Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9/18.8ZRPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: PERMANÊNCIA EM TERRITÓRIO NACIONAL
VISTO
FIM TURÍSTICO
ATIVIDADE DE ALTERNE
PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RP201811079/18.8ZRPRT-A.P1
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º776, FLS.294-297)
Área Temática: .
Sumário: I - Um cidadão brasileiro que se encontre em território português ou um cidadão português que se encontre em território brasileiro, por período até 90 dias, com fins turísticos, não carece de visto, sendo suficiente o passaporte.
II - Não tem fins turísticos o exercício da actividade do alterne e, por isso, a sua situação não é suscetível de enquadramento na isenção de visto, carecendo de ter um título comprovativo da legalidade da sua permanência em território português.
III - A simples presença ilegal Portugal para tal actividade, associada aos perigos de continuação da atividade ilícita e de fuga, permite que sejam aplicadas à arguida as medidas de coação a que aludem os artigos 196º a 202º, do Código de Processo Penal, incluindo a prisão preventiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 9/18.8ZRPRT-A.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
Inconformada com o despacho proferido em 24/05/2018 em que se decidiu que a arguida B… deveria aguardar os ulteriores trâmites do processo de afastamento coercivo sujeita, para além das obrigações inerentes ao termo de identidade e residência, à medida de coação de obrigação de apresentação semanal no SEF, dele veio a mesma recorrer nos termos constantes de fls. 20 a 27.
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Terceira: Com todo o respeito, o raciocínio exposto pelo Tribunal a quo, assente no facto de a arguida se encontrar em local “alegadamente conotado com a prática do alterne e da prostituição”, para daí concluir que a arguida estava no exercício da atividade do alterne constitui uma manifesta subversão do princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado.

Quarta: A Arguida, entrou no espaço Schengen, em 12 de abril de 2018 e não em 12 de março de 2018, como o referido no despacho que ora se recorre, conforme resulta do seu Passaporte junto aos autos.

Quinta: Pelo que, os 90 dias em que está autorizada a permanecer em Portugal, ao abrigo do art. 7º, nº 1 do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, apenas se expiram em 12 de julho de 2018.

Sexta: Não se indiciando/provando, que a viagem realizada pela arguida, teria uma finalidade diversa à estatuída no art. anteriormente mencionado, não se poderá concluir que a sua permanência em Território Nacional é ilegal.

Sétima: Pelo que, e sempre com o devido respeito, ilegal é a sua detenção!

Oitava: 0 despacho que imponha qualquer medida de coação ou de garantia patrimonial deve, enquanto ato decisório, como qualquer despacho que não seja de mero expediente, tem de ser fundamentado, conforme o preceituado no n.º 5 do artigo 97.º do CPP, e constitui, aliás, concretização de imperativo constitucional (artigo 205.º, nº 1, da Constituição).

Nona: A acrescentar, e nos termos do art. 194º, nº 4 do CPP, é exigível uma fundamentação especial, sob pena de nulidade.

Décima: O Despacho que ora se recorre e que impôs à arguida, a medida de coação de apresentações semanais no SEF, padece de falta de fundamentação, verificando-se, assim, que, padece de nulidade que desde já se argui com todas as consequências legais.

Décima Primeira: Porquanto, o Tribunal a quo não descreveu os factos concretamente imputados à arguida; não mencionou as circunstâncias de tempo, lugar e modo; não enunciou os elementos do processo que indiciaram os factos imputados, concluindo-se por falta de fundamentou da decisão sobre a existência de indícios contra à arguida, nos seguintes termos:
“Contudo, das circunstâncias da detenção, manifestamente, não resulta que as referidas cidadãs estrangeiras se encontrem em Portugal em turismo, ou para o desenvolvimento de atividades culturais, empresariais ou jornalísticas. Recorde-se que foram todas elas detidas pelo SEF num estabelecimento alegadamente conotado com a prática do alterne e da prostituição, no exercício da atividade do alterne.”
- Cf. p. 14 do Auto de Interrogatório de Arguido.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, pois que nada obsta a tal.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) a decisão recorrida:

No que aqui importa reter, o despacho recorrido é do teor seguinte (transcrição):

As condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional encontram-se atualmente estabelecidas na Lei nº 23/2007, de 4 de julho, alterada mais recentemente pela Lei nº 59/2017, de 31 de agosto.
Sobre o afastamento do território, rege o Capítulo VIII do mencionado diploma legal.
Nos termos cio disposto no artº 134º, nº 1, al. a), da referida Lei, o cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente no território português pode ser afastado coercivamente (ou expulso judicialmente).
Verificada a entrada ou a permanência ilegais em território português, as autoridades policiais podem proceder à detenção dos cidadãos estrangeiros, para apresentação, no prazo máximo de 48 horas, ao Juiz, para validação da detenção e eventual aplicação de medidas de coação, nos termos do disposto no artº 146º, nº 1, da Lei atrás mencionada.
No caso concreto, está em causa a permanência de cidadãs naturais e nacionais da República Federativa do Brasil, em território português.
Importa desde já frisar que está em causa um afastamento coercivo administrativo; nesta sede, a intervenção do Tribunal circunscreve-se à aferição da validade da detenção e à definição do estatuto coativo do cidadão estrangeiro (não se tratando de um procedimento de expulsão judicial, a título de pena acessória ou enquanto medida autónoma).
As cidadãs estrangeiras agora presentes a interrogatório encontram-se em situação ilegal em Portugal, por não serem titulares de visto (designadamente, de residência ou de trabalho) ou de outro documento que ateste a legalidade da sua permanência em território nacional, ou em território de outro País da União Europeia.
Feitos estes esclarecimentos, passemos à aferição da validade da detenção e à definição do estatuto coativo.

Comecemos pelas questões atinentes à validade da detenção.

A detenção de todas as cidadãs atrás identificadas foi legal, tendo por fundamento o disposto no já referido artº 146º, nº 1.
Foi suscitada a questão da eventual ilegalidade da detenção em relação às cidadãs C…, B… e D… as quais entraram no espaço Shengen respetivamente, em 27.02.2018, 12.03.2018 e 08.03.2018, todas ao abrigo da isenção de visto de que beneficiam os cidadãos estrangeiros.
Ora, nos termos estipulados no arfe 7º, nº 1, do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil (assinado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000), “Os titulares de passaportes comuns válidos de Portugal ou do Brasil que desejem entrar no território da outra Parte Contratante para fins culturais, empresariais, jornalísticos ou turísticos, por período de até 90 dias, são isentos de visto”, acrescentando o nº 2 do citado preceito que “O prazo referido no nº 1 poderá ser prorrogado segundo a legislação imigratória de cada um dos países, por um período máximo de 90 dias”.
Nessas condições e durante esse período de tempo, um cidadão brasileiro que se encontre em território português ou um cidadão português que se encontre em território brasileiro não carece de visto (sendo suficiente o passaporte).
Contudo, das circunstâncias da detenção, manifestamente, não resulta que as referidas cidadãs estrangeiras se encontrem em Portugal em turismo, ou para o desenvolvimento de atividades culturais, empresariais ou jornalísticas. Recorde-se que foram todas elas detidas pelo SEF num estabelecimento alegadamente conotado com a prática do alterne e da prostituição, no exercício da atividade do alterne.
Em conformidade com o exposto, não sendo a sua situação suscetível de enquadramento na isenção de visto nos termos supra referidos, precisavam de ter um título comprovativo da legalidade da sua permanência em território português.

Tratemos da definição do estatuto coativo das cidadãs estrangeiras.

Também nesta sede, a liberdade das pessoas só pode ser limitada em função de exigências processuais de natureza cautelar nos termos do artº 191º, nº 1, do Código de Processo Penal; e também neste domínio as medidas a aplicar em cada caso concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares do caso concreto, nos termos do artº 193º, nº 1, do referido diploma legal.
Os pressupostos de aplicação de outras medidas de coação para além do termo de identidade e residência, enunciados no artº 204º do Código de Processo Penal, são os seguintes:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito o da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; e
c) Perigo, em função da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Previsto em relação a crimes, este preceito legal carece de adaptações quando aplicado no âmbito da Lei nº 23/2007, de 4 de julho. Assim, relativamente à al. b), o perigo de perturbação do processo deve ser entendido como reportado ao processo de afastamento coercivo, e relativamente à al. c), o perigo de continuação deve ser avaliado em função do risco de continuação da permanência ilegal.
O artº 142º, nº 1, na Lei nº 23/2007, de 4 de julho, alterada mais recentemente pela Lei nº 59/2017, de 31 de agosto dispõe que no âmbito dos processos de afastamento coercivo, para além das medidas de coação enumeradas no Código de Processo Penal, com exceção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes medidas:
a) Apresentação periódica no SEF;
b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância eletrónica;
c) Colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou cm espaço equiparado.
Cumpre explicitar que perante um ou vários pressupostos enunciados no artº 204º do Código de Processo Peitai, podem ser aplicadas as medidas de coação previstas nesse diploma legal (salvo a prisão preventiva); se um desses pressupostos for o perigo de fuga, podem ser aplicadas as medidas de coação previstas no Código dc Processo Penal e as medidas específicas enunciadas no referido artº 142º, nº 1.
Feitas estas considerações, atentemos no caso em apreço.
Diga-se, antes de mais, que são significativamente diferentes as exigências cautelares que se fazem sentir em relação às diversas cidadãs estrangeiras.
Vejamos.
Nenhuma das cidadãs em causa nos autos tem atividade profissional, pese embora algumas delas tenham apresentado contrato promessa de trabalho e outras lenham alegado terem promessas verbais de trabalho.
Acresce que, com exceção da arguida C…, nenhuma das demais cidadãs tem qualquer familiar a residir em Portugal.
(…)
Assim, verifica-se em relação a todas as referidas cidadãs um acentuado perigo de continuação de permanência ilegal, a par da subsistência de perigo de fuga, considerando, quanto a este risco, a ausência de referências estáveis, pelo que as cidadãs em questão poderiam ausentar-se para parte incerta (designadamente, para outro País do Espaço Schengen) sem prejuízo pessoal significativo.
(…)
Assim, deverá ser aplicada às arguidas a medida de coação de obrigação de apresentação periódica no SEF (artº 142º, nº 1, al. a), da Lei nº 23/2007, de 4 de julho), com a periodicidade quinzenal em relação à arguida C… e com a periodicidade semanal em relação às demais.
Nestes termos, e ao abrigo das referidas disposições legais:
- Valido as detenções de:
(…)
B…;
(…)
Determino que (…) B… (…) aguardem os ulteriores trâmites do processo de afastamento coercivo sujeitas, para além das obrigações inerentes ao termo de identidade e residência, à medida de coação de obrigação de apresentação semanal no SEF (…).
*
b) apreciação do mérito:
Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, daquilo que possa e deva ser oficiosamente conhecido, devendo sublinhar-se que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente.
*
Neste contexto, e tendo em conta as efetivas conclusões aduzidas pela recorrente, importa saber se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação, se a sua detenção foi ilegal e se não existem indícios que justifiquem nem a sua detenção, nem a aplicação de qualquer medida de coação.

Vejamos, pois.

A recorrente alega, em suma, que a sua detenção foi ilegal, pois que à data ainda não tinham decorridos os noventa dias legalmente estatuídos para poder permanecer legalmente em Portugal, que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação e que não existem indícios que justifiquem nem a sua detenção, nem a aplicação de qualquer medida de coação, o que vem concretizado na correspondente motivação ou argumentação que, depois, reproduziu, na sua quase totalidade, nas supra descritas conclusões, e daí a sua transcrição, pelo que, e por economia, nos permitimos remeter para a sua leitura.

Na resposta, o Ministério Público veio sustentar que entendia que o despacho recorrido não era omisso de fundamentação, pois que nele se fazia referência a todo o circunstancialismo em que a arguida foi detida, num estabelecimento publicamente conhecido como casa de alterne, onde desempenhava essa atividade, sendo certo que a mesma não provou que exercia uma outra qualquer atividade que não aquela, enunciando-se o dispositivo legal aplicável “in casu” e fundamentando-se a aplicação das medidas de coação na existência de acentuado perigo de continuação de permanência ilegal em solo português, a par da subsistência de perigo de fuga, dada a ausência de referências estáveis, nomeadamente familiares, o que permitiria que a recorrente pudesse ausentar-se para parte incerta em território português e manter-se por longo período em situação de permanência ilegal.
Sustenta, pois, que a detenção da arguida não foi ilegal e que a medida de coação de apresentação semanal no SEF aplicada respeita os princípios da legalidade, excecionalidade e necessidade, adequação e proporcionalidade, como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência, uma vez que só desta forma se responde às necessidades cautelares que aqui se verificam, a necessidade de garantir a exequibilidade da futura decisão de expulsão da arguida/recorrente.

O Ex.mo PGA anotou que, atento o teor do despacho recorrido e os fundamentos da supra referenciada resposta, com os quais concordava, era de parecer que o recurso interposto não merecia provimento.
Apreciando.
Começando pela falta de fundamentação, é indubitável a necessidade de fundamentar os atos decisórios, tal como decorre do estipulado no artigo 97º, nºs. 1, al. b), 4 e 5, do Código de Processo Penal, preceito que navega à vista do artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
No caso, existe até um dever especial de fundamentação, sob pena de nulidade, tal como o define o artigo 194º, nº 6, e respetivas alíneas, do Código de Processo Penal, nulidade que, caso existisse, deveria ter sido suscitada antes do encerramento do interrogatório judicial, pois que não cabe no elenco das nulidades insanáveis (cfr. artigo 119, “a contrario” e 120, nº 3, al. a), ambos do Código de Processo Penal), o que não tendo sucedido implicaria a impossibilidade de ser apenas suscitada nesta altura, pois que estaria então já sanada.
Isto caso existisse uma tal nulidade, o que não sucede, bastando a singela leitura da decisão recorrida para se apreender que a mesma obedece integralmente ao estatuído nas várias alíneas do nº 6 do referido artigo 194º do Código de Processo Penal, o que vale por dizer, tal como vinha devidamente assinalado na resposta, que ali se fazia referência a todo o circunstancialismo em que a arguida foi detida e se explicou as razões que alicerçaram a aplicação das medidas de coação.
Adiante.

A recorrente alega também que a sua detenção foi ilegal, pois que à data ainda não tinham decorridos os noventa dias legalmente estatuídos para poder permanecer legalmente em Portugal, pois que entrou no espaço Schengen em 12/04/2018, e não em 12/03/2018, tudo conforme decorre do artigo 7º, nº 1, do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre Portugal e o Brasil, e não se mostra indiciado que a viagem por si realizada teria uma finalidade inversa ao que consta daquele normativo.
Já antes vimos a discórdia do Ministério Público que anotou, na sobredita resposta, que a arguida foi detida quando se encontrava num estabelecimento publicamente conhecido como casa de alterne, onde desempenhava essa atividade, não tendo a mesma provado que exercia uma outra qualquer atividade que não aquela.
Cremos que a detenção não foi ilegal.
Na verdade, e independentemente do alegado lapso no tocante à data, o que significa que a recorrente ainda não tinha completado os noventa dias de permanência em Portugal quando foi detida, o certo é que a isenção de visto prevista no supra citado preceito do referenciado tratado destina-se a quem pretender entrar em Portugal para fins culturais, jornalísticos ou turísticos, o que, dos coligidos indícios, não era o caso, pois que a mesma foi detida numa casa de alterne, onde, indiciariamente, desenvolvia uma tal atividade, o que significa que, em bom rigor, caso tivesse declarado isso mesmo às autoridades aquando da sua entrada em Portugal, esta deveria ser-lhe desde logo vedada, o mesmo sucedendo em relação a todo o espaço europeu.
Detenção perfeitamente legítima, pois que com total respeito pelo consignado no nº 1 do artigo 146º da Lei nº 23/07, de 04/07[2], no qual se estipula que “O cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é detido por autoridade policial e, sempre que possível, entregue ao SEF, acompanhado do respetivo auto, devendo o mesmo ser presente, no prazo máximo de 48 horas a contar da detenção, ao juiz do juízo de pequena instância criminal, na respetiva área de jurisdição, ou do tribunal de comarca, nas restantes áreas do País, para validação e eventual aplicação de medidas de coação”.
Logo, nenhuma ilegalidade nesse particular.
Avançando.
Resta a questão da alegada falta de indícios que justifiquem a aplicação de qualquer medida de coação.
Nesta matéria, e antes de mais, cremos imperioso dar conta dos aspetos que iremos comungar em termos legais e interpretativos.
Na verdade, e embora se constate a existência de uma clara sintonia nos autos quanto ao instituto aqui em apreço, subjacentes princípios e associados conceitos, o que poderia dispensar-nos uma tal tarefa, começaremos por relembrar as exigências e os requisitos a que aludem os artigos 198º a 204º, todos do Código de Processo Penal, e os subjacentes princípios, a saber, legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidariedade (cfr. artigos 191º e 193º, ambos do Código de Processo Penal e 18º, nº 2 e 28º, estes da Constituição da República Portuguesa).
De tudo isso cientes, e recuperando a correspondente argumentação da recorrente, constata-se que, na sua tese, o simples facto de estar num estabelecimento conotado com a prática de alterne e de prostituição, não significa que seja líquido deduzir-se que estivesse no exercício de alterne, ao menos sem preterir o princípio “in dubio pro reo”, contexto em que, pela falta de indícios, não pode concluir-se que se verifica a existência da prática, pela sua parte, de qualquer crime, pelo que nenhum dos fundamentos expostos pelo tribunal recorrido pode justificar a conclusão da sua permanência ilegal em território nacional, a consequente detenção (aspeto este já acima tratado) e imposição de medida de coação.
Relembre-se a posição adversa anotada na supra mencionada resposta.
Também aqui não assiste razão à recorrente, adiante-se.
Na verdade, e como já antes se anotou, está suficientemente indiciado que a mesma, tal como outras mulheres, foi surpreendida num estabelecimento em que se praticava alterne, além de prostituição, precisamente em pleno desempenho daquela atividade de alterne, pelo que nem se compreende a alegação de que teria sido violado o princípio “in dubio pro reo”[3].
Assim sendo, a sua presença neste território português é ilegal pelas razões acima enunciadas, pois que a sua entrada e permanência não albergava a isenção de visto, sendo que a mesma nenhum visto tinha para aqui entrar e permanecer.
Por outro lado, e tal como se menciona no despacho recorrido, a arguida, para além da indiciada prática de alterne, não reconhecida legalmente, não exerce uma qualquer atividade lícita em Portugal e, do que se apreende, não tem aqui uma qualquer ligação de natureza familiar ou outra, pelo que é mais que justificado concluir pelo evidenciado e concreto receio de que mesma aqui permaneça ilegalmente e, simultaneamente, pela existência do risco de a mesma, pressionada pelas consequências decorrentes da sua permanência ilegal em Portugal, e aproveitando a sua presença no espaço Schengen, poder ausentar-se para um outro país desse mesmo espaço, pois que, como se viu, não tem cá quaisquer “raízes” que a impeçam de tal.
Assim sendo, a simples presença ilegal em Portugal, associada aos supra evidenciados perigos de continuação da atividade ilícita, ou seja, a de continuar a permanecer ilegalmente em Portugal, e a do referenciado perigo de fuga, permite que sejam aplicadas à arguida as medidas de coação a que aludem os artigos 196º a 202º, do Código de Processo Penal, conforme decorre, linearmente do nº 1, al. f) deste último normativo citado, incluindo a prisão preventiva, portanto.
A par, é necessário ter igualmente presente que o artigo 134º da Lei nº 23/07, de 04/07, que prevê quanto aos fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão, estipula no seu nº 1, que “Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro:
a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português”.
E aqui impõe-se abrir um parêntesis.
Com efeito, a situação aqui em mostra-se processualmente albergada por legislação especial plasmada na supra referida Lei nº 23/07, de 04/07[4].
Ora, estatui o artigo 142º deste diploma, no seu nº 1, que “No âmbito de processos de expulsão, para além das medidas de coação enumeradas no Código de Processo Penal, com exceção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes:
a) Apresentação periódica no SEF;
b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância eletrónica, nos termos da lei;
c) Colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado, nos termos da lei”.
Em face desta previsão legal, de cariz especial, cremos evidente que aqui se exceciona a não aplicação da prisão preventiva no âmbito de processos de expulsão, assim contrariando a supra mencionada previsão contida no artigo 202º, nº 1, al. f), do Código de Processo Penal, resultando dos princípios que lei especial prevalece sobre lei geral.
Por outro lado, naquele preceito fala-se apenas em processos de expulsão, omitindo-se, ao menos por via expressa, os processos de afastamento coercivo, tal como o despacho recorrido o apelida.
Assim sendo, será legítimo questionar se aquele artigo 142º, atinente a medidas de coação, será aqui aplicável, tal como sucedeu, uma vez que o legislador se reporta apenas a processo de expulsão.
Cremos que o legislador terá querido abranger também ali os processos de afastamento coercivo, uma vez que no já citado artigo 146º daquele sobredita lei especial, sob a epígrafe de trâmites da decisão de afastamento coercivo, estatui no seu nº 2 que “Se for determinada a colocação em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, é dado conhecimento do facto ao SEF para que promova o competente processo visando o afastamento do cidadão estrangeiro do território nacional”, ou seja, previu a possível aplicação de uma das medidas de coação a que alude o mencionado artigo 142º do mesmo diploma, pelo que será sustentável afirmar que a alusão a processos de expulsão vertida no nº 1 do referido artigo 142º daquela mesma lei foi aqui utilizada num descuidado plural, mas com a real intenção de albergar ambas as descritas situações, única forma de manter a coerência adentro do próprio diploma (cfr. artigo 9º do Código Civil).
Seja como fôr, mesmo que tal não se considere, nada obstará a que possa aplicar-se a medida de obrigação de apresentação no SEF, pois que a mesma tem assento legal na previsão do artigo 198º do Código de Processo Penal.
Fechado o parêntesis, resta concluir que, verificados que se mostram os claros indícios da entrada e permanência ilegal da recorrente em território nacional e, a par, os dois supra apontados receios a que aludem as alíneas a) e c) do artigo 204º do Código de Processo Penal, não existe a propugnada detenção ilegal e é perfeitamente justificada, por uma das duas supra assinaladas vias, a decretada apresentação semanal daquela no SEF, para além do TIR já prestado, pelo que resta confirmar o assim decidido.
Flui do exposto o não provimento do recurso, pelo que a recorrente deverá suportar as inerentes custas, fixando-se taxa de justiça em quatro UC, atento o trabalho processual desenvolvido e a sua associada complexidade (cfr. artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste TRP em negar provimento ao recurso interposto pela arguida B…, e, em consequência, decidem confirmar o despacho recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se em quatro UC a respetiva taxa de justiça (cfr. artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
Notifique.
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Porto, 07/11/2018[5].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
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[1] Vide, entre muitos outros, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Na versão coeva dos factos, ou seja, a resultante da Lei nº 102/2017, de 28/08, posterior à redação que antes lhe emprestara a Lei nº 29/2017, de 31/07, que vem referenciada no despacho recorrido, embora as recentes alterações decorrentes da publicação da Lei nº 26/2018, de 05/07, no que aqui importa, em nada colidam com a presente apreciação.
[3] Quanto ao conceito, vide o Acórdão do STJ, datado de 07/04/2010, relatado por Pires da Graça, consultado in http://www.dgsi.pt.
[4] Na versão coeva dos factos, ou seja, a resultante da Lei nº 102/2017, de 28/08, posterior à redação que antes lhe emprestara a Lei nº 29/2017, de 31/07, que vem referenciada no despacho recorrido, embora as recentes alterações decorrentes da publicação da Lei nº 26/2018, de 05/07, no que aqui importa, em nada colidam com a presente apreciação.
[5] Texto escrito conforme o acordo ortográfico, convertido pelo Lince, composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).