Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
84362/15.3YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
DIREITOS SOCIAIS
RESIDUAL
Nº do Documento: RP2016041884362/15.3YIPRT.P1
Data do Acordão: 04/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 623, FLS.82-87)
Área Temática: .
Sumário: I - A aferição da competência material do tribunal é feita com base na relação jurídica controvertida tal como a configura o autor, ou seja, nos precisos termos em que foi proposta a ação
II - Para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, «direitos sociais» são os que integram a esfera jurídica do sócio, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à proteção dos seus interesses sociais.
III - Os “direitos sociais” ou corporativos, integráveis na previsão legal do normativo citado pressupõem: i) que o autor tenha a qualidade de sócio; ii) que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade; iii) que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais.
IV - A secção cível é competente para conhecer da acção sempre que a configuração dada pelo autor não permita a sua integração nos direitos sociais tal como definidos em II e III.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 84362/15.3YIPRT.P1

Sumário do acórdão:
I. A aferição da competência material do tribunal é feita com base na relação jurídica controvertida tal como a configura o autor, ou seja, nos precisos termos em que foi proposta a ação
II. Para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, «direitos sociais» são os que integram a esfera jurídica do sócio, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à proteção dos seus interesses sociais.
III. Os “direitos sociais” ou corporativos, integráveis na previsão legal do normativo citado pressupõem: i) que o autor tenha a qualidade de sócio; ii) que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade; iii) que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 18.06.2015, B… apresentou no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra C… (Injunção n.º 84362/15.3YIPRT), pedindo que esta seja notificada para pagar a quantia de € 8.393,62, acrescida de juros de mora.
Alegou o requerente, como fundamento da sua pretensão: requerente e requerida são sócios da sociedade comercial por quotas de firma CAFÉ D…, LDA.; durante os meses de agosto e setembro de 2012 foram ambos gerentes da referida sociedade; a sociedade em causa tinha celebrado com a Santa Casa da Misericórdia um contrato de mediação de jogos, o qual vigorou no referido período; por via de acordo celebrado por escrito em 13/01/2005, em vigor no ano de 2012, requerente e requerida acordaram que a última assegurava a exploração dos jogos da Santa Casa de domingo a quinta-feira de cada semana; a requerida obrigou-se igualmente por escrito a entregar o produto da exploração dos jogos ao requerente, abatido de 15% das comissões de jogo; a requerida não procedeu à entrega das aludidas quantias; encontra-se em dívida a quantia total de € 8.393,62; a requerida confessou-se devedora do requerente no proc. n.º 1388/13.9TBPFR-A que correu termos no Tribunal da Comarca de Porto Este, Instância Central de Amarante, Secção de Comércio - J1, por via de confissão judicial em sede de depoimento de parte.
Efetuada a notificação do requerimento de injunção à requerida, veio esta apresentar oposição, impugnando a pretensão do requerente, sem arguir ou suscitar qualquer exceção dilatória.
Os autos foram remetidos à distribuição na Instância Local de Paços de Ferreira, Secção Cível (J1), comarca do Porto Este, onde foi proferido, em 15.10.2015, o seguinte despacho: «Notifique as partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre a eventual incompetência desta Secção Local Cível, em razão da matéria, para conhecer da presente ação.».
Em resposta ao referido despacho, vieram pronunciar-se o requerente e a requerida, sustentando o requerente a competência do tribunal, considerando que não se discutem na causa “direitos sociais”, contrapondo a requerida que o tribunal se deverá considerar incompetente para o julgamento do mérito da causa.
Em 11.10.2015 foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo esta Secção Cível da Instância Local de Paços de Ferreira – Comarca do Porto Este - incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente ação e competente a Secção do Comércio da Instância Central da mesma Comarca.
Custas pela Ré, fixando-se a taxa de justiça do incidente em 1 (uma) UC – art. 7º, n. 4 e tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique e, após trânsito, abra conclusão.».
Não se conformou o requerente e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formula as seguintes conclusões:
1.º A al. c) do n.º 1 do art.º 128.º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto atribui competência às secções de comércio para preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais;
2.ª Isto é às previstas no capítulo XIV, do Título XV do C.P.C. sob a epígrafe “Exercício de Direitos Sociais” artigos 1048.º e ss do mesmo diploma com exclusão do art.º 1056.º do mesmo código; e
3.ª Aquelas em que se exerçam outros direitos sociais previstos no C.S.C., para os quais não esteja previsto processo especial e que seguirão portanto os termos do processo comum de declaração;
4.ª A causa de pedir e pedido formulados nos autos pelo Requerente/Apelante não têm cabimento nas aludidas formas de processo especial;
5.ª O pedido do Apelante funda-se no cumprimento de dois contratos, um interno à sociedade de repartição das funções dos gerentes e outro de mediação de jogos (esclarecendo-se a necessidade do primeiro pelo funcionamento do estabelecimento de segunda-feira a domingo) e na sub-rogação prevista nos art.ºs 589.º e ss. do C.C. – cfr. art.º 10.º do libelo -; 6.ª Daí que o Reqte tenha deduzido requerimento de injunção e requerido que, na eventualidade de ser apresentada oposição, como foi, fossem os autos distribuídos no Tribunal recorrido, para aí correrem como acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato;
7.ª Contrato que não é manifestamente o de sociedade, tal como resulta evidente do alegado em sede de requerimento de injunção;
MAIS,
8.ª Por via do pedido formulado não exerce o Apelante qualquer direito social;
9.ª O pedido formulado não está fundado na qualidade de sócio do Reqte, nem o Apelante alegou como causa de pedir a responsabilidade civil da Reqda enquanto gerente da sociedade para com o próprio, naquela qualidade, fundado em danos próprios resultantes da actuação daquela;
10.ª Aliás, em lado algum do requerimento inicial se pede, ou liquida uma qualquer indemnização;
11.ª Ainda que o Tribunal Recorrido entenda que a causa de pedir e o pedido deviam ser outros, está adstrito aos alegados e pedidos pelo Reqte, pois é a este que cabe definir o pedido e a causa de pedir e apenas estes devem ser apreciados;
12.ª Como se escreve no Ac. do TRL invocado na sentença: (…).
13.ª Ao ter configurado nos autos o exercício de um direito social, não só o Tribunal Recorrido interpretou mal o pedido e a causa de pedir em manifesto erro;
14.ª Como violou de forma evidente o disposto na al. c) n.º 1 do art.º 128 da Lei 62/2013 e ainda o disposto nos artigos art.º 40.º n.º 2, 41.º, 80.º e 81.º todos da predita Lei e art.º 65.º do C.P.C.;
15.ª Pelo que, não estando nem pedido, nem alegada causa de pedir compatível com a competência das secções de comércio devia o Tribunal a quo ter-se julgado materialmente competente para a apreciação do litígio, na sã interpretação da Lei e do Direito;
16.ª O que deve agora ser decidido em acórdão que revogue a sentença recorrida;
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar-se a sentença recorrida, proferindo-se acórdão que julgue a Instância Local, Secção Cível de Paços de Ferreira do Tribunal da Comarca de Porto Este materialmente competente para a decisão do litígio, ordenando o prosseguimento dos autos;
Por ser acto de Justiça.
Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se numa única questão: saber se nos autos estão em causa “direitos sociais”.

2. Fundamentos de facto
Está provada a factualidade relevante constante do relatório que antecede.

3. Fundamentos de direito
Sob a epígrafe “Competência em razão da matéria”, preceitua o n.º 1 do artigo 40.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto): «Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.».
Nos termos do artigo 79.º do citado diploma legal, «Os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca e designam-se pelo nome da circunscrição em que se encontram instalados.».
O artigo 80.º consagra no seu n.º 1 a competência residual dos tribunais de comarca, estipulando que lhes compete “preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais”, estipulando o n.º 2, que “[o]s tribunais de comarca são de competência genérica e de competência especializada”.
O artigo 81.º prevê no seu n.º 1 o desdobramento da comarca em instâncias centrais que integram secções de competência especializada [alínea a)] e instâncias locais que integram secções de competência genérica e secções de proximidade, prescrevendo o n.º 2, que nas instâncias centrais podem ser criadas secções de competência especializada, nomeadamente de comércio [alínea f)].
Finalmente, o artigo 128.º define a competência das secções de comércio, nos seguintes termos:
«1 - Compete às secções de comércio preparar e julgar:
a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As ações de liquidação judicial de sociedades;
f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.
2 - Compete ainda às secções de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.
3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.».
Conclui-se na decisão recorrida, que através da injunção a que se reportam os autos o requerente pretende exercer direitos de natureza social, integrando-se a pretensão do autor, com esse fundamento, na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Consta da fundamentação da decisão recorrida:
«Importará assim apurar se a presente ação se insere nas ações relativas “ao exercício de direitos sociais”, caso em que essa competência está deferida á secção de comércio. E se a competência para a presente ação não estiver aí prevista, terá de concluir-se que essa competência pertence à secção cível da instância local, face à existência de norma residual.
A lei não diz o que se deve entender por “ direitos sociais”, mas, conforme doutamente expendido no Ac. da Relação de Lisboa de 18.06.2015, proc. 792-15.2T8BRR.L1-6, in www.dgsi.pt (…).
A competência em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica em debate tal como o autor a apresenta, ou seja, pelo pedido e causa de pedir.
No caso em apreço, é indiscutível que o Autor, sócio da sociedade comercial por quotas “Café D…, Lda” demanda a Ré na qualidade de sócia e de gerente que era à data dos factos (agosto e setembro de 2012), pedindo a sua condenação na entrega da quantia global de 8.393,62€ relativa ao produto da exploração dos jogos da Santa Casa de Misericórdia, decorrente de contrato de mediação celebrado entre esta instituição e a referida sociedade comercial, deduzido do valor da comissão, que a Ré ficou de fazer na sequência de acordo entre ambos realizado, mas não fez.
Ou seja, a pretensão do Autor, tal como configurada no pedido e na causa de pedir, reconduz-se ao exercício de direitos sociais: um sócio que, nessa qualidade pretende responsabilizar uma sócia gerente por atos/omissões que causaram um prejuízo à sociedade, pela não entrega dos valores que a esta pertencem.
É, pois, manifesto que a apreciação e decisão do litígio em apreço cabe à Secção de Comércio da Instância Central da Comarca do Porto Este.».
Em suma, tal como anteriormente se sintetizou, na definição do objeto do recurso, está em causa a averiguação sobre se a pretensão do requerente se traduz no exercício de um “direito social” para efeitos de integração na c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Como tem sido pacificamente aceite na jurisprudência, a aferição da competência do tribunal é feita com base na relação jurídica controvertida, tal como a configura o autor, ou seja, nos precisos termos em que foi proposta a acção[1].
Tudo se resume em saber se perante a petição inicial (causa de pedir e pedido), se deverá concluir ou não pela qualificação da ação como “relativa ao exercício de direitos sociais”.
Façamos uma primeira abordagem ao conceito de “direitos sociais”.
Tal como referem Jorge M. Coutinho de Abreu e outros[2], os direitos sociais definem-se como o conjunto unitário de direitos atuais e potenciais do sócio, enquanto tal.
No acórdão de 7.06.2011[3] o Supremo Tribunal de Justiça, para além do critério da “particular titularidade” dos sócios, coloca a tónica no facto de os direitos em apreço serem vocacionados para a proteção de interesses sociais: «Direitos sociais são todos aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm, pelo facto de o serem, enquanto titulares dessa mesma qualidade jurídica, dirigidos à proteção dos seus interesses sociais. São direitos que nascem na esfera jurídica do sócio, enquanto tal, por força do contrato de sociedade, baseados nessa particular titularidade.».
No mesmo sentido, vai a decisão deste Tribunal, de 17.03.2014[4]: «Direitos sociais, para o efeito de fixação da competência dos tribunais de comércio, a que alude o art.º 89.º, n.º 1, al. c), da LOFTJ, são os inerentes à qualidade de sócio de determinada sociedade, decorrentes do contrato de sociedade e tendentes à proteção do sócio no âmbito dos seus interesses sociais»[5].
Recortando o conceito pela negativa, decidiu a Relação de Lisboa em acórdão de 17.09.2009[6], que para feitos de integração na norma definidora da competência das secções de comércio, “direitos sociais”, “não são todos os que genericamente poderiam ser classificados como direitos exercidos pelos sócios, mas sim os correspondentes aos direitos que provêm da relação social ou seja da relação da sociedade com o sócio”.
Paulo Olavo Cunha[7] estabelece a diferença entre direito de crédito e direito social, chamando a atenção para o facto de não deverem, necessariamente, ser dirimidas pelo Tribunal do Comércio, todas as ações judiciais que envolvam as sociedades e os membros dos respetivos órgãos sociais. Dá como exemplo a ação de indemnização proposta por administrador ou gerente destituído sem justa causa, dado que se trata de uma ação para o exercício de um direito de crédito e não de um direito social.
A fronteira entre a competência dos tribunais de competência genérica e de competência especializada, fundada no conceito de “direitos sociais” foi assim lapidarmente traçada no acórdão desta Relação, de 20.04.2004[8]: «A competência dos Tribunais de comércio prende-se com questões relacionadas com a vida e atividade das sociedades comerciais e das sociedades civis sob forma comercial, sendo este o princípio que deve presidir à fixação do sentido a atribuir à mencionada al. c). Direitos sociais serão, pois, todos aqueles que os sócios têm enquanto sócios de uma sociedade, tendentes à proteção dos seus interesses sociais. São direitos que nascem na esfera jurídica do sócio enquanto tal, por força do contrato de sociedade. Já aqueles outros direitos de que os sócios são titulares independentemente da sua qualidade de sócios, em que esta qualidade é irrelevante para o exercício de determinado direito, são direitos extra-sociais que os sócios podem exercer como qualquer outra pessoa, numa posição semelhante à de terceiros.».
Parece-nos curial o critério interpretativo jurisprudencial que aponta “no sentido de não reatamento do modelo dos antigos tribunais de comércio” mas antes “de lhes atribuir competência em questões para que se requer especial preparação técnica e sensibilidade, designadamente as do contencioso das sociedades comerciais, da propriedade industrial, das ações e recursos previstos no Código de Registo Comercial, e os recursos das decisões em processos de contraordenação no âmbito da defesa e promoção da concorrência”, concluindo-se “no sentido de que a competência dos tribunais de comércio se prende com questões relacionadas com a atividade das sociedades comerciais e das sociedades civis sob a forma comercial, a qual deve orientar o intérprete na determinação do sentido e alcance do segmento normativo em análise”[9].
Em suma, para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, «direitos sociais» são os que integram a esfera jurídica do sócio, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à proteção dos seus interesses sociais.
Decorre do exposto, que os “direitos sociais” ou corporativos, integráveis na previsão legal do normativo citado pressupõem: i) que o autor tenha a qualidade de sócio; ii) que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade; iii) que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais.
Como se disse, a aferição da competência do tribunal é feita com base na relação jurídica controvertida, tal como a configura o autor, ou seja, nos precisos termos em que foi proposta a ação.
Vejamos então, se a forma como a pretensão foi formulada pelo requerente (pedido), bem como os seus fundamentos (causa de pedir), permitem a integração da causa (iniciada com o requerimento de injunção) na previsão legal do normativo citado.
O requerente B… apresentou no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra a requerida C… pedindo que esta seja notificada para pagar a quantia de € 8.393,62, acrescida de juros de mora.
Alegou o requerente, como fundamento da sua pretensão: requerente e requerida são sócios da sociedade comercial por quotas de firma CAFÉ D…, LDA.; durante os meses de agosto e setembro de 2012 foram ambos gerentes da referida sociedade; a sociedade em causa tinha celebrado com a Santa Casa da Misericórdia um contrato de mediação de jogos, o qual vigorou no referido período; por via de acordo celebrado por escrito em 13/01/2005, em vigor no ano de 2012, requerente e requerida acordaram que a última assegurava a exploração dos jogos da Santa Casa de domingo a quinta-feira de cada semana; a requerida obrigou-se igualmente por escrito a entregar o produto da exploração dos jogos ao requerente, abatido de 15% das comissões de jogo; a requerida não procedeu à entrega ao requerente das aludidas quantias; em consequência, encontra-se em dívida a quantia total de € 8.393,62.
Face ao critério enunciado, concluímos, salvo todo o respeito devido, que a forma como o autor configura a relação jurídica controvertida (pedido e causa de pedir) não permite a integração da causa na previsão legal da alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Decorre do exposto a total procedência do recurso, recaindo sobre a Secção Cível da Instância Local de Paços de Ferreira – Comarca do Porto Este, a competência em razão da matéria, para conhecer da presente ação, e não sobre a Secção do Comércio da Instância Central da mesma Comarca.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso, ao qual concedem provimento, e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, declarando a competência da Secção Cível da Instância Local de Paços de Ferreira – Comarca do Porto Este, para a tramitação e julgamento da causa.
Custas do recurso pela recorrida.
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O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
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Porto, 18 de abril de 2016
Carlos Querido
Alberto Ruço
Correia Pinto
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[1] Vide neste sentido a decisão relatada pelo ora relator, na Relação de Coimbra, em 15.11.2011, no processo n.º 2081/06.4TBAGD.C1, acessível no site da DGSI, onde se citam os seguintes arestos: no processo n.º Ac. STJ, de 20/05/98, BMJ 477-389, Ac. RP., de 04-02-2010, proferido no Proc. 8536/08.9TBVNG.P1, Ac. RP, de 19.02.2004, proferido no Proc. 0326765, e Ac. da RP de 18-06-2008, proferido no Proc. 0833654 (estes três últimos acessíveis em http://www.dgsi.pt.).
[2] Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, Volume I, Almedina, 2013, pág. 353.
[3] Processo n.º 612/08.4TVPRT.P1.S1, acessível no site da DGSI.
[4] Processo n.º 2740/11.0TJPRT.P1, disponível no site da DGSI.
[5] No mesmo sentido, veja-se o acórdão desta Relação, de 19.12.2007, proferido no processo n.º 0756246, acessível no site da DGSI, sumariado nestes termos: « I - Direitos sociais a que a LOFTJ se refere no art.º 89.º n.º 1 c) – competência do tribunal de comércio - são os direitos que os sócios têm como sócios da sociedade e que tendem à proteção dos seus interesses sociais. II - Para a ação em que o Administrador de uma sociedade pede indemnização pela destituição é competente o Tribunal Comum.». Também no mesmo sentido, veja-se o acórdão da relação de Lisboa, proferido no processo n.º Relação de Lisboa, de 4.07.2013, 7513/11.7TBCSC.L1-6: «Direitos sociais, para o efeito de fixação da competência dos tribunais de comércio, a que alude o art.º 89.º, n.º 1, al.ª c), da LOFTJ, são os inerentes à qualidade de sócio de determinada sociedade, decorrentes do contrato de sociedade e tendentes à proteção do sócio no âmbito dos seus interesses sociais.».
[6] Processo n.º 23/08.1TYLSB.L1-6, acessível no site da DGSI.
[7] Lições de Direito Comercial, Almedina 2010, pág. 149, 150.
[8] Proferido no processo n.º 0421272, acessível no site da DGSI.
[9] Excerto colhido do citado acórdão da Relação de Lisboa, de 4.07.2013, que por sua vez cita os seguintes arestos do STJ: de 12/02/2004, processo n.º 04B188, e de 05/02/2002, CJ, Ano X, Tomo 1, pág. 68.