percebam igualmente as necessidades que o software visa cumprir e resolver, bem como as necessidades funcionais impostas pelo cliente;
23) O êxito do funcionamento deste novo modelo está dependente de colaboradores mais competentes ao nível do comprometimento, coragem, foco, abertura e respeito, fundamentais em equipas autogeridas;
24) Os colaboradores integrados nesta nova organização têm de estar dotados da capacidade de enfrentar problemas mais complexos, tomar decisões mais difíceis, ter a capacidade de aprender em equipa, focando-se nos seus objetivos;
25) Com o funcionamento em “Scrum Team” deixou de existir uma verdadeira cadeia hierárquica, sendo as equipas auto-organizadas, autogerindo-se em termos de trabalho a realizar;
26) É o resultado da otimização de sinergias das equipas de desenvolvimento que permite a evolução sustentável de produtos complexos e de forma eficiente;
27) Atendendo à circunstância de a empresa dispor de uma estrutura interna tradicional e ao facto da elevada complexidade que a implementação do novo modelo organizativo acarreta, com efeitos elevados ao nível do funcionamento dos serviços, o referido processo de transição não ocorreu de forma imediata – o que poderia causar efeitos danosos na empresa, nomeadamente porque interromperia os processos em curso com os clientes;
28) O processo de transição para o novo modelo organizacional iniciou-se em janeiro de 2016 e permaneceu em fase de implementação gradual;
29) A reorganização iniciou-se com a alocação gradual dos colaboradores das várias áreas dos Departamentos de Software Development e Client Support às várias equipas Scrum;
30) Não obstante, embora se tenha verificado a afetação de vários trabalhadores da área de SpecApps às respetivas equipas Scrum, a R., conjuntamente com a colaboradora D…, não foi de imediato alocada a uma das equipas, porquanto não haviam terminado um projeto relacionado com o cliente E…;
31) Ambas as trabalhadoras se mantiveram fora do enquadramento da nova estrutura organizacional até à entrega do referido projeto, o que veio a suceder em 15 de julho de 2016, altura em que o projeto foi entregue no ambiente de testes do cliente;
32) Com a entrega final do projeto, a colaboradora D… foi alocada a uma das equipas Scrum, sendo que a R. entrou de baixa médica um dia antes da referida entrega, no dia 14 de julho de 2016, baixa que se prolongou até ao dia 25 de julho de 2016;
33) A baixa médica da R. acabou por ser prorrogada por duas vezes, a primeira de 26 de julho a 24 de agosto de 2016 e a segunda de 25 agosto de 2016 a 17 de setembro de 2016;
34) No dia 17 de setembro de 2016 a R. entrou em licença parental, licença essa que durou até ao dia 13 de fevereiro de 2017;
35) A A. entendeu que a R. não possuía as aptidões técnicas e profissionais necessárias para ser integrada numa equipa Scrum, não detinha as ferramentas necessárias ao trabalho em equipa, nem as aptidões essenciais ao desenvolvimento de software no nível de exigência, conhecimento e dedicação que a referida metodologia impunha;
36) A aludida colaboradora, na última avaliação existente a ter em conta dentro da área de SpecApps – ano de 2014 –, constante de fls. 50, apresentava a avaliação mais baixa em relação a todos os colaboradores existentes na referida área, em todos os parâmetros utilizados para a sua avaliação;
37) Aquando do regresso da R. ao serviço, foi a mesma, temporariamente, colocada a realizar um conjunto de tarefas não prioritárias nem relevantes para o funcionamento da empresa – uma vez que tinha terminado as tarefas que ainda lhe restavam do seu posto de trabalho ora extinto –, encontrando-se a elaborar o manual da estrutura Dita do software F…;
38) Com a mencionada extinção do posto de trabalho a A. concluiu não haver mais nenhum local onde a colaboradora R. pudesse ser colocada;
39) Não existe na empresa qualquer trabalhador contratado a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
40) À data da extinção do posto de trabalho, na secção em que a R. se encontrava integrada – área de Specapps – não existia qualquer trabalhador senão a R.;
41) Inexiste secção ou estrutura equivalente onde a R. esteja inserida, uma vez que no âmbito do processo de reorganização da A. a área onde a R. se encontrava inserida se extinguiu, não tendo a mesmo sido realocada;
42) Todos os trabalhadores da secção da R. e com a mesma categoria e funções foram alocadas à nova estrutura criada, menos a R.;
43) Aquando do regresso da R., a A. não permitiu a esta a formação profissional e atualização profissional em ordem a realocar esta trabalhadora, como o fez às colegas.
Os factos não provados:
Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa, designadamente que:
a) Dois dos trabalhadores da A. – I… e J… -, integrados originalmente na área de SpecApps, em maio de 2014 hajam integrado uma nova área criada no seio do Departamento de “Software Development”, denominada G…;
b) Essa nova área tenha sido constituída inicialmente pelos colaboradores H… (que tinha acabado de ser transferido para o “Software Development”), pela I… e J… (à data na área de SpecApps), bem como pelos colaboradores K… e L…;
c) Tenha-se tratado de uma criação/projeto “informal” na sequência da transferência do colaborador H… para o “Software Development”, proposta por um dos Administradores da A., pelo que a sua inserção em termos do organograma existente nunca chegou a ser feita;
d) À data da avaliação da equipa de SpecApps os aludidos trabalhadores já não prestassem as suas funções no âmbito funcional daquela área, motivo pelo qual não chegaram a ser avaliados em 2014;
e) No âmbito do processo de reestruturação em curso, outros trabalhadores (três) tenham visto o seu vínculo contratual terminado por acordo ou por caducidade de contrato a termo, o qual não foi renovado.”.
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4. - Da (i)verificação dos requisitos para a extinção do posto de trabalho da ré.
4.1. - A autora/recorrente pretende que o Tribunal declare verificados os requisitos para a extinção do posto de trabalho da ré, previstos no artigo 368.º do Código do Trabalho (CT) (serão deste diploma os normativos citados sem menção de origem).
A sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
“(…).
Começando pela (in)subsistência dos motivos invocados pela A. para a extinção do posto de trabalho da R. – bem como, por consequência, pelo nexo de causalidade entre os mesmos e a concreta necessidade de extinção do posto de trabalho –, importa ter em consideração o disposto no art.º 367.º n.º 1 do C. do Trabalho, nos termos do qual se considera despedimento por extinção de posto de trabalho a cessação de contrato promovida pelo empregador fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa.
De acordo com o n.º 2 dessa mesma norma, a definição do que são motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos é a mesma que consta do art.º 359.º n.º 2 do C. do Trabalho.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de novembro de 2009 (que pode ser consultado na internet, no sítio www.dgsi.pt), é absolutamente imperioso que a entidade empregadora proceda à invocação de factos concretos que, integrando os conceitos “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”, tenham o necessário nexo causal com o concreto posto de trabalho a extinguir, sob pena de se estar a admitir a existência de despedimentos arbitrários (neste mesmo sentido, veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de abril de 2008, igualmente consultável in www.dgsi.pt).
Ora, no caso presente verifica-se que os motivos pelos quais a A. concluiu pela extinção do posto de trabalho da R. prendem-se com a necessidade que a primeira teve de, por forma a assegurar a viabilidade e desenvolvimento da empresa, apostar em metodologias de trabalho ajustadas às exigências do mercado, as quais passaram pela adoção do método denominado “Scrum”, o qual assenta, essencialmente, na atividade desenvolvida por equipas multidisciplinares, auto-organizadas e autogeridas.
No entanto, consideramos, face à matéria de facto tida por assente, que a introdução daquela nova metodologia organizativa não acarretou o desaparecimento, total ou parcial, da atividade até aí desenvolvida pela R. O que mudou foi o método de trabalho, não vislumbrando nós em que medida é que a aqui trabalhadora tenha visto, com a implementação das chamadas “Scrum Teams”, as suas funções esvaziadas. Tanto mais que resultou provado que todas as trabalhadoras da secção da R. e com a mesma categoria e funções foram alocadas à nova estrutura criada.
Sendo as coisas assim, outra solução não resta que não seja a de considerar que a reorganização dos serviços levada a cabo pela A. não implicou diminuição, muito menos significativa, do trabalho da R., inexistindo, assim, fundamento para o despedimento por extinção do posto de trabalho (art.º 359.º n.º 2 b), aplicável por força do disposto no art.º 367.º n.º 2, ambos do C. do Trabalho).
Ainda que assim se não entendesse e se bem compreendemos a alegação da A., sempre a pretensão desta, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, estaria votada ao Realmente, a aqui entidade empregadora fundamentou a escolha da R. como a trabalhadora visada pelo promovido despedimento por entender que esta não possuía as aptidões técnicas e profissionais necessárias para ser integrada numa equipa “Scrum”, não detinha as ferramentas necessárias ao trabalho em equipa, nem as aptidões essenciais ao desenvolvimento de software no nível de exigência, conhecimento e dedicação que a referida metodologia impunha. Antes de mais e a este propósito, refira-se que estamos perante afirmações conclusivas, que tinham necessidade de ser concretizadas em termos factuais, o que a A. não logrou fazer. Por outro lado, a seleção da R. como trabalhadora a despedir por extinção do posto de trabalho assentou essencialmente na avaliação que consta do processo e que é referente ao trabalho desenvolvido no ano de 2014, sendo certo que o despedimento por extinção do posto de trabalho que aqui se discute data do ano de 2017. Ora, não se nos afigura cabível que aquela cessação do contrato de trabalho se baseie em pressupostos e resultados avaliativos que bem podem estar desatualizados aquando da sua concretização. É que a R., de acordo com a matéria de facto provada, trabalhou durante todo o ano de 2015 e até 14 de julho de 2016, desconhecendo-se em concreto qual a sua prestação neste hiato temporal, em termos qualitativos e quantitativos. Sem olvidar que, se é certo que a R. teve, em comparação com os restantes colegas da sua equipa, a pior avaliação em 2014, não menos verdade é que se desconhece se os elementos integradores de tal equipa se mantiveram nos anos subsequentes e se tal pior prestação comparativa por banda da aqui trabalhadora se manteve no período temporal subsequente àquela avaliação.
Pelas razões apontadas, deve soçobrar a pretensão da A.”.

4.2. Quid iuris?
4.2.1. – Nos termos do artigo 340.º, alínea d), o despedimento por extinção do posto de trabalho é uma das formas de cessação do contrato de trabalho.
Trata-se, como é sabido, de um despedimento individual com justa causa objectiva, já que é justificado por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, ou seja, motivos económicos relacionados com a empresa.
Atento o teor do artigo 367.º, os motivos que fundamentem a medida de gestão adoptada e demonstrem a relação causal entre o motivo invocado e a decisão de extinção do posto de trabalho, devem ser, necessariamente, económicos e relativos à empresa.
Tais motivos, por força da remissão prevista no n.º 2 do artigo 367.º, deverão ser apreciados nos termos definidos no artigo 359.º n.º 2, relativo ao despedimento colectivo, que estatui:
“2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente:
a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.”.
Ora, como resulta da factualidade provada – cf. os pontos 2.º, 10.º a 29.º dos factos provados – a extinção foi justificada com base na reestruturação da organização produtiva da autora, por força da “implementação de nova metodologia de trabalho” (ponto 2.º da matéria de facto), isto é, o que mudou, na prática, foi o método de trabalho na estrutura interna da empresa, “passando a trabalhar sobre a metodologia denominada “Scrum””, com a consequente integração da “área de Specapps onde trabalhava a R.”.
E todos os trabalhadores da secção onde a ré trabalhava, com a mesma categoria e funções, foram alocadas à nova estrutura criada, menos a própria ré – ponto 42.º dos factos provados.
Com o novo modelo organizacional, o funcionamento em “Scrum Team” deixou de existir uma verdadeira cadeia hierárquica, sendo as equipas auto-organizadas, autogerindo-se em termos de trabalho a realizar e é o resultado da optimização de sinergias das equipas de desenvolvimento que permite a evolução sustentável de produtos complexos e de forma eficiente.
E atentas as características funcionais do novo modelo organizacional, impõe-se a todos os colaboradores da autora uma maior capacidade de trabalho em equipa, de maior conhecimento das várias fases de desenvolvimento e necessidades comerciais do produto, mas que percebam, igualmente, as necessidades que o software visa cumprir e resolver, bem como as necessidades funcionais impostas pelo cliente, pelo que o êxito do funcionamento deste novo modelo está dependente de colaboradores mais competentes ao nível do comprometimento, coragem, foco, abertura e respeito, fundamentais em equipas autogeridas.
Em conclusão: a introdução da nova metodologia organizativa, levada a cabo pela autora, não ocasionou o desaparecimento, total ou parcial, da actividade desenvolvida pela ré, até julho de 2017. O que mudou foi, apenas, o método de trabalho, tanto mais que a ré foi a única trabalhadora a não ser alocada na nova estrutura interna da empresa, as denominadas “Scrum Teams”. Temos, pois, que não foram os “motivos estruturais” definidos no citado artigo 359.º, n.º 2, alínea b) – cf. ponto 2.º dos factos provados - que estiveram na origem do novo modelo organizacional implementado pela autora, mas, sim, razões de estrutura interna da empresa.
4.2.2. - Mas mesmo que se considerasse, por mera hipótese, que a factualidade provada integra a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 359.º, é ainda necessário verificar se estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 368.º, - Requisitos de despedimento por extinção de posto de trabalho - que prescreve:
“1 - O despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) Não seja aplicável o despedimento colectivo.
2 - Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para concretização do posto de trabalho a extinguir, o empregador deve observar, por referência aos respectivos titulares, a seguinte ordem de critérios:
a) Menor antiguidade no posto de trabalho;
b) Menor antiguidade na categoria profissional;
c) Classe inferior da mesma categoria profissional;
d) Menor antiguidade na empresa.
3 - (…).
4 - Para efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.”.
5 - (…).
6 - (…).”.
Assim, o despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar mediante a verificação dos requisitos estabelecidos no citado artigo 368.º, requisitos esses que são cumulativos e cujo ónus da prova incumbe ao empregador, isto é, compete ao empregador provar a existência e a verificação dos requisitos necessários para a extinção do posto de trabalho.
No actual regime do despedimento por extinção de posto de trabalho, releva o benefício da antiguidade, como princípio da conservação dos postos de trabalho, apelando à própria modificação contratual (n.º 4), que não é enunciada, por exemplo, no regime do despedimento colectivo; como releva ainda o enquadramento desta forma de extinção contratual como o último dos recursos, face à impossibilidade de existência de contratos a termo, quando admissíveis no quadro contratual das tarefas e desempenhos (n.º 1, al. c)).
Por sua vez, o n.º 4 explicita o teor da alínea b) do n.º 1, isto é, não se exige ao empregador que crie um outro posto coadunável com o trabalhador, cujo posto originário se extinguiu, mas tão só que, na organização da empresa, não haja um outro disponível e compatível.
Como escreve Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II, pág. 885, a lei considera “que há impossibilidade de subsistência do contrato desde que, extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro compatível com a categoria do trabalhador, devendo aqui entender-se a referência à categoria como reportada à categoria interna e não à categoria funcional do trabalhador. Assim, conclui-se que o empregador tem o dever de oferecer ao trabalhador, cujo posto de trabalho é extinto, um outro posto de trabalho da mesma categoria, se o tiver, mas não lhe é exigível criar um novo posto de trabalho para ocupar o trabalhador. Por outro lado, mesmo que o empregador disponibilize um novo posto de trabalho, da mesma categoria, o trabalhador terá que o aceitar expressamente, até porque, correspondendo esse posto de trabalho a uma função diferente, configura-se uma alteração do contrato, que carece do acordo das partes nos termos gerais do art. 406. ° do CC.”.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) também vem entendendo no sentido dessa categoria ser a interna, a normativa, como decorre do acórdão de 29 de outubro de 2013, proc. n.º 298/07.3TTPRT.P1.S1, ao referir:
“[a] extinção do posto de trabalho obedece à verificação cumulativa dos requisitos elencados no art.º 403.º, n.º 1, CT, nomeadamente a circunstância de ser praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho [alínea b)], dispondo o seu n.º 3 que a subsistência da relação de trabalho se torna praticamente impossível desde que, extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro que seja compatível com a categoria do trabalhador (categoria interna, normativa, e não em sentido funcional).
E “a avaliação da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, por não dispor o empregador de posto de trabalho compatível com a categoria do trabalhador, está circunscrita à estrutura empresarial do empregador, ainda que esteja este inserido num grupo de empresas, a menos que se justifique o levantamento da personalidade colectiva por a mesma ter sido usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros”. [A referência normativa reporta ao CT/2003].
No acórdão do STJ, de 06.04.2017, foi considerado que:
“Na ação de apreciação da regularidade e licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho incumbe ao tribunal o controlo da veracidade dos motivos invocados para o despedimento e a verificação da existência de nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, de modo a que se possa concluir, segundo juízos de razoabilidade, que tais motivos são adequados a justificar a decisão de redução de pessoal.
E “O cumprimento dos critérios legais exigidos para a extinção do posto de trabalho não é suficiente para garantir a licitude do despedimento, sendo, também, necessário que o empregador prove a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral, através do dever que impende sobre ele, por ser seu ónus, de demonstrar a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador.”.
Ora, no caso em apreço, como resulta da decisão sobre a matéria de facto, a autora não só não provou, como lhe competia, qualquer um dos requisitos do n.º 2 do artigo 368.º em relação à ré [por exemplo, a ré era a Analista Programador mais nova na área de Specapps? Não se sabe], como também não provou que a ré não possa ser alocada na nova estrutura criada, por integração da “área de Specapps onde trabalhava”, como foram os outros trabalhadores dessa secção.
Se é verdade que está provado que à data da extinção do posto de trabalho (24 de julho de 2017), na secção em que a ré se encontrava integrada – área de Specapps – não existia qualquer trabalhador senão a ré – cf. ponto 40.º -, também é certo que todos os trabalhadores dessa secção, excepto a ré e a trabalhadora D…, foram afectados a uma “Scrum Team”, antes de 15 de julho de 2016 (um ano antes) – cf. ponto 31.º -, pois, “Não obstante, embora se tenha verificado a afetação de vários trabalhadores da área de SpecApps às respetivas equipas Scrum, a R., conjuntamente com a colaboradora D…, não foi de imediato alocada a uma das equipas, porquanto não haviam terminado um projeto relacionado com o cliente E…” – cf. ponto 30.º.
Ou seja, até de 15 de julho de 2016 (data da afectação da trabalhadora D…), foram afectados a uma “Scrum Team” todos os trabalhadores da secção onde a ré trabalhava, excepto ela própria, que entrou de baixa médica, seguida de licença parental, no dia anterior - 14 de julho de 2016 -, e regressou ao serviço, no dia 13 de fevereiro de 2017, sete meses depois.
Deste modo, a temporalidade para a avaliação da verificação dos requisitos do artigo 368.º, n.ºs 2 e 4, deve ser até 15 de julho de 2016 e não um ano depois, em 24 de julho de 2017, sob pena de se puder duvidar sobre o verdadeiro motivo que terá estado na base do comunicado despedimento. E, repetimos, a ré não provou, até julho de 2016, a verificação de nenhum dos requisitos do n.º 2 do artigo 368.º (nomeadamente, que a ré fosse a Analista Programador mais nova na secção de Specapps), como também não provou que a ré não possa ser afectada à nova estrutura criada, isto é, que “seja impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Relacionado com este último requisito, está provado no ponto 35.º: “A A. entendeu que a R. não possuía as aptidões técnicas e profissionais necessárias para ser integrada numa equipa Scrum, não detinha as ferramentas necessárias ao trabalho em equipa, nem as aptidões essenciais ao desenvolvimento de software no nível de exigência, conhecimento e dedicação que a referida metodologia impunha”.
Ora, uma coisa é a autora “entender”, outra, bem diferente para efeitos de subsunção jurídica, é saber se corresponde à realidade de facto o “entendimento” da autora. E essa concreta factualidade, sobre a falta de aptidões “técnicas e profissionais necessárias para ser integrada numa equipa Scrum”, não foi demonstrada nos autos. O direito deve ser aplicado a factos concretos da vida real e não a meros entendimentos, conclusões ou a afirmações genéricas.
A autora sustenta esse seu “entendimento” na última avaliação efectuada à ré, no ano de 2014 – cf. ponto 36.º dos factos provados -, sendo certo que decorreram três anos até 24 de julho de 2017, com o interregno de sete meses, entre 14 de julho de 2016 e 13 de fevereiro de 2017, por baixa por doença e licença parental. Ou seja, não é crível que, em 24 de julho de 2017, essa avaliação estivesse actualizada para o efeito de avaliar a aptidão da ré para integrar uma equipa Scrum, tanto mais, tratando-se, como se trata, de “actividades de programação informática”, objecto social da autora, cuja actualização e inovação, como é consabido, “é quase diária”.
Acontece que uma correcta avaliação do trabalhador, para além de ser sustentada nas funções que exerce, pressupõe uma formação contínua, prevista no artigo 131.º do CT, formação contínua essa que a autora não provou ter prestado à ré, essencialmente, após o interregno de sete meses, essencial para a actualização do seu saber e conhecimento numa área de actividade em constante mutação, tanto mais tratando-se de uma trabalhadora lactante, em relação à qual o C.I.T.E. emitiu parecer desfavorável ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho - cf. ponto 8.º. -, considerando, precisamente, que do processo remetido pela autora, “não consta demonstrado que (…) a trabalhadora não possua as aptidões técnicas e profissionais para ser integrada numa equipa Scrum”.
Neste contexto, não é possível avaliar e, muito menos, concluir pela impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, o requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 368.º do CT.
Pelas razões expostas, improcede a apelação da ré.
IV.A decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social, julgar improcedente o recurso da autora e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da autora.
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Porto, 2019.02.04
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha