Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14472/17.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI ATAÍDE DE ARAÚJO
Descritores: ACORDO DE EMPRESA
DESCANSO COMPLEMENTAR AO SÁBADO
ACORDO DOS TRABALHADORES QUE IMPLIQUE TRABALHO EM SÁBADOS
RECLAMAÇÃO DO PAGAMENTO DO TRABALHO PRESTADO EM SÁBADOS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP2019020414472/17.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 289, FLS 2-23)
Área Temática: .
Sumário: I - O A.E. publicado no BTE n.º 31º, de 22 de Agosto de 1999, aplicável aos trabalhadores da INCM associados do B..., impede, por força da sua cl. 24º e salvo quanto aos trabalhadores das categorias ressalvadas no respectivo nº 2, que o descanso complementar deixe de ser gozado, na sua totalidade, no dia de sábado.
II - O gozo desse descanso complementar noutros dias, ainda que apenas em parte, é contrário à letra e espírito daquela cl. 24º, nº 1, seja face às regras interpretativas do art. 9º do CC, seja face às da interpretação das declarações negociais que constam do art. 236º, nº1, do mesmo Código.
III - Os eventuais acordos dos trabalhadores a alterações de horários que impliquem trabalho em sábados, seja nos próprios contratos de trabalho, seja por declarações posteriores, não lhes são favoráveis e são, como tais, nulos à face do art. 476º do CT e arts. 280º e 294º do CC.
IV - Tais acordos podem, no entanto e até que os trabalhadores deles manifestem vontade de se desvincular, ser obstáculo a reclamação do pagamento do trabalho prestado em sábados como suplementar por denotarem um abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 14472/17.0T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório

O B..., com sede na Rua ..., ..., Porto, intentou contra Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A. com sede na Rua ..., Porto, a presente ação sob a forma de processo comum, pedindo o seguinte:
“I. Condenar-se a Ré a reconhecer aos seus trabalhadores, sócios do Autor, o direito ao gozo do descanso semanal complementar ao sábado, nos termos da cláusula 24ª do AE aplicável ao sector e em consequência condenar-se a Ré a alterar o horário de trabalho de forma a permitir aos trabalhadores da livraria do Porto o gozo do direito ao sábado como dia de descanso complementar;
II. E condenar-se a Ré a remunerar o trabalho prestado pelos trabalhadores, sócios do Autor, desde 2004 ao sábado como trabalho suplementar”.
Alegou para tal e em síntese que os seus associados C..., D... e E... são trabalhadores da Ré; que desde o início das suas prestações de trabalho estavam obrigados ao cumprimento de um horário de trabalho de segunda a sexta das 9h às 18h 00m, com um intervalo de duas horas para almoço; que a partir de 2004 a Ré decidiu alterar o horário de abertura do seu estabelecimento de “livraria” do Porto, das 09h 00m às 19h e das 9h às 13h 00m, em consequência do que aqueles seus associados passaram a estar obrigados a cumprir horários rotativos – alterado em diversas ocasiões, mas mantendo o estabelecimento em questão aquele horário de funcionamento; que com estas alterações os trabalhadores da Ré e associados do Autor passaram a cumprir um horário de 40 horas semanais, o que diminuiu a retribuição hora, bem como passaram a trabalhar, semana sim semana não, ao Sábado de manhã; que a Ré não paga aos associados da Ré o subsídio de transporte relativo ao sexto dia de trabalho e não procedeu da mesma forma com outros estabelecimentos, designadamente com a livraria de Lisboa.
Citada a Ré, apresentou-se a contestar aceitando a relação de trabalho com os associados do Autor, os horários e alterações alegadas, aduzindo razões para cada uma das alterações promovidas; invocou o conteúdo dos contratos celebrados com os associados da Ré e o assentimento destes ao trabalho ao Sábado; negou o tratamento desigual dos trabalhadores em causa. Concluiu pela improcedência da ação.
O Autor respondeu, não tendo a resposta sido, porém, atendida por se entender que a matéria nela referida não continha fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito por si invocado.
Foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa de base instrutória.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença com a seguinte:
“III. Decisão
Nos termos legais e fatuais expostos julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Ré dos pedidos.
Custas a cargo do Autor, sem prejuízo da sua isenção.
Valor da ação: 5001,00.”
Não se conformando com o assim decidido, foi pelo A. interposto o presente recurso, alegando e formulando as seguintes:
CONCLUSÕES:
..........................................
..........................................
..........................................
A Ré/recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes:
III - CONCLUSÕES
..........................................
..........................................
..........................................
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, apresentados que foram ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi exarado parecer segundo o qual:
- “atentos os factos apurados e no que respeita à aplicabilidade da cláusula em causa, tendo os trabalhadores direito ao gozo do dia de descanso complementar ao sábado, entendemos assistir razão à recorrente, tal como resulta da douta alegação deduzida, que subscrevemos”;
- “(…) a interpretação da norma do nº 5 do art. 221º do CT/2009 é no sentido de considerar que o trabalhador deve descansar no 7º dia (ou seja, terem um dia de descanso num período de sete dias) e não em qualquer dia posterior”.
Houve resposta a tal parecer por parte da Ré/recorrida.
Nada obstando ao conhecimento do mérito e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Factos considerados

Foram os seguintes os factos considerados como provados na primeira instância:
..........................................
..........................................
..........................................
3 – Objeto do recurso

Como é sabido e tem sido reafirmado pela Jurisprudência (vd., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.03.2005, de 11.10.2005 e de 02.11.2005, todos publicados em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso – cfr. os arts. 635, nº 4, 639º, nºs 1 e 2, e 608º, nº 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho. Sendo certo que naquelas conclusões, e mais uma vez sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso, não se podem suscitar questões que não tenham sido colocadas à apreciação do Tribunal recorrido e por ele efectivamente apreciadas – cfr. arts. 608º, nº 2, 627º, nº 1, e 635º, nº 4, este “a contrário”, do CPC.
Assim e no caso, atentas as conclusões supra transcritas, são as seguintes as questões a resolver:
- se era ou não admissível à Ré impor aos trabalhadores associados do Sindicato Autor as alterações ao horários de trabalho que implementou desde 2004, designadamente com trabalho aos sábados;
- se, não sendo tais alterações admissíveis, é de considerar e remunerar como suplementar o trabalho a mais que passou a ser prestado pelos associados do A., designadamente aos sábados.

3.1 – Da admissibilidade das alterações ao horário de trabalho, com trabalho em sábados:

A questão é de direito e prende-se com a imposição, por parte da Ré, aos trabalhadores afetos ao estabelecimento comercial de livraria, sito no Porto, de horários rotativos, com tempo de trabalho ao Sábado.

Como resulta da própria matéria de fato e é aceite por ambas as partes, às relações laborais estabelecidas entre a Ré e os seus trabalhadores, associados do Autor, é aplicável o A.E. publicado no BTE n.º 31º, de 22 de Agosto de 1999.
Ora, de acordo com a cláusula 15º, do referido AE entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos para descanso.
O artigo 16º n.º 1 estabelece, por seu turno, que o período normal de trabalho é, em cada semana, de quarenta horas. Nos termos do n.º 3 (o numero dois não tem aplicação à categoria profissional dos associados do Autor) o período normal de trabalho será interrompido por um intervalo não inferior a uma hora nem superior a duas, entre as 12 e as 15 horas, sem prejuízo dos intervalos de menor duração legalmente admitidos.
A Cláusula 17ª, por sua vez, prevê a possibilidade de “serem organizados turnos de pessoal sempre que o período de funcionamento das secções ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho” (nº 1), devendo tais turnos ser negociados nos termos do nº 3,
Já quanto a descanso, a Cláusula 24ª prevê a regra de que “1. O dia de descanso semanal é o domingo, sendo o Sábado o dia de descanso complementar.”
Posto isso e ainda em sede de enquadramento jurídico, cumpre ter presente que o tempo de trabalho imposto a qualquer trabalhador tem de respeitar, desde logo o art.º 59º, nº1 b) e d), da CRP, nos termos do qual: “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar; d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas.”
Neste sentido também o Código do Trabalho estabelece que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas semanais (art.º 203º, n.º 1, e 163º, do C.T. de 2003, em vigor em 2004, altura em que ocorre a primeira alteração ao horário de trabalho dos associados da Ré).
O art.º 212º, n.º 1 do C.T. e 170º, do C.T. de 2003 preceituam, por seu turno, que compete ao empregador determinar o horário de trabalho, do trabalhador, dentro do período de funcionamento aplicável. Mas, segundo o art.º 212º, n.º 2 do C.T. e 170º, n.º 2, do C.T. 2003, as comissões de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais devem ser consultados previamente sobre a definição e a organização dos horários de trabalho.
Já quanto a alterações aos horários de trabalho, também está na disponibilidade do Empregador alterar os horários de trabalho (art.º 217º, nº 1 do C.T.). Mas aqui a lei determina que a alteração do horário de trabalho seja precedida de consulta aos trabalhadores envolvidos e à comissão de trabalhadores, ou, na sua falta, a comissão sindical ou intersindical ou os delegados sindicais (nº 2 do art. 217º). E, tal como na vigência do C.T. de 2003, não podem ser unilateralmente alterados os horários individualmente acordados; (nº 4 do art. 217º do actual CT e art.º 173º, n.º 1, do CT/03).
A propósito do regime de definição e a alteração dos horários de trabalho, afirma Monteiro Fernandes que “Por um lado, a faculdade de definir o horário de trabalho releva do poder de organização do trabalho que, em geral, pertence à entidade empregadora, e que é um instrumento fundamental de gestão da empresa. Mas, por outro lado, o horário de trabalho é uma referência fundamental da organização de vida do trabalhador; alterá-lo sem acordo pode afectar seriamente interesses e conveniências pessoais respeitáveis” – A Reforma Laboral de 2012 – observações em torno da Lei nº 23/2012, de 25 de junho”, Revista da Ordem dos Advogados, 2012, t. II/III, págs. 579 e segs..
No que em particular concerne ao descanso, convirá relembrar que o art. 199º do CT/09, tal como o art. 157º do CT/03, define por “período de descanso o que não seja tempo de trabalho”, ou seja, o que não se enquadre nos períodos de atividade, intervalos e interrupções que o art. 197º qualifica como tempos de trabalho.
Afasta-se pois, a noção legal de descanso, de uma conceção naturalística ou ligada a mera inactividade, pois que há pausas que não deixam de ser consideradas tempos de trabalho – cfr. M. R. Palma Ramalho, in Direito do Trabalho II, 2ª ed., pág. 459. Seja como for, parece claro que a tutela legal do descanso implica a garantia de ausência de disponibilidade para o trabalho e a libertação do trabalhador das ordens e/ou indicações do empregador, bem como da sua organização espácio-temporal. No fundo, o que se tutela é a dignidade e liberdade do trabalhador, a sua auto-determinação e a sua própria saúde e integridade física e mental – neste sentido, Francisco Liberal Fernandes, in “O Tempo de Trabalho”, Coimbra Editora, 2012, págs. 55 e segs., bem como Jorge Leite, in Direito do Trabalho, vol. I, serviço de textos de U.C., Coimbra, 1988, pág. 88.
Daí que as normas legais ou convencionais destinadas a proteger os tempos ou dias de descanso não possam deixar de ser interpretadas num quadro de normatividade reforçada, mesmo quando não imperativas, por estar em causa uma questão de direitos fundamentais ou ordem pública; a confirma-lo está, aliás e além do mais, a tutela internacional dada em instrumentos como a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 31º, nº 2). A este propósito e neste sentido vai, ao nível da doutrina, a nossa já citada M. R. Palma Ramalho, em “Comentário ao art. 31º”, “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 375 e segs.; bem como Philippe Waquet, “L’Entreprise et les libertés du salarié – Du salarié-citoyen au citoyen salarié”, Liaisions, Paris, 2003, pág. 195.

Visto isto e debruçando-nos sobre o caso sub judice, cumpre começar por observar que nada resulta do AE aplicável ou dos contratos de trabalho documentados nos autos no sentido de que o horário só pode ser alterado por acordo. Ao invés, o que podemos dizer e resulta da matéria de fato provada é que que os trabalhadores/associados do Autor acordaram em prestar 40 horas de trabalho semanal, as quais poderiam ser cumpridas em regime de turnos rotativos incluindo aqueles em que se prevejam intervalos de 30 minutos para a refeição, se o primeiro Outorgante assim, o determinar.
Por outro lado e como também resulta da matéria de fato supra, aquando da alteração de 2004 a R. não deixou de a comunicar previamente aos trabalhadores e de aceitar uma contraproposta destes; e nas alterações subsequentes, a Ré não deixou de consultar a comissão de trabalhadores, cumprindo pois o dever legal de ouvir os trabalhadores e atender aos interesses destes. É certo que se o fez, para além de em 2004, também em 2013 e 2016, não é menos certo que já não o fez em 2008 e 2009; ainda assim, os trabalhadores do estabelecimento de livraria do Porto nunca se opuseram, em concreto, a alterações de horário (antes e apenas, nos termos a seguir explicitado, ao trabalho em sábados e ao acréscimo de horas semanais).
De notar é ainda que a reorganização dos tempos de trabalho por parte da R. não foi arbitrária, antes tendo a ver com as necessidades e o interesse da empresa, designadamente um melhor serviços aos clientes, a comercialização de novos produtos e o encerramento de outras lojas.
Como se lê nos acórdão do STJ de 29 de Setembro de 2016, in www.dgsi.pt.: “– Insere-se nos poderes de direção e organização do trabalho da entidade empregadora a faculdade de alterar unilateralmente e mesmo sem a anuência do trabalhador, o respetivo horário de trabalho, só o não podendo fazer se tiver sido expressamente acordado com o trabalhador, se tiver sido acordada a submissão da alteração a consentimento do trabalhador, se este tiver sido expressamente contratado para determinado tipo de horário ou se demonstre que foi só devido a certo horário que celebrou o contrato de trabalho, bem como nos casos em que o horário de trabalho seja fixado por regulamentação coletiva.”
Assim e quanto à possibilidade da R. alterar unilateralmente os horários de trabalho dos associados do A., designadamente para um regime de turnos rotativos, nada vemos que a impedisse, seja à face da Lei, seja do AE ou dos CTs.

Resta saber, isso sim e esta é a questão central – atendendo ao pedido – se a Ré, ao alterar os horários de trabalho, designadamente para o tal regime de turnos rotativos, podia nessa alteração incluir a imposição aos seus trabalhadores de tempos de trabalho ao sábado.
A esse propósito e para nele se apoiar, invocou o Tribunal a quo o Acórdão da Relação de Lisboa no processo n.º 5369/07.3TTSBL-4, in www.dgsi.pt., no qual se entendeu que:
“Tal como sucede com as férias, também o descanso semanal permite ao trabalhador a recuperação de energias e da sua plena disponibilidade para as atividades de carácter pessoal que entender.
Nos termos do disposto no art.º 205º nº1 do CT/2003, “O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana” (sic) Esse dia de descanso semanal só pode deixar de ser o domingo nas situações referidas nos nº2 e 3 deste preceito legal e que não interessam ao presente caso.
Para além do dia de descanso semanal, “Pode ser concedido, em todas ou determinadas semanas do ano, meio dia ou um dia de descanso, além do dia de descanso semanal previsto por lei.” (cfr art. 206º nº1 CT/2003). “O dia de descanso complementar previsto no número anterior pode ser repartido e descontinuado em termos a definir por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (sic nº2)
Por sua vez, o IRC aplicável – in BTE nº 21 de 1996 – estabelece na cláusula 154º que
“1. Entende-se por período de descanso semanal a suspensão da prestação de trabalho durante dois dias consecutivos por semana, que coincidirão com o sábado e com o domingo, salvas as excepções previstas neste acordo.
2. Considera-se dia de descanso semanal complementar o primeiro dos dias do período de descanso e dia de descanso semanal o segundo.
3. Face às necessidades de elaboração de escalas, poderão os dias de descanso não ser gozados consecutivamente, salvo se o trabalhador manifestar o seu desacordo com, pelo menos, uma semana de antecedência.
4. Os dias de descanso só poderão deixar de ser o sábado e o domingo:
a) Quando se trate de serviços que não encerram nem suspendem dois dias completos por semana …
5. O número anual dos dias de descanso semanal dos trabalhadores colocados em regime de laboração contínua será igual ao dos restantes trabalhadores.” (sic)
Segundo resulta da análise conjugada dos referidos dispositivos legais e convencionais, é o seguinte o regime de descanso semanal previsto:
- os trabalhadores dos CTT têm direito a dois dias consecutivos por semana de suspensão da prestação de trabalho;
- em princípio, esses dois dias coincidem com o sábado e o domingo;
- os dias de descanso só poderão deixar de ser o sábado e o domingo quando se trate de serviços que não encerram nem suspendem dois dias completos por semana;
- quando exista necessidade de elaboração de escalas, admite-se que os dias de descanso não sejam gozados consecutivamente, excepto se o trabalhador manifestar discordância com, pelo menos, uma semana de antecedência.
No presente caso, e dado que a Loja do Cidadão no ..., local de trabalho da Autora, não suspende nem encerra a sua actividade dois dias completos, ocorre a necessidade de elaboração de escalas, pelo que os dias de descanso podem não coincidir com o sábado, já que no domingo a loja encerra. Neste caso, os dias de descanso podem não ser consecutivos, excepto se houver discordância no prazo fixado na cláusula 154º da CCT aplicável.
Quanto a este aspecto da concordância entendemos, diferentemente da sentença, que ela tinha de ocorrer na altura em que foi alterado o horário de trabalho, em Abril de 2005 - porque foi nessa altura que o horário da Autora passou a abranger todos os sábados, ao contrário do que acontecia anteriormente, em que o sábado constituía o dia de descanso complementar e a trabalhadora prestava trabalho suplementar nos moldes referidos no ponto 5. da matéria de facto provada - e não antes. No entanto, o que resulta dos factos provados é que essa discordância não aconteceu, a não ser posteriormente, em Agosto de 2006. Ora, ao não manifestar atempadamente a sua discordância em relação ao gozo do dia de descanso complementar de forma não consecutiva, nada impedia que a Ré assim tivesse determinado.
Defende ainda a Autora que o dia de descanso complementar não pode ser gozado de forma repartida ou descontinuada, como está previsto no art.º 206º nº2 do CT/2003, por a tal se opor o IRC aplicável, que exige que esse dia seja um dia de calendário.
Analisado o Acordo de Empresa aplicável, concluímos que não é esse o sentido que tem o nº1 da cláusula 154º. Ali não se exige que os dias de descanso semanal correspondam a dias de calendário. Aliás, se fosse esse o sentido que as partes lhe quiseram atribuir, a Ré não conseguiria abrir qualquer uma das suas EC, nomeadamente na Loja do Cidadão do ..., ao sábado, a não ser que concedesse ao trabalhador que ali presta trabalho no período da manhã, dois dias e meio de descanso, ou seja, ao sábado à tarde, em que o trabalhador não presta trabalho, ao domingo e noutro dia. Isto firmados no entendimento de que os dias de descanso têm de ser dias de calendário. Não é esse o espírito do AE. É indiscutível que tal assim acontecerá no dia de descanso semanal, que é obrigatório, por forma a permitir o repouso e o lazer, o que aliás está constitucionalmente consagrado. Como afirma Monteiro Fernandes “Este período de repouso deverá cobrir um dia de calendário, isto é, um segmento temporal iniciado às 0 horas e terminado às 24” (sic Direito do Trabalho, 16º Edição, pág. 342). Concordamos inteiramente com este entendimento pois é aquele que melhor permite que a lei alcance o desiderato para que foi criada. Mas, como afirma o mesmo Autor, “Para além do dia de descanso semanal que constitui prerrogativa mínima da generalidade dos trabalhadores, determinou-se na década de setenta do século passado, a prática correspondente às chamadas “semana inglesa” e “semana americana”, que se traduzem na atribuição do direito a um período complementar de repouso semanal, com a duração, respectivamente de meio dia ou um dia completo.” (sic ob citada, pág. 343). No presente caso, o IRC aplicável à Autora prevê a existência de um período complementar de repouso semanal correspondente a um dia. Coisa diferente é saber se esse dia pode ser descontinuado na semana a que respeita, e a essa questão o AE não dá resposta, prevendo apenas a sua existência. Assim sendo, tem aplicação o que dispõe o art.º 206º nº2 do CT/2003, podendo o período de descanso semanal complementar ser repartido e descontinuado, como está previsto para a Autora.”
Com base neste entendimento jurisprudencial, concluiu o Tribunal a quo que:
“Adaptando a jurisprudência citada ao caso concreto diremos que pese embora na cláusula 24º, do AE se preveja que o dia de descanso semanal é o Sábado, e prevendo-se no C.T., no art.º 232º, n.º 1 e 3 que o Trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso semanal e que por instrumento de regulamentação coletiva ou contrato de trabalho, pode ser instituído um período de descanso complementar semanal, continuo ou descontínuo, em todas ou algumas emanas do ano, e tendo os trabalhadores da Ré, associados do Autor aceitado celebrar um contrato de trabalho em que se prevê expressamente que os dias de descanso semanal serão, rotativos e constarão de uma escala mensalmente feita, sabendo que a Ré explorava estabelecimentos comerciais em Centros Comerciais (as trabalhadoras referiram que haviam sido contratadas para trabalhar no estabelecimento comercial de livraria, mas esse fatos não foi alegado, nem resulta do contrato), julgamos que, ao impor aos trabalhadores a prestação de tempo de trabalho a Ré agiu em conformidade com o AE, com o Código do Trabalho e com o Contrato de trabalho individual de trabalho, celebrado com os associados do Autor, seus trabalhadores.”
Ora, será efectivamente assim? Julgamos que não.
Desde logo, cumpre ressalvar que não está aqui em causa a concessão do dia de descanso obrigatório, o qual, in casu, sempre foi concedido e ao domingo, como impõe a cl. 24ª do AE aplicável e corresponde ao princípio instituído na Lei Laboral (ainda que com desvios e, dentre estes, justamente em caso de trabalho por turnos – cfr. arts. 232º, nºs 1 e 2, e 221º, nº 5 do CT).
Por outro lado, salvo o devido respeito e como defende o recorrente, a redacção da cláusula relativa ao descanso semanal do AE ali (no Ac. da RL) em análise é substancialmente diferente da cláusula sobre a mesma questão constante do AE aplicável no caso em apreço.
A cláusula 24.ª do AE aplicável no caso concreto, com a epígrafe “Descanso semanal e complementar” determina no seu n.º 1 que “O Dia de descanso semanal é o domingo, sendo o sábado o dia de descanso complementar”; e no seu n.º 2 que ”Os trabalhadores de limpeza, contínuos-vigilantes e os afectos a trabalhos de manutenção que manifestem por escrito o seu acordo, terão o dia de descanso complementar à segunda-feira.”. Ou seja, diversamente da cl. 154º do IRC a que se reportou a Relação de Lisboa no aresto citado, a clausula convencional aplicável ao caso dos autos determina os dias de descanso, definindo que o descanso complementar só pode deixar de ser o sábado para os trabalhadores das categorias a que se reporta o seu nº 2 (e em que não se inserem os associados do A. visados nesta ação) e, mais, sem prever qualquer possibilidade de o dia de descanso complementar poder ser repartido ou descontinuado.
É certo que o art.º 206.º com a epígrafe “Descanso semanal complementar” do CT de 2003, preceituava no seu n.º 1 que “Pode ser concedido, em todas ou em determinadas semanas do ano, meio dia ou um dia de descanso, além do dia de descanso semanal prescrito na lei”; e no seu nº 2 que “O dia de descanso pode ser repartido e descontinuado em termos a definir por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”. Por seu turno, o art. 232º do CT de 2009, preceitua no seu n.º 3 que “Por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho, pode ser instituído um período de descanso semanal complementar, contínuo ou descontínuo, em todas ou algumas semanas do ano.”.
Mas, nem numa nem noutra das formulações legais acabadas de citar a Lei restringe ou condiciona a regulamentação do período de descanso complementar por parte dos instrumentos de regulamentação colectiva, deixando-se apenas a possibilidade – não a imposição – de esse período não coincidir com um dia de calendário definido (como o sábado), nem ter de ser um dia inteiro (antes podendo ser meio dia ou outro período e contínuo ou repartido). Podia pois o AE aplicável ao caso regulamentar como regulamentou o período de descanso semanal, ou seja, que tem de ser um dia completo de calendário e, mais precisamente, ao sábado.
Como consta do art. 3º, nº 1, do CT de 2009 e já constava do art. 4º, nº 1, do CT de 2003, as normas legais reguladoras do contrato de trabalho podem ser afastadas por IRC do trabalho, “salvo quando delas resultar o contrário”; e, no caso, de nenhum dos citados arts. 206º do CT/03 ou 232º do CT/09 resulta que o período de descanso complementar não pode ser um dia completo ou um dia especifico de calendário.
Isto para, enfim, concluirmos que, efectivamente e segundo o AE aplicável ao caso dos autos, estava vedada à R./Empregador a possibilidade de estabelecer horários de trabalho que inviabilizassem o gozo, aos sábados, de um dia completo de descanso complementar por parte dos seus trabalhadores, associados do A..
Como alega a recorrente, “se a referida cláusula (24.ª) não prevê a possibilidade de o dia de descanso complementar ser trocado por outro dia da semana, ser repartido, contínuo ou descontínuo, parece-nos correcto, e salvo melhor opinião, concluir porque baseado na letra da norma, que o dia de descanso não pode ser (…) descontínuo, ou deixar de ser um sábado”.
Está aqui em causa, acrescentamos nós, não só o sentido literal da norma convencional, mas também o respectivo espírito. Recorrendo às regras interpretativas definidas, em termos gerais, no art. 9º do Cód. Civil, diremos que o que se visou foi, não só atribuir um dia de descanso complementar, mas o dia maioritariamente usado para lazer (para além do domingo) e mais propício ao convívio (familiar ou com amigos), o qual é o sábado.
E à mesma interpretação chegamos por via das regras de interpretação das declarações negociais – também convocáveis para o caso, posto que o AE não deixa de ser um contrato (“entre associação sindical e um empregador para certa empresa ou estabelecimento”, como define o art. 2º, nº 1, al. c), do CT). É que o art. 232º, nº 1, do CT adotou nesta sede a teoria ou tese da “impressão do destinatário”, estabelecendo que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”. Ora, no caso, um declaratário normal não poderia deixar de deduzir, face ao teor da transcrita cl. 24ª, nº 1, do AE, que as partes visara estabelecer um dia de descanso completo e preciso: o sábado.
Posto isto, cumpre no entanto atentar em que:
- os contratos de trabalho dos trabalhadores (C..., D... e E...) visados na ação prevêem, como consta da respectivas cláusulas que estão transcritas sob os factos nºs 5 a 7 (contratos a termo) e 11 a 13 (contratos sem termo), que o período normal de trabalho possa ser prestado “no regime de folgas e turnos rotativos (…) se o primeiro outorgante assim o determinar”, podendo “os dias de descanso semanal serem “rotativos” e constarem “de uma escala feita mensalmente pelo primeiro outorgante”;
- os mesmos trabalhadores subscreveram declarações com o teor transcrito sob os nºs 8, 9 e 10, admitindo alterações aos respetivos horários de trabalho “por força de implementação de novas formas de organização do trabalho”;
- aquando das alterações de horários comunicadas pela R. no fim de agosto de 2004 – e que passariam a implicar trabalho aos sábados -, os trabalhadores da livraria do Porto subscreveram o comunicado referido como facto nº 15, em que propunham um horário alternativo mas que não deixava de prever “o descanso semanal em dias alternados”;
- as trabalhadoras C... e D... manifestaram expressamente e por escrito, em fins de Setembro do mesmo ano, que nada tinham a opor ao novo horário, como consta dos factos 16 e 17; e
- foi na sequência destas negociações a acordos que a R. passou, desde 2 de dezembro de 2004, a abrir a sua livraria do Porto aos sábados, das 9 às 13 horas, escalando os seus trabalhadores, semana sim semana não, para o trabalho aos sábados – cfr. factos 19 e 20.
Face a estes factos, podemos dizer que os trabalhadores da R., associados do A., não deixaram de dar o seu acordo ao trabalho em sábados, tendo por via negocial contratualizado um regime de descanso semanal diverso do estatuído na cl. 24º do AE.
Ainda assim, cumpre perguntar: serão esses acordos lícitos?
Entramos aqui numa outra questão, qual seja a de um IRC de trabalho poder ser afastado por acordo ou contrato de trabalho.
A esse propósito, rege o art. 476º do CT, que, sob a epígrafe “Principio do tratamento mais favorável”, preceitua que “As disposições de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador”. E igual princípio constava já do art. 531º do CT de 2003.
Trata-se de um princípio específico e basilar do direito do trabalho, que, reconhecendo a posição mais fraca que o trabalhador ocupa na relação laboral face ao empregador, confere imperatividade às normas convencionadas por via colectiva, com intervenção das estruturas sindicais. Não uma imperatividade absoluta, pois que se admitem alteração contratuais às normas dos IRCs; mas uma imperatividade relativa, no sentido de que as alterações contratuais apenas são licitas ou válidas quando mais favoráveis os trabalhador.
Ora, no caso dos autos não vemos como se possa defender que, ao admitirem passar a trabalhar aos sábados, os trabalhadores da R., associados do A., estabeleceram um regime mais favorável para eles do que o que resultava do AE, posto que passaram a trabalhar num dia em que não trabalhavam e que o AE lhe reservava inteiramente para descanso e lazer; e, mais, nenhuma contrapartida ou vantagem retiraram do tempo de trabalho que admitiram prestar aos sábados.
Valem para aqui as regras interpretativas das normas jurídicas e das declarações negociais atrás referidas, as quais não podem deixar de nos levar a concluir que, in casu, foi afastada uma disposição de um IRC em sentido menos favorável ao trabalhador. E, assim sendo, os acordos firmados entre a R. e os trabalhadores associados do A. não podem deixar de se considerar celebrados contra disposição imperativa, sendo nessa medida nulos – cfr. arts. 280º e 294º do Cód. Civil.
Nestes termos e salvo o devido respeito, não podemos sufragar o entendimento vertido pelo Professor Doutor Pedro Madeira de Brito no parecer escrito que a R. juntou aos autos e segundo o qual:
“(…) 2ª A cláusula 24.ª do AE da INCM aplicável aos associados do B... não proíbe que se estabeleça horários de trabalho que considerem o sábado um dia de trabalho normal por atribuição de um outro dia de descanso semanal complementar, o que vale para determinado tipo de funções ou quanto seja necessário organizar turnos ou horários específicos em virtude do período de funcionamento exceder os limites do horário de trabalho;
3ª A INCM não agiu à margem nem contrário ao legalmente estabelecido, porquanto promoveu o diálogo entre as partes, deu a palavra aos trabalhadores, aceitou a sua contraproposta de alteração horária, tendo-se firmado o acordo entre as partes para uma determinada organização do tempo de trabalho; (…)
4ª Os acordos individuais quanto à organização do horário que consideram o trabalho ao sábado de manhã em regime rotativo como trabalho normal são lícitos e não ferem o disposto no artigo 476.º porque estão na margem da autonomia privada permitida pela lei e pela convenção coletiva e, em qualquer caso, não existe qualquer juízo de desfavor que possa justificar a aplicação do artigo 476.º.”
Em conformidade e ao contrário do que foi decidido em 1ª instância, afigura-se-nos ser de julgar procedente o pedido formulado pelo A. sob o nº I, ou seja:
“I. Condenar-se a Ré a reconhecer aos seus trabalhadores, sócios do Autor, o direito ao gozo do descanso semanal complementar ao sábado, nos termos da cláusula 24ª do AE aplicável ao sector e em consequência condenar-se a Ré a alterar o horário de trabalho de forma a permitir aos trabalhadores da livraria do Porto o gozo do direito ao sábado como dia de descanso complementar”.

3.2 - Da consideração como suplementar do trabalho que passou a ser prestado pelos associados do A. após 2004, designadamente aos sábados.

Passando a esta segunda questão, cumpre começar por observar que o A., em nome dos seus associados, nenhum pedido formula pelo acréscimo de horas de trabalho, em termos semanais, que estes passaram a prestar na livraria da R. no Porto desde 2/12/2004: de 35 horas (vd. facto 12) para 40 (vd. facto 21).
O pedido formulado, quanto a trabalho suplementar, é apenas o enumerado como II a final da petição, ou seja:
II. E condenar-se a Ré a remunerar o trabalho prestado pelos trabalhadores, sócios do Autor, desde 2004 ao sábado como trabalho suplementar”.
Não vamos pois pronunciar-nos sobre a questão do trabalho que a R. poderia ou não a R. ser condenada a reconhecer como suplementar por ultrapassar o número de horas semanais inicialmente fixado ou o número de horas semanais legalmente fixado (art. 203º do CT). Tal seria ir além do pedido, estando-nos vedado pelo art. 609º, nº 1, do CPC.
O que podemos e devemos apreciar é, isso sim, se ao terem passado a cumprir tempos de trabalho em sábados, desde dezembro de 2004, por iniciativa da R., os trabalhadores associados do A. podem reclamar o pagamento desses tempos/horas como trabalho suplementar, com os correspondentes acréscimos remuneratórios – cfr. arts. 258º do CT/03 e 268º do CT/09.
Ora, tendo nós concluído que a R. não podia solicitar ou mesmo acordar com os trabalhadores que o sábado deixaria de ser, na sua totalidade, o dia de descanso complementar, parece claro que o trabalho que passou a ser prestado nesse dia, tendo-o sido a solicitação da R. ou em conformidade com a sua vontade, não pode deixar de reputar-se trabalho em dia de descanso, fora do horário de trabalho admissível ou, enfim, suplementar – cfr. arts. 197º, nº 1, do CT/03 e 226º do CT/09.
Aliás, o próprio AE aplicável aos associados do Autor prevê e qualifica como suplementar o trabalho exigido “em dias de descanso semanal complementar ou feriados, quando a empresa tenha de fazer face a acréscimos eventuais de trabalho que não justifiquem a admissão de trabalhadores com caracter permanente ou em regime de contrato a termo ou em caso de força maior ou quando se mostre indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para a empresa ou para assegurar a sua viabilidade” - Cláusula 21ª, n.º 1 e 2.
Sucede, porém, que a R. levantou a questão do abuso de direito por parte dos associados do A. quanto a este pedido, argumentando o seguinte:
“(…) o facto de os trabalhadores virem colocar em causa os horários então acordados – em 2004 - e, mais grave ainda, depois de um tão longo período de tempo (a primeira vez que os trabalhadores se opuseram ao cumprimento dos horários de trabalho que vinham praticando desde 2004 (ou 2008 no caso do trabalhador E...) foi em 2016 (!) (conforme pontos 28 e 29 dos factos provados constantes da fundamentação da Sentença Recorrida) é susceptível de configurar abuso de direito.
Precisamente sobre a falta de reacção dos trabalhadores a uma alteração de horário após um longo período de tempo, veja-se, ainda perfeitamente aplicável e com toda a pertinência para os presentes autos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.01.1998 (Processo n.º 97S187), também já citado na contestação da então Ré, ora Recorrida, que decidiu nos seguintes termos:
“É que mesmo que se entendesse que a Ré só com o acordo dos trabalhadores poderia alterar aquela distribuição pelos dias de semana o horário de trabalho de 45 horas semanais, a pretensão dos Autores não poderia proceder.
É que os Autores efectuaram a sua prestação laboral durante um espaço de tempo tão dilatado como o que se verificou no caso presente não pode deixar de ser entendida como uma aceitação tácita revelada pelo seu conformismo. Na verdade, parece-nos certo que, seguindo-se à referida alteração uma prática reiterada da prestação laboral cumprindo “um novo horário”, sem que manifestassem o seu desacordo e com perduração por tempo prolongado (a alteração foi efectuada em Julho de 1992 e a acção foi intentada em Julho de 1993), seria atentatório das regras da boa fé e excederia manifestamente o fim económico e social do direito exercido o vir agora pedir a reposição de um horário que estava a não ser praticado há vários anos, com as consequentes compensações legais.”
A este propósito, vemo-nos forçados a reconhecer que, pese embora a alteração dos horários de trabalho com inclusão de trabalho em sábados seja uma alteração ilícita, como vimos já, a verdade é que os trabalhadores associados do A. não deixaram de dar o seu acordo e não só nos respetivos contratos de trabalho como também em declarações expressas e especificas para o efeito, como as subscritas pelas trabalhadoras C... e D... nas datas e termos referidos em 16 e 17 dos factos assentes. Ao tê-lo feito e ainda que o acordos outorgados não sejam válidos, como vimos, a verdade é que, vir agora invocar a nulidade destes ou, enfim, reclamar o pagamento como suplementar do trabalho que admitiram prestar como normal é bem susceptível de ser considerada como uma atitude que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e, nessa medida, abusiva, nos termos e com os efeitos do art. 334º do Cód. Civil.
Em interpretação do disposto nesse art. 334º do Cíd. Civil, o Sup. Trib. de Justiça, em Acórdão de 9 de Outubro de 1997, in B.M.J., 470, p. 546, veio explicitar que “o abuso de direito, pressupondo logicamente a existência de um direito subjectivo ou de um poder legal, cujo titular se excede no seu exercício, consiste justamente na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim do próprio direito ou do contexto em que deva ser exercido. No mesmo acórdão se explicita, a propósito da boa fé a que alude o dito art. 334º, que “agir de boa fé é actuar com diligência, zelo e lealdade face aos interesses da contraparte; é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, visando não prejudicar os legítimos interesses da outra parte”.
O conceito de boa fé constante da mencionada norma (art. 334º do C. Civ.) reconduz-se às exigências fundamentais da ética jurídica que, como ensina Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9ª ed., p. 104, “se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte”.
A modalidade mais frequente do abuso de direito – e cujos contornos são os do caso dos autos - é a chamada conduta contraditória ou “venire contra factum proprium”, a qual se caracteriza pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Como refere Batista Machado, in “obra Dispersa”, I, p. 415 e ss., o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, correntemente, de determinada maneira”, podendo tratar-se de “uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”. Já segundo o S.T.J. em Acórdão de 28/06/2007, in www.dgsi.pt, o abuso de direito nesta modalidade pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança. E no mesmo sentido escrevem Vaz Serra, in Rev. Leg. Jurisp., 105º, p. 28; e Paulo Mota Pinto, in “Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório no Direito Civil, Bol. Fac. Dto. Coimbra, Vol. Comemorativo 75º.
Estas considerações jurisprudenciais e doutrinais, embora efectuadas no âmbito do direito civil, não deixam de ter plena aplicação e até por maioria de razão no âmbito do direito do trabalho, pois como refere o S.T.J. no Ac. de 27/05/1998, in www.dgsi.pt, “a exigência geral de boa fé na execução dos contratos reveste-se no campo especial das relações laborais de especial significado, por estar em causa o desenvolvimento de um vínculo caracterizado pela natureza duradoura e pessoal das relações dele emergentes”.
Vale isto por dizer que ao terem aceite e praticado horários de trabalho normais com trabalho em sábados, sem darem a entender à R. que iriam reclamar o pagamento do trabalho prestado nesses sábados como suplementar, os associados do A. colocaram-se numa situação que torna a propositura da presente ação, em 2017, como abusiva quanto ao pedido de pagamento daquele trabalho como suplementar.
De todo o modo, também não podemos olvidar que já em 31 de outubro de 2006 os trabalhadores da R. associados do A. endereçaram ao chefe do sector de livrarias da empresa a comunicação referida em 22 e na qual manifestavam, entre outros aspetos, ser-lhes “inconveniente o trabalho ao sábado”, solicitando que fosse “encarado o encerramento ao sábado e a prática do horário praticado antes dessa alteração” (reportando-se à alteração ocorrida há “dois anos”). Tal posição não foi alterada posteriormente, antes tendo sido reiterada e vincada em 2016 com as cartas referidas em 28º a 31º, em que os trabalhadores davam conta dos prejuízos pessoais e familiares que as alterações de horários e, inclusive, o trabalho aos sábados lhes estavam a causar.
Vale isto por dizer que, se é certo que o pedido de pagamento como suplementar do trabalho prestado aos sábados pode ser qualificado de abusivo até 31/10/2006, já não o poderá desde essa data, em que a R. ficou ciente de que os trabalhadores estavam descontentes, queriam voltar aos horários anteriores a dezembro de 2004 e, enfim, deixar de trabalhar aos sábados. Desde a referida data, a R. podia pois contar que, a qualquer altura, qualquer um dos trabalhadores da livraria do Porto poderia exigir o pagamento do trabalho prestados aos sábados como suplementar, seja por via judicial, seja por via extrajudicial.
Assim e em conclusão, afigura-se-nos ser de julgar também procedente o 2º pedido do A. de que ora nos ocupamos, ainda que apenas quanto ao período posterior a outubro de 2006.

4 – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a presente apelação, substituindo a decisão recorrida pela seguinte:
I. Condena-se a Ré a reconhecer aos seus trabalhadores, sócios do Autor, o direito ao gozo do descanso semanal complementar ao sábado, nos termos da cláusula 24ª do AE aplicável ao sector e, em consequência, a alterar o horário de trabalho de forma a permitir aos trabalhadores da livraria do Porto o gozo do direito ao sábado como dia de descanso complementar;
II. E condena-se a Ré a remunerar o trabalho prestado aos sábados pelos trabalhadores, sócios do Autor, após outubro de 2006 como trabalho suplementar.
Custas pela R. e pelo A., na proporção de 8/10 e 2/10, respectivamente e sem prejuízo da isenção deste

Porto, 4/02/2019
Rui Ataíde de Araújo:
Fernanda Soares:
Domingos Morais: