Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
986/15.0TXPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: CANCELAMENTO PROVISÓRIO DO REGISTO CRIMINAL
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DO REQUERIMENTO
PRINCÍPIO EQUITATIVO
PRINCÍPIO DA GESTÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RP20160707986/15.0TXPRT-A.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1012, FLS.38-47)
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento com vista ao cancelamento provisório do Registo Criminal, está regulado pelo artº 230º CEPMPL e nele se contempla no seu nº4 al.a) a notificação do requerente para completar o pedido ou juntar documentos em falta.
II – O princípio do processo equitativo (artº 6º CEDH e artº 20º CRP) exige no processo penal a procura de uma decisão ponderada e materialmente justa.
III – O princípio da gestão processual, impõe seja no campo dos factos, da cooperação processual ou da instrução do processo que se evitem os efeitos preclusivos, evitando-se que tenha de ser instaurado novo procedimento para obter o efeito jurídico que poderia ser obtido anteriormente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 986/15.0TXPRT-A.P1
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1.
B…, economista, residente na Rua …, n.º …, Porto, foi condenado:
- Por sentença de 23 de Abril de 2008, proferida nos autos de processo comum singular 238/07.0TABRG, que correu termos no extinto 2º Juízo Criminal de Braga, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 15€ (após decisão da Relação de Guimarães) pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos art.ºs 180º e 184º do C. Penal. E foi ainda condenado a pagar ao Demandante a quantia de 2.000€. A pena foi declarada extinta por despacho de 22 de Maio de 2009 (fls. 83).
- Por sentença de 13 de Janeiro de 2009, proferida nos autos de processo comum singular 262/07.2PIPRT, que correu termos no 3º Juízo Criminal de Matosinhos, na pena de 1 anos e 3 meses de prisão, declarada suspensa pelo período de 3 anos (após decisão desta Relação), pela prática de 1 crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo art.º 152º do C. Penal. A pena foi declarada extinta por despacho de 7 de Março de 2012 (fls. 62).

2.
Em Outubro de 2015 requereu ao Tribunal de Execução das Penas do Porto, ao abrigo do disposto no art.º 12º da Lei 37/2015, “o cancelamento total das decisões que deveriam constar do certificado de registo criminal referente ao Requerente emitido para qualquer dos fins previstos no art.º 10º, n.ºs 5 e 6, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio”.
Fundamentou a pretensão com a seguinte factualidade, se assim se pode considerar o alegado:
(…)
“Mostram-se extintas as penas aplicadas ao Requerente (cf. Doc. 1).
O Requerente cumpriu a obrigação de indemnizar o ofendido no que se refere ao processo que correu termos sob o n.º 238/07.0TABRG (doc. 2).
Quanto ao processo que correu termos sob o processo n.º 262/07.2PIPRT, não foi aí fixada qualquer indemnização a pagar pelo Requerente à ofendida.
As condutas pelas quais o Requerente foi condenado, que tiveram por ofendidos a sua ex-cônjuge e o respectivo mandatário, ocorreram no âmbito de um processo de divórcio muito conturbado, que lhe causou uma enorme perturbação e desequilíbrio emocional.
O Requerente está profundamente arrependido pelas condutas então adoptadas e que, em condições normais, jamais teria tido.
No período de tempo decorrido após a prática dos factos pelos quais foi condenado, quase 10 anos, o Requerente refez a sua vida pessoal, normalizando o seu relacionamento com a sua ex-cônjuge e mãe dos seus filhos.
O Requerente mostra-se perfeitamente readaptado e integrado na vida em sociedade, tendo vindo a adoptar uma conduta exemplar como cidadão e pai de família.
O Requerente foi entretanto afectado por um acidente cardiovascular que lhe determinou uma incapacidade permanente parcial de 60%.
Após um longo período de reabilitação pretende agora o Requerente regressar, naturalmente com as suas limitações, ao mercado de trabalho.
Para regressar ao mercado de trabalho, está o Requerente obrigado a apresentar o respectivo certificado do registo criminal elaborado para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade das pessoas, elaborado nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.
Mostram-se, assim, verificados os requisitos de que depende o cancelamento provisório da transcrição no registo criminal nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 12º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio”.

3.
O Requerente juntou documento comprovativo do pagamento da indemnização arbitrada no processo comum singular 238/07.0TABRG, que correu termos no extinto 2º Juízo Criminal de Braga (fls. 15).

4.
O Sr. Juiz lavrou o despacho de fls. 84, determinando:
- Se solicite às autoridades policiais da área da residência do requerente informações sobre o seu comportamento, nomeadamente se há notícia de indícios da prática de novos crimes;
- Se solicite, no prazo de 20 dias, a elaboração de relatório social à DGRS, remetendo para o efeito cópia do requerimento inicial e do CRC.

5.
Responderam:
- A PSP (fls 95) informando que o visado tem mantido um comportamento normal e que dos seus ficheiros não consta qualquer ocorrência em que tenha sido interveniente;
- A DGRS (fls. 88 e segs), com o envio de relatório, no qual conclui:
“B… apresenta uma inserção sociofamiliar positiva, contando com uma atitude apoiante por parte da família.
Licenciado em economia viu o percurso profissional prejudicado na sequência de um acidente vascular cerebral que sofreu em 2012, do qual resultaram sequelas que determinaram a atribuição de uma incapacidade multiuso numa percentagem de 60%, subsistindo desde então de pensão de invalidez.
Tem vindo a recuperar das sequelas resultantes daquele problema de saúde e apresenta projeto de retomar atividade laboral, nomeadamente por conta de outros.
B… revela capacidade para identificar e analisar situações sociais desadequadas e propósitos de manutenção de um modo de vida normativo, assegurando ter interiorizado o desvalor das condutas inerentes às condenações que sofreu, que enquadra em período específico e sem paralelo no seu percurso de vida.
Mantém uma atitude dedicada aos filhos e normalizou o relacionamento com o ex-cônjuge sendo presentemente avaliada manutenção de relacionamento positivo entre ambos.
Da informação recolhida não resultaram indicadores que contra-indiquem que seja satisfeita a pretensão do requerente”.

6.
Foram os autos continuados com vista e a Ex.ma Magistrada do MP lavrou o despacho de fls. 96:
“Dispõe o art. 229° do CEP, e o art. 12º, e 10º, n.ºs 5 e 6 da Lei n.º 37/2015, de 05/05, quanto à necessidade da indicação de finalidade da intervenção judicial para obter uma aparência de CRC sem averbamentos, ou como é comummente referido, um CRC «limpo».
O fundamento da existência de um registo criminal, onde é dada «publicidade» a terceiros, para os mais variados fins, da prática de crimes coexiste com a possibilidade de o próprio, já «reabilitado», poder sentir-se verdadeiramente inserido social e profissionalmente.
Porém, não só tal implica actividade processual e intervenção judicial, como também funciona como «defesa» social.
Assim, não basta um interesse genérico do requerente, mas um interesse concreto, específico e vinculado para o exercício de determinado cargo ou profissão.
O Requerente não o indica, nem o tem, como o próprio admite.
Pelo exposto, entendemos que não estão presentes todos os pressupostos para o que requer, pelo que não p. o seu deferimento”.

7.
Decidiu, então, o Sr. Juiz a quo:
“Com base nos elementos documentais constantes dos autos e, bem assim, no relatório social de fls. 89 a 92, dão-se como assentes os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
1) O requerente sofreu duas condenações, uma pena de multa e uma de prisão suspensa por 2 anos, respectivamente, pela prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180º, n.º1 e 184º do C. Penal, no processo comum nº 238/07.0TABRG e um crime de maus tratos a cônjuge, previsto e punido pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. a) e 2 do C. Penal, no processo comum n.º 262/07.2PIPRT (por factos praticados em 2006.12.26; 2007.03.17). 2) A pena de multa aplicada foi declarada extinta, por pagamento, em 2009.05.22, devidamente transitado em julgado, conforme fls. 65 e ss.
3) A pena de prisão foi, por cumprimento[1], declarada extinta por despacho de 2012.03.12 devidamente transitado em julgado, conforme fls. 20 e ss.
4) Das supracitadas decisões condenatórias, apenas, a decisão proferida no processo nº 238/07.0TABRG impôs o pagamento da quantia indemnizatória de 2.000,00€.
5) Dá-se, aqui, por integrado o teor do relatório social que consta a fls. 89 a 92.
6) Igualmente, as autoridades policiais da área de residência habitual do arguido não têm notícias de ocorrências e ou prática de crimes em que o requerente seja interveniente.
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Cumpre apreciar e decidir.
A inscrição de uma condenação penal no registo criminal constitui um efeito da prática de um crime que reflecte a articulação e o equilíbrio entre uma ordem jurídica que contempla a socialização dos delinquentes como finalidade do sancionamento penal com as exigências de defesa da comunidade perante os perigos de uma possível reincidência.
E, sendo assim compete aos tribunais de execução de penas a concessão da reabilitação judicial, nos termos e para os efeitos previstos na alínea z) do artigo 138º do CEP e artigo 114º, nº 3, al. w) da Lei nº. 62/2013, de 26 de Agosto.
Subjacente ao conceito de reabilitação (entendido como sinónimo de socialização do delinquente enquanto finalidade de prevenção especial positiva…) está a reposição da capacidade de direitos, afectada pelas condenações em penas de multa aplicadas ao indivíduo/requerente e, por consequência, a recuperação da posição social afectada pela «infamia facti», em três diferentes perspectivas, a social em que a reabilitação é a reintegração do indivíduo na sociedade, a jurídica em que o reabilitado é reinvestido na posição jurídica que detinha antes de condenações objecto de reabilitação, registral de reabilitação que resulta do cancelamento das inscrições e se traduz na ausência de antecedentes criminais.
A propósito da finalidade do cancelamento provisório (a admissibilidade de acesso ao conteúdo do registo faz com que este assuma, também, um papel importante de defesa social contra os perigos de reincidência. Embora como instrumento politico-criminalmente, nesta perspectiva, seja duvidoso e contestável, nomeadamente em termos de socialização … potencia extraordinariamente o efeito em si inevitável …. da difamação e estigmatização…) dispõe o artigo 12º que: «Sem prejuízo do disposto no Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido, nos termos dos n.ºs 5 e 6 doo art.º 10º, pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que: a) já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) o interessado se tiver comportado de forma a que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e c) o interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio ou provado a impossibilidade do seu cumprimento».
Acresce ainda que, nos termos do disposto no artigo 10º n.ºs 5 e 6 do diploma legal em referência se refere que nº 5 «sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal devem conter: a) as decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício; b) as decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo; c) as decisões com conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado-membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respectivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis; nº. 6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contém todas as decisões de tribunais portugueses vigente, com excepção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado Membro ou de Estados Terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido (…)».
O processo de cancelamento provisório do registo criminal depende da iniciativa do requerente, constituindo, por isso, um ónus que determina que tenha que preencher todos os requisitos para que o seu pedido obtenha provimento.
Isto posto, atendendo ao disposto nos supracitados normativos legais e devidamente analisado o requerimento apresentado e demais elementos documentais, desde logo, o peticionado pelo requerente não pode ter provimento por duas razões, a concreta finalidade do pedido de cancelamento provisório não está especificada, assim como, também não está documentalmente comprovado o pagamento da indemnização em que foi condenado.
Aliás, é evidente que a finalidade do requerido cancelamento provisório total das condenações inscritas no CRC - Certificado do Registo Criminal - não está, nem foi concretamente indicada pelo requerente conforme lhe incumbia, tendo-se este limitado a referir de forma vaga e genérica que pretende regressar ao mercado de trabalho; que desenvolve estudos no âmbito do ramo imobiliário e ou dos seguros onde se pretende estabelecer por conta própria, admitindo, por conseguinte que na procura activa de emprego lhe poderá ser exigida a apresentação do aludido documento sujeito à exigência legal de ausência de antecedentes criminais carece do mesmo.
E, implicando o cancelamento provisório uma restrição do conteúdo dos certificados e sendo total corresponderá à reabilitação total do requerente precisamente por permitir a omissão de todo ou em parte do conteúdo para todos os fins não jurisdicionais.
Contudo, para que tal ocorra é imprescindível que, em concreto, esteja determinada a finalidade para a qual se requer o cancelamento provisório.
Igualmente, os presentes autos não estão devidamente instruídos pelo requerente com o comprovativo do pagamento da indemnização em que foi condenado.
Em conclusão, a pretensão do requerente não preenche os necessários pressupostos legais para o provimento do pedido, devendo, por conseguinte, ser o mesmo julgado improcedente.
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Pelo exposto, considerando ainda o preceituado no artigo 229º, n.ºs 1 e 2 in fine ambos do CEP e conjugado com a alínea c) do artigo 12º da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, decido rejeitar o requerimento por ser manifesta a falta dos necessários pressupostos legais”.

8.
O Requerente veio “arguir a existência de irregularidade e nulidade processual” porque:
- Verifica-se irregularidade na medida em que “se proferiu decisão de indeferimento sem que previamente se tivesse notificado o arguido para se pronunciar sobre a questão aduzida pelo Ministério Público na sua pronúncia”;
- Verificam-se nulidades processuais, “estas traduzidas na não notificação do arguido para completar o pedido ou juntar documentos em falta”.

9.
Sem que tivessem sido decididas a irregularidade e nulidade, o Requerente interpõe recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1) O Ministério Público pronunciou-se nos presentes autos, previamente à decisão do tribunal, no sentido do indeferimento de pedido de cancelamento provisório do registo criminal com fundamento na não indicação de «um interesse concreto, especifico e vinculado para o exercício de determinado cargo ou profissão»;
2) O arguido não foi ouvido sobre a questão aduzida pelo Ministério Público na sua pronúncia;
3) Ao não dar ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a questão aduzida pelo Ministério Público, o Tribunal violou o princípio do contraditório garantido processualmente nos termos do disposto no artigo 61º, n.º 1, alínea b), do CPP, ex vi artigo 154º do CEPMPL;
4) Tal violação configura uma irregularidade que determina a invalidade dos actos subsequentes, incluindo a decisão que indeferiu o pedido de cancelamento provisório, e que só poderá ser suprida após a notificação do arguido para se pronunciar sobre a questão aduzida pelo Ministério Publico, de acordo com o disposto no artigo 123º, n.º 1 do CPP;
5) O Tribunal a quo entendeu na decisão em crise que se verificaria uma falta de pressupostos legais necessários, a saber, «a concreta finalidade do pedido de cancelamento provisório» e a comprovação documental do pagamento da indemnização em que o arguido foi condenado;
6) In casu não foi o arguido notificado pelo Tribunal para completar o pedido ou juntar os documentos em falta, nem tão pouco o Tribunal ordenou a produção de meios de prova necessário, para a boa decisão da causa;
7) Não era lícito ao Tribunal decidir quanto ao mérito da causa sem previamente ter dado ao arguido a possibilidade de completar o pedido ou juntar documentos em falta (ut artigo 230º do CEPMPL);
8) Ao proferir a decisão de indeferimento sem previamente determinar a notificação do Requerente para completar o pedido ou juntar documentos, o Tribunal omitiu diligências essenciais para a descoberta, que podiam / deviam ter sido oficiosamente ordenadas pelo Tribunal, situação que configura uma nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120º, n.º 2, alínea d), do CPP, determinando a invalidade dos atos subsequentes.
9) O arguido juntou aos autos declaração de quitação emitida pelo lesado, comprovando o pagamento da indemnização fixada no processo n.º 238/07.0TABRG (cf. doc. n.º 2 junto com o requerimento inicial e ponto 4) dos fatos assentes);
10) Caso tivesse sido notificado para o efeito, como impõe a lei aplicável, o arguido teria esclarecido que a atividade que pretende exercer é a atividade de mediação imobiliária e que a finalidade para que se pretende o certificado de registo criminal é a instrução do pedido de licenciamento para exercício daquela atividade, a apresentar Junto do INCI (ut artigos 4º a 8º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, e Regulamento n.º 16/2014, do Instituto de Construção e do Imobiliário, I.P., publicado no DR, 2.a Série. n.º 10, de 15 de Janeiro de 2014;
11) Ainda que se entenda que as diligências omitidas pelo Tribunal não configuram nulidade processual, no que se não concede, sempre se deverá entender que tal omissão consubstancia irregularidade que afeta o valor dos atos processuais subsequentes e, em especial, que determina a invalidade da decisão que indeferiu o requerido cancelamento provisório, conforme decorre do disposto no artigo 123º do CPP, aplicável ex vi do artigo 154º do CEPMPL.
12) A sentença em crise violou, para além de outras disposições, as constantes dos artigos 61º, n.º 1, alínea b), 120º, n.º 2, alínea d), e 123º do CPP, e artigos 154º e 230º do CEPMPL.

10.
O MP não respondeu ao recurso.
Mas respondeu às arguidas irregularidade e nulidades concluindo pela sua não existência.

11.
O Sr. Juiz a quo julgou não verificados os invocados vícios processuais, com a seguinte fundamentação:
“No requerimento de 28 de Janeiro de 2016, o requerente, na sequência da decisão que indeferiu o pedido de cancelamento provisório do registo criminal, arguiu a existência de irregularidades e nulidades processuais, susceptíveis de determinar a invalidade dos actos subsequentes, nos termos e pelos fundamentos legais que melhor constam do mesmo e que aqui se dão por integralmente por reproduzidos.
Em síntese, invoca a irregularidade processual por falta de pronúncia sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, designadamente, quanto à da falta de indicação de um interesse concreto, específico e vinculado para o exercício de determinado cargo ou profissão, da qual decorre segundo o requerente a violação do princípio do contraditório garantido pelo artigo 61º, nº 1, alínea b) do CPP ex vi artigo 154º do CEMPL. Que determina a invalidade dos actos subsequentes e que carece de reparação mediante a notificação do interessado para se pronunciar sobre a questão aduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123º, nº 1 do CPPenal.
Invoca ainda constituir nulidade nos termos e para os efeitos previstos no artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPP, a falta de notificação pelo Tribunal do requerente para completar o pedido e ou juntar os elementos documentais em falta, a que a acresce a circunstância do tribunal não ter sequer ordenado a produção de meios de prova necessários para a boa decisão da causa. Assim sendo, o Tribunal ao proferir a decisão de indeferimento sem previamente ter determinado a notificação do requerente para completar o pedido ou juntar documentos omitiu diligências essenciais para a descoberta, que podiam/deviam ser oficiosamente ordenadas pelo Tribunal.
O Ministério Público, quanto ao supracitado pronunciou-se nos termos e para os efeitos previstos a fls. 122 e seguintes e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
Cumpre apreciar e decidir.
Processualmente, o CPPenal para cuja aplicação remete o artigo 154º do CEPMPL, em matéria de nulidades e irregularidades processuais estatui que «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei» e ainda que «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular», (artigo 118º. do CPPenal). Por outro lado, as nulidades insanáveis regem-se pelo princípio da tipicidade e, por isso, são oficiosamente declaradas. Pelo que qualquer nulidade diversa das expressamente cominadas pela lei, deve ser arguida pelo respectivo interessado, ficando, no entanto, sujeita a uma disciplina processual própria, conforme artigos 120º e 121º do CPPenal.
As irregularidades processuais só determinam a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes, quando a mesma seja arguida pelo interessado, no próprio acto ou, nos 3 dias seguintes, à notificação do acto.
Ora, considerando o regime processual do processo de cancelamento provisório do registo criminal expressamente regulado nos artigos 229º a 233º do CEPMPL, resulta que após a remessa dos autos com Vista, ao Ministério Público para emissão de parecer, por regra, não será de exercer o contraditório, devendo o interessado requerente apenas ser notificado da sentença que vier a ser proferida.
Logo, não decorre da lei que subsequentemente à emissão de parecer pelo Ministério Público, no processo de cancelamento provisório do registo criminal, o tribunal tivesse que dar cumprimento ao contraditório legal e, tão pouco, que nos presentes autos esteja configurada uma irregularidade que implique que o tribunal deva reparar, por ser a mesma susceptível de determinar a invalidade dos actos subsequentes, entenda-se, no caso concreto, da decisão judicial proferida que, em 19 de Janeiro de 2016, indeferiu o pedido formulado pelo requerente.
Ainda, quanto à nulidade processual arguida pela falta de notificação do requerente para completar o pedido inicial deduzido ou juntar os documentos em falta, nos termos e para os efeitos no artigo 120º, nº 2, al. d) do CPP, da devida análise dos autos decorre que o tribunal diligenciou pela regular instrução do processo conforme se alcança de fls. 16, 84, quer pela via oficiosa quer por interpelação directa do interessado. E, sendo assim, salvo melhor opinião, da instrução do presente processo não resulta conforme se infere do requerimento do interessado que o tribunal não se tivesse «empenhado no apuramento da verdade material», designadamente, não ordenando e ou providenciando oficiosamente pela produção de todas as provas.
Ora, o determinado no despacho de fls. 16 constitui uma evidência que contraria tal arguição porquanto sendo certo que nesta espécie processual é o requerente que tem o ónus processual de impulsionar o processo, sempre é de concluir que a junção dos indicados elementos sempre caberia ao próprio interessado.
Pelo que, da análise dos actos praticados não decorre que o tribunal tivesse incorrido em qualquer omissão na sua instrução, nomeadamente, na falta de notificação do requerente para completar e ou esclarecer qualquer documento ou indicar o interesse específico.
Aliás, note-se que quanto a este interesse específico tal nulidade não pode ser imputada ao tribunal precisamente porque a falta de clareza e precisão da mesma decorreu do confronto do alegado no requerente – pontos 12, 13 do requerimento inicial - com o teor do relatório social elaborado pela equipa técnica com base nas declarações prestadas pelo próprio.
Especificamente, quanto à falta de comprovação documental do pagamento da indemnização em que o arguido foi condenado e tal como resulta do parecer que antecede, afigura-se-nos ser uma questão de admissibilidade legal do meio de prova do pagamento e também, nesta parte, não é configurável que o Tribunal tivesse o dever de notificar o requerente para esclarecer e ou completar o comprovativo do pagamento da indemnização, conforme alegado no ponto 14 do requerimento em referência.
Por último, em termos de tempestividade da arguição das irregularidade e nulidades processuais releva que o interessado dispunha de 5 (cinco) dias para efectuar essa arguição, ora, tendo a decisão final sido notificada, por via postal registada, em 20.01.2015, mostra-se tempestiva e regular a arguição das invocadas nulidades processuais porquanto o requerimento foi apresentado em 2016.01.28.
Do acima exposto, julgo totalmente improcedentes, por não estarem verificadas, as arguidas irregularidade e nulidades processuais pelos fundamentos de facto e de direito acima expostos e que aqui se dão por reproduzidos”.

12.
Nesta Relação, o Ex.mo PGA entende que “o recurso não merece provimento, pelas razões expostas pelo Senhor Procurador da República junto do Tribunal recorrido e sufragadas pelo Senhor Juiz na decisão que tomou”.

13.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

14.
São apenas duas as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
- Devia o Tribunal ter notificado o Requerente do parecer do MP antes de decidir?
- E devia tê-lo notificado para completar o pedido e/ou juntar documentos em falta?

II – FUNDAMENTAÇÃO
1.
A título de questão prévia se adianta que os sujeitos processuais, ao apresentarem requerimento que pode brigar com os seus direitos, liberdades e garantias, devem ter a preocupação de o fundamentar devidamente. Fundamentar significa alegar factos e subsumi-los às normas jurídicas aplicáveis.
A simples transcrição de preceitos legais, conjugada com vontades hipotéticas, não declaradas, não pode ser considerada motivação.
Quem assim faz, como acontece no caso em apreciação, corre sérios riscos de que a decisão lhe seja desfavorável ainda que, como tudo indica, haja razões materiais para crer que a sua pretensão deva ser deferida.

2.
Dito isto, passamemos a responder à primeira questão suscitada: devia o Tribunal ter notificado o Requerente do parecer do MP antes de decidir?
A resposta é categoricamente negativa.
É bom recordar que não estamos perante um qualquer procedimento administrativo no qual se exige a audição do requerente antes de se tomar decisão desfavorável. Antes, estamos perante decisão judicial que se rege por regras processuais próprias.
O princípio do contraditório é, bem o sabemos, transversal e, por isso, tem de ser obrigatoriamente cumprido no processo sem o que a decisão será, no mínimo, irregular.
No caso em apreço o contraditório foi integralmente cumprido.
Com efeito, o Requerente apresentou a sua petição e o MP respondeu.
Nada mais é exigido como se constata da simples leitura dos preceitos legais aplicáveis.
NA VERDADE,
Segundo o disposto no art.º 230º, n.º 1 do CEPMPL, “Recebido e autuado o requerimento, vai o processo concluso ao juiz para despacho liminar”.
Havendo o processo de prosseguir, e não sendo caso de convite a aperfeiçoamento, como se entendeu in casu (mal, veremos infra), e “ordenada a produção dos meios de prova oferecidos pelo requerente e os demais que tenha por convenientes para a boa decisão da causa” (art.º 230º, n.º 4 do CEPMPL), “o processo é continuado com vista ao Ministério Público para, em cinco dias, emitir parecer” (art.º 231º do CEPMPL), após o que é proferida sentença, que é notificada ao requerente, ao interessado que não seja o requerente e ao Ministério Público (art.º 232º, n.º 1 do CEPMPL).
Todo esse formalismo foi cumprido no caso em apreciação e, por isso, não foi violado o princípio do contraditório, ao contrário do alegado pelo Recorrente.
Este confunde papéis dos sujeitos processuais e, por isso, apesar de ser o Requerente, quer usar do direito de réplica.
Que a lei lhe não concede.
Improcede, pois, a arguida irregularidade.

3.
Ainda que, por hipótese académica, o Requerente pudesse responder ao parecer do MP, jamais, nessa resposta, poderia aditar factos novos aos que constam do requerimento apresentado. Porque, se tal acontecesse, estaria, na prática, a alterar o objecto do recurso, o que a lei não permite[2].

4.
Do que vem de ser dito não pode concluir-se que a decisão recorrida tenha de se manter. O que implica a resposta à 2ª questão colocada, sobre a qual passamos a debruçar-nos.

5.
“O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada” – n.º 1 do art.º 10º da Lei 37/2015, de 5 de Maio.
Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 2º da citada Lei, “A identificação criminal tem por objeto a recolha, o tratamento e a conservação de extratos de decisões judiciais e dos demais elementos a elas respeitantes sujeitos a inscrição no registo criminal e no registo de contumazes, promovendo a identificação dos titulares dessa informação, a fim de permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes”. Como bem refere o Sr. Juiz a quo “A inscrição de uma condenação penal no registo criminal constitui um efeito da prática de um crime que reflecte a articulação e o equilíbrio entre uma ordem jurídica que contempla a socialização dos delinquentes como finalidade do sancionamento penal com as exigências de defesa da comunidade perante os perigos de uma possível reincidência”.
Ou seja, o registo criminal visa, desde logo, defender a sociedade dos perigos que estão associados a determinado tipo de delinquência e de delinquentes.
Com efeito, o acesso ao RC permite às autoridades judiciárias conhecer o passado criminal do investigado ou do arguido, dele extraindo as devidas e legais ilações.
E permite também aos particulares conhecer o passado criminal das pessoas com quem têm de conviver.
Ao conhecer-se o passado criminal, naturalmente que se acautelam ou, no mínimo, podem minimizar-se os referidos perigos.
Todavia, as penas visam também, e principalmente, a ressocialização do delinquente.
Ora, o Registo Criminal, tendo embora aquele efeito preventivo, não deve e não pode promover a estigmatização do condenado e não deve ser meio de evitar a sua socialização, designadamente impedindo o acesso ao emprego, contrariando a finalidade das penas.
Por isso é que a Lei prevê, por um lado, o cancelamento definitivo das inscrições, que tem lugar decorrido determinado período de tempo a contar da extinção da pena, “desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza” (art.º 11º, n.º 1 da Lei 37/2015, de 5 de Maio). Mas prevê, também, precisamente para facilitar a reintegração social do delinquente, o cancelamento provisório do registo, total ou parcial, determinado pelo tribunal de execução das penas desde que:
a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas;
b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e
c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.
Assim o consagra de forma expressa o art.º 12º da Lei 37/2015, de 5 de Maio.
Os requisitos transcritos são cumulativos e hão-de ser apreciados pelo TEP no processo a que aludem os art.ºs 229º e segs do CEPMPL.
Assim:
“Para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins” – n.º 1 do art.º 229º do CEPMPL; “O cancelamento pode ser pedido pelo interessado (…) em requerimento fundamentado, que especifique a finalidade a que se destina o cancelamento, instruído com documento comprovativo do pagamento das indemnizações em que tenha sido condenado.” – n.º 2 do mesmo preceito legal.
O processo é tramitado em conformidade com o disposto no art.º 230º do CEPMPL, que tem como epígrafe “Despacho liminar”:
1 - Recebido e autuado o requerimento, vai o processo concluso ao juiz para despacho liminar.
2 - Se for caso de indeferimento, por se mostrar, logo em face do requerimento inicial, suficientemente comprovada a falta dos pressupostos do cancelamento provisório, o juiz manda arquivar o processo e notificar o requerente.
3 - Do despacho de indeferimento proferido nos termos do número anterior cabe recurso para o tribunal da Relação.
4 - Havendo o processo de prosseguir, o juiz despacha no sentido de:
a) Notificar o requerente para, em prazo a fixar, completar o pedido ou juntar documentos em falta;
b) Ordenar a produção dos meios de prova oferecidos pelo requerente e os demais que tenha por convenientes para a boa decisão da causa.
O Sr. Juiz a quo entendeu não haver fundamento para indeferimento liminar do requerido. Certamente porque, em seu entender, não estava suficientemente comprovada a falta dos pressupostos do cancelamento provisório. Por isso ordenou a produção dos meios de prova tidos por convenientes para a boa decisão da causa.
Todavia, e contraditoriamente, depois de fazer as aludidas diligências, acaba por indeferir liminarmente ao requerido, por duas ordens de razões:
- Porque o Requerente não indicou, como lhe incumbia, qual o concreto emprego, público ou privado, a que se pretendia candidatar, “tendo-se este limitado a referir de forma vaga e genérica que pretende regressar ao mercado de trabalho; que desenvolve estudos no âmbito do ramo imobiliário e ou dos seguros onde se pretende estabelecer por conta própria, admitindo, por conseguinte que na procura activa de emprego lhe poderá ser exigida a apresentação do aludido documento sujeito à exigência legal de ausência de antecedentes criminais carece do mesmo”.
- Ainda porque, “os presentes autos não estão devidamente instruídos pelo requerente com o comprovativo do pagamento da indemnização em que foi condenado”.

6.
Decidiu mal o Sr. Juiz a quo.
Desde logo porque é evidente que o Requerente juntou o recibo comprovativo do pagamento da indemnização arbitrada (cfr. doc. de fls. 15). Se alguma dúvida suscitasse o aludido documento, em vez de se indeferir ao requerido, deveria ter-se convidado o Requerente a juntar cópia autenticada do original.
Depois porque, se é verdade que o Requerente não indicou o concreto emprego, público ou privado, ao que se pretendia candidatar, como podia e devia, a sanção para a falta de tal indicação não é o indeferimento do requerido.
Ao invés, como expressamente resulta da lei - alínea a) do n.º 4 do art.º 230º do CEPMPL – deveria o Sr. Juiz a quo “Notificar o requerente para, em prazo a fixar, completar o pedido ou juntar documentos em falta”.
E não o fez.
Razão por que não pode subsistir a decisão recorrida.

7.
Se a solução referida não resultasse expressamente da letra da Lei, como resulta, sempre a ela se chegaria por aplicação dos princípios enformadores do sistema jurídico português.
Demonstremos:
O art.º 6º da CEDH, que é também direito interno, sob a epígrafe “Direito a um processo equitativo”, reza que “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial (…)”.
Tal princípio decorre também do art.º 20º da CRP.
Como bem refere o TC[3], o significado básico de tal princípio “é o da exigência de conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efectiva e que se densifica através de outros subprincípios, um dos quais é o da orientação do processo para a justiça material (…)”.
Porque assim é, e ainda segundo o TC[4], “O direito fundamental a um processo equitativo pressupõe uma estrutura processual adequadamente conformada aos fins do processo, que conduza ao seu desenvolvimento em condições de equilíbrio, direcionada à obtenção de uma decisão ponderada, materialmente justa do litígio, que proporcione aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (Acórdão n.º 632/99)”.
Do que vem de ser dito, com extrema facilidade se conclui que, no processo, e muito especialmente no processo penal, que contende com direitos, liberdades e garantias, tem de buscar-se uma decisão ponderada, que seja materialmente justa, que esteja afastada possível das peias formalistas, no mais possível.
Acresce:
Como é sabido, o processo penal está também enformado pelo princípio da verdade material, do qual decorre, no que aos autos interessa, que nestes se há-de procurar a verdade, a qual não sendo «absoluta» ou «ontológica», há-de ser, antes de tudo, uma verdade judicial, prática, não uma verdade obtida a todo o preço, mas processualmente válida[5]; uma “verdade histórico-prática, uma determinação humanamente objectiva de uma realidade humana”[6].
Por isso, deve evitar-se, sempre que possível, decisões formais.
Ainda:
O princípio da gestão processual, hoje expressamente consagrado no Código Processo Civil, não é privativo deste ramo de direito, antes se aplica também ao Processo Penal, pelo menos de forma subsidiária. Dele decorre que o Juiz, seja no campo dos factos[7], seja no campo da cooperação processual, seja no campo da instrução do processo, deve evitar os efeitos preclusivos. Especialmente quando se poderá instaurar novo procedimento para obtenção do mesmo efeito jurídico. Como ocorre in casu.
Pela directa aplicação dos ditos princípios, em vez de indeferir ao requerido, deveria o Sr. Juiz a quo ter feito uso dos poderes que a lei lhe confere e, na sequência, convidar o Requerente a suprir as falhas do requerimento.
Porque, na realidade, o mesmo enferma dessas falhas.
Porque o não fez, terá de ser anulada a decisão recorrida.

III - DECISÃO
Termos em que, na procedência do recurso, embora com fundamentos diversos dos alegados, se anula a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que convide o Requerente a suprir as deficiências do requerimento apresentado.
Sem tributação.

Porto, 7/07/2016
Francisco Marcolino
Donas Botto
_________
[1] A pena de prisão foi substituída por pena suspensa e esta foi declarada extinta
[2] Em situação paralela, e emtudo análoga, no sentido do texto, cfr. o Ac da RP de 10/02/2010, processo 207/07.0PBVRL-A.P1, in www.dgsi.pt; e o Ac da RL de 26/02/2013, processo 697/01.4TAALM.L1-5, in www.dgsi.pt).
[3] Ac do TC 102/2010
[4] Ac do TC 383/2012
[5] “A verdade não constitui (…) uma categoria exclusivamente ôntica, mas também axiológica, e como tal com uma dose considerável, na respectiva percepção, de dever ser” - SARAGOÇA DA MATA, Paulo, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, p. 233
[6] CASTANHEIRA NEVES, citado por MARQUES DA SILVA, Germano, Curso …, II vol., p. 111
[7] Assim o entendemos. Como também o entende Miguel Mesquita, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 145º, n.º 3995, pgs. 95 e segs