Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
454/14.8TABRG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: CRIME
OFENSA A PESSOA COLECTIVA
MODO DE COMETIMENTO
Nº do Documento: RP20170308454/14.8TABRG.P2
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTO N.º 12/2017, FLS.244-250)
Área Temática: .
Sumário: O crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, p.p. pelo artº 187º CP, pode ser cometido tanto de modo verbal, como por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº nº 454/14.8TABRG.P2
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) n.º 454/14.8TABRG, da Instância Local da Comarca do Porto o arguido B… foi submetido a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
Absolvo o arguido do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva de que vinha acusado-
Sem custas
(…)
*
Inconformada, a Magistrada do Ministério Público interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
(…)
1.º Nestes autos o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido B… imputando-lhe a factualidade descrita no ponto II da precedente motivação, a qual constitui o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva previsto no artigo 187.º, do C.Penal, por preencher todos os respectivos requisitos, objectivos e subjectivos, típicos - e autoria do referido crime.
2.º Remetidos os autos para julgamento, a Exmª Juiz da secção criminal J3 da Instância local de Vila do Conde, absolveu o arguido fundamentando tal decisão em três ordens de razões.
3.º Prima faeie entende que a factualidade descrita na acusação é insusceptível de consubstanciar aquele crime, já que a ofensa cometida por escrito não está penalmente protegida sendo ainda que os factos afirmados pelo arguido não podem ser vistos como dirigidas ao Ministério Público, mas apenas a algumas pessoas singulares que o integram ("alguns agentes").
4.º Entendemos, no entanto, cientes da existência de jurisprudência discordante que, atendendo ao modo como o artigo 187.º se encontra redigido não faz falta, nem faria qualquer sentido a remissão para o artigo 182.º do Código Penal, que se compreende face à redacção do artigo 180.º "Quem dirigindo-se a terceiro (00')" e 181.º "Quem injuriar outra pessoa (00')'" formulação que tem subjacente a oralidade e que por ela se teria de ficar não fosse a equiparação que o artigo 182.ºdo C.Penal vem estabelecer. Isto não se pode dizer da redacção do artigo 187.º Aí se estabelece que comete esse crime quem afirmar ou quem propalar factos inverídicos.
5.º Neste sentido Ac. da R.Porto de 20.11.2013 que assenta na doutrina do Professor Faria Costa "Comentário Conimbricense do Código Penal", Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 679), para quem as palavras têm um valor de uso e a expressão "propalar factos", no seu sentido corrente, tem um âmbito bem mais amplo do que a mera expressão verbal, significando divulgar, espalhar, difundir e, por conseguinte, «comporta(m) necessariamente outras formas de comunicação, diferentes da "palavra dita", como seja, desde logo, a "palavra escrita"» , pelo que não havia necessidade de qualquer remissão a alargar as margens de punibilidade do tipo a comportamentos exteriorizados de modo diverso da expressão verbal.
6.º Ademais, a imputação em abstracto de factos inverídicos, tal como se encontra descrita na acusação não pode deixar de ser entendida como idónea para ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança que são devidos ao Ministério Público, in casu, do Círculo Judicial de Barcelos. Dito de outro modo, a abstracção da imputação que o arguido faz, escudando-se da formulação genérica de "alguns agentes", tem necessariamente de ser vista como atentatória do Ministério Público enquanto órgão do Estado (circunscrito ao Ministério Público de Barcelos).
7.º A Exma. Juiz a quo afastou o preenchimento deste ilícito criminal dando como não provado que o arguido, ao actuar do modo descrito, tenha agido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que os supra descritos dizeres eram dirigidos a órgão do Estado que exerce autoridade pública e que não tinham correspondência com a realidade com o propósito concretizado de descredibilizar o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público do Círculo Judicial de Barcelos, sabendo perfeitamente que as expressões proferidas eram objectivamente ofensivas da sua credibilidade, prestígio e confiança. E ainda que o arguido agiu bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas, proibidas por lei e criminalmente puníveis, não se coibindo, ainda assim, de as praticar.
8.º O tipo subjectivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva é doloso, podendo revestir o dolo em qualquer das modalidades consagradas no artigo 14.º do Código Penal.
9.º Este elemento subjectivo extrai-se do circunstancialismo fáctico dado como provado, que, em nosso entender, se encontra preenchido no caso em apreço.
10.º Ora, em face dos factos dados por provados e dos factos dados por não provados na sentença e conjugado com as regras da experiência comum, entendemos existir erro notório na apreciação da prova – ver artigo 410.º, n.º2, alínea c) do Código de Processo Penal.
11.º Na verdade, as regras da experiência comum ensinam-nos que o cidadão médio (sendo que o arguido é pessoa informada, pois antes da data dos factos havia já tido contacto com o sistema judicial tendo sido condenado pela prática de três crimes contra a honra em dois processos distintos), sentindo-se indignado e tendo o direito de manifestar a sua indignação, recorrem aos meios próprios na administração pública, de forma a não imputarem factos ofensivos que visam apenas denegrir a imagem das instituições e das pessoas que nelas trabalham.
12.º E, em nossa opinião, segundo este critério, estaria configurado o elemento subjectivo do tipo de crime em causa, na modalidade de dolo necessário, ou no mínimo, de dolo eventual, suficiente para que se verifique o crime em apreço.
13.º Deveria ter sido dado como provado que o arguido ao apresentar o escrito em causa (em que, ao contrário do que resulta da fundamentação da sentença sub judice) não se limita a formular juízos e opiniões mas imputa factos altamente ofensivos ao Ministério Público de Barcelos) representou a realização de um facto que preenche um tipo de crime (o crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço) como consequência necessária da sua conduta e não obstante tal não se absteve da sua prática (artigo l4.º, nº 2 do Código Penal).
14.º O facto de o arguido argumentar que os seus advogados eram críticos relativamente à actuação de alguns magistrados do Ministério Público e que se limitou a reproduzir o que lhe era dito verbalmente não afasta de per se a conduta dolosa do arguido.
15.º Quando muito poderá e deverá ter relevância para efeitos de dispensa de pena ao abrigo do disposto no artigo l86.º, n.º 1, do C.Penal, o que de resto foi requerido pelo arguido, sendo que o Magistrado do Ministério Público Coordenador da Comarca de Braga aceitou como satisfatórias as explicações e esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelo arguido, para efeitos de aplicação do disposto no citado normativo legal - cfr. fls. 312 dos autos.
16.º A Exma. Juiz violou as normas jurídicas enunciadas nos artigos 410.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal, 14º, 187.º, n.º 1, n.º 2, a. a) e 183.º, n.º 1, al, b), todos do C.Penal, devendo ser por isso dado provimento ao recurso, considerando-se preenchidos os elementos objectivos do tipo legal de crime provado o elemento subjectivo (dolo) por parte do arguido, condenando-se o mesmo pelo crime que vinha acusado, recorrendo à aplicação do preceituado no artigo 431.º, alínea a) do Código de Processo Penal e dispensando-o de pena ao abrigo do disposto no artigo 186.º, n.º 1, do C.Penal.
V.Ex.as, porém, melhor apreciarão, fazendo, como sempre a habitual JUSTIÇA
(…)

O arguido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta..
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
1. Instruída e discutida a causa resultaram apurados os seguintes factos:
a) No dia 28 de Novembro de 2013, o arguido elaborou, assinou de mão própria e entregou nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Barcelos um requerimento dirigido ao NUIPC 890j13.7TABCL e do qual constam as seguintes dizeres:
(…)
2) Por esse facto, os denunciantes são conhecedores de várias situações anormais e ilegais que pautaram a actuação de alguns agentes do Ministério Público de Barcelos, em assuntos relacionados com o arguido.
3) Por terem sido mandatários do arguido, os denunciantes têm conhecimento que para alguns agentes do Ministério Público de Barcelos, em inquéritos/processos relacionados com o arguido, a recolha da verdade material não é o fim a atingir.
4) Pelo envolvimento que tiveram em assuntos do arguido, os denunciantes sabem que alguns agentes do Ministério Público de Barcelos dão como absoluta verdade as mais ridículas mentiras, desde que, por elas e através delas, seja atingido o arguido.
5) Só por serem conhecedores dos “anticorpos" que o arguido inexplicavelmente tem junto de alguns agentes do Ministério Público é que os denunciantes apresentaram denúncia criminal que deu origem ao presente inquérito, nos termos falsos em que a mesma se apresenta (…)".

MAIS SE PROVOU:
6) O arguido foi representado antes dos factos em causa nos autos pelo Advogado C…, um dos advogados denunciantes no inquérito com o NUIPC 890/13.7TABCL.
7) Esse inquérito com o NUIPC 890/13.7TABCL onde o arguido apresentou o requerimento escrito em causa nos autos, foi aberto na sequência de queixa desses mesmos Advogados contra o aqui arguido, aí se investigando a eventual prática pelo aqui arguido do crime de abuso de confiança.
8) Teor da contestação certificada junta a fls. 281 e seguintes subscrita pelo Dr. C… em representação do arguido junta ao processo n." 2617/09.9TABRG, que correu termos no extinto 3.° Juízo Criminal da Comarca de Braga.
9) O arguido tem os seguintes antecedentes criminais: foi condenado em 4/6/2012, pela prática de um crime de injúria agravada, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6,OO, pena essa entretanto declarada extinta pelo cumprimento e foi condenado em 6/3/2013, pela prática de um crime de injúria agravada e um crime de difamação agravada, na pena de 260 dias de multa à taxa diária de €6,SO, pena essa entretanto declarada extinta pelo cumprimento.
10) O arguido trabalha como administrativo para uma firma de administração de condomínio no que aufere €600,00; a esposa é bancária, auferindo €1.200,00; têm filhos de 21 e 15 anos a cargo que estudam; vivem em casa arrendada, liquidando de renda €500,00 mensais; têm um encargo com propinas no valor de €100.00 mensais.
11) O Ministério Público, na pessoa do Procurador-Geral Adjunto Coordenador da Comarca de Braga, declarou aceitar como satisfatórias as explicações e esclarecimentos prestados em audiência de julgamento (no âmbito destes autos), nos termos e para os efeitos dos arts. 186.°, n.º1, e 187.°, n.º2, aI. b), ambos do C. Penal - cfr. fls. 315, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.

Factos Não Provados:
- Que, ao actuar do modo descrito, o arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que os supra descritos dizeres eram dirigidos a órgão do Estado que exerce autoridade pública e não tinham correspondência com a realidade e com o propósito concretizado de descredibilizar o prestígio e confiança devidos ao Ministério Público do Círculo Judicial de Barcelos, sabendo perfeitamente que as expressões proferidas eram objectivamente ofensivas da sua credibilidade, prestígio e confiança;
- Que o arguido agiu bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas, proibidas por lei e criminalmente puníveis, não se coibindo, ainda assim, de as praticar.
*
2. Da motivação da decisão de facto.
A convicção do Tribunal teve em conta a ponderação de toda a prova produzida com destaque para a prova documental junta aos autos, a que alude a douta acusação e aquela que no decurso da audiência de julgamento foi junta e para as declarações do arguido em audiência.
De onde resultou que o mesmo nunca pretendeu imputar factos ofensivos ao Ministério Público de Barcelos limitando-se a formular juízos e opiniões sobre o ocorrido nos processos concretos em que esteve envolvido e, segundo disse, a fazer suas as palavras dos advogados que antes o tinham representado - os quais, segundo o arguido, eram muito críticos da actuação dos magistrados do M.º P.º titulares desses inquéritos, ao ponto de redigiram queixas disciplinares contra os mesmos magistrados que o arguido subscreveu (tendo o arguido referido o nome dos magistrados em causa), e que lhe transmitiram oralmente ao longo do tempo em que o representaram, os juízos e opiniões que estão em causa nos presentes autos, tendo sido esses mesmos juízos e opiniões que o arguido verteu no requerimento em causa nos autos, tendo o arguido decidido usar essas opiniões e insinuações no requerimento que dirigiu ao inquérito que os mesmos advogados, queixando-se de si, determinaram a respectiva abertura - como é constatável na contestação, cujo teor foi dado supra como provado no ponto 8), que juntou em sede de audiência subscrita por um desses causídicos que o representou num desses processos.
O arguido refere-se no escrito em causa nos autos sempre "a alguns agentes do Ministério Público de Barcelos", o que, a nosso ver, denota que o arguido não terá tido a intenção de ofender ou lesar a credibilidade, o prestígio ou a confiança que o organismo / corpo de magistrados do Ministério Público junto do Tribunal de Barcelos deve merecer e muito menos do Ministério Público em geral. De resto, o próprio arguido, referiu que nunca quis com esse escrito pôr em causa o Ministério Público. Referiu ainda que depois deste Requerimento que apresentou em 2013 passou a ter uma postura mais reservada.
Ora, tendo presente as declarações do arguido que nos pareceu sincero e a prova documental dos autos, sobretudo a certidão da contestação junta em audiência pela defesa do arguido, e sendo certo que, quanto à prova do elemento subjectivo, a mesma é sempre indirecta e deve ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras de experiência comum, nesta perspectiva, pode dizer-se que não nos é possível, para além da dúvida razoável, afirmar que o arguido ao agir como agiu, o fez com dolo.
Mais: não se vê como possa alguém ultrapassar a dúvida que racionalmente se impõe de saber se afinal (o arguido) agiu ou não com dolo ou se actuou de forma impensada e altamente perturbada, própria de quem perdeu a razão e receia a justiça.
É que o arguido reconheceu ter escrito aquele texto, confirmando o seu teor, dizendo que se limitou a reproduzir no papel o que os seus advogados lhe haviam dito anteriormente e, simultaneamente, referindo que, aquando da sua redacção "não quis ofender", subentendendo-se que o que quis foi chamar à atenção pois que se sentia impotente ao ver que eram os seus Advogados agora que o acusavam e que nunca teve intenção de praticar qualquer crime contra o Ministério Público. Tendo resultado das suas declarações que o arguido não previu sequer a possibilidade que ao redigir e fazer juntar tal requerimento tal fosse considerado crime ou pudesse preencher uma incriminação legal (o arguido não tem conhecimentos jurídicos e viu o seu advogado a juntar a um processo uma contestação com o teor dado supra reproduzido nos factos provados, não nos parecendo forçado acreditar que assim sendo, tenha sucedido). E daí a consideração como não provados dos factos em causa.
Quanto à situação pessoal do arguido, atendeu-se às suas declarações.
Atendeu-se ainda ao CRC junto aos autos
(…)

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
Saber se o tipo legal de Ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, do art. 187.º, do Código Penal, pressupõe que a ofensa seja proferida de modo verbal – afastando-se a incriminação se cometida por escrito, gesto, imagem ou por qualquer outro meio de expressão;
Saber se as expressões em causa não podem ser vistas como sendo dirigidas ao Ministério Público do Círculo Judicial de Barcelos, enquanto órgão do Estado que exerce autoridade pública, mas apenas a algumas das pessoas singulares que o constituem; e,
Saber se a sentença, ao dar como não provado os elementos do tipo subjectivo, padece de erro notório na apreciação da prova.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
A primeira questão recorrida
A sentença recorrida considerou que o tipo legal de Ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, do art. 187.º, do Código Penal, pressupõe que a ofensa seja proferida de modo verbal – afastando a incriminação se cometida por escrito (como no caso dos autos), gesto, imagem ou por qualquer outro meio de expressão. Segundo ela, é o que resulta da falta de uma remissão expressa para o disposto no artigo 182.º, do Código Penal, que estabelece: “À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.”
A questão não em análise não tem merecido da parte da Jurisprudência uma posição consensual.
Assim no sentido da decisão recorrida pronunciaram-se já os acórdãos desta Relação de 3/4/2013 (relatora Maria do Carmo Silva Dias), e de 11/3/2015 (relator Ernesto Nascimento, sendo também a posição perfilhada por Paulo Pinto de Albuquerque [Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, p. 509]; e Renato Militão [Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas – Revista Julgar, Março de 2016].
Porém a questão merece reflexão.
Na verdade, o art. 187.º, do C. Penal prevê:
«1- Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
2- É correspondentemente aplicável o disposto:
a) No artigo 183º; e
b) Nos nºs 1 e 2 do artigo 186º.»
Muito embora inexista como no caso dos artigos 180º. [Difamação] e 181.º [Injúria], uma norma de equiparação como a do arº 182º em que o legislador fez corresponder depois uma “equiparação” em caso de conduta praticada por «escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão,» tal norma revela-se desnecessária como refere Maia Gonçalves ao escrever “Este artigo afigura-se desnecessário, porque os anteriores, relativos à difamação e injúria, são crimes de realização livre, que não particularizam qualquer tipo meio de execução do crime – Código Penal Português, Anotado e Comentado, 17ª ed., pág. 629.
Efectivamente, como se considerou no acórdão desta Relação de 2/10/2013 proferido no processo nº4213/12.4TDPRT.P1 em que foi relator o juiz desembargador ora adjunto“..No entanto, no seu sentido corrente, a expressão “propalar factos”, usada na descrição típica do artigo 187.º do Código Penal, tem um âmbito bem mais amplo do que a mera expressão verbal, significando divulgar, espalhar, difundir e, por conseguinte, comporta necessariamente outras formas de comunicação, diferentes da «palavra dita», como seja, desde logo, a «palavra escrita», pelo que não havia necessidade de qualquer remissão a alargar as margens de punibilidade do tipo a comportamentos exteriorizados de modo diverso da expressão verbal.”, posição que perfilhamos.
Também no acórdão desta Relação de 11/9/2013 considerou-se que “.A não remissão para o artigo 182º não tem, a este respeito, qualquer significado, pois seria inútil. As expressões “afirmar” e “propalar” não incluem apenas expressões verbais, mas também escritas (“afirma-se” e “propala-se” de forma verbal e de forma escrita). Não teria qualquer justificação racional não equiparar para este efeito ofensas verbais e ofensas escritas, quando tal se verifica em relação aos crimes de difamação e injúria. A repercussão de uma ofensa escrita, na perspetiva do crédito, confiança e prestígio de uma pessoa coletiva, pode até ser muito superior ao de uma ofensa verbal..”[1]
Assiste pois neste aspecto razão ao recorrente.
No entanto quanto às outras questões suscitadas desde já se adianta ser o recurso improcedente.
Assim, do conjunto dos factos provados (e não impugnados) resulta que a declaração do arguido visou, em concreto, os procuradores que tiveram intervenção directa no processo que lhe foi instaurado – e não o “organismo” Serviços do Ministério Público do Tribunal de Barcelos. Veja-se o teor literal do escrito:
“(…)várias situações anormais e ilegais que pautaram a actuação de alguns agentes do Ministério Público de Barcelos, em assuntos relacionados com o arguido (…) os denunciantes têm conhecimento que para alguns agentes do Ministério Público de Barcelos, em inquéritos/processos relacionados com o arguido (…) 4) Pelo envolvimento que tiveram em assuntos do arguido, os denunciantes sabem que alguns agentes do Ministério Público de Barcelos (…) 5) Só por serem conhecedores dos “anticorpos" que o arguido inexplicavelmente tem junto de alguns agentes do Ministério Público é que os denunciantes apresentaram denúncia criminal que deu origem ao presente inquérito (…)” – ponto 1 dos Factos Provados.
Como de forma esclarecedora se escreveu no referido acórdão de 11/9/2013, “.Há que distinguir entre uma ofensa ao organismo, à pessoa colectiva ou à instituição como tais (ou seja, para além das pessoas singulares que em determinado momento neles exercem funções ou são titulares dos respetivos órgãos), das ofensas a estas pessoas singulares (mesmo que estas sejam todas as que em determinado momento neles exercem funções ou são titulares desses órgãos)..” pelo que, neste aspecto a conduta do arguido se revela atípica para efeitos de preenchimento do artº.187.º, do C. Penal.
No caso dos autos a utilização pelo arguido do pronome indefinido plural, “alguns” é clarificadora de que visava pessoas concretas do Ministério Público de Barcelos e nem sequer todas as pessoas.
Alega ainda o recorrente a existência de erro notório quando se deram como não provados relativos ao elemento sujectivo, no caso o dolo.
Muito embora, face ao que anteriormente ficou dito sobre a não integração da conduta do arguido no crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, dir-se-á ainda assim que o erro notório na apreciação da prova pressupõe que resulte evidente do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, um engano óbvio, uma conclusão contrária àquela que os factos impõem [artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Cód. Proc. Penal]. Ou seja, que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum [Ac. STJ de 02.02.2011: “I - O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito”; e Ac. STJ de 15.07.2009: “II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei - vícios da decisão, não do julgamento” – em www.dgsi.pt].
Ora, não é isso que resulta da leitura da sentença. Na verdade, o texto da decisão é lógico, coerente e não apresenta qualquer desfasamento estrutural capaz de corresponder à situação-tipo do vício apontado, não se podendo confundir a existência do erro notório com a diferente apreciação da prova efectuada pelo recorrente.
Aliás, no entendimento supra exposto de que o requerimento do arguido visava algumas pessoas concretas, dar como provado o elemento subjectivo em relação ao Ministério Público de Barcelos configuraria uma contradição da matéria de facto provada
Improcede pois o recurso.
*
*
III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem tributação

Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 8/3/2017
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
____
[1] Ac. 11/9/2013 proferido no proc. nº4581/10.2TAVNG.P1 (RELATOR Pedro Vaz Pato).