Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
469/11.8JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: RP20141015469/11.8JAPRT.P1
Data do Acordão: 10/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Para se proceder à reapreciação da prova o recorrente deve indicar os factos impugnados, a prova de que se pretende fazer valer e indicar o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.
II – A considerável diminuição da ilicitude do facto exigida pelo artº 25º DL 15/93 de 22/1 deve resultar de um juízo sobre uma avaliação global da situação de facto, na qual assumem relevo a existência ou não de estrutura organizativa, os meios técnicos ou especiais usados, a quantidade e qualidade dos estupefacientes, os lucros, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos proventos ao consumo pessoal, a duração e intensidade da actividade, numero de consumidores abrangidos, e posição do arguido na “ rede” de distribuição;
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 469/11.8JAPRT.P1
Porto

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
2ª Secção criminal

I-Relatório.

No Processo Comum Coletivo nº 469/11.8 JAPRT da 3ª vara criminal do Porto foram submetidos a julgamento, entre outros os arguidos B… e C…, melhor identificados a fls. 1216.

O acórdão de 07 de Janeiro de 2014, depositado a 10 de Janeiro, tem o seguinte dispositivo:
«Nesta conformidade, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo, em julgar parcialmente provada e procedente a presente acção penal e, consequentemente:
A) Absolver os arguidos D… e E… dos seis crimes de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, 23°, 73°, 131°, 132°, n°s l e 2, alínea h), do Código Penal, que lhes são imputados na acusação.
B) Absolver o arguido C…s de cinco crimes de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, 23°, 73°, 131°, 132°, n°s l e 2, alínea h), do Código Penal, que lhe são imputados na acusação.
C) Condenar o arguido C… pela prática, em co-autoria material, de 1 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, 23°, 73°, 131°, 132°, n°s l e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão (ofendido H…).
D) Condenar o arguido B…, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, do DL nº 15/93, de 22/01, na pena de 5 (cinco) de anos de prisão efectiva.
E) Condenar o arguido F…, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artº 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23/02, redação da Lei nº 17/2007, de 6/05, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, ao abrigo dos artº 50º, nº 1, 2 e 5 e 53º, nº 1, 2 e 3, do Código Penal, sujeito a regime de prova, assente num plano individual de readaptação durante tal período de tempo.
Mais vão os arguidos C…, F… e B… condenados em 5 UC's de taxa de justiça, cada um, nas custas e encargos do processo.
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Declara-se perdido a favor do Estado os produtos estupefacientes apreendidos nos autos e dinheiro apreendidos ao arguido B… (artigo 35º nº 2 do Decreto Lei nº 15/93, de 21/01), ordena-se a destruição do estupefaciente (artº 62º, nº 5, do mesmo diploma legal).
***
Declara-se perdido a favor do Estado a pistola e munições apreendidos ao arguido F…, cuja remessa à Direcção Nacional da Polícia de Segurança Publica desde já se ordena, a fim de lhes ser dado o devido destino.
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Ordenar a entrega, após transito do presente acórdão, ao arguido B… de todos os objectos que lhe foram apreendidos, os quais deverão ser reclamados no prazo máximo de noventa dias, sob pena de decorrido o prazo de um ano, serem declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do artº 186º, nº 3 e 4, do CPP.»
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Inconformado, o arguido C… interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 1270 a 1304 que remata com as seguintes conclusões:
«I. 1.Ocorre a nulidade prevista na al. a) do artg.º 379.º, n.º 1 do C.P.P. e que expressamente se vem arguir.
2. Já que, não explicou como deduziu das provas e respetivos conteúdos, as suas conclusões e da forma como considerou estas seguras, inequívocas e à margem de qualquer dúvida razoável.
3. Não explicou o processo racional que lhe permitiu (e permite a qualquer um de nós) extrair de uns e de outros a certeza (a convicção) de serem verdadeiros certos factos. E porque estes e não outros?!
4. Nomeadamente que justifique, sem dúvidas, a intenção de matar por parte do recorrente, que apenas se concluiu através de ilações, efabulação e perspetivas!
5. Assim, a fundamentação revela-se manifestamente insuficiente, porque insegura, indutiva e presuntiva, dependente da subjetividade da perspetiva de quem analisa elementos de prova esparsos. Ademais,
II.
6. Houve incorreto julgamento de matéria de facto. Na verdade,
7. Encontra-se errada e incorretamente julgada a matéria de facto considerada como provada nos números 1., 2., 3., 5., 7., 12. e 13. do douto acórdão de que se recorre.
8. Na verdade, nenhuma prova direta foi produzida ou analisada em sede de audiência que permita concluir no sentido de que aqueles factos devem ser considerados provados e a prova indireta não permite presumir que aqueles factos tenham efetivamente ocorrido.
9. Da análise cuidada dos mesmos suportes probatórios de que se serviram os Mms. Juízes para fundamentar o acórdão e sustentarem a condenação, colhe-se o exatamente inverso da conclusão a que os mesmos chegaram.
10. De todas as provas supra descriminadas, onde se constatam trechos da transcrição das provas, produzidas em audiência de discussão e julgamento flui que aquela matéria dada como provada não o deveria ter sido como tal, sendo evidente o desacerto da decisão recorrida.
11. Refere o Tribunal a quo que, para formação da sua convicção, relativamente aos factos anteriormente indicados, foram objeto de apreciação crítica os seguintes meios de prova: depoimentos das testemunhas G…, H…, I…, J…; declarações do arguido B…; esclarecimentos prestados por K…, especialista Adjunto na Polícia Científica na área de balística na Polícia Judiciária de Lisboa e inspector da PJ L…; relatório dos peritos do Gabinete de Polícia Técnica com respectivos fotogramas de fls. 12 a 24; ficha do registo automóvel do veículo 36-82-NO a fls. 77; Pedaço de embalagem em cartão de caixa de munições calibre 7,65 mm a fls. 80; Auto de apreensão de fls. 81 de 2 cápsulas calibre 6,35mm, recolhidas pelo SPC no local dos factos, um projétil deformado encontrado no local onde a vítima H… indicou ao inspetor L… que lançou fora a munição que se encontrava alojada no seu braço esquerdo, um cartão proveniente de caixa de munições de calibre 7,65mm (ou .32 auto), um casaco de fato de treino da marca FOOT LOCKER de tamanho L de cor cinza e uma t-shirt da marca António Morato, tamanho XL, de cor preta, entregues pela vítima; relatório de episódio de urgência hospitalar da assistência prestada ao ofendido a fls. 226 e 228; relatório de exame à pistola e munições apreendidas ao arguido F… e relatório final realizado aos projéteis, cápsulas apreendidas a fls. 581 a 590 e relatório pericial de avaliação corporal do IML do Porto realizado ao ofendido H… a fls. 345 a 347 e 445 a 447.
12. Atentando aos depoimentos de testemunhas, constatamos que mal decidiu o Coletivo uma vez que chegou a conclusões diversas da realidade, dando como provados factos sem qualquer suporte probatório e quando a análise ponderada da prova aconselhava julgar em sentido diverso.
13. Por força do princípio da livre apreciação da prova (e seus limites), do princípio da presunção de inocência que em sede probatória se concretiza no principio in dubio pro reo e do princípio da imediação resulta que, quanto aos factos dados como provados pelo respetivo Tribunal Coletivo, verificou-se pouca clareza nos mesmos, evidenciando dúvidas e ilações tiradas pelo julgador de factos que não constam da prova direta, designadamente que no dia 22 de março de 2011, cerca das 17h00, o arguido C…, reuniu na porta da sua residência sita na Rua …, na cidade e comarca do Porto, um grupo de indivíduos, e nesse local, aguardaram pela passagem de H…, que nesse dia conduzia o automóvel com a matrícula ..-..-NO, marca “Citröen”, modelo “…”, de cor azul, no …, com o intuito de lhe montar uma emboscada por motivos não apurados, que se encontravam à espera do H…, os ânimos do arguido C… dos outros indivíduos, foram ficando cada vez mais exaltados, que o arguido C…, em conjugação de esforços e intenções com os dois indivíduos não identificados, empunhando as referidas armas de fogo que cada um deles detinha, efetuaram simultaneamente, vários disparos na direcção do condutor H… que se encontrava a uma distância de cerca de vinte metros do local onde se posicionaram inicialmente os atiradores que desciam as escadarias, querendo matar o H…, que ao dispararem as referidas armas de fogo cujas caraterísticas bem conheciam, o arguido C… e os indivíduos desconhecidos agiram de acordo com um plano que previamente, em conjunto, traçaram e que em conjugação de esforços executaram¸ com o fim de atingirem e de causarem lesões susceptíveis de causarem a morte de H… (…), o que não lograram conseguir por motivos alheios à sua vontade.
14. Impõe decisão diversa da recorrida a análise serena da documentação de toda a prova e com maior pertinência dos depoimentos das testemunhas gravados no CDRom 20131106110144_2 de H… (Dia 06-11-2013; 11:50:08 – 12:14:33), de I… (Dia 06-11-2013; 14:31:59 – 14:55:48), de J… (Dia 06-11-2013; 15:08:40 – 15:17:41), de G… (Dia 06-11-2013; 15:38:44 – 16:03:32) e o Inspetor L… (Dia 06-11-2013; 16:17:49 – 16:42:07)[1].
15. Sublinhe-se que as mesmas analisadas criticamente, segundo as regras da experiência comum, tendo sempre presente que um non liquet em questão de prova se decide sempre em favor do arguido, com respeito ao princípio in dúbio pro reo, se a outro caminho não conduzissem, só poderão conduzir à condenação no crime de ofensas à integridade física qualificado p. e p. 145.º, n.º 1 a) do C.P., e não pelo ilícito que foi condenado.
Sem prescindir,
III.
16. Deficiente fixação da medida concreta da pena aplicada pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, a final, veio a ser condenado.
17. Atendendo a toda a factualidade dada como assente no acórdão, entendemos que a pena justa a aplicar seria de quatro (4) anos de prisão.
18.Os critérios de escolha e determinação da medida da pena não foram devidamente ponderados pelo Tribunal recorrido.
19. No douto acórdão de que se recorre não foram suficiente e corretamente valoradas todas as circunstâncias previstas no artg.º 71.º, do C.P, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior e posterior ao facto,
20. Assim como não foi respeitado o artg.º 40.º do C.P.
Normas Violadas ou Incorretamente Aplicadas:
- Artg.º 32.º, n.º 2 da C.R.P.; - Artgs.º 40.º, 70.º e 71.º e 131º. do C. P.; - Artgs.º 96.º, 125.º, 127.º, 379.º n.º 1 al. a) do C.P.P; - Princípio da Presunção da Inocência maxime Princípio In dubio pro reo; - Princípio da Livre Apreciação da Prova e - Princípio da Oralidade e da Imediação.
Termina pedindo o provimento do recurso.
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Também o arguido B… veio interpor o seu recurso, apresentando a motivação de fls. 1327 a 1351, que remata com as seguintes conclusões:
I – Foi aplicada ao arguido B…, pela prática de um crime de tráfico, p. e p. pelo artº 21º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01 a pena de cinco (5) anos de prisão efetiva.
II - Salvo o devido respeito por Douta opinião em contrário, o Tribunal «a quo» não decidiu bem.
III - Foi dado como provado, quanto ao recorrente, o que consta do Douto Acórdão,
IV – Nomeadamente que,
21.No dia 11 de Maio de 2011, cerca das 11h00, realizada busca à residência do arguido B…, sita no …, Bloco ., entrada …, casa .., Porto, no quarto do arguido foi-lhe apreendido na cabeceira da cama cannabis (resina) com o peso líquido de 4,802gr, no relvado exterior do bloco sobre o lado direito da janela onde se encontrava o arguido a dormir com a janela aberta, foi encontrado e apreendido várias embalagens espalhadas no solo de cocaína com o peso líquido de 14,045gr e 0,469gr e de heroína com o peso liquido de 0,128 gr e 7,275 gr, conforme relatório pericial de fls. 493.
22.Nas várias dependências da casa do arguido foram apreendidas notas do BCE, no valor total de 9.607,00 euros (nove mil seiscentos e sete euros) conforme resulta do teor do auto de fls. 292 a 296 que aqui se dá por integralmente reproduzido, provindo da actividade de tráfico de estupefacientes.
23.Na residência do arguido B… foram-lhe apreendidos telemóveis e aparelhos electrónicos.
24.O arguido detinha tais substâncias estupefacientes, destinando à venda das mesmas a consumidores daquelas substâncias que lhas solicitassem.
25.Ao actuar como descrito, agiu o arguido B… livre e conscientemente, no propósito concretizado de adquirir, deter, manipular, pesar, embalar, vender, trocar e ceder substâncias estupefacientes, destinadas ao seu próprio consumo e também a venda e cedência a terceiros, bem sabendo que tal conduta é proibida.
V - Tendo em conta o douto acórdão em crise, verifica-se que, de facto, não foi feito o Exame Critico das provas que serviram para se formar a convicção do Tribunal, pelo que, foi violado o disposto no artº 374, nº2 do C.P.P. com a consequência prevista no artº 379, nº1, alínea a) do mesmo Código.
VI - Com efeito, é a seguinte a fundamentação de facto da decisão da 1.ª Instância:
Na análise crítica da prova:
Relativamente aos factos imputados ao arguido B…:
- Nas declarações prestadas pelo arguido B… em julgamento, o qual declarou que apenas o haxixe apreendido no seu quarto lhe pertencia e destinava-se exclusivamente ao seu consumo; negou a propriedade da heroína e cocaína, substâncias apreendidas pela polícia no exterior da sua residência. Já relativamente à quantia de 9.607,00 euros que lhe foi apreendido, justificou a sua proveniência de dinheiro que a sua avó tinha na residência, após falecimento desta, por saber o local onde se encontrava guardado, tirou 15.000,00 euros, meses antes da realização da busca. Tais declarações do arguido não mereceram credibilidade ao tribunal, face ao teor dos depoimentos prestados pelos inspectores da Policia Judiciária.
Assim, o tribunal formou a sua convicção com base no teor do auto de busca e apreensão realizada à residência do arguido B… constantes dos autos a fls. 292 a 296, na reportagem fotográfica realizada na busca de fls. 297 a 308 e no teor do relatório de exame pericial ao estupefaciente apreendido de fls. 493, conjugado com os depoimentos dos inspectores M…, N… e O…, os quais de forma isenta, objectiva e coerente relataram que realizaram a busca à residência do arguido e confirmaram o teor do auto de busca e apreensão de fls. 292 a 296. No que tange às embagens apreendidas no exterior do prédio, tendo o arguido negado a sua posse, foi fundamental o depoimento prestado pelo inspector N…, tendo relatado que demoraram a abrir a porta da residência do arguido, ouvia ruído vindo do interior, ao entrarem no quarto do arguido a janela do quarto estava aberta tendo visionado no relvado exterior pequenos pacotes espalhados que presumiu tratar-se de estupefaciente lançado pelo arguido através da janela pela disposição no terreno (conforme é visível nos fotogramas de fls. 307 e 308), tendo procedido à recolha e apreensão das embalagens.
O Tribunal formou convicção segura de que o arguido B… se dedicava à actividade de tráfico de estupefacientes com base nos produtos estupefacientes apreendidos, na ausência do exercício de actividade profissional do arguido, sendo beneficiário de rendimento mínimo, a quantia total de nove mil euros que lhe foi apreendida (espalhada em vários locais da sua residência) era proveniente da venda de estupefacientes.
Já relativamente aos telemóveis e aparelhos electricos encontrados na residência, para além de não ter sido produzida qualquer prova da sua proveniência, o apartamento onde reside o arguido no bairro social com o seu irmão, tinha sido atribuído aos seus pais (entretanto falecidos), razão pela qual o tribunal não deu como provado que os objectos tivessem sido comprados pelo arguido, ou sequer, fossem todos dele.
VII - A convicção do Tribunal orienta-se pelo princípio da livre apreciação da prova nos termos precisos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
Na verdade, dispõe o artº 127º do CPP que salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
VIII - Todavia, este princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções - designadamente as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (artº 169º); ao caso julgado (artº 84º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (artº 344º) e à prova pericial (artº 163º) (Ac. do STJ de 5 de Maio de 1993; BMJ 327, 441).
IX - A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo (ac. do Tribunal Constitucional nº 1165/96 de 19 de Novembro; BMJ, 461, 93).
X - Uma dúvida que, em rigor, não ultrapassa o limite da subjetividade, e que por isso se não deixa objetivar, não tem a virtualidade de, racionalmente, convencer quem quer que seja da bondade da sua justificação (v. Acs do STJ de 4 de Novembro de 1998 in CJ, Acs do STJ, VI, tomo 3. 201 e, de 21 de Janeiro de 1999, proc. 1191/98 3ª, SASTJ, nº 27,78).
XI - Como melhor se verá, o dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.° 2 do art. 374.º do CPP) e o exame crítico da prova, exige, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
XII - Ora, o douto acórdão em crise, indicou efetivamente os meios de prova, todavia limitou-se a tal indicação, faltando claramente a análise dos mesmos.
XIII - Com efeito, o digno tribunal a quo, refere que se baseia nos autos de Busca e apreensão, mas não os descreve ou analisa.
XIV - Mais refere que se baseia no Relatório Fotográfico, sem todavia o enunciar e/ou descrever e no depoimento das testemunhas, limitando-se apenas a referir a identificação das mesmas, sem todavia referir ou analisar os respetivos depoimentos, e em que perspetiva os mesmos contribuíram para a decisão final.
XV - O digníssimo Tribunal a quo tinha a obrigação de fundamentar os factos provados e não provados, que, como se refere, em parte não fez, pois o artº 208, nº 1 da C.R.P. impõe o dever de fundamentar os factos, pelo que se o não fizer, tendo em conta as alíneas b) e c) do artº 410 a interpretação que conferiu ao artº 374 do C.P.P. é inconstitucional por violação expressamente do art. 208, nº1 da C.R.P. e o direito ao recurso consagrado no artº 32, nº1 da C.R - Ver Ac. do T. Constitucional nº 680/98 de 2 de Dezembro (D.R. IIS de 5.11.99).
XVI -A Revisão Constitucional de 1997 veio alterar a numeração do artigo invocado que é agora o 205.º e que dispõe, mais exigentemente, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (n.º 1).
XVII - Mais exigentemente, pois que agora se deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei". A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.
A fundamentação das decisões judiciais continua, pois, dependente da lei a que é atribuído o encargo de definir, com maior ou menor latitude, o âmbito do dever de fundamentação, sem que isso signifique total discricionariedade legislativa, "uma vez que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objeto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos atos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como as razões de direito que justificam a decisão" (V. Moreira e G. Canotilho, CRP Anotada, 2.ª Edição, 798-9)
XVIII - Foi devolvido ao legislador o seu "preenchimento", a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio "em termos genéricos", deixando a sua concretização ao legislador ordinário. (cfr. o ac. nº 310/94 do T. Constitucional - DR IIS de 29.8.94), sem que isso signifique, como se viu, que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.
XIX - Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença diversas funções:
- Contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral;
- Permite, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz;
- Constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (cfr. citado Ac. 680/98).
XX - E a norma, que desenhou o dever de fundamentação no processo penal, cumpre todas estas funções, como vêem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional.
XXI - O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade desta norma, nos seguintes acórdãos:
- nºs 680/98 e 636/99: é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.
- nº 102/99: não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretado no sentido de que, sendo vários os arguidos que, em co-autoria, praticaram os factos delituosos, o tribunal não tem que fazer uma fundamentação formalmente distinta para cada um deles
- nº 258/2001: não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente
XXII - Assim, impõe-se a conclusão de que o Ac. do Tribunal Constitucional ora citado refere-se a situação igual à dos presentes autos.
XXIII - Com efeito, decidiu-se aí "julgar inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 32º, também da Constituição".
XXIV - O que é o caso presente, pois que, como se viu, indicaram-se os meios de prova, todavia faltou claramente o exame crítico das provas. Daí que a decisão recorrida assenta numa interpretação restritiva.
XXV - A fundamentação, que já se reportou, permite o exame do processo lógico ou racional subjacente à decisão de facto. E o exame crítico dos meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, explicitam o processo de formação da convicção, assim se garantindo que se não tratou de uma ponderação arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação da convicção do Tribunal. Com efeito, o Tribunal «a quo» não explicitou os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, assim como não efetuou o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, pelo que não só se verifica a arguida nulidade, como foi feita a interpretação do n.º 2 do art. 374.º em violação da Constituição.
XXVI - Desta forma, deve ser declarada a invocada inconstitucionalidade.
XXVII - «A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão concernente, se colhe faltarem elementos que podendo e devendo ser indagados são necessários para se formar um juízo seguro de condenação ou de absolvição.» - Ac. STJ de 08.05.1997, In BMJ, 467, 442.
XXVIII - No que toca ao recorrente, o tribunal socorre-se apenas do Auto de Busca Domiciliária para dar como provados os fatos que deu e se indicaram supra.
XXIX - Com efeito, nenhum das testemunhas ouvidas referiram fosse o que fosse quanto a este arguido, a não ser a sua interpretação do que se passou no dia da Busca, a qual é aliás a única diligência que teve o recorrente.
XXX - O douto Acórdão baseia-se apenas na presunção de que o arguido é culpado pois a droga encontrada cá fora lhe pertence.
XXXI - Todavia, fato é que, as regras da experiência devem levar o Digno Tribunal a ter uma certa cautela, já que, é frequente quando existe a notícia de que está a ocorrer uma Busca Domiciliária, num Bairro, conotado com a problemática do tráfico como é o dos autos, os moradores «desmarcarem» o que têm de ilícito.
Ainda por cima, no caso em apreço, os Srs. Inspetores não se posicionaram na retaguarda como é normal, não tendo presenciado quem atirou o estupefaciente cá para fora.
XXXII - É pois o digno tribunal que tira a conclusão que pelo barulho, pelo tempo que demorou e por ter uma janela aberta (as 11H do mês de Maio seria normal) virada para o local, que a droga pertence ao arguido B… e condena-o em 5 anos de prisão efetiva.
XXXIII - Como se vê a matéria de fato provada no que concerne ao arguido B…, além de muito parca, não permite uma imputação pessoal clara.
XXXIV - É manifesta, salvo melhor opinião, a insuficiência da matéria de fato provada para sustentar a decisão de condenação do arguido B…, enfermando o Douto Acórdão do vício de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
XXXV - «Constituem limites ao principio da livre apreciação da prova não só as regras da experiência comum, como também as disposições que estabeleçam, designadamente, uma valor probatório especial, para cenas, provas ou, simplesmente, condicionam ou proíbam a sua produção e/ou valoração, como é, v.g., o caso dos art.s 163º n.º1, 129º e 355º do C.P.P..
XXXVI - Se o tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou apresar de proibições legais, incorre, inquestionavelmente, em erro na apreciação da prova. Logo, se esse erro for notório e resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, consubstanciará vício da matéria de facto que, podendo ser invocado como fundamento do recurso mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal «ad quem» á matéria de direito, e, também, do conhecimento oficioso.
Assim sendo, torna-se já evidente que ao valorar prova contra proibição legal da sua valoração e ao alicerçar nela no essencial, a sua convicção sobre a verdade dos factos, tudo como inequivocamente resulta do texto da decisão recorrida, o tribunal «a quo» incorreu em erro notório na apreciação da prova que determina a anulação do acórdão recorrido e o reenvio do processo para novo julgamento sobre a totalidade do seu objecto – 426º, 410 n.º2 c) e 436º do C.P.P..» - Ac. STJ de 02.10.1996, In BMJ, 460, 540.
XXXVII - Dão-se como provados factos que face ás regras da experiência comum e á lógica de um homem médio, não se poderiam ter verificado.
XXXVIII - Por tudo o que ficou dito se pode concluir que até o princípio in dúbio pro reo foi violado, uma vez que, em caso de dúvida, o colectivo optou por condenar o arguido B….
XXXIX - Com efeito, da prova produzida, no mínimo subsistiam dúvidas razoáveis quanto à sua verificação.
XL - Impunha-se ao tribunal «a quo», quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer quanto ao direito a aplicar, socorrer-se do «princípio in dubio pro reo».
XLI - «…Nesta perspectiva, a violação do princípio In Dubio pro reo pode e deve ser tratado como um erro notório na apreciação da prova, quando do texto recorrido, decorra, por forma mais que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.» - Ac. STJ de 15.04.1998, In BMJ, 476, 82.
XLII- Desta forma, o Douto Acórdão recorrido enferma de Erro Notório na apreciação da prova, devendo ser declarada a nulidade, nos termos do art.º 379º do C.P.P.
XLIII - Não se assistiu à correta qualificação jurídica do crime.
XLIV - Na eventualidade de se considerar a hipótese de se dar como provado que o estupefaciente encontrado cá fora pertença ao arguido B…, entendemos, salvo melhor opinião que, nessa parte, resultaria a prática, quando muito, de um crime de tráfico, não do art.º 21º, e muito menos agravado, mas do art.º 25º da lei 15/93 – TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE.
XLV -« – Para que se verifique o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, é de exigir que a ilicitude do facto, relativamente à pressuposta no artigo 21º daquele diploma legal, se mostra consideravelmente diminuída, nos termos apontados no referido artigo 25º. E, assim, a conclusão sobre o elemento típico da considerável diminuição de ilicitude do facto terá de resultar de uma valoração global desta, tendo em atenção não só as que aquele artigo enumera de forma não taxativa mas ainda outras, que, atendíveis na referida globalidade, apontam para aquela considerável diminuição. E esse elemento da considerável diminuição da ilicitude do facto tem de ser aferido face à ilicitude que é típica do artigo 21º, expressa, além do mais, na moldura penal abstracta que lhe corresponde, bem reveladora de que pressupõe uma acentuada ilicitude.
XLVI - A tipificação do artigo 25º parece significar o objectivo de permitir ou julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontra a medida justa de punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25º. Resposta que nem sempre seria viável e ajustada através dos mecanismos gerais de atenuação especial da pena (artigos 72º e 73º do Código Penal), cuja possibilidade de aplicação não podia ter deixado de estar presente no espírito do legislador ao decidir-se pelo tipo privilegiado do artigo 25º.
XLVII - «In casu», e face à factualidade provada, interpretada à luz do espírito do sistema global, tendo-se presentes as implicações do princípio da proporcionalidade, tem de se concluir que se está perante uma atividade de pequeno tráfico de menor gravidade relativamente à ilicitude típica do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
XLVIII - « I – Para efeito do disposto no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, não releva de forma preponderante a quantidade de droga apreendida, mas a apreciação e consideração conjuntas das circunstâncias, factores ou parâmetros aí mencionados, designadamente o período de tempo de actividade, o número de adquirentes, a repetição de vendas ou cedências, os montantes envolvidos no negócio e a natureza dos produtos.» – Ac STJ de 20.11.97, In Bol. do Min. da Just., 471, 163
XLIX – A pena aplicada ao arguido é excessiva.
L – Assim, em caso de condenação, atendendo à idade do arguido, condições pessoais, e ao desejo de ressocialização, deveria o mesmo ser punido com uma pena mais leve,
LI- Tendo em conta a natureza da medida concreta da pena que é determinada, nos termos do n.º1 do art.º 71º do CP, em função da culpa, e as exigências de prevenção de futuros crimes e as demais do n.º2 daquele preceito que deponham a favor ou contra o arguido,
LII- Deveria ser aplicada ao arguido uma pena de prisão mais leve, uma vez que seria manifestamente suficiente para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção.
LIII - Assim, a condenação do arguido a 5 anos de prisão será exagerada, devendo ser aplicada uma pena de prisão mais leve, suspensa na sua execução.
LIV - Em consequência, o Douto Acórdão recorrido, violou por errada interpretação o disposto nos art.ºs 374º, 379º, 410º, 70 e 71º CPP, art.º 25º da Lei 15/93 e art.º 32º da CRP.
Termina pedindo o provimento do recurso.»
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Os recursos foram admitidos para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 1422.
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O Mº Pº junto do Tribunal a quo respondeu aos recursos interpostos, respectivamente conforme fls. 1426 a 1434, e 1435 a 1440, pugnando pelo não provimento de ambos os recursos.
Nesta Relação, o Excelentíssimo PGA emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os recorrentes responderam, consoante fls. 1462 e 1464 a 1475, sem oferecer nada de novo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

Recorrente C…
- Nulidade do acórdão - art. 379.º, n.º 1 al. a) do CPP – por falta de exame crítico da prova.
- Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento. Violação do princípio in dubio pro reo.
- Qualificação jurídica dos factos.
- Medida da pena, pugnando por uma pena de 4 (quatro) anos de prisão.
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Recorrente C…
- Nulidade do acórdão - art. 379.º, n.º 1 al. a) do CPP – por falta de exame crítico da prova.
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Erro notório na apreciação da prova, por violação do princípio in dubio pro reo.
- Qualificação jurídica dos factos, pretendendo a subsunção dos factos ao art. 25º do DL 15/93.
- Medida da pena e suspensão da sua execução.
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2. Factualidade.
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados (sendo que a motivação reproduzir-se-á apenas, e para obstar a desnecessárias repetições, na questão que directamente a interpela) tal como constam do acórdão sob recurso:
«2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Na audiência de julgamento resultou provada a seguinte matéria de facto:
1.No dia 22 de março de 2011, cerca das 17h00, o arguido C…, reuniu na porta da sua residência sita na Rua …, na cidade e comarca do Porto, um grupo de indivíduos, e nesse local, aguardaram pela passagem de H…, que nesse dia conduzia o automóvel com a matrícula ..-..-NO, marca “Citroen”, modelo “…”, de cor azul, no …, com o intuito de lhe montar uma emboscada, por motivos não apurados.
2.Entre os elementos que compunham este grupo encontravam-se os arguidos C…, F…, D… e E…, bem como P…, Q… (irmãos do arguido C…), S… (cunhado dos mesmos), G…, T… e U…, entre outros que não foi possível identificar.
3.Enquanto se encontravam à espera do H…, os ânimos do arguido C… e dos outros indivíduos, foram ficando cada vez mais exaltados.
4.Entre os elementos desse grupo, o arguido C… e pelo menos mais dois indivíduos que não foi possível identificar, detinham armas de fogo.
5.Decorrido algum tempo de espera, o arguido C… avistou o ofendido H…, que seguia ao volante do veículo Citroen de cor azul, com a janela da porta esquerda ligeiramente descida, na Rua … (…), próxima do local onde esta entronca com a Rua ….
6.No interior dessa viatura automóvel seguiam como passageiros, I…, companheira do arguido, a filha menor de ambos, de dois anos de idade, V…, J…, primo do mesmo, o amigo W… e o arguido B….
7.De imediato, o arguido C…, que se encontrava numas escadarias (Rua …), situadas num plano superior em relação à artéria em que seguia a viatura automóvel supra referida, em conjugação de esforços e intenções com os dois indivíduos não identificados, empunhando as referidas armas de fogo que cada um deles detinha, efectuaram simultaneamente, vários disparos na direcção do condutor H… que se encontrava a uma distância de cerca de vinte metros do local onde se posicionaram inicialmente os atiradores que desciam as escadarias, querendo matar o H….
8.Três dos projécteis provenientes dos disparos deflagrados atingiram o veículo automóvel, um na zona do capot, outro na porta do condutor e o terceiro no vidro da janela dianteira, todos do lado esquerdo do veículo, e um desses projécteis atingiu o braço esquerdo do ofendido H….
9.Como consequência directa e necessária dos disparos deflagrados resultou para o ofendido H…, os ferimentos descritos e examinados no Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal de fls. 345 a 347 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que lhe determinaram oito dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.
10.Nas escadarias onde se encontrava o arguido C… e os dois indivíduos desconhecidos foram recolhidos pela polícia dois invólucros/cápsulas de calibre 6,35 mm Browning, deflagrados por uma mesma arma (conclusão pericial a fls. 587); foi recolhido um projéctil no solo no local onde o veículo foi atingido pelos tiros e um outro projéctil alojado no braço do ofendido H…, ambos de calibre 6,35 mm Browning, não tendo sido possível determinar se os dois projecteis foram disparos por uma mesma arma (conclusão pericial a fls. 588).
11.A policia recolheu do solo das escadarias ainda parte de uma embalagem de munições de calibre 7,65 mm constante dos autos a fls. 80.
12.Ao dispararem as referidas armas de fogo, cujas características bem conheciam, o arguido C… e os indivíduos desconhecidos, agiram de acordo com um plano que previamente, em conjunto traçaram e que em conjugação de esforços executaram, com o fim de atingirem e de causarem lesões susceptíveis de causarem a morte de H…, o que não lograram conseguir por motivos alheios à sua vontade, designadamente, pela reacção imediata do condutor H… que imprimiu velocidade ao veículo conseguindo deste modo sair da mira dos atiradores.
13.Apesar disso, agindo livre e deliberadamente, o arguido C… não se absteve de levar por diante a sua conduta, com plena consciência da sua censurabilidade penal.
14.O veículo conduzido pelo arguido está registado em nome de X… (fls. 77).
15.Os vidros do veículo tinham uma película que dificultava a visão do exterior para o interior do mesmo.
16.No dia 11 de Maio de 2011, cerca das l0hl0, realizada busca à residência do arguido F…, foi apreendida numa gaveta da mesa-de-cabeceira do quarto do buscado “uma pistola Walther PPK”, de calibre 7,65 mm, com o n.º de série ……., com o respectivo carregador que continha 5 munições e uma caixa com trinta e oito munições, de calibre 32mm.
17.Tal arma e munições foram sujeitas a Auto de Exame Directo de fls. 278 a 279, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, tratando-se de “ Uma pistola semi-automática, de origem Alemã, da marca Walther, modelo PPK, com o número de série ……., com cano estriado com cerca de 84 mm de comprimento, com as medidas totais de 145 mm x 110 mmXIOnn- arma curta, dotada de respectivo carregador, com capacidade para 7 (sete munições), com sistema de disparo por acção simples e dupla … Tem sistema de alimentação por meio de carregador destacável, o qual se encontra municiado com 5 (cinco) munições de calibre 7,65 mm (também designado por 7,65 Browning ou 32.ACP), com bala FMJ, todas aparentando conter todos os seus componentes e estarem em condições de serem imediatamente disparadas.
18.Ao deter a arma e munições nas condições descritas, o arguido criou um perigo acrescido para a generalidade dos cidadãos e frustrou o interesse do Estado em manter o controle sobre a posse das armas e respectivas munições.
19.Bem sabia o arguido que lhe estava vedada a posse e detenção de tal arma de fogo e munições.
20.Ao actuar como o supra descrito, agiu o arguido F…, livre e deliberadamente com consciência da censurabilidade penal da sua conduta.
21.No dia 11 de Maio de 2011, cerca das 11h00, realizada busca à residência do arguido B…, sita no …, Bloco ., entrada …, casa .., Porto, no quarto do arguido foi-lhe apreendido na cabeceira da cama cannabis (resina) com o peso líquido de 4,802gr, no relvado exterior do bloco sobre o lado direito da janela onde se encontrava o arguido a dormir com a janela aberta, foi encontrado e apreendido várias embalagens espalhadas no solo de cocaína com o peso líquido de 14,045gr e 0,469gr e de heroína com o peso liquido de 0,128 gr e 7,275 gr, conforme relatório pericial de fls. 493.
22.Nas várias dependências da casa do arguido foram apreendidas notas do BCE, no valor total de 9.607,00 euros (nove mil seiscentos e sete euros) conforme resulta do teor do auto de fls. 292 a 296 que aqui se dá por integralmente reproduzido, provindo da actividade de tráfico de estupefacientes.
23.Na residência do arguido B… foram-lhe apreendidos telemóveis e aparelhos electrónicos.
24.O arguido detinha tais substâncias estupefacientes, destinando à venda das mesmas a consumidores daquelas substâncias que lhas solicitassem.
25.Ao actuar como descrito, agiu o arguido B… livre e conscientemente, no propósito concretizado de adquirir, deter, manipular, pesar, embalar, vender, trocar e ceder substâncias estupefacientes, destinadas ao seu próprio consumo e também a venda e cedência a terceiros, bem sabendo que tal conduta é proibida.
26.O arguido C… nasceu a 18 de março de 1980.
27.C… é o quarto de oito filhos. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem, descrevendo uma dinâmica e situação económica equilibradas, sendo o pai chapeiro mecânico e a mãe operária fabril, precocemente reformada por invalidez.
28.O arguido identifica o progenitor como a figura de autoridade, assumindo uma atitude educativa orientada pelos valores tradicionais.
29.O arguido apresenta um percurso escolar caracterizado por algum insucesso decorrente de desmotivação, tendo abandonado a frequência escolar aos 16 anos de idade após retenção no 8° ano de escolaridade e que motivou a imposição paterna no sentido de iniciar atividade profissional.
30.Mais tarde, durante o cumprimento de uma pena de prisão, concluiu o 9º ano de escolaridade.
31.Nessa sequência iniciou atividade laborai como chapeiro mecânico na companhia do progenitor até ter ingressado numa empresa de montagem de aparelhos de ar condicionado onde permaneceu dois anos, a que se seguiram outros dois anos em que trabalhou numa serralharia próxima da casa paterna, tendo-se estes quatro anos constituindo nos únicos em que efectuou descontos para a segurança social.
32.Aos 21 anos de idade trabalhou 10 meses em Inglaterra como operário fabril, contado dificuldades de adaptação também pelo desconhecimento da língua inglesa motivaram o seu regresso à casa paterna.
33.O arguido iniciou o consumo de haxixe com 16 anos de idade.
34.O arguido sofreu condenações pela prática de crimes de roubo, furto qualificado, aquisição de moeda falsa, burla, furto e uso de veículo, resistência e coação sobre funcionário, injúria, ofensas à integridade física qualificada e de evasão.
35.Registou períodos de reclusão, o primeiro que decorreu de 26-10-1998 a 21-12-1999, o segundo de 28-01-2000 a 22-02-2001 e, o último de 20-11-2002 a 02-11-2007 no Estabelecimento Prisional do Porto, sendo que cumpriu o remanescente da pena de prisão, até 19-04-2008, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, conforme resulta do teor do certificado de registo criminal de fls. 1166 a 1174, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
35.A pena de prisão na habitação com vigilância eletrónica decorreu no agregado familiar de origem sem registo de anomalias.
36.Durante o cumprimento da última pena de prisão, o arguido revelou algumas dificuldade, na origem de cinco sanções disciplinares, contudo frequentou a escolaridade e registou períodos de ocupação como &xina e como ajudante na barbeada.
37.Desde finais de 2007 que o arguido estabeleceu união de facto com a namorada, da qual resultou o nascimento de um filho.
38.À data dos factos na origem do presente processo, como presentemente, o arguido permanece integrado no agregado familiar constituído pela companheira (28 anos, desempregada), filho (4 anos) e mãe da companheira (55 anos, reformada), estando a companheira no 5° mês de gestação do segundo filho do casal.
39.Residem em casa arrendada, integrada em construção tipo ilha, próxima do ….
40.A mãe da companheira explora um café próximo da residência, e suporta as despesas com a habitação e alimentação do agregado familiar.
41.O arguido e companheira tem rendimento mensal líquido fixo total de € 400,00, provenientes do Rendimento Social de Inserção e do abono de família do filho.
42.O arguido C… encontra-se a frequentar na Escola … curso de cabeleireiro iniciado a 18.06.2013 e com termo previsto a 28.06.2014 conforme resulta do teor da declaração de fls. 1084 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
43.O arguido B… nasceu a 11 de janeiro de 1991.
44.B… é o mais novo de três descendentes. O seu processo de desenvolvimento foi assumido pela progenitora, que se constituiu como um demento significativo e de referência afetiva na sequência do falecimento do progenitor e do irmão mais velho, ainda, durante a infância do arguido.
45.Na condução do processo educativo dos descendentes a progenitora, que teve o apoio de familiares de origem, terá assumido um posicionamento caracterizado por alguma permissividade e ausência de assertividade.
46.A dinâmica familiar foi condicionada pela manutenção de comportamento aditivo a estupefacientes por parte do irmão sobrevivo do arguido, que se traduzia em desavenças e dificuldades comunicacionais/relacionais, agravadas pela doença – Esquizofrenia de que é portador.
47.B… iniciou a frequência da escolaridade obrigatória em idade adequada, tendo revelado elevado índice de insucesso, motivado por acentuadas dificuldades de aprendizagem o que determinou a concretização de qualquer grau de escolarização, veio a concluir o 4° ano já em adulto.
48. Aos 14 anos de idade, do arguido, ocorreu o falecimento da progenitora, episódio repentino e de difícil gestão por parte da família em especial por parte do arguido.
49. Devido ao modo de vida, mantido pelo arguido quando tinha quinze anos de idade, por ordem judicial do Tribunal de Família e Menores do Porto – 2° Juízo/1” Secção (Processo 3186/03.9TQPRT), na “Z…”/Santa Casa da Misericórdia ….
50.Entrou nesta instituição após ter permanecido institucionalizado na «AB…”, onde foi submetido a tratamento de desintoxicação e acompanhamento médico especializado à problemática da toxicodependência.
51.Durante o período de tempo de institucionalização, o arguido frequentou o sistema de ensino e experimentou o exercício de várias actividades nas áreas da limpeza, culinária e pintura.
52.Entretanto B… terá passado a residir com o irmão AC… na casa de morada família ou em casa de familiares e amigos residentes no mesmo bairro.
53.A gestão do seu quotidiano tem sido, desde a morte da mãe realizada autonomamente e em função dos seus interesses, sem qualquer supervisão parental.
54.À data da prática dos factos, o arguido residia com o irmão em habitação social de tipologia 3, que foi atribuída aos pais, inserida num bairro social da cidade do Porto, conotado com problemáticas sociais, designadamente com a toxicodependência e narcotráfico.
55.Nesta altura era acompanhado por esta DGRSP no âmbito de penas de prisão suspensas na execução com regime de prova, cujo decurso foi avaliado como, globalmente, positivo.
56.As despesas fixas mensais da habitação (renda, eletricidade, água e gás) eram asseguradas através das prestações do RSI (Rendimento Social de inserção) atribuídas ao arguido e ao irmão contando com o apoio de uma tia que sempre contribuiu com géneros alimentares para a manutenção/sustento do arguido.
57.O arguido permanece inactivo profissionalmente.
58.Atualmente B… mantém residência no mesmo endereço, por ora sozinho, atendendo a que o irmão foi alvo de internamento.
59.A nível económico o arguido é beneficiário do Rendimento Social de no valor mensal de 160€, única receita fixa de que dispõe para fazer face a despesas no valor de 65€ mensais, correspondentes a renda e fornecimento de energia elétrica e água. O irmão é igualmente beneficiário de RSI também num valor de 160€ mensais.
60.Inativo, mantém um quotidiano ocioso, sem qualquer estruturado ou organização, referindo não possuir qualquer experiência ou qualificação profissional. Neste âmbito menciona que a única experiência estruturada em termos de trabalho ocorreu durante a execução de trabalho a favor da comunidade em substituição de pena de multa a que foi condenado e que executou de 15/10/2012 a 12/11/2012 na Junta de freguesia …, cumprindo tarefas de limpeza no cemitério, tendo sido efetuada avaliação positiva do seu desempenho.
61.Do contacto com a AD… decorre informação de que o arguido frequentou de Junho a Novembro de 2012, durante o período da manha, curso de competências básicas, sendo reconhecido nesta instituição a problemática relacional do arguido e irmão, a sua desocupação e os deficits ao nível das competências sociais.
62.No processo nº 85/08.1PSPRT, da 1ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática em 2008.01.20, de um crime de trafico de menor gravidade, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeito a regime de prova, por acórdão proferido em 2010.07.05, transitado a 2010.10.04, pena já julgada extinta em 2012.05.02.
63.No processo nº 141/09.9PSPRT, do 2º Juízo Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática em 2009.01.24, de um crime de trafico de menor gravidade, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeito a regime de prova, por sentença proferida em 2010.10.01, transitado a 2010.11.03, pena já julgada extinta em 2011.11.03.
64.No processo nº 468/10.7PRPRT, do 2º Juízo Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática em 2010.04.23, de um crime de trafico de estupefacientes, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeito a regime de prova, por sentença proferida em 2011.05.03, transitado a 2011.06.13, pena já julgada extinta em 2012.11.13.
65.No processo nº 144/06.5PCSPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática em 2006.12.29, de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeito a regime de prova, por acórdão proferido em 2011.07.11, transitado a 2011.09.20.
66.O arguido F… nasceu a 9 de junho de 1984.
67.F… procede de um grupo familiar numeroso de condição sócio-económica desfavorecida.
68.O seu processo de crescimento decorreu em meio residencial referenciado com problemáticas de desvio e no contexto do seu núcleo de origem, onde se observaram deficits ao nível da propagação de regras e princípios educativos, bem como de supervisão parental, que se repercutiu de forma negativa nas condições de inserção sócio-cultural, agravadas com a detenção dos pais quando o arguido tinha 14 anos de idade.
69.Assim, o seu percurso escolar registou elevado nível de absentismo e abandono da escola aos 14 anos de idade, quando frequentava o 7º ano de escolaridade.
70.Na sequência da detenção dos pais, à semelhança dos irmãos, o arguido foi internado no AE… em …, que abandonou após dificuldades de adaptação ao contexto normativo, que se traduziram numa trajectória de grande instabilidade desperdiçando as oportunidades formativas proporcionadas por aquela instituição, designadamente o curso de pintor.
71.Regista experiências de consumo de haxixe desde os 10 anos de idade, em contexto de grupo de comportamentos desviantes, que o arguido reinsere, após ter abandonado o AE….
72.O arguido sofreu condenações pela prática de crimes de roubo, sequestro, burla, ofensa à integridade física qualificada, detenção de arma proibida, tendo sido condenado no âmbito do processo nº 465/02.6PAVLG, do 2º juízo criminal de Valongo, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão que cumpriu desde Julho de 2002 tendo sido colocado em liberdade condicional em 18-01-2010.
73.À data dos factos F… residia em …, na morada constante dos autos, com a esposa, dois descendentes desta e um filho do casal com cerca de um mês de idade.
74.A habitação que constituiu a casa de morada de família era arrendada e apresentava as necessárias condições de habitabilidade.
75.Quer o arguido, quer a esposa encontravam-se ambos desempregados, dependendo economicamente do rendimento social de inserção, no montante de 280,00€, que era insuficiente para assegurara as necessidade básicas do grupo familiar, beneficiando esta célula familiar de apoio alimentar de instituições de caridade, designadamente “AF…’ e “AG…”.
76.O arguido ia desenvolvendo esporadicamente alguns biscatos, sendo remunerado ao dia, no montante de 30,00€.
77.O relacionamento familiar era, à data, considerado equilibrado, todavia o casal separou-se em Julho do 2011 na sequência do envolvimento extraconjugal do arguido.
78.Na actualidade reorganizou a sua vida afectiva, vive com outra companheira AH… de 20 anos de idade, no núcleo de origem desta, sendo o núcleo familiar constituído por progenitores daquela e uma irmã da companheira de oito anos de idade.
79.F… trabalha desde Agosto de 2012 no Café-Restaurante ‘AI…”, auferindo retribuição no montante de 510,00€.
80.A situação económica é considerada equilibrada porquanto beneficiam deste enquadramento familiar ao nível das refeições coadjuvando apenas nas despesas relativas à manutenção do espaço familiar.
81.O casal perspectiva organizar vida em comum dependendo este projecto da concretização de condições económicas que permitam suportar esta organização de vida, que passam pela autonomia em termos habitacionais, nomeadamente a integração laboral da AH….
82.O quotidiano do arguido é orientado pelas rotinas laborais.
83.No seu tempo livre convive com o filho, no contexto do regime de visitas, definido em processo de regulação do poder paternal e desde que estabeleceu esta relação afectiva, associam-se em tarefas no espaço doméstico e desenvolvem outras iniciativas de lazer, como idas ao cinema ou convívio com pares no café próximo da residência.
*
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
1.Em data não concretamente determinada, próxima do dia 22 de Março de 2011, o arguido C…, por motivo de quezílias anteriores relacionadas com a actividade de tráfico de estupefacientes, entre os elementos do seu grupo e os elementos do grupo a que pertencia o H…, urdiu um plano de vingança, em relação a este último.
2.Tal plano que consistia em concretizar um ajuste de contas com recurso, inicialmente, a agressões físicas, foi dado conhecimento pelo arguido aos elementos do seu grupo, tendo sido aceite pelos mesmos, que em conjunto o decidiram executar.
3.Que os arguidos E… e D… detinham armas de fogo.
4.Que o arguido C… avistou I…, V…, AJ…, W… e B… no interior do veículo,
5.E que admitiu que os disparos que efectuaram de modo intenso e sequencial os atingisse e lhes causasse lesões que lhes provocasse a morte, resultados que os mesmos se conformaram. 6.Que o arguido C… ao constatar que dentro do veículo automóvel, em que o ofendido H… conduzia, seguiam outros indivíduos, os atiradores admitiram a morte de cada um dos elementos que estava no interior do veículo automóvel, como consequência possível dos disparos que efectuaram, conformando-se com tal resultado, que apenas não se verificou, por motivos que lhes foram alheios.
7.Que ao dispararem as referidas armas de fogo, agiram os arguidos E… e D…, de acordo com um plano que previamente, em conjunto traçaram e que em conjugação de esforços executaram, com o fim de atingirem, e de causarem lesões susceptíveis de causarem a morte de H…, o que não lograram conseguir, por motivos alheios à sua vontade
8.Que a arma e munições apreendidas na residência do arguido F…, coincidiam com os dois projécteis, invólucros e munições, encontrados no local onde os disparos ocorreram.
9.Que os telemóveis e aparelhos eléctricos apreendidos ao arguido B… foram adquiridos com os proventos da actividade de tráfico de estupefacientes.
10.Não se provou qualquer outro facto alegado na acusação, nas contestações ou durante a discussão da causa, com pertinência para a decisão desta ou que se mostre em oposição com os factos dados como provados ou que esteja prejudicado por estes.
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3.- Apreciação do recurso.
3.1.Questão da nulidade do acórdão por falta de motivação crítica, comum a ambos os recursos.
Sustentam os recorrentes, em suma, que o acórdão sob escrutínio não contém a apreciação crítica das provas.

Vejamos.
Dispõe o artigo 379º, n.º1 al. a) do CPP que: «É nula a sentença: que não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do n.º3 do artigo 374º …»
Dispõe o n.º2, do artigo 374º do CPP que: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»

O princípio de matriz constitucional da fundamentação das decisões, consagrado no artigo 205º, n.º1, da Constituição da República traduz-se na obrigatoriedade do tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão - art. 97º, n.º4 do CPP.
Da letra do n.º2, do art. 374,º resulta que a fundamentação deve conter, no que à questão respeita, a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Não definindo ou delimitando a lei exactamente a extensão ou conteúdo deste exame crítico, tem-se entendido que o mesmo se consubstancia na indicação das razões pelas quais o tribunal valorou ou não valorou as provas e a forma como as interpretou, no sentido de tornar claro a razão da decisão tomada. Esta fundamentação reforçada, apanágio da sentença, visa dois desideratos, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários, onde se inclui a comunidade, possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso.
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção do seguinte modo:
«Para formar a sua convicção, o tribunal, tendo sempre em atenção o disposto no artº 127º, do Código de Processo Penal, isto é, tendo em atenção o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, bem como as excepções ao mesmo princípio, decorrentes também da lei, baseou-se essencialmente:
Na análise crítica da prova:
Relativamente aos factos imputados ao arguido B…:
- Nas declarações prestadas pelo arguido B… em julgamento, o qual declarou que apenas o haxixe apreendido no seu quarto lhe pertencia e destinava-se exclusivamente ao seu consumo; negou a propriedade da heroína e cocaína, substâncias apreendidas pela polícia no exterior da sua residência. Já relativamente à quantia de 9.607,00 euros que lhe foi apreendido, justificou a sua proveniência de dinheiro que a sua avó tinha na residência, após falecimento desta, por saber o local onde se encontrava guardado, tirou 15.000,00 euros, meses antes da realização da busca. Tais declarações do arguido não mereceram credibilidade ao tribunal, face ao teor dos depoimentos prestados pelos inspectores da Policia Judiciária.
Assim, o tribunal formou a sua convicção com base no teor do auto de busca e apreensão realizada à residência do arguido B… constantes dos autos a fls. 292 a 296, na reportagem fotográfica realizada na busca de fls. 297 a 308 e no teor do relatório de exame pericial ao estupefaciente apreendido de fls. 493, conjugado com os depoimentos dos inspectores M…, N… e O…, os quais de forma isenta, objectiva e coerente relataram que realizaram a busca à residência do arguido e confirmaram o teor do auto de busca e apreensão de fls. 292 a 296. No que tange às embalagens apreendidas no exterior do prédio, tendo o arguido negado a sua posse, foi fundamental o depoimento prestado pelo inspector N…, tendo relatado que demoraram a abrir a porta da residência do arguido, ouvia ruído vindo do interior, ao entrarem no quarto do arguido a janela do quarto estava aberta tendo visionado no relvado exterior pequenos pacotes espalhados que presumiu tratar-se de estupefaciente lançado pelo arguido através da janela pela disposição no terreno (conforme é visível nos fotogramas de fls. 307 e 308), tendo procedido à recolha e apreensão das embalagens.
O Tribunal formou convicção segura de que o arguido B… se dedicava à actividade de tráfico de estupefacientes com base nos produtos estupefacientes apreendidos, na ausência do exercício de actividade profissional do arguido, sendo beneficiário de rendimento mínimo, a quantia total de nove mil euros que lhe foi apreendida (espalhada em vários locais da sua residência) era proveniente da venda de estupefacientes.
Já relativamente aos telemóveis e aparelhos eléctricos encontrados na residência, para além de não ter sido produzida qualquer prova da sua proveniência, o apartamento onde reside o arguido no bairro social com o seu irmão, tinha sido atribuído aos seus pais (entretanto falecidos), razão pela qual o tribunal não deu como provado que os objectos tivessem sido comprados pelo arguido, ou sequer, fossem todos dele.
Relativamente aos factos imputados ao arguido F…:
O arguido não prestou declarações em julgamento.
O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos provados, com base na livre apreciação do teor do auto de busca e apreensão realizada à residência do arguido constante dos autos a fls. 265 e 266, fotograma de fls. 267 onde é visível um pistola no interior de uma gaveta de mesa de cabeceira, no teor do relatório de exame à pistola e munições de fls. 581 a 590, conjugada com o depoimento dos inspectores AK… e AM…, os quais relataram de forma isenta e objectiva a busca domiciliária realizada na casa do arguido, confirmaram o teor do auto, mais relataram que a pistola e munições apreendidas foram encontradas na gaveta da mesa de cabeceira do quarto do buscado, o qual estava presente na diligência e confirmou que aquele era o seu quarto.
Relativamente aos factos imputados aos arguidos C…, E… e D…:
Indicação da prova:
Relatório dos peritos do Gabinete de Policia Técnica com os respectivos fotogramas de fls. 12 a 24, tirados ao local dos factos, projecteis e cápsulas, casaco que H… vestia na altura dos disparos e veículo automóvel objecto dos tiros;
Ficha do registo automóvel do veículo de matrícula ..-..-NO a fls. 77;
Pedaço de embalagem em cartão, de caixa de munições calibre 7,65 mm a fls. 80;
Auto de apreensão (de fls. 81) de 2 cápsulas calibre 6,35mm, recolhidas pelo SPC no local dos factos, um projéctil deformado, recolhido no mesmo local, um projéctil calibre 6,35mm, ligeiramente deformado encontrado no local onde a vítima H… indicou ao inspector L… que lançou fora a munição que se encontrava alojada no seu braço esquerdo, um cartão proveniente de caixa de munições de calibre 7,65mm (ou .32 auto), um casaco de fato de treino da marca FOOT LOCKER de tamanho L de cor cinza e uma t-shirt da marca António Morato, tamanho XL, e de cor preta, entregues pela vitima H….
Relatório de episódio de urgente hospitalar da assistência prestada ao ofendido H… a fls. 226 e 228.
Relatório de exame à pistola e munições apreendidas ao arguido F… e relatório final realizado aos projécteis, cápsulas apreendidas a fls. 581 a 590.
Relatório pericial de avaliação corporal do IML do Porto realizado ao ofendido H… a fls. 345 a 347 e 445 a 447.
Os arguidos C…, E… e D… não prestaram declarações em julgamento.
Esclarecimentos prestados pelo especialista da Polícia Cientifica K…, nas declarações prestadas pelo arguido B…, nos depoimentos das testemunhas H…, I…, J…, G… e inspector L….
Análise crítica da prova:
Com base na prova testemunhal, designadamente, nos depoimentos prestados em julgamento por G…, H…, I…, J… e declarações do arguido B…, foi possível formar convicção segura de que na tarde da ocorrência dos factos, o arguido C… montou uma emboscada ao ofendido H…, tendo para tanto reunido nas escadas da Rua … (onde reside) um grupo de mais de 10 indivíduos, apurou-se que pelo menos três empunhavam armas de fogo, porém apenas resultado provado que o arguido C… era um dos indivíduos armados.
Assim, a testemunha G… (amigo do arguido E…) com especial interesse para a prova da reunião de um grupo pelo arguido PC…, relatou que acompanhou o arguido E… desde o … até ao …, por aquele ter recebido uma chamada urgente do irmão a pedir ajuda porque estava a haver uma confusão no …, disse-lhe que o H… andava a ameaçar o irmão. Quando se encontrava nas escadas da Rua …, com o grupo do arguido E…, composto por cerca de dez pessoas, passou um veículo saxo azul no sentido ascendente, mais tarde regressou o mesmo veículo, já no sentido descente da Rua …, altura em ouviu tiros, pelo que escondeu-se junto a um muro. Relatou que não viu pessoas com armas de fogo nem quem disparou, apesar da gravidade dos acontecimentos e de nada saber sobre os autores dos disparos, fugiu em correria, tal como os restantes elementos do grupo do local em direcção à …, tentou entrar num veículo BMW, estava “cheio”, acabou por ser detido pela PSP, bem como, o U… e T…. A testemunha, nas perguntas que lhe foram formuladas, relativamente aos autores dos disparos e à identidade dos mesmos, de forma ostensiva faltava à verdade, afirmava que não sabia, pois estava a conversar com o E…, denotando ter presenciado os acontecimentos que não relatou por ser amigo dos irmãos E… e B….
O tribunal formou convicção segura que foi o grupo do arguido B… que efectuou os três disparos que atingiram o veículo conduzido pelo H… e o local onde se encontravam os atiradores, com base nos depoimentos coerentes e objectivos de H…, I… e J…, o que conjugado com os vestígios recolhidos no local pela policia cientifica, registos clínicos do H…, evidencia, de modo seguro e inequívoco, que três indivíduos dispararam em simultâneo na direcção do condutor do veículo, sendo o arguido C… um dos atiradores pelo modo descrito na acusação e que se deu como provado.
Assim, o arguido B… relatou que seguia no veículo conduzido pelo H…, no banco traseiro atrás do banco do pendura (lado direito do carro), quando ouviu os disparos baixou-se, não viu quem disparou, mas anteriormente avistou um grupo de 5 a 6 indivíduos no monte (escadas), apenas se recorda de cerca de quatro disparos. Mais disse que a I… estava sentada no banco traseiro do lado esquerdo junto à janela com a filha e que os vidros do veículo tinham um película que dificultava a visão do exterior para o interior do mesmo.
O ofendido H… relatou os factos descritos na matéria de facto provada, descreveu o local de onde foram efectuados os disparos contra o carro, todos na sua direcção, atingiram o capot, a porta lateral esquerda em baixo e no vidro do seu lado, tinha o vidro da janela esquerda ligeiramente descido (cerca de 5 cm), e este disparo partiu o vidro da janela e atingiu-o no braço; os vidros do veículo automóvel são escuros que não permite a visão do exterior para o interior do veículo, descreveu os ocupantes do veículo. Mais relatou que o arguido C… corria à frente de um grupo de 3 ou 4 pessoas, com arma de fogo na mão, a disparar na sua direcção.
Cumpre referir que o H… não mereceu credibilidade quando declarou que viu o arguido C… com arma a disparar, posto que, conforme relatado pelo inspector L… no hospital em conversa informal o H… disse-lhe que não viu os atiradores, tendo sido a sua companheira I… que reconheceu o C…. Entende-se, porém, que tal comportamento não retira ou sequer mitiga credibilidade ao demais referido pelo ofendido, posto que corroborado pelos depoimentos da I… e J… e pela prova objectiva, pericial e fotográfica junta aos autos, que apontam para a realização dos disparos conforme relatado pelo H….
No depoimento da testemunha L…, Inspector da Policia Judiciária, o qual relatou que esteve com o H… no hospital, que lhe disse que o grupo do C1…, tinha disparado sobre o veículo, esclareceu que o ofendido tinha a noção que era o grupo do C1…, mas disse-lhe “eu não vi nada, não vi quem estava aos tiros, foi a companheira a I… que viu e lhe disse”. Mais relatou que no dia seguinte foi com o H… ao local onde localizou o projéctil que o ofendido disse que tinha retirado do braço e lançado para o exterior, apreendeu o projéctil.
A testemunha I…, companheira do ofendido, descreveu os ocupantes do veículo, seguia no banco de traseiro atrás do condutor, do lado esquerdo, com a filha de dois anos ao colo; relatou que cerca das duas horas dessa tarde já tinha visto nas escadas o C… com um grupo de amigos, foram lanchar à AO..., quando regressaram cerca das 17 horas iam deixar o primo J… na … do …, ouviu tiros, quando olhou para cima viu três indivíduos a disparar contra o carro a partir das escadas da Rua …, apenas reconheceu o arguido C… com arma na mão, não reconheceu os outros dois indivíduos que disparavam contra o carro. Esclareceu que os três indivíduos começaram a disparar parados do cimo das escadarias, começaram a descer as escadas continuavam a disparar contra o carro. O H… ficou todo “balançado”, arrancou com o carro, continuavam a balear o carro, desceram a Rua … até à marginal, onde ficou com o G… e a filha. Mais descreveu os pontos de impacto dos disparos, não consegue determinar o numero de disparos, mas pelo menos 6 a 7 tiros foram disparos, todos na direcção do condutor, um dos tiros atingiu a janela do lado do condutor e o braço do H….
No depoimento da testemunha J…, relatou que é primo do H…, seguia no veículo no meio do banco traseiro do veículo conduzido pelo primo, quando o carro ia a parar junto à roulotte sita na … do …., começou a ouvir tiros, olhou para cima para escadaria da Rua …, viu três indivíduos com armas na mão a disparar contra o carro onde seguia, apenas identifica o arguido C… como atirador, viu-os a descer as escadarias a disparar contra o condutor, puxou pela prima de 2 anos para a proteger que estava ao colo da I… do seu lado esquerdo. O H… acelerou o carro até à marginal, onde ficou com a I… e a filha, o H… foi ter com as autoridades.
Importa realçar que os ocupantes do veículo, H…, I…, J… e B…, relataram a sequência dos tiros da forma como viveram o momento, cada um relatou quantidade de disparos diferentes, local onde se posicionavam os atiradores nas escadarias quando efectuavam os disparos contra o carro e a distância a que chegaram do carro, o que, considerando critérios de experiência comum, em situações traumáticas, cada pessoa menoriza os factos vivenciados de forma diferente, porém as aparentes discrepâncias invocadas pela defesa durante o julgamento, não põem em causa a autenticidade dos relatos dos declarantes, merecendo, por isso, credibilidade.
Nos esclarecimentos prestados por K…, Especialista Adjunto na Policia Científica, na área de balística na Policia Judiciária de Lisboa K…, o qual esclareceu que realizou o exame pericial realizado às duas cápsulas e aos dois projécteis todos de calibre 6,35 mm, os quais não foram deflagrados pela arma de calibre 7,65 também examinada.
O colectivo formou convicção segura relativamente à matéria de facto provada que o objectivo do grupo do arguido C… era matar o H… pelas circunstâncias em que os disparos foram realizados, de cima para baixo, o efeito surpresa conseguido pelos três atiradores e pelo facto dos três disparos que atingiram o veículo terem atingido o lado do condutor, não fosse a reacção de aceleração do veículo pelo condutor, os atiradores tinham chegado mais próximo do carro, pelo que apenas por circunstâncias alheias à vontade do arguido C…, o seu intentou não se concretizou e apenas por mera sorte, nenhum dos ocupantes do veículo foram mortalmente atingidos.
Relativamente à situação económica, social e condições pessoais da vida do arguido, o tribunal apreciou livremente o teor dos relatórios sociais juntos aos autos.
Por fim, o tribunal teve em conta o teor dos certificados de registo criminal dos arguidos.
Quanto à factualidade não provada nos pontos descrita nos pontos 1 e 2, resultou da ausência de prova, designadamente testemunhal, no sentido de entre C… e H… existia uma quezília; quanto à autoria dos disparos não foi produzida prova e julgamento que de os dois indivíduos que empunhavam armas foram os arguidos E… e D…, tendo em conta o depoimento dos ocupantes do carro que apenas reconheceram o arguido C…; também não resultou provado que os atiradores, designadamente o arguido C…, avistou os restantes cinco ocupantes do carro, porquanto H…, B…, I… e J… afirmaram que os vidros do veículo estavam escurecidos por terem uma película, não permitia a visão do exterior para o interior, aliás perfeitamente visível pela simples observação das fotografias do veículo constantes dos autos a fls. 22 a 24, e também pela distância em que se encontravam os atiradores quando começaram a disparar contra o veículo, assim não foi possível apurar se o arguido C… sabia que no veículo seguiam mais cinco ocupantes; o facto 8 da matéria de facto não provada resulta do relatório pericial e esclarecimentos do perito que realizou exame à pistola apreendida ao arguido F…, trata-se de lapso da acusação.»

Perante a convicção do tribunal que deixamos reproduzida, entendemos que a sentença cumpre de forma satisfatória o dever de fundamentação que lhe é legalmente imposto. Pois, foram deixadas suficientemente claras as razões da decisão tomada permitindo ao tribunal de recurso uma avaliação suficientemente segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo - vide A. do STJ de 26-03-2008, in www.dgsi.pt e Ac. do STJ de 11-10-2000, Proc. n.º 2253/00 - 3.ª, e Acs. do TC n.ºs 102/99, DR, II, de 01-04-1999, e 59/2006, DR, II, de 13-04-2006.
Sem olvidar que, em obediência ao dever de fundamentação das sentenças, foram indicados os motivos de credibilidade das testemunhas, documentos, nomeadamente buscas confirmadas por aqueles que as levaram a cabo, e, ainda a indicação dos motivos por que não se atendeu a provas de sentido contrário, tudo a traduzir uma valoração prudencial e racional convincente.
Concluindo, no acórdão sob escrutínio enunciaram-se as provas (nomeadamente documental, pericial, testemunhal e por declarações), que serviram para o tribunal chegar à convicção a que chegou em termos de prova dos factos provados. E foram suficientemente referidas as razões da decisão tomada, sem que se vislumbre, nos vários passos do percurso decisório exteriorizado, violação das regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos - vide Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt
Assim, pelo exposto não se vislumbra qualquer nulidade da sentença em análise, por violação do disposto no artigo 374º, n.º2 do CPP, também se não vislumbra que haja sido feita qualquer interpretação dos requisitos da sentença minimizadora dos direitos do arguido e, por isso, inconstitucional, o que se declara, quer para efeitos do artigo 379º, al. a) do CPP, quer para efeitos da pretendida declaração de inconstitucionalidade, o que tem como consequência a improcedência desta questão em ambos os recursos.
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Recurso do recorrente C…:

3.2. - Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento. Violação do princípio in dubio pro reo.
Vejamos, então, a questão do reexame da matéria de facto.
Decorre do disposto no artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Assim e de acordo com o precedente artigo 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados, a prova de que se pretende fazer valer, identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova. Convém, no entanto, precisar que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso (Acs. STJ de 16.06.2005, Rec. n.º 1577/05; e de 22.06.2006, Rec. n.º 1426/06).
Por outro lado, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (Ac. STJ de 10.01.2007).
Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação (Ac. STJ de 08.11.2006.
Com efeito, salvo as restrições legais resultantes do valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art. 169º); ao caso julgado nos PIC (art. 84º); à prova pericial (art. 163º) à confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344º) e à prova pericial (art. 163º) - Ac. do STJ de 5 de Maio de 1993; BMJ 327, 441 -, segundo o disposto no artigo 127.º, o tribunal é livre na formação da sua convicção vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este juízo seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”.
Portanto, para além da violação daquelas restrições legais ou dos apontados princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Vejamos em primeiro lugar o item da especificação em concreto, pelo recorrente, dos factos que pretende impugnar.
Anuncia o recorrente no ponto 23 da sua motivação que se encontra erradamente julgada a matéria de facto provada sob os números 1, 2, 3, 5, 7, 12 e 13 do acórdão sob escrutínio, Sob o título “Do incorrecto julgamento de matéria de facto por incorrecta apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento”.
E faz a seguinte argumentação.
Sem questionar a prova documental o recorrente invoca os depoimentos do assistente H…, e testemunhas I…, J…, G… e L… nos pontos da gravação que indicou, para concluir que com a prova que indica e que diz, o tribunal conjugou como lhe aprouve, não pode haver a certeza de que o arguido, munido de uma arma de fogo, disparou com intenção de alvejar e intenção de matar. Pois argumenta que o que todas as testemunhas referiram foi que os disparos foram para o carro sempre em movimento, a uma distância de cerca de vinte metros, e que quando parou, após “cerca de dois, três metros”, mais ninguém se aproximou ou continuou a disparar; mais argumenta que não há motivo ou quezílias e que arguido e ofendido mal se conheciam. E na senda de demonstrar a inexistência de intenção de matar refere que tendo o carro parado, os atiradores teriam tido oportunidade de levar a cabo o “plano previamente elaborado por eles” como foi dado por provado, mas não o fizeram. Defende assim que, atendendo ao ferimento sofrido pelo assistente, o crime que aqui se vislumbra é o de ofensas à integridade física qualificada.
Mas, no ponto 75 da sua motivação, conclui dizendo que pela prova produzida em audiência não poderão restar dúvidas de que o recorrente de facto cometeu os factos descritos na acusação, no entanto, tais factos integram a prática de um crime distinto daquele que foi condenado, considerando os elementos do tipo do crime de homicídio e, que, salvo melhor opinião não se podem dar como verificados.
E, finalmente argumenta no sentido de que deverá operar o princípio in dubio pro reo pois, pelas declarações das testemunhas não existia qualquer razão, motivo, quezília que pudesse fundamentar uma “intenção”, um “dolo” em matar.
Ora, atenta a supra referida argumentação e a extensão dos pontos da matéria de facto impugnada, ficamos sem saber, além da realmente impugnada intenção de matar, que outros pontos da matéria de facto provada realmente pretende o recorrente impugnar. E, a conclusão 13 do seu recurso inculca positivamente essa ideia, visto que aí se refere a pouca clareza nos factos dados por provados pelo Tribunal Colectivo, que o recorrente reproduz e que são o facto enunciado sob o ponto 1º, parte do 3º, parte do 7º e parte do 12º e mesmo aí com sublinhados, possivelmente a pretender pôr em causa apenas as partes sublinhadas dos factos reproduzidos.
Assim, porque é de todo ininteligível saber que pontos da matéria de facto pretende o recorrente impugnar, ficar-nos-emos apenas pela, inequivocamente impugnada, intenção de matar.
Quanto às provas que impõem decisão diversa, o recorrente indica os depoimentos das testemunhas H…, I…, J…, G… e Inspector L….
A intenção de matar ou dolo de matar consubstancia-se na vontade de concretizar os factos humanos destinados a provocar a morte.
Uma tal intenção é um elemento de ordem subjectiva cuja decisão cabe ao juiz com apreciação e ponderação prudencial dos múltiplos elementos processuais de que dispõe, como sejam, perícias médico-legais se as houver, ferimentos ou lesões exibidos pela vítima, sua localização, arma usada, local ou locais visados ou atingidos pela arma usada, preparação ou planeamento da acção - espera, emboscada -, motivos do agente, se os houver, etc.
Ouvida a prova, somos desde já a concluir que nenhuma razão assiste ao recorrente, porquanto a intenção de matar emerge clara de todos os elementos fácticos recolhidos, alguns consubstanciados em factos provados.
Com efeito, do depoimento da testemunha G… resulta que à data dos factos encontrava-se com seu amigo E… (que a testemunha chama de E1…), no …, quando este último recebeu uma chamada do irmão a dizer que havia ou ia haver uma confusão e de imediato se deslocaram para a zona do …. A testemunha vincou bem que sabia que ia para uma confusão, “sabia que se ia passar conflitos ou qualquer coisa”. E referiu que levou a chave de rodas do seu carro (chave de apertar rodas dos carros) para protecção, e tendo-lhe sido perguntado para quê? Respondeu: ”Se a gente foi para uma confusão…”; referiu que estavam ali muitas pessoas, e de seguida disse serem “para aí uns 10”. Disse que pelo caminho o E… lhe contou que um individuo do “…” andava a insultar o irmão (o arguido C… e aqui recorrente) e que andava a passar no carro.
Do depoimento desta testemunha resulta que o arguido C…, irmão do E… reuniu, junto das escadas … (local para onde se dirigiu a testemunha e onde ficou sentado com outros indivíduos à espera) um grupo de amigos, para fazer uma espera ou emboscada ao ofendido H….
Quer do depoimento das testemunhas I…, J… e arguido B…, quer dos objectos (2 cápsulas e 2 projecteis) recolhidos nas imediações do local dos factos (as cápsulas recolhidas no local – escadas … - onde forma efectuados disparos e os projecteis recolhidos na ladeira ou rampa, que se situa num nível inferior em relação às escadas, e por onde passava o carro do ofendido), quer ainda dos impactos de projecteis (3) no automóvel (fotos de fls. 23 dos autos) que era conduzido pelo ofendido H…, resulta que havia pelo menos três pessoas munidas de armas de fogo que dispararam contra o automóvel marca …, cor azul, conduzido pelo ofendido H…; uma dessas pessoas a única identificada e a única que era conhecida quer do ofendido, quer da sua companheira I…, quer do J…, quer do arguido B…, era o arguido C…; pelo menos três projéteis dos disparos efectuados atingiram a região da porta do condutor do referido …, um deles atingiu a parte inferior da porta esquerda, outro a região da janela do condutor e um terceiro, o capot do mesmo lado, sobre a roda (fotos de fls. 22 a 24); o projétil que atingiu a região da janela partiu o vidro da janela e atingiu o ofendido H… na face anterior do terço médio do braço esquerdo [documentos clínicos fls. 227 e 228 e relatório de exame médico de fls. 345 a 347, onde se conclui que as lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação (informação: agressão com arma de fogo)]; região do braço esquerdo que quando em posição normal protege a zona do coração; o número de disparos ocorridos teve relatos díspares (o que é perfeitamente compreensível, dado não só o tempo decorrido entretanto, como a confusão gerada no momento, o medo, e a dificuldade de na situação estar suficientemente atento para contar os disparos) relatos que oscilaram entre 3/4 disparos (arguido B…), para “aí 10 tiros” (ofendido H…), passando por 6/7 disparos (o J… e a I…), sendo portanto perfeitamente razoável concluir que foram efectuados vários disparos; do depoimento das referidas testemunhas, excepção feita ao G…, resulta que o arguido C… foi identificado como pessoa que corria na frente de outros indivíduos com uma arma na mão e a disparar.
Ora, quer a combinação prévia do C… com outros indivíduos não identificados (havia, segundo o depoimento das testemunhas esgrimidas pelo menos 3 pessoas a disparar) no sentido de fazerem uma espera ao ofendido H… (pessoa que naquele dia passou no local dos disparos duas vezes a conduzir o carro citroën …, cor azul); quer as armas usadas (pelo menos o uso de três armas de fogo e a fazer fé no depoimento do G… outras armas, ou outros instrumentos que podiam ser usados como armas); quer os vários disparos efectuados; quer o local do automóvel atingido, a porta do lado do condutor, sendo o condutor o H… que foi atingido; quer o facto de o referido citroën … ter uma película que dificultava a visão do exterior para o interior em todos os vidros com excepção do vidro da frente, onde circulava o ofendido H…, levam-nos a concluir que bem andou ao Tribunal ao concluir pela intenção de matar do recorrente e com dolo directo.
Resta dizer que o texto, que o recorrente usa como retratando o depoimento de cada testemunha, contendo trechos descontextualizados atribuídos a cada uma das testemunhas, contextualizados com palavras suas, tem um conteúdo de sentido que não corresponde ao ouvido no suporte da gravação das provas.
O argumento mais forte do recorrente partia da ideia de que tendo o carro parado a dois três metros, os atiradores teriam tido oportunidade de levar a cabo o “plano previamente elaborado por eles”, mas não o fizeram. Mas tal não corresponde à realidade, pois o ofendido H… disse que todos os disparos foram feitos com a viatura em andamento e depois de parar e retirar a bala do braço eles ainda vieram a correr das escadas e voltaram outra vez a disparar e por isso aumentou a velocidade para fugir aos tiros e também é referido que alguns disparos foram efectuados a 5/10 metros do automóvel.
Não padece a decisão de qualquer vício dos apontados, não há qualquer prova que imponha decisão diversa em relação à intenção de matar ou qualquer outro facto provado, pelo que improcede esta questão.
Argumenta ainda o recorrente no sentido deverá operar o princípio in dubio pro reo pois, pelas declarações das testemunhas não existia qualquer razão, motivo, quezília que pudesse fundamentar uma “intenção”, um “dolo” em matar.
O princípio in dubio pro reo complementa o da presunção da inocência mas não é uma tradução deste. Emanação do princípio da presunção de inocência é, entre o mais, o estabelecimento de regras de produção de prova e portanto de formação da convicção do julgador. O in dubio tem o seu campo de ação depois de concluída a produção de prova. Dispõe, na verdade, o princípio do in dubio, que "a dúvida insanável sobre factos deve favorecer o arguido. (...) O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos" – cf. P.P. Albuquerque, in Comentário do CPP, pág. 61.
Ora, não decorre do texto da decisão que, por falta de prova dos motivos ou quezílias que estiveram na base da contenda, tenha o tribunal periclitado na sua convicção por ela não ter ultrapassado qualquer dúvida razoável sobre os factos, muito pelo contrário.
Tanto basta, para que tenhamos por não violado o referido princípio.
Improcede, a totalidade da questão.
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3.3.- Qualificação jurídica dos factos.
Sustenta o recorrente nos pontos 75 e 79 da sua motivação que “pela prova produzida em audiência não poderão restar dúvidas de que o recorrente de facto cometeu os factos descritos na acusação, no entanto, tais factos integram a prática de um crime distinto daquele que foi condenado, considerando os elementos do tipo do crime de homicídio e, que, salvo melhor opinião não se podem dar como verificados”. E no ponto 79 da sua motivação que repete na sua conclusão 15 argumenta “sublinhe-se que as mesmas (referindo-se às provas) analisadas criticamente, segundo as regras da experiencia comum, tendo sempre presente que um non liquet em questão de prova se decide sempre em favor do arguido, com respeito ao princípio in dubio pro reo, se a outro caminho não conduzissem, só poderão conduzir à condenação no crime de ofensas à integridade física qualificada p. e p. pelo artigo 145º, n.º1 al. a) e não pelo ilícito que foi condenado”.
Vejamos.
Como decorre do exposto, toda a argumentação sobre a integração dos factos ao crime de ofensas à integridade física qualificada p. e p. pelo artigo 145º, n.º1 al. a) e não ao crime de homicídio na forma tentada, parte da não verificação da intenção de matar.
Como vimos a matéria de facto ficou intocada. E tanto bastaria para que tivéssemos como pacífica a subsunção jurídica dos factos efectuada pelo tribunal colectivo.
Sem embargo e com brevidade, ainda se dirá que são pressupostos da tentativa de homicídio qualificado:
- a decisão do agente de matar outra pessoa;
- que o crime que o agente quis praticar não cheque a consumar-se, por circunstâncias independentes da sua vontade;
- que o agente pratique actos de execução desse crime;
- que ao crime consumado corresponda pena superior a dois anos.
- a verificação da agravante modificativa em causa, nº2 al. h), do artigo 132º do CP.
O crime de consumado correspondente à tentativa em causa nos autos é o crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2 al. h) do CP, punível com pena de prisão de 12 a 25 anos.
Decorre dos factos provados a decisão do recorrente C… de matar o ofendido H…, quer pela angariação de amigos para fazer a espera ou emboscada, quer pelos actos posteriores, os disparos para a porta do condutor do automóvel conduzido pelo ofendido H…; os referidos factos confirmam positivamente essa decisão.
A prática dos actos de execução consubstancia-se essencialmente nos disparos efectuados, visando o ofendido, atingindo o lado esquerdo do carro conduzido por este, nomeadamente a porta do lado do condutor o vidro dessa porta, e o capot desse lado, atingindo o ofendido H…, ainda que com pouca gravidade, no braço esquerdo.
O crime não chegou a consumar-se porque estando o ofendido H… dentro de um automóvel em andamento fugiu do local e posteriormente foi ao hospital onde a ferida foi tratada.
Os factos foram praticados com pelo menos mais dois indivíduos não identificados e com o uso de armas de fogo, em circunstâncias de espera do ofendido, o que tudo revela especial censurabilidade do agente referida no n.º1 do artigo 132º do CP.
É assim clara a prática, pelo recorrente, do crime que lhe vem imputado.
Improcede, por isso, a questão posta.
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3.4.- Medida da pena, pugnando por uma pena de 4 (quatro) anos de prisão.
Sustenta o recorrente que a pena justa a aplicar seria a de quatro anos de prisão.
Argumenta que não foram devidamente ponderados pelo tribunal colectivo, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto. Conclui defendendo que não foi respeitado o art. 40.º do C.P.
Vejamos:
Dispõe o art. 132 do Código Penal que “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos”,
O artigo 23º, n.º2 do CP que «a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.
Por sua vez, o artigo 73º do CP dispõe que: «sempre que houver lugar á atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: a) o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e b) o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos…
Assim, sobre a moldura abstracta de 12 a 25 anos há que fazer incidir, a atenuação especial - artigos 23º, n.º 2 e 73º, n.º1 als. a) e b), do CP -, restando uma moldura abstracta-concreta de pena a aplicar ao crime de homicídio simples na forma tentada p. e p. pelo art. 131º, e 132º, n.ºs 1 e 2 al h) e 22º e 23º e 73 do CP, situada entre de 2 anos 4 meses e 24 dias e um máximo de 16 anos e 8 meses de prisão.
O recorrente discorda da medida da pena aplicada ao crime de homicídio na forma tentada, defendendo a sua redução, como vimos, para uma pena de 4 anos de prisão.
Convoca com especial interesse a gravidade das consequências dos actos perpetrados.
Sobre a medida concreta da pena, disse o acórdão sob recurso:
«Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de homicídio qualificado na forma tentada de acordo com as disposições conjugadas dos artº 131º, 132º, nº 1 e 2, al. h), 22º, 23º e 73º, do Código Penal, é punível com a pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão.
(…)
O tribunal, segundo o artigo 70.° do Código Penal, deverá, nestes casos, dar preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)
Passamos a determinar a pena de prisão relativamente ao arguido C…, tendo em conta que:
- a culpa do agente situa-se, no caso, num patamar elevado, porque a acção foi desenvolvida com dolo directo;
- o grau de ilicitude do crime cometido é o inerente à forma tentada, mas de um crime que sendo de homicídio, e voluntário, atinge o bem mais valioso da nossa ordem jurídico penal, era perfeita congruência, aliás, com a ordem de valores constitucional; - do circunstancialismo do cometimento do crime ressalta um total desrespeito pela vida humana, que por razões que não se logrou apurar, a que não foi alheio o silêncio do arguido, tentou tirar a vida ao ofendido e ainda pondo em perigo a vida os cinco ocupantes da viatura, designamente de uma criança de dois anos de idade, para além das pessoas que na tarde do tiroteio passagem naquela zona do …, pelo que são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral, tal como, as necessidades de prevenção especial face ao seu passado criminal.
Face às circunstâncias supra enumeradas, entendemos que a conduta do arguido deverá ser sancionada com a pena de 7 anos de prisão.
(…)»
Nos termos do art. 40.º, n.º 1, do C.P. a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva), sendo certo que, como também se sabe, a referência (legal) aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade de pena e a gravidade do facto praticado, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção.
Nos termos do art. 71º do CP, a pena é fixada em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se na determinação da pena concreta a todas as circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis ao agente, nomeadamente o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, a motivação do agente, as suas condições pessoais e a conduta anterior e posterior ao crime.
Em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo art. 71.º).
Analisando a matéria de facto, não pode deixar de se considerar elevada a ilicitude dos factos. Na verdade, a conduta do arguido configura-se como elevadamente gratuita, sem prévio confronto ou disputa com o ofendido.
O arguido agiu com dolo directo.
Nada se apurou quanto às suas motivações.
Não assumiu os factos ou demonstrou qualquer arrependimento.
São, no entanto, diminutas as consequências da agressão, atento o período de doença provocado (8 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional), resultando de fls. 345 a 347 que das lesões não resultarão consequências permanentes.
Resulta dos factos não provados, como não provado que o arguido C… tenha avistado (em virtude da película que cobria todos os vidros do carro com excepção do da frente e impedia a visão dos passageiros, por isso que o arguido apenas foi condenado por um crime de homicídio na forma tentada) os passageiros que circulavam no interior do veículo, pelo que nos parece desajustado nesta sede fazer qualquer referência à colocação em perigo de cinco pessoas no interior do veículo entre elas uma criança de dois anos, para além da criação de um perigo geral para todos os utentes da rua, que foi enfatizado na medida da pena.
Releva, também, contra o arguido o vasto rol de crimes praticados, com vários períodos de reclusão, e entre os quais um crime de ofensas à integridade física qualificada.
O arguido C… nasceu a 18 de Março de 1980, sendo de referir a sua inserção familiar.
Há que considerar, por último, os fins das penas. A conduta do arguido motiva particulares preocupações de prevenção especial, dados os seus antecedentes criminais com várias situações de reclusão e fortes exigências de prevenção geral.
Assim, considerando a globalidade dos factores enunciados entendemos mais ajustada e adequada às exigências preventivas do caso e proporcional à culpa do arguido uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão em vez da pena de 7 anos que lhe vem aplicada.
Merece, pois, o recurso, provimento nesta parte.
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- Recurso do Arguido B…:
3.5- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Erro notório na apreciação da prova, por violação do princípio in dubio pro reo.
Sustenta o recorrente B… nas suas conclusões XXVII a XXXIV que, no que toca ao recorrente, o tribunal socorreu-se apenas do auto de busca domiciliária para a prova dos factos 2.1 a 2.5; que nenhuma das testemunhas ouvidas referiu fosse o que fosse quanto a este arguido, a não ser a sua interpretação do que se passou no dia da busca; defende que o acórdão se baseia apenas na presunção de que a droga encontrada cá fora lhe pertence. Entende que as regras da experiência devem levar o Tribunal a ter uma certa cautela, já que, é frequente quando existe a notícia de que está a ocorrer uma busca domiciliária, num bairro, conotado com a problemática do tráfico como é o dos autos, os moradores «desmarcarem» o que têm de ilícito, ao que acresce, na sua perspectiva, o facto de, no caso em apreço, os Srs. Inspetores não se terem posicionado na retaguarda como é normal, não tendo presenciado quem atirou o estupefaciente cá para fora. E parece pretender que é arbitrária a conclusão do tribunal, de que a droga que estava no jardim do prédio, cá fora, pertence ao arguido B…, baseado no barulho que foi feito dentro de casa antes de o arguido abrir a porta, no tempo que o arguido demorou a abrir a porta, e por ter uma janela aberta virada para o local onde a droga se encontrava. Entende manifesta a insuficiência da matéria de fato provada para sustentar a decisão de condenação do arguido B…, enfermando o Douto Acórdão do vício de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Defende também nas suas conclusões XXXV a XLII que foram dados como provados factos que face às regras da experiência comum e à lógica de um homem médio, não se poderiam ter verificado e defende que, por tudo o que ficou dito, se pode concluir que até o princípio in dubio pro reo foi violado, uma vez que em caso de dúvida, o colectivo optou por condenar o arguido B…. Conclui que se impunha ao tribunal a quo, quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer quanto ao direito a aplicar, socorrer-se do princípio in dubio pro reo. E que ao não o fazer, o acórdão enferma de erro notório na apreciação da prova, devendo ser declarada a nulidade nos termos do artigo 379º do CPP.

Vejamos.
Não obstante os vários equívocos que se alcançam da argumentação do recorrente, tentaremos argumentar segundo prudente interpretação.
Dispõe o artigo 410º, n.º2 al. a) do CPP que «[M]esmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiências para a decisão da matéria de facto provada; c) Erro notório na apreciação da prova.»
Decorre da lei, número 2, do artigo 410º do CPP, que os vícios enunciados nas várias alíneas do referido número e artigo têm de resultar do texto da decisão recorrida, apenas e só, eventualmente com recurso às regras da experiência comum.
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§1. Quanto ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existirá, quando a matéria de facto apurada no seu conjunto se mostre incapaz de suportar em abstracto uma decisão, seja ela condenatória ou absolutória.
Quando se afirma que a matéria de facto provada é insuficiente para a condenação proferida pelo tribunal, não se está a proceder à invocação deste vício, antes a afirmar que o tribunal errou na aplicação do direito aos factos provados, o que nada tem a ver com vícios da matéria de facto. Na verdade sob esta perspectiva, a matéria de facto seria sempre «insuficiente»: pois, em caso de absolvição ela seria insuficiente para a condenação e, em caso de condenação, sê-lo-ia para a absolvição…Vide Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado (dos Conselheiros) Almedina, 2014, pág. 1357 e 1358.
A afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada pespectiva do objecto do processo, cujos confins são fixados pela acusação e ou pronúncia complementada pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objecto processual com o que o tribunal de julgamento em concreto indagou, independentemente do resultado dessa indagação. Importando que esses factos pertinentes do objecto do processo tenham sido averiguados em julgamento do facto e obtido a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constatar que o tribunal averiguou toda a matéria de facto postulada pela acusação/defesa pertinente – o objecto do processo – ainda que toda ela tenha obtido resposta de “não provado”, então o vício da insuficiência está afastado. Se os factos pertinentes obtiveram resposta do tribunal, a matéria de facto é bastante para a decisão.
No presente caso, e dada a argumentação do recorrente, parece pretender invocar-se um erro de julgamento, pois argumenta-se que a prova produzida era insuficiente para que fossem dados por provados os factos 2.1. a 2.5, mas tal contende com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412º, n.ºs 3 e 4, do CPP, cujos ónus não foram cumpridos.
Assim, tendo em atenção que a matéria de facto constante da acusação e da defesa foi indagada, como decorre dos factos provados e não provados e não foi posto em causa, e a matéria de facto apurada permite uma solução jurídica, do caso, improcede o vício tal como foi invocado.
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§2 Quanto ao erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova é um vício da matéria de facto, que, como decorre do n.º2, do artigo 410º do CPP, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
No erro notório na apreciação da prova estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente ou escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta. Todavia, a fim de obstar a que o preceito perca grande parte do seu interesse prático também vem sendo entendido, que integrará o erro notório aquele erro que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada. E para assegurar a notoriedade do erro basta que ela ressalte do texto da decisão recorrida ainda que devidamente escrutinada e sopesada à luz das regras da experiência. Por outro lado, vem sendo entendido que não configura um erro claro e patente uma apreciação da prova que se traduza numa leitura possível, aceitável, razoável, da mesma prova.
De acordo com o Ac. do STJ de 03.03. de 1999, Rel. Conselheiro Armando Leandro «A aplicabilidade do princípio in dubio pro reo restringe-se à decisão sobre a matéria de facto e a sua violação só pode ser reconhecida quando, da decisão recorrida, resultar que, tendo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, o Tribunal a quo decidiu em desfavor do arguido ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, esta resultar evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência, ou seja, quando é verificável que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea a), do n. 2, do artigo 410, do CPP.». E no mesmo sentido o Ac. do TRG de 27.04.2006, Rel. Miguez Garcia «A conclusão in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, mas a sua existência só pode ser afirmada quando do texto da decisão recorrida resulta conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal».
Posto isto, afigura-se-nos claro não sofrer a apreciação da prova do erro que lhe é assacado no recurso.
A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como não é manifestamente o caso, o recorrente só pode pretender que, apesar de o coletivo da primeira instância não ter tido dúvidas sobre o que considerou provado, deveria tê-las tido.
A violação daquele princípio adviria então, não do facto de, na dúvida, se ter decidido contra o arguido, mas apenas do facto de, sem ter tido dúvidas, o coletivo ter decidido contra o arguido. Dúvidas que, como se disse, se as não teve, devia tê-las tido.
Tal raciocínio está viciado, pois o “in dubio” é condição prévia do “pro reo”.
Como refere ROXIN, "o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida" – in "Derecho Procesal Penal", Editores del Puerto, Buenos Aires, pag. 111.
Tanto basta, para que tenhamos por não violado o referido princípio e, portanto, não verificado o erro notório na apreciação da prova.
Uma última nota se impõe, por a entendermos mais curial nesta sede do que em sede o anterior vício. Impõe-se referir que a conclusão do tribunal de que a droga que estava no jardim do prédio, pertencia ao arguido B…, baseando esta conclusão quer no barulho que foi feito dentro de casa antes de o arguido abrir a porta, quer no tempo que o arguido demorou a abrir a porta, quer no facto de estar aberta a janela do quarto do arguido virada para o local onde a droga se encontrava, quer ainda por a droga estar acondicionada numa meia rosa e cinzenta (veja-se auto de busca), como acontecia também com algum dinheiro apreendido, não é uma conclusão arbitrária, mas antes uma conclusão em tudo conforme às regras da experiência, visto que não é qualquer pessoa, e por causa de uma busca, que acontece a miúde nestes Bairros conotados com o tráfico de droga, que se “desmarca” de produto estupefaciente nas quantidades de heroína e cocaína, em causa nos autos.
Improcede a questão.
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3.6. Qualificação jurídica dos factos, pretendendo a subsunção dos factos ao art. 25º do DL 15/93
Sustenta o recorrente nas suas conclusões que devia ter sido condenado pelo crime de tráfico do artigo 25º do DL 15/93 de 22.01.
Vejamos.

É, portanto, pretensão do recorrente que os factos sejam integrados no crime do art. 25º do DL nº 15/93, de 22-1, e não no do art. 21º do mesmo diploma.
Dispõe o art.º 25 do DL n.º 15/93 sob a epígrafe de “tráfico de menor gravidade” que "se nos casos dos artigos 21 e 22 a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em atenção nomeadamente os (i) meios utilizados, a (ii) modalidade ou as circunstâncias da ação, a (iii) qualidade ou a (iv) quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos se se tratar de plantas ou preparações compreendidas nas tabelas I a III..."
Decorre do referido preceito legal que aqui está previsto um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.
Existe vasta jurisprudência sobre o referido tipo privilegiado, que embora com alguma flutuação, é concordante fundamentalmente no seguinte: a menor ilicitude do tipo terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto, em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a existência ou não de estrutura organizativa, os meios técnicos ou especiais usados, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa atividade como modo de vida, a afetação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da atividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes.
É alicerçando-se na ponderação conjunta desta pluralidade de fatores que se deverá fazer um juízo sobre a verificação em concreto da menor ilicitude do facto.
A matéria de facto provada indica em relação ao arguido B… que no dia 11 de Maio de 2011, cerca das 11h, aquando da realização de uma busca à sua residência, no quarto do arguido foi-lhe apreendido na cabeceira da cama cannabis (resina) com o peso líquido de 4,802gr, no relvado exterior do bloco sobre o lado direito da janela onde se encontrava o arguido a dormir com a janela aberta, foi encontrado e apreendido várias embalagens espalhadas no solo de cocaína com o peso líquido de 14,045gr e 0,469gr e de heroína com o peso liquido de 0,128 gr e 7,275 gr, conforme relatório pericial de fls. 493.
Nas várias dependências da casa do arguido foram apreendidas notas do BCE, no valor total de 9.607,00 euros (nove mil seiscentos e sete euros), provindo da actividade de tráfico de estupefacientes. O arguido detinha tais substâncias estupefacientes, destinando à venda das mesmas a consumidores daquelas substâncias que lhas solicitassem. Ao actuar como descrito, agiu o arguido B… livre e conscientemente, no propósito concretizado de adquirir, deter, manipular, pesar, embalar, vender, trocar e ceder substâncias estupefacientes, destinadas ao seu próprio consumo e também a venda e cedência a terceiros, bem sabendo que tal conduta é proibida. O arguido permanece inactivo profissionalmente. A nível económico o arguido é beneficiário do Rendimento Social de Inserção no valor mensal de 160€, única receita fixa de que dispõe para fazer face a despesas no valor de 65€ mensais, correspondentes a renda e fornecimento de energia elétrica e água. Inativo, mantém um quotidiano ocioso, sem qualquer estruturado ou organização, referindo não possuir qualquer experiência ou qualificação profissional. Neste âmbito menciona que a única experiência estruturada em termos de trabalho ocorreu durante a execução de trabalho a favor da comunidade em substituição de pena de multa a que foi condenado e que executou de 15/10/2012 a 12/11/2012 na Junta de freguesia …, cumprindo tarefas de limpeza no cemitério, tendo sido efetuada avaliação positiva do seu desempenho.
Ora quer as quantidades quer as espécies de droga possuídas pelo arguido, quer mesmo o montante monetário envolvido e encontrado em casa do arguido, que não tem actividade profissional reconhecida vivendo do RSI, apontam definitivamente para o tráfico de droga do artigo 21º, pois que como vem sendo entendido a quantidade de droga é factor essencial na determinação do tipo legal.
Assim, aquelas quantidades e espécies de produto estupefaciente e a quantia de dinheiro apreendida [(mais expressiva se verificarmos como se encontrava dividida, em várias quantias escondidas, nomeadamente em meias, pelos vários cómodos da residência (procedimento de uso de meias para guardar ou esconder que também foi usado em relação ao produto estupefaciente atirado pela janela do quarto, para o jardim do prédio)] são esclarecedores da dimensão do tráfico do arguido B…, heroína com o peso líquido de 7,403gm, cocaína com o peso líquido de 14,514gm, e cannabis (resina), com peso líquido de 4,802gm e o dinheiro apreendido na quantia de 9.607€. Assim, quer as várias espécies de droga apreendidas, quer o montante envolvido denotam a existência de uma pluralidade de consumidores dependentes da venda efetuada pelo arguido. Embora não saibamos o número de consumidores fornecidos, pelo dinheiro apreendido sabemos que foi vendida uma quantidade apreciável de produto estupefaciente. E pelo produto restante e pelo seu destino à venda a terceiros, sabemos que o arguido, se propunha vender aquele produto aos consumidores que lho solicitassem. Acresce, no que concerne ao grau de ilicitude, que dois dos produtos distribuídos pelo arguido, assumem um pendor naturalmente agravativo, por os produtos detidos serem produtos estupefacientes das espécies mais nocivas, pela dependência física e psicológica que causam, como é consabidamente a heroína que causa uma ruína física excecional e uma igual dependência física e psicológica, e a cocaína que causa grande dependência psicológica, o que, naturalmente tem consequências, no contexto de um crime onde o bem jurídico protegido é em última instância a saúde pública, e onde o legislador visa, consoante decorre do preâmbulo do decreto-lei 15/93 de 22.01, evitar a degradação e a destruição dos seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia.
Este conjunto de factos revela uma actividade de venda de estupefacientes, que numa apreciação global, quer pela quantidade e tipos de droga quer pelo montante monetário apreendido, é incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do art. 25º, do DL nº 15/93.
Por isso, os factos não podem deixar de ser subsumidos ao crime do art. 21º do mesmo diploma, improcedendo, pois, o recurso, nesta parte.
*
3.6. - Medida da pena e suspensão da sua execução.
Sustenta o arguido que atendendo à sua idade, condições pessoais e desejo de ressocialização, deveria ser punido com uma pena mais próxima do mínimo legal e que reflectisse a sua situação e condições. Tem por exagerada a pena de 5 anos de prisão pugnado por uma pena mais leve, suspensa na sua execução.
Vejamos, então, como o tribunal a quo fundamentou, a medida da pena:
«Para determinar a pena concreta recorre-se ao critério global previsto no nº 1 do art. 71º do Código Penal, o qual dispõe que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Donde se extrai que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa e da prevenção - especial e geral positiva ou de integração -, concretizadas a partir da eleição dos elementos para elas relevantes.
Na determinação do substrato da medida da pena, isto é, da totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto (factores de medida da pena) que relevam para a culpa e a prevenção, há que atender a "(…) todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (…)" (art. 71º, nº 2, do Código Penal).
(…)
Relativamente ao arguido B…, o grau de ilicitude dos factos por ele praticados é o normal para situações desta natureza, não apresentando especificidades que justifiquem valorá-lo particularmente agravado. Também o modo de execução do crime e a gravidade das suas consequências não se afasta do que é comum neste tipo de ilícitos.
Também quanto a ele a intensidade do dolo – que foi directo – se tem de reconhecer como elevada, optou voluntária e expressamente por se dedicar ao tráfico de estupefacientes, conduta delituosa que sabia ser – e que é – das que mais censura concita na comunidade.
O grau de censura que concita a actividade do arguido é elevado tendo em conta que se dedica desde os 16 anos de idade à venda de estupefacientes, conta com uma condenação por ano, apesar de ter apenas há data da prática 20 anos, mas não pode esquecer-se as quantidades e natureza dos estupefacientes apreendidos e a quantia monetária de nove mil euros que detinha proveniente da actividade de tráfico, o que tem de ser valorado na determinação da pena.
Do relatório social (factos dados como provados) do arguido não se retira que apresente particular espírito crítico relativamente aos factos que praticou, verifica-se mesmo uma recusa em aceitar a responsabilidade pelas suas condutas, o que torna mais prementes as exigências de prevenção especial a que há aqui que responder mediante a aplicação da sanção criminal.
Finalmente, as exigências de prevenção geral que se suscitam neste caso – como, em geral, em todos os casos desta natureza – são, como é sabido, enormes.
Nestas circunstâncias, afigura-se ao Tribunal justo e adequada fixar a pena de 5 anos de prisão».
No crime de tráfico de droga a pena aplicável é de 4 a 12 anos de prisão.
A determinação da medida concreta da pena de cada crime, dentro dos limites definidos na lei é feita, nos termos do art. 71º do CP, em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que ali se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.
O artigo 40º do CP, responde à questão de saber de que modo e em que termos actuam a culpa e a prevenção, ao estabelecer, no nº 1, que «a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e, no nº 2, que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Assim, a finalidade primeira da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida possível, a reinserção do agente na comunidade. Por sua vez, cabe à culpa a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado.
Na lição de Figueiredo Dias, a aplicação de uma pena visa acima de tudo o “restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime”. Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da “prevenção geral positiva ou de integração” e dá “conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art. 18º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática”.
A “medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois “abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial”.
Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, “entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)” actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da “necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas 79 a 82).
Como resulta dos factos o arguido tinha na sua posse três tipos de produtos estupefacientes nas quantidades líquidas apreendidas e já anteriormente referidas, tendo também sido apreendia a quantia de 9.607,00€ proveniente da actividade de tráfico. O dolo é directo.
O grau de ilicitude dos factos mede-se em função do seu modo de execução, configurando-se como normal.
Da conjugação dos factos provados com a sua inactividade, incompetências profissionais e dependência do RSI decorre uma personalidade acomodada à dependência de esquemas para sua sobrevivência.
As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas no caso do tráfico de estupefacientes, pois, o crime de tráfico de estupefacientes está em crescendo, bem como a sofisticação das suas formas de execução.
As exigências de prevenção especial são muito elevadas, pois, o recorrente foi já condenado 3 vezes pela prática de crimes de tráfico de menor gravidade e uma vez pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, e embora nunca tenha cumprido pena de prisão, revela uma personalidade entorpecida na actividade de tráfico de estupefacientes, tudo a apontar para a fixação da pena acima do limite mínimo.
Nestes termos, entende-se adequada às exigências preventivas em causa, e proporcional à culpa evidenciada nos factos, a pena de 5 anos de prisão que foi aplicada na primeira instância.
Questão da suspensão da pena.
Pretende o recorrente que a pena que lhe foi aplicada deve ser suspensa.
Vejamos.
O Tribunal recorrido fundamentou a não suspensão da execução da pena de prisão imposta do seguinte modo:
«Das eventuais penas de substituição a aplicar:
Em face do quantum das penas ora determinadas relativamente aos arguidos B… e F…, coloca-se agora ao Tribunal a questão de saber se não deverão as mesmas ser suspensas na sua execução.
Nos termos do artº 50º, nº 1, do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
No caso dos autos, está verificado o pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, já que a medida das penas concretas aplicadas aos arguidos não é superior a cinco anos.
Trata-se, aqui, de um (novo) regime de suspensão da execução da pena que se analisa, agora, em um verdadeiro poder vinculado do julgador conforme vem o S.T.J. decidindo, “…não são considerações de culpa que deverá decretá-la sempre que se encontrem reunidos tais pressupostos interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas” (Acórdão do 10-11-1999 – Proc.823/99, relatado pelo Conselheiro Armando Leandro).
Efectivamente, o que se consagra naquele texto legal é nem mais nem menos do que “…um meio em si mesmo autónomo de reacção jurídica criminal, configurado como pena de substituição, que se baseia em juízo de prognose favorável ao condenado desde que não fiquem prejudicadas as finalidades da punição” (Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in Código Penal, Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, 179).
Relativamente ao arguido B… tendo em conta a falta de hábitos de trabalho, as quatro condenações já sofridas pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes não surtiu efeito, apesar da advertência solene que a mesma constitui, demonstrando indiferença pela ordem jurídica, até pelas declarações que prestou em audiência de julgamento, é evidente que o arguido não interiorizou a gravidade da sua conduta. São factores, que entre si conjugados, não permitem ao tribunal acreditar que a simples censura e ameaça de pena serão suficientes para afastar o arguido da prática de novos crimes, razão pela qual entendemos que a pena de prisão encontrada será efectiva.
(…)»
Resulta do disposto no art. 50º, nº 1, do C. Penal que o pressuposto material [o pressuposto formal é a aplicação de pena de prisão não superior a 5 anos] da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a formulação pelo Tribunal de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão – acompanhadas ou não da imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova – realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Quanto aos fins visados pelo instituto, ensina o Prof. Figueiredo Dias que, “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes ….(…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” – vide Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 343.
As finalidades da pena são, como vimos, a tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, a reinserção do agente na comunidade (art. 40º, nº 1, do C. Penal).
Fundamentam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição). Mas os objectivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. Ensina o Prof. Figueiredo Dias, quanto a este aspecto e relativamente à prevenção geral que, “Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” – vide Ob. cit., Pág.333.
O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, elemento fundamental do funcionamento do instituto, parte da análise das circunstâncias do caso concreto – das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente, conjugadas e relacionadas com a sua revelada personalidade –, operação da qual resultará como provável, ou não, que o agente sentirá a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
Na formulação do juízo de prognose o tribunal deverá correr um risco prudente pois que esta é apenas uma previsão, uma conjectura e não uma certeza. Por isso, se tem dúvidas sérias sobre a capacidade do agente para interiorizar a oportunidade de ressocialização que a suspensão é, a prognose deve ser negativa – vide Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Ed., 444.
Por outro lado, convém lembrar que se vêm acentuando as exigências de prevenção geral positiva e negativa, decorrentes da nocividade social do tráfico, atenta a dimensão da ameaça que representa, da censura comunitária que suscita, reclamando de modo geral uma punição severa, desaconselhando, também regra geral, a suspensão (vide a propósito a tendência acentuada da jurisprudência, de longa data, como seja Ac STJ de 9.06.2004, in CJ STJ, XII, 2, p 221; de 15.11.2007, proc.º 07P3761; 18.12.2008, proc.º 08P3378; 25.02.2009, proc.º 09P0097, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Ora, resulta dos factos provados, com relevância para o caso, que:
O arguido B… nasceu a 11 de janeiro de 1991, tem actualmente 23 anos de idade, à data da prática dos factos 20 anos de idade.
Como já referimos foi condenado 3 vezes pela prática de crimes de tráfico de menor gravidade e uma vez pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, sempre em penas de prisão suspensas na sua execução.
Os factos dos presentes autos, praticados a 11 de maio de 2011 foram-no depois e na proximidade da sentença proferida no processo n.º 468/10.7PRPRT do 2º juízo criminal do Porto - proferida em 03.05.2011 - e antes do respectivo trânsito em julgado, ocorrido em 13.06.2011. A primeira condenação do arguido ocorreu quando este tinha 19 anos, mas a data da prática do 1º crime de tráfico de produtos estupefacientes recua aos seus 16 anos. Inactivo, mantém um quotidiano ocioso, sem qualquer estruturação ou organização.
Ora, o que se conclui é que o recorrente actualmente com 23 anos de idade demonstra uma personalidade desestruturada e desorganizada; sem qualquer integração laboral; sem vontade de aproveitar as sucessivas oportunidades que lhe foram dadas pelo sistema de justiça para arrepiar caminho da actividade de tráfico de estupefacientes, pela qual já foi condenado quatro vezes, e por fim, o crime aqui em causa foi praticado poucos dias após uma solene advertência com a sentença proferida no processo n.º 468/10.7PRPRT do 2º juízo criminal do Porto
Do exposto resulta que não é de todo possível realizar um juízo de prognose favorável ao recorrente, pois atenta a personalidade do arguido, desestruturada e desorganizada, as suas condições de vida sem actividade profissional ou competências para arranjar uma, e, bem assim, a sua conduta anterior ao crime, não é provável, que o recorrente sinta uma condenação com suspensão da execução da pena, como uma solene advertência, como a não sentiu num passado recente, ou que a eventual reincidência fique prevenida com a simples ameaça da prisão. A pena de prisão aplicada deve ser, assim, efectiva.
Pelo exposto, improcede o recurso.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente B….

Mais acordam em conceder parcial provimento ao recurso do recorrente C…, com a alteração da pena em que vem condenado, e, em consequência: condenar o recorrente C… pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º, 132º, nºs l e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.
No mais confirma-se o acórdão recorrido.
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Sem custas, nesta instância, em relação ao recorrente C….
Custas pelo recorrente B…, nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal e artigo 8º, n.º 9 do RCP e tabela Anexa n.º III, cuja taxa de justiça se fixa em 5 [cinco] UC.
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Notifique
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 15 de Outubro de 2014.
Maria Dolores Silva e Sousa- Relatora
Fátima Furtado – Adjunta
____________
[1] De acordo com o AUJ 3/2012, disponível em www.stj.pt.