Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12532/18.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RP2019090912532/18.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º297, FLS.218-238)
Área Temática: .
Sumário: I - Sob pena da rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, deve o recorrente indicar, nas conclusões do recurso, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a), co CPC/2013), não bastando a sua indicação no corpo das alegações.
II - Consubstancia justa causa de despedimento, o (em síntese) comportamento da trabalhadora de estabelecimento de ensino que, com plena consciência do seu ato e vontade de o realizar: na sequência de altercação com uma sua colega de trabalho e com superiora hierárquica (por pretender ser ela, em vez da sua colega, a descascar a fruta das crianças ao invés de proceder à limpeza das mesas) e na presença das crianças, pega numa faca e com ela desfere, ou tenta desferir, em si própria golpe no pulso, o que, para além de provocar grande alarido e gritos das funcionárias, assustou as crianças, tendo sido necessária a intervenção de outras trabalhadoras no sentido de as acalmarem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 12532/18.0T8PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1124)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, aos 30.05.2018, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 98º-C e 98º-D, ambos do CPT (aprovado pelo DL n.º 295/09 de 13/10), opor-se ao despedimento com invocação de justa causa levado a cabo por C… aos 16.05.2018[1].

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento no qual alegou os factos que estiveram na base de tal decisão e concluiu, pedindo que seja declarada lícita e regular a sanção de despedimento aplicada à Trabalhadora.
Subsidiariamente, assim não se entendendo, pede que sejam deduzidos aos salários vencidos na pendência da acção que a Ré venha a ser condenada a pagar, as quantias que a Autora tenha auferido se não fosse o despedimento.

A Trabalhadora contestou, impugnando os factos constantes do articulado motivador, concluindo pela ilicitude do despedimento.
Deduziu reconvenção, na qual pede a condenação da Empregadora: a reintegrar a A. no seu posto de trabalho ou, caso esta venha a ser a sua opção, a indemniza-la em substituição de tal reintegração, em valor que, à data de tal articulado, computou em 17.918,00 €; a pagar-lhe todos os salários e subsídios vencidos desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença e a liquidar em “execução de sentença”, os quais, no que diz apenas respeito a parte do mês de Maio e aos meses de Junho e Julho de 2018, ascendem a 1.733,55€; a pagar-lhe a quantia de 1.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais; e a pagar-lhe todos os gastos com o presente processo, igualmente a liquidar em execução de sentença.

A Ré respondeu à reconvenção pugnando pela sua improcedência.

Proferido despacho saneador tabelar, admitido o pedido reconvencional, delimitado o objecto do litígio, fixados os temas da prova e realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, foi, aos 19.02.2019, proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“Termos em que declaro ilícito, porque destituído de justa causa, o despedimento de que foi alvo a Autora e, em consequência:
a) Julgo improcedente o articulado de motivação do despedimento apresentado pela Empregadora;
b) Condeno a Empregadora na reintegração da Autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c) Condeno a Empregadora a pagar à Autora as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento (16/05/2018) até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das importâncias a que alude o art.º 390.º, n.º 2 do Código de Trabalho, a liquidar nos termos do disposto no art.º 609.º do Código de Processo Civil;
d) Condeno a Empregadora no pagamento de €1.000,00 (mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da presente sentença até integral pagamento, calculados à taxa legal anual que esteja em vigor e, actualmente de 4% ao ano.
Custas pela Ré, Entidade Empregadora – cfr. art.º 527.º, ns 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Dê cumprimento ao disposto no art.º 98.º-N, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.
Ao abrigo do disposto no artigo 98.º-P n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, fixo à acção o valor de €20.651,00 (vinte mil, seiscentos e cinquenta e um euros), correspondente ao valor do pedido reconvencional.”.

A A., alegando ter oportunamente optado pela indemnização de antiguidade, requereu a rectificação, em conformidade, da sentença.

A Ré, inconformada com a sentença, veio dela recorrer, tendo arguido, no requerimento de interposição do recurso, a sua nulidade, em relação à qual formulou a seguinte conclusão:
“A douta sentença recorrida enferma de nulidade prevista no artigo 615º nº 1, alª. e) do Código de Processo Civil (C.P.C), o Tribunal deixou de apreciar na douta sentença a pretensão manifestada pela Autora, a opção da indemnização. Ao condenar a Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, o Tribunal excedeu os limites da condenação.”
Juntou, de seguida, as alegações,
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A Recorrida contra-alegou,
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Aos 08.04.2019 a Mmª Juíza conheceu do requerimento da A. de rectificação da sentença, bem como da nulidade da mesma invocada pela Recorrente, decidindo nos seguintes termos:
“Termos em que, além das quantias a que já se alude na sentença, em substituição da reintegração da trabalhadora Autora, condeno a Ré entidade empregadora no pagamento da quantia de €12.164,26 (doze mil, cento e sessenta e quatro euros e vinte e seis cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da presente sentença, calculados à taxa legal actual de 4% ao ano – cfr. artigos 805.º, n.º 3 e 806.º, n.s 1 e 2 do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08.04 – e das que sucessivamente estiverem em vigor, até integral pagamento.
Notifique, sendo as partes ainda para os termos do disposto no n.º 3 do art.º 617.º do C.P.C..”.

Notificadas as partes, a Ré/Recorrente veio dizer que, apesar da rectificação da sentença, mantém interesse no recurso, ficando apenas prejudicado o alegado nos arts. 20 a 27 das alegações e na al. D) das conclusões.

O recurso foi, na 1ª instância, admitido com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo, o qual foi mantido pela ora relatora.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“Factos provados (com interesse à decisão):
1. A Ré é uma associação de direito português sem fins lucrativos encarregue da gestão e funcionamento do C…, estabelecimento de ensino particular que se dedica à formação de alunos segundo a tradição do ensino público francês, inserido na rede da “D…” (D…) estabelecimento público sob a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros Francês.
2. O ensino facultado pelo C… é ministrado as crianças desde a “C1…” (dos três aos cinco anos) até a “C2…” (decimo-segundo ano de escolaridade).
3. A Autora foi admitida ao serviço da Ré no dia 25 de Janeiro de 2001, mediante a celebração de um Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado.
4. À data dos factos em causa a Autora detinha a categoria de empregada de limpeza.
5. No exercício das suas funções, competia à Autora desempenhar o serviço de limpeza das instalações da Ré, bem como ajudar no refeitório às quartas-feiras a hora de almoço, das 11h45 as 13h15, executando nomeadamente serviços de limpeza das mesas, e descascar fruta para as crianças da primeira e segunda classe.
6. No dia 21 de Fevereiro de 2018, pelas 11h50, a Autora começou a discutir em tom alto com a colega de trabalho E… na sala do refeitório das crianças da primária, sendo o motivo da discussão o descascar da fruta das crianças da primeira e segunda classe.
7. Isto, apesar de a Autora/Trabalhadora ter perguntado à encarregada de refeitório, F…, porque não era ela a descascar a fruta das crianças, e lhe ter sido respondido que devia ter chegado a horas, e que não havia tarefas definidas às quartas-feiras.
8. E apesar de saber que a tarefa de descascar a fruta das crianças da primeira e segunda classe é efectuada por uma única funcionária às quartas-feiras, e que a mesma é executada pela funcionária que primeiro chegue ao refeitório, devendo a outra começar a limpar as mesas.
9. Naquele dia foi a trabalhadora E…, a primeira a chegar ao refeitório.
10. Mantendo a Autora o propósito de descascar fruta, foi buscar uma faca e uma taça para descascar a fruta, o que fez.
11. Dizendo para a E… em tom elevado que a mesma não tinha nada que descascar a fruta, que ela estava ali para ajudar e não para trabalhar, que a mesma já estava cansada de trabalhar e que a E… ainda não tinha feito nada.
12. A Trabalhadora G…, superior hierárquica da Autora, ao se aperceber do tom elevado que estava a ter a conversa solicitou à Trabalhadora para ir falar na copa onde não havia crianças.
13. Apesar do pedido da superior hierárquica G… para baixar o tom de voz e para se acalmar, que a mesma não podia falar e gesticular daquela forma em frente às crianças, a Autora continuou a falar em tom elevado para com a sua superior hierárquica, tendo virado as costas, e foi em direcção ao balcão das sobremesas da C1….
14. Perante tal atitude a sua superior hierárquica disse-lhe “não me vira as costas”.
15. Repentinamente, a Autora ao chegar junto balcão das sobremesas da C1…, pegou na faca para descascar a fruta, e tentou com a mesma deferir-se um corte no pulso.
16. A Trabalhadora H…, que se encontrava no seu posto de trabalho junto ao balcão das sobremesas, ao ver a Autora a pegar a faca e a tentar pressionar a mesma no seu pulso, foi de imediato ao seu auxílio para lhe agarrar as mãos, e tirar-lhe a faca.
17. A superior hierárquica G… que se encontrava atrás da Trabalhadora H…, quando esta lhe tirou a faca da mão, afastou a faca para longe.
18. A auxiliar de Educação I… foi acudir a Autora, agarrando-a por detrás, pelos ombros e puxou-a para trás, o que fez que a mesma caísse ao chão, sendo no entanto amparada na sua queda pela Trabalhadora I….
19. Toda essa situação ocasionou grande alarido e gritos de todas as funcionárias em redor da Trabalhadora, o que originou curiosidade e pânico das crianças da primeira classe ao quinto ano, que acorreram para a zona do balcão das sobremesas da C1… para ver o que se estava aí a passar.
20. Foi necessário a intervenção das trabalhadoras J… e E… para serenar as crianças e desviar as suas atenções.
21. Tendo a trabalhadora E… explicado às meninas que estavam ao seu redor que se tratava de um ensaio para o teatro e que se tratava de uma faca de brincar.
22. Foi igualmente necessário serenar os meninos da C1….
23. A auxiliar de educação I…, depois de acudir a Autora apercebeu-se que as crianças que estavam ao seu cuidado estavam em pânico com a situação que tinha acabado de se desenrolar junto delas, e saiu da sala do refeitório com as crianças, levando-as dali.
24. Para pôr termo à situação de pânico gerado, a superior hierárquica G… saiu com a Autora para zona exterior da cantina e chamou o Director Adjunto, o Senhor K….
25. A Trabalhadora Arguida ao sair do refeitório acompanhada pelo Director Adjunto K…, à sua frente, e a Senhora G… ao seu lado, ao se cruzar com a Trabalhadora E… disse-lhe “estás contente (...)?”
26. A Autora agiu da forma descrita com plena consciência dos seus actos, e vontade de os realizar, conhecedora das consequências que os mesmos podiam acarretar.
27. No dia em que os factos ocorreram, a trabalhadora E… tinha regressado de baixa médica prolongada, cerca de quatro meses, precisamente nesse dia.
28. A Autora auferia, à data do despedimento, o vencimento base de €702,83.
29. A Autora revela ansiedade, desespero e profunda tristeza por se ver desempregada na sua idade e com quase nenhuma, ou pouca, probabilidade de encontrar novo emprego.
30. A Autora sente-se fragilizada e deprimida em face da situação de desemprego e da degradação que tal significa no contexto da sua vida pessoal e familiar.
31. A Autora esteve de baixa médica desde o dia 22 de Fevereiro de 2018 até 21 de Abril de 2018.
32. A Ré decidiu instaurar procedimento disciplinar à Autora, e no dia 1 de Março de 2018 foi dada abertura ao inquérito para averiguação e apuramento da eventual responsabilidade da Autora e das circunstâncias de modo, tempo e lugar em que as infracções foram alegadamente cometidas.
33. No âmbito do referido inquérito foi junto pela Ré a ficha da trabalhadora, e foram inquiridas a 15 de Março de 2018, as testemunhas G…, L…, I…, J…, H…, M…, F…, E….
34. A 26 de Março de 2018, foi elaborado relatório preliminar onde se conclui que havia fortes probabilidades da Autora ter praticado os comportamentos de que vinha indiciada, na mesma data procedeu-se à abertura do procedimento disciplinar à Autora, em virtude dos factos apurados no inquérito susceptíveis de integrar infracção disciplinar e, concretamente no caso da Autora, justa causa de despedimento.
35. A 28 de Março de 2018 foi enviado para a Autora a respectiva Nota de Culpa.
36. A Nota de Culpa foi emitida, nela se fazendo constar a descrição circunstanciada dos factos que eram, e são, imputados à Autora, tendo sido esta convidada a consultar o processo e a responder à Nota de Culpa, no prazo de 10 dias úteis.
37. Da Nota de Culpa fez-se ainda constar a comunicação de intenção da Ré proceder ao despedimento com justa causa da Autora.
38. A Nota de Culpa, constando de documento escrito, foi enviada, a 28 de Março de 2018, por correio registado com aviso recepção, para a sua morada, tendo sido recepcionada pela Autora a 3 de Abril de 2018.
39. Com a Nota de Culpa, a Ré comunicou ainda à Autora a sua suspensão preventiva sem perda de retribuição porquanto, entendeu a Ré, que a sua presença na empresa era inconveniente.
40. A Autora deduziu Resposta à Nota de Culpa no dia 16 de Abril de 2018, não arrolando testemunhas nem requerendo qualquer outra diligência probatória.
41. Para apuramento da situação de baixa médica invocada no artigo 37 da Resposta à Nota de culpa, foi junto aos autos do processo disciplinar no dia 19 de Abril de 2018 cópias dos três certificados de incapacidade temporária para o trabalho.
42. No dia 11 de maio de 2018, foi junto aos autos o relatório final e conclusões, para efeito de emissão da decisão final.
43. No dia 14 de maio de 2018, foi emitida a Decisão Final fundamentada de despedimento, constando a mesma de documento escrito.
44. A decisão foi comunicada à Autora por correio registado, com aviso de recepção, a 14 de maio de 2018 e por esta recebida a 16 de maio de 2018.
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III. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas pela Recorrente [pela ordem por que serão abordadas]:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Existência de justa causa de despedimento;
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1.2. A Recorrente suscitava também a questão da nulidade da sentença por ter sido condenada a reintegrar a A., sem que tivesse conhecido do direito de opção pela indemnização em substituição da reintegração exercido por esta [assim como a A., em requerimento de 28.02.2019, solicitava a rectificação da sentença no mesmo sentido].
Tal questão mostra-se prejudicada, uma vez que, por despacho de 08.04.2019, a Mmª Juíza procedeu à rectificação da sentença, condenando a Ré a pagar à A., em substituição da reintegração, a indemnização de antiguidade conforme decorre do que se deixou dito no relatório do presente acórdão.
2. Impugnação da decisão da matéria de facto
2.1. Na conclusão A), diz a Recorrente que: “A) Pretende, a Recorrente, com o recurso interposto, ver reapreciada a decisão relativa à matéria de facto, por considerar que a decisão relativa aos danos não patrimoniais baseou-se apenas sobre um facto notório, que uma situação de desemprego é sempre geradora de ansiedade e angustia, não tendo sido provado um nexo de causalidade entre o despedimento e os danos sofridos pela Recorrida nos termos do art.º 563º do Código Civil (C.C).”.

2.1.1. Pretendendo - se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recruso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e não já por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.
E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende.
[Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.].
Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.]
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 2994/13.2TTVRL.G1.S2, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”]
E se impugnada a factualidade com base em depoimentos gravados deverá também o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, sendo que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre da letra da norma.
Por fim, o citado art. 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.

2.1.2. Revertendo ao caso em apreço, a Recorrente, no corpo das alegações, impugna os nºs 29 e 30 dos factos provados [“29. A Autora revela ansiedade, desespero e profunda tristeza por se ver desempregada na sua idade e com quase nenhuma, ou pouca, probabilidade de encontrar novo emprego. 30. A Autora sente-se fragilizada e deprimida em face da situação de desemprego e da degradação que tal significa no contexto da sua vida pessoal e familiar.”] e diz que os mesmos deverão ser dados como não provados, aí invocando os excertos dos depoimentos que tem por pertinentes, os quais transcreve e refere os tempos da gravação [início e fim] correspondentes aos mesmos.
Tendo embora a Recorrente dado, no corpo das alegações, cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e 2, al. a), do CPC/2013, o certo é que, nas conclusões, não dá cumprimento aos requisitos previstos nas als. a) e c) do nº 1 do art. 640º, aí não fazendo a concreta indicação dos factos que impugna, nem indicando as respostas que, em seu entender, deveriam ter sido dadas. Na verdade, das conclusões retira-se que a Recorrente discorda da sentença recorrida no que toca à condenação em indemnização por danos não patrimoniais, mas não faz qualquer alusão aos nºs 29 e 30 dos factos provados que, no corpo das alegações, refere impugnar.
Consubstanciando as conclusões, como referido, a delimitação do objeto do recurso, delas deveria constar a indicação dos concretos pontos da decisão da matéria de facto objeto da discordância, não bastando a sua indicação no corpo das alegações.
Ora, assim sendo, não deu o Recorrente cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, al. a), assim como não deu cumprimento à al. c) do mesmo, pelo que se rejeita a impugnação da decisão da matéria de facto.

2.2. Nas conclusões F) a J) refere a Recorrente o seguinte:
“F) Quanto ao apuramento se tais comportamentos pela sua gravidade e consequências, tornaram impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento o Tribunal a quo considerou erradamente que a Recorrida estava ao serviço desde há mais de 17 anos, sem que tenha sido dado notícia nos autos de alguma vez terem ocorrido outros factos geradores de sanção disciplinar.
G) Houve lapso do Tribunal a quo quanto a este facto, tendo em conta que deu como provado no ponto 33. da matéria de facto dada como assente que “no âmbito do referido inquérito foi junto pela Ré a ficha da trabalhadora”.
H) Na ficha da Recorrida de fls 6 e 7 do processo disciplinar, consta que a mesma foi alvo de dois processos disciplinares um em abril de 2013 por abandono do posto de trabalho e outro em novembro de 2014 por violação dos deveres de urbanidade e probidade.
I) Os antecedentes disciplinares também foram evocados tanto no relatório final e conclusões para efeitos de emissão da decisão final, como na decisão final fundamentada de despedimento comunicado a Recorrida, documentos esses que foram dados como provados nos pontos 42 a 44 dos factos provados.
J) O Tribunal a quo considerou que os factos provados em 42 a 44 resultam do processo disciplinar junto aos autos e não foram colocados em causa pela Recorrida.”
A Recorrente discorda da afirmação, segundo diz, constante da sentença de que a A. “estava ao serviço desde há mais de 17 anos, sem que tenha sido dado notícia nos autos de alguma vez terem ocorrido outros factos geradores de sanção disciplinar.”, discordância essa que, defende a Recorrente, decorreria de “lapso” pois que do nº 33 dos factos provados resultaria que a A. já teria sido alvo de 2 processos disciplinares, um em abril de 2013 por abandono do trabalho, outro em novembro de 2014 por violação dos deveres de urbanidade e probidade.
Em sede de fundamentação jurídica da sentença recorrida, mas não da decisão da matéria de facto de facto, a Mmª Juíza referiu o seguinte:
“(…) resulta ainda dos autos que a Autora foi admitida ao serviço da Ré no dia 25 de Janeiro de 2001, mediante a celebração de um Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado, pelo que estaria ao serviço desta há mais de 17 anos, sem que tenha sido dado notícia nos autos de alguma vez terem ocorrido outros factos geradores de sanção disciplinar.
(…)
Efectivamente, afigura-se excessivo que, podendo qualquer pessoa, em determinadas circunstâncias, ter um episódio de “desvario”, um único episódio relatado ao longo de 17 anos de uma relação laboral seja causa da sanção última que é o despedimento, e não de outra sanção de menor gravidade.
(…)
(….), este episódio cujo relato é único no âmbito desta relação laboral que perdurava há mais de 17 anos, seja insusceptível de, em concreto, tornar inexigível à Empregadora a manutenção do vínculo contratual, mostrando-se a factualidade apurada desadequada à aplicação da sanção disciplinar mais grave e radical. (…)”.
De referir que no art. 85º da contestação a Recorrente havia alegado que “85.º Para aplicação da sanção foi tomado em consideração os antecedentes disciplinares da Autora, a mesma foi alvo de uma sanção disciplinar por abandono do posto de trabalho em abril de 2013, e de sanção disciplinar por violação dos deveres de urbanidade e probidade em novembro de 2014 (cfr Fls.7)”.
A afirmação imputada pela Recorrente à sentença recorrida, não consubstancia propriamente um “facto” que conste da decisão da matéria de facto, tratando-se apenas de uma consideração tecida em sede de fundamentação jurídica da sentença e, como tal, não é impugnável em sede de impugnação da decisão da matéria de facto. Poderá, eventualmente e como mera hipótese de raciocínio, consubstanciar erro na aplicação do direito aos factos, por não decorrer dos factos provados ou por destes decorrer facto contrário.
Só que esse alegado erro tem por base um facto que não consta dos factos provados e que a Recorrente, embora não o diga expressamente, parece entender que estaria provado e/ou que resultaria dos factos provados. Não se percebe, todavia, bem se pretende ou não impugnar a decisão da matéria de facto.
Quem discorde da decisão da matéria de facto deve impugná-la de forma expressa e clara e indicar o concreto ponto da decisão da matéria de facto ou dos articulados de cuja decisão discorde.
Acontece porém que, no caso, a Mª Juíza, em sede de decisão da matéria de facto, não se pronunciou sobre o alegado no art. 85 da contestação, seja dando-o como provado, seja dando-o como não provado. E também não se poderá deixar de dizer que, na economia da sentença recorrida, entendendo, ou parecendo entender, a Mmª Juíza que a inexistência de passado disciplinar teria relevância [sendo que o invoca como fundamento, também, da desproporcionalidade do despedimento], deveria então ter-se pronunciado, em sede de decisão da matéria de facto, sobre o alegado no art. 85º do articulado motivador, dando-o como provado ou como não provado.
A Relação, nos termos dos arts. 663º, nº 2, e 607º, nº 4, do CPC/2013 poderá/deverá atender aos factos que se encontrem admitidos por acordo das partes, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, sendo que, relativamente a eventuais outros factos que hajam sido alegados mas não levadas à decisão da matéria de facto, quando a Relação os tenha por indispensáveis à decisão da causa, deverá proceder à anulação do julgamento com vista à ampliação da decisão da matéria de facto – art. 662º, nº 2, al. c), do mesmo.
Importa também referir que à contestação do trabalhador ao articulado motivador do despedimento é aplicável o disposto no art. 574º do CPC, nos termos de cujo nº 1, ao contestar, o contestante deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor [leia-se, no caso da acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, pelo empregador/réu no articulado motivador do despedimento].
À matéria do art. 85º do articulado motivador do despedimento, a A. respondeu nos termos dos seguintes arts. da contestação: “58º. Os antecedentes disciplinares da A. não são reveladores de qualquer tipo de comportamento similar ao aqui em crise, não passando os mesmos de meios de pressão da Ré junto dos seus trabalhadores para criar um ambiente de medo. (…). 60º A A. não aceita as imputações constantes dos artigos 44º a 88º, ambos inclusive do Articulado de Motivação que a Ré lhe dirige. 61º Por via do alegado na presente contestação, a A. considera impugnada a matéria apresentada pela Ré nos artigos 44º a 88º do Articulado de Motivação e na qual pretende sustentar a licitude do despedimento da Autora, precisamente na medida aqui contestada,”.
É certo que a A. impugna os arts. 44ª a 88º do articulado motivador, onde se inclui o art. 85º. Não obstante, no art. 58º da contestação, a A. aceita ter sido alvo das sanções disciplinares invocadas pela Ré, embora do demais que alega e da impugnação que aduz resulte que impugna a bondade de aplicação das mesmas. Diga-se que dos articulados não resulta a factualidade que terá estado subjacente a essas sanções, para além de que o alegado relativamente à razão da aplicação de tais sanções tem natureza conclusiva; e do alegado também não resulta as concretas sanções que foram aplicadas.
Importa também referir que, pese embora no nº 33 dos factos provados conste que foi junta a ficha da trabalhadora e essa ficha conste do procedimento disciplinar junto pela Ré com o articulado motivador do despedimento, documento que não foi impugnado pela A., tal não faz prova plena dos factos que terão sido praticados pela A. para justificar a aplicação das sanções disciplinares, para além de que os documentos são meios de prova de factos, não dispensando a alegação dos factos, os quais no caso não foram alegados.
Assim, e na medida em que se encontra assente por acordo nos articulados, adita-se à matéria de facto provada o nº 45, com a seguinte redacção: “A A. foi alvo de uma sanção disciplinar em abril de 2013, e de uma sanção disciplinar em novembro de 2014”.
E nada mais foi alegado pela Ré que pudesse eventualmente justificar a ampliação da decisão da matéria de facto ao abrigo disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do CPC/2013, sendo que tal ampliação apenas é admissível em relação a factos que hajam sido oportunamente alegados e não já em relação a fatos que não hajam sido alegados - cfr. Acórdão do STJ de 30.10.2007, in www.dgsi.pt, Proc. 07A3541.
3. Da existência de justa causa para o despedimento
Na sentença recorrida considerou-se que a A. infringiu os seus deveres laborais, consubstanciando o seu comportamento ilícito disciplinar; não obstante, entendeu-se ser o despedimento sanção disciplinar excessiva.
Nela referiu-se o seguinte:
“Efectivamente, resulta da factualidade apurada que, a Autora, no dia 21 de Fevereiro de 2018, pelas 11h50, no refeitório, discutiu em tom alto com a colega de trabalho E…, sobre quem descascava a fruta das crianças da primeira e segunda classe, apesar de saber que tal tarefa incumbia à funcionária que primeiro chegasse refeitório, tendo efectivamente começado a descascar fruta mesmo após orientação diversa da encarregada de refeitório, F…, falando alto, gesticulando e tendo virado costas à sua superior hierárquica, G…, quando esta a afastou para a copa, tendo, por fim, pegado numa faca com o que tentou deferir-se um corte no pulso, do que foi impedida por outras trabalhadoras, gerando grande “alarido” no local, o que teve como consequência que as crianças que ali se encontravam ficaram assustadas, tendo que ser dali retiradas e distraídas daqueles factos.
(…)
Tais factos são, efectivamente, geradores de responsabilidade disciplinar da Trabalhadora, aqui Autora, que assim violou os deveres que sobre a mesma impendem, previstos nas alíneas a), c), e), g) do n.º 1 do art.º 128.º do Código do Trabalho, mais concretamente, como refere a Empregadora, respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; realizar o trabalho com zelo e diligência; cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho; velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador.
(…)
Ora, voltando ao caso em apreço, além da factualidade já aludida, resulta ainda dos autos que a Autora foi admitida ao serviço da Ré no dia 25 de Janeiro de 2001, mediante a celebração de um Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado, pelo que estaria ao serviço desta há mais de 17 anos, sem que tenha sido dado notícia nos autos de alguma vez terem ocorrido outros factos geradores de sanção disciplinar.
Resulta ainda dos autos que à data dos factos a Autora detinha a categoria de empregada de limpeza e, no exercício das suas funções, competia-lhe desempenhar o serviço de limpeza das instalações da Ré, bem como ajudar no refeitório às quartas-feiras a hora de almoço, das 11h45 as 13h15, executando nomeadamente serviços de limpeza das mesas, e descascar fruta para as crianças da primeira e segunda classe, pelo que facilmente a Ré poderia “afastar” a Autora de um contacto próximo com as crianças, retirando-a das funções que exercia no refeitório. Ou seja, não se desconsidera que, sendo a Ré uma instituição de ensino, que tem a seu cuidado crianças, inclusive de tenra idade, que assistiram aos factos ocorridos e terão ficado assustadas, o que lhe poderá causar lesão de interesses patrimoniais sérios, pela confiança que os pais e encarregados de educação depositam na instituição, o certo é que este terá sido (pelo menos não há notícia do contrário) um acto isolado no comportamento desta trabalhadora, que presta serviço naquela instituição há mais de 17 anos, e que “facilmente” a Ré poderia “afastar” do contacto directo com as crianças, aplicando, eventualmente, no âmbito do seu poder disciplinar, outra sanção que não o despedimento, que se afigura uma sanção excessiva para um episódio único da trabalhadora em causa, não obstante o “alarido” e “confusão” gerados. Efectivamente, afigura-se excessivo que, podendo qualquer pessoa, em determinadas circunstâncias, ter um episódio de “desvario”, um único episódio relatado ao longo de 17 anos de uma relação laboral seja causa da sanção última que é o despedimento, e não de outra sanção de menor gravidade.
Afigura-se-nos que, ponderando os interesses em presença, como supra referido, fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo, e não obstante a confusão gerada a que já se aludiu, com a “cena” perpetrada pela Autora, este episódio cujo relato é único no âmbito desta relação laboral que perdurava há mais de 17 anos, seja insusceptível de, em concreto, tornar inexigível à Empregadora a manutenção do vínculo contratual, mostrando-se a factualidade apurada desadequada à aplicação da sanção disciplinar mais grave e radical.”
Do assim decidido discorda a Recorrente para tanto invocando a existência de antecedentes disciplinares da A. e, bem assim que: o Tribunal a quo reconheceu que a Recorrente uma instituição de ensino, que tem ao seu cuidado crianças, inclusive de tenra idade, que assistiram aos factos ocorridos e terão ficado assustadas, o que lhe poderá causar lesão de interesses patrimoniais sérios, pela confiança que os pais e encarregados de educação depositam na instituição; o afastamento da Recorrida da cantina, como preconizado, pelo Tribunal a quo, não é suficiente, não se coaduna com a realidade de execução de tarefas de limpeza num estabelecimento escolar; a Recorrida sendo empregada de limpeza, cujo horário de trabalho é das 7h as 15h, ou seja praticamente durante todo o tempo de abertura do estabelecimento de ensino aos alunos que é das 8h às 19h, e sendo o período letivo das 8h30 as 17h00, e as actividades extracurriculares das 17h as 19h, dificilmente se concebe que a mesma possa ser afastada do contacto com as crianças (salas, corredores, casas de banhos); o Tribunal a quo não valorizou o facto de que quando os pais confiam a Recorrente a guarda dos seus filhos crianças e a prestação de serviços na educação daqueles, não podem aceitar que os seus filhos sejam testemunhas de altercações entre adultos, como não aceitam que os seus filhos sejam testemunhas de cenas violentas como uma tentativa ou “pseudo” tentativa de automutilação que ponham em risco a sua integridade física ou mental; uma tentativa de automutilação em frente de crianças de tenra idade não pode ser qualificado de mero “desvario”, algo sem grande importância; a Recorrente tem deveres para com os seus trabalhadores, e também têm deveres para com os seus clientes, dever nomeadamente de reprovação de qualquer forma de violência, seja de ordem psicológica, verbal, moral ou física no seio do seu estabelecimento de ensino, bem como tem a obrigação de proporcionar aos seus alunos um ambiente de segurança e de bem-estar afetivo, indispensável ao crescimento, desenvolvimento das crianças e jovens; o Tribunal a quo deveria ter considerado adequada a aplicação da sanção de despedimento com justa causa, tendo sido ponderado os antecedentes disciplinares da Recorrida, e comportamento culposo da Recorrida que pela sua gravidade e consequências, por si só tornou imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, e constituiu justa causa de despedimento nos termos do artigo 351º, nº 1 e do nº 2, alíneas a), c), e) e h) do Código do Trabalho.
Por sua vez, a Recorrida concorda com a sentença recorrida, alegando em síntese que: “XX. A Recorrida estava ao serviço da Recorrente há mais de 17 anos, sem que tenha sido dado notícia nos autos de alguma vez terem ocorrido outros factos geradores de sanção disciplinar. XXI. Pelo que, o episódio ocorrido é “insusceptível de, em concreto, tornar inexigível à Empregadora a manutenção do vínculo contratual, mostrando-se a factualidade apurada desadequada à aplicação da sanção disciplinar mais grave e radical.”
Apreciemos.

3.1. De harmonia com o artº 351º, nº 1, do CT/2009 constitui justa causa do despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», elencando-se no nº 2, a título exemplificativo, comportamentos suscetíveis de a integrarem.
É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência[2] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjetivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objetivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências; c) existência de um nexo causal entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[3].
Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por ação ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.
O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, in Despedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45).
Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.
Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjetivamente como tal, impondo o art. 351º, n.º 3, que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de proteção do emprego, não sendo no caso concreto objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Diz Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
E, conforme doutrina e jurisprudência uniforme, tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126º, nº 1, do CT e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais. Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja suscetível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento. Como se diz no Acórdão do STJ de 03.06.09 (www.dgsi.pt, , Processo nº 08S3085) existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, suscetível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
O apontado nexo de causalidade exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
Importa, também, ter em conta de entre o leque de sanções disciplinares disponíveis, o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo ela mostrar-se adequada e proporcional à gravidade da infração.
Sobre o empregador impende o ónus da prova da justa causa do despedimento – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil.
Por fim, dispõe o art. 128º que constituem deveres do trabalhador: respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionam com a empresa, com urbanidade e probidade [al. a)]; realizar o trabalho com zelo e diligência [al. c)]; cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias [(al. e)]; guardar lealdade ao empregador, (…) [(al. f)]; velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador [al. g)]; promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa [al. h)]; cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, (…) [al. i)]; cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho [al. j)].
Por fim, deve ainda o trabalhador (assim como o empregador) no cumprimento das respetivas obrigações, procederem de boa-fé (art. 126º, nº 1, do CT/2003).

3.2. Revertendo ao caso em apreço, é a seguinte a matéria de facto provada com pertinência:
“3. A Autora foi admitida ao serviço da Ré no dia 25 de Janeiro de 2001, mediante a celebração de um Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado.
4. À data dos factos em causa a Autora detinha a categoria de empregada de limpeza.
5. No exercício das suas funções, competia à Autora desempenhar o serviço de limpeza das instalações da Ré, bem como ajudar no refeitório às quartas-feiras a hora de almoço, das 11h45 as 13h15, executando nomeadamente serviços de limpeza das mesas, e descascar fruta para as crianças da primeira e segunda classe.
6. No dia 21 de Fevereiro de 2018, pelas 11h50, a Autora começou a discutir em tom alto com a colega de trabalho E… na sala do refeitório das crianças da primária, sendo o motivo da discussão o descascar da fruta das crianças da primeira e segunda classe.
7. Isto, apesar de a Autora/Trabalhadora ter perguntado à encarregada de refeitório, F…, porque não era ela a descascar a fruta das crianças, e lhe ter sido respondido que devia ter chegado a horas, e que não havia tarefas definidas às quartas-feiras.
8. E apesar de saber que a tarefa de descascar a fruta das crianças da primeira e segunda classe é efectuada por uma única funcionária às quartas-feiras, e que a mesma é executada pela funcionária que primeiro chegue ao refeitório, devendo a outra começar a limpar as mesas.
9. Naquele dia foi a trabalhadora E…, a primeira a chegar ao refeitório.
10. Mantendo a Autora o propósito de descascar fruta, foi buscar uma faca e uma taça para descascar a fruta, o que fez.
11. Dizendo para a E… em tom elevado que a mesma não tinha nada que descascar a fruta, que ela estava ali para ajudar e não para trabalhar, que a mesma já estava cansada de trabalhar e que a E… ainda não tinha feito nada.
12. A Trabalhadora G…, superior hierárquica da Autora, ao se aperceber do tom elevado que estava a ter a conversa solicitou à Trabalhadora para ir falar na copa onde não havia crianças.
13. Apesar do pedido da superior hierárquica G… para baixar o tom de voz e para se acalmar, que a mesma não podia falar e gesticular daquela forma em frente às crianças, a Autora continuou a falar em tom elevado para com a sua superior hierárquica, tendo virado as costas, e foi em direcção ao balcão das sobremesas da C1….
14. Perante tal atitude a sua superior hierárquica disse-lhe “não me vira as costas”.
15. Repentinamente, a Autora ao chegar junto balcão das sobremesas da C1…, pegou na faca para descascar a fruta, e tentou com a mesma deferir-se um corte no pulso.
16. A Trabalhadora H…, que se encontrava no seu posto de trabalho junto ao balcão das sobremesas, ao ver a Autora a pegar a faca e a tentar pressionar a mesma no seu pulso, foi de imediato ao seu auxílio para lhe agarrar as mãos, e tirar-lhe a faca.
17. A superior hierárquica G… que se encontrava atrás da Trabalhadora H…, quando esta lhe tirou a faca da mão, afastou a faca para longe.
18. A auxiliar de Educação I… foi acudir a Autora, agarrando-a por detrás, pelos ombros e puxou-a para trás, o que fez que a mesma caísse ao chão, sendo no entanto amparada na sua queda pela Trabalhadora I….
19. Toda essa situação ocasionou grande alarido e gritos de todas as funcionárias em redor da Trabalhadora, o que originou curiosidade e pânico das crianças da primeira classe ao quinto ano, que acorreram para a zona do balcão das sobremesas da C1… para ver o que se estava aí a passar.
20. Foi necessário a intervenção das trabalhadoras J… e E… para serenar as crianças e desviar as suas atenções.
21. Tendo a trabalhadora E… explicado às meninas que estavam ao seu redor que se tratava de um ensaio para o teatro e que se tratava de uma faca de brincar.
22. Foi igualmente necessário serenar os meninos da C1….
23. A auxiliar de educação I…, depois de acudir a Autora apercebeu-se que as crianças que estavam ao seu cuidado estavam em pânico com a situação que tinha acabado de se desenrolar junto delas, e saiu da sala do refeitório com as crianças, levando-as dali.
24. Para pôr termo à situação de pânico gerado, a superior hierárquica G… saiu com a Autora para zona exterior da cantina e chamou o Director Adjunto, o Senhor K….
25. A Trabalhadora Arguida ao sair do refeitório acompanhada pelo Director Adjunto K…, à sua frente, e a Senhora G… ao seu lado, ao se cruzar com a Trabalhadora E… disse-lhe “estás contente (...)?”
26. A Autora agiu da forma descrita com plena consciência dos seus actos, e vontade de os realizar, conhecedora das consequências que os mesmos podiam acarretar.
27. No dia em que os factos ocorreram, a trabalhadora E… tinha regressado de baixa médica prolongada, cerca de quatro meses, precisamente nesse dia.
45. A A. foi alvo de uma sanção disciplinar em abril de 2013, e de uma sanção disciplinar em novembro de 2014.”
Da referida matéria decorre que a A., no dia em causa, provocou desnecessariamente e sem razão um conflito com a sua colega de trabalho ao pretender descascar a fruta. Compreende-se que tal tarefa possa ser mais apetecível e menos cansativa do que a da limpeza, mas a sua colega já se encontrava a executá-la quando a A. chegou, tarefa essa que é efectuada por uma única funcionária às quartas-feiras, sendo-o por aquela que primeiro chegue ao refeitório, devendo a outra começar a limpar as mesas e, no dia em causa, foi a colega da A., E…, quem primeiro chegou ao refeitório, regra essa que era do conhecimento da A. Não obstante não lhe competir, nesse dia, tal tarefa, contra as instruções da Ré, manteve a A. o propósito de descascar a fruta, para o que foi buscar uma faca e uma taça.
Acresce que interpelada pela sua superiora hierárquica (G…) para baixar o tom de voz e não gesticular em frente das crianças e para irem falar para a copa, a A., não obstante, continuou a falar em tom elevado, tendo-lhe virado as costas e dirigido-se para o balcão das sobremesas.
Com tais comportamentos, a A. não só provocou, como referido, um desnecessário conflito com colega e com superiora hierárquica, como violou os deveres de respeito e urbanidade e de obediência em matéria de disciplina do trabalho.
Mas tal comportamento, consubstanciando embora infracção disciplinar, só por si, poderia não constituir justa causa para o despedimento.
Acontece que, mais grave do que o referido, foi o subsequente comportamento da A. Com efeito, esta, ao chegar junto ao balcão das sobremesas, pegou numa faca de descascar a fruta e tentou desferir em si própria um corte no pulso, havendo a trabalhadora H…, ao ver a A. pegar na faca e a tentar pressioná-la no seu (da A) pulso, de imediato acorrido para lhe agarrar as mãos e tirar-lhe a faca, na sequência do que a superiora hierárquica G…, quando aquela lhe tirou a faca das mãos, a afastou para longe. A auxiliar de Educação I… foi também acudir a Autora, agarrando-a por detrás, pelos ombros e puxou-a para trás, o que fez que a mesma caísse ao chão, sendo no entanto amparada na sua queda pela trabalhadora I…. Toda esta situação gerou grande alarido e gritos das funcionárias e, sobretudo, ocorreu na presença das crianças que ficaram assustadas, tendo sido necessária a intervenção de outras trabalhadoras no sentido de as acalmarem.
Este comportamento da A. é completamente incompreensível, despropositado, desproporcional face ao que havia ocorrido e inaceitável. E é de extrema violência, física (em relação à própria A. que ia desferir, em si própria, uma agressão física), mas sobretudo emocional, em relação às crianças que a ele assistiram, não sendo, de todo em todo, tolerável num estabelecimento de ensino, perante crianças que se encontram à guarda e sob protecção da Ré, que uma sua trabalhadora adopte comportamento, de tal intensidade, que é susceptível de por em causa o equilíbrio psíquico e emocional das crianças, não podendo e não devendo estas serem expostas a uma tal experiência que, obviamente, não poderá/deverá fazer parte do seu “processo de aprendizagem”. E a A. desprezou totalmente o bem estar das crianças, não se interessando que estivessem as mesmas presentes e o efeito que nelas poderia ter o seu comportamento.
Diga-se que a única “justificação” apresentada pela A. para o ocorrido foi negar a sua ocorrência, aceitando apenas que ao pegar na faca para descascar a fruta ela “resvalou” para o pulso, sendo que tal versão não ficou provada. Não foi invocada pela A. qualquer outra razão, designadamente qualquer eventual distúrbio psíquico que a tivesse impedido de avaliar e medir a gravidade do seu acto e das suas consequências nas crianças. Aliás ficou provado que a A. agiu da forma descrita com plena consciência dos seus actos, e vontade de os realizar, conhecedora das consequências que os mesmos podiam acarretar.
Acresce que o comportamento da A. é também susceptível de causar prejuízo à imagem da Ré, não sendo, certamente, para os pais das crianças, que confiam a guarda dos filhos, designadamente de tenra idade, aos cuidados da Ré, compreensível e aceitável que no local pelas mesmas frequentado, se encontre ao serviço trabalhadora que, conscientemente e na presença das crianças, desfere, ou tenta desferir, em si própria golpe no pulso com uma faca, tanto mais em resultado de uma mera altercação com colega de trabalho e/ou em desacordo com a sua superiora hierárquica por causa da tarefa de descascar a fruta, ou seja, sem qualquer razão minimamente justificativa do comportamento (isto, realça-se, “dando de barato” que, salvo grave distúrbio/doença do foro psíquico que impeça uma real perceção do ato e da sua gravidade, razão alguma existe que justifique um tal comportamento).
O mencionado comportamento da A. consubstancia pois infracção disciplinar, violador dos seus deveres laborais, designadamente de respeito, urbanidade, zelo, observância de regras de segurança no trabalho e promoção e defesa dos interesses da Ré.
E tal comportamento é, em si, de tal modo grave que é susceptível de determinar a total perda de confiança da Ré no comportamento daquela, confiança essa elemento e substrato indispensáveis à manutenção da relação laboral, não sendo de todo exigível à Ré a manutenção da relação de trabalho, nem mesmo retirando à A. as tarefas de descascar a fruta das crianças (tarefa essa da qual, aliás, a A. não discordava, tanto que toda a situação ocorreu porque pretendia a A. ser ela a executá-las). Para além de que sendo a Ré um estabelecimento de ensino, a A., que é trabalhadora de limpeza, sempre estará ou poderá estar em contacto com os alunos que o frequentam.
O referido comportamento, pela sua gravidade, determina, assim, a imediata impossibilidade/inexigibilidade de manutenção da relação laboral, constituindo justa causa de despedimento da A., sendo tal sanção disciplinar proporcional e adequada à gravidade desse comportamento.
E a isso não obsta a antiguidade da A., assim como é irrelevante que tenha, ou não, a mesma antecedentes disciplinares, pois que, mesmo que os não tenha ou não tivesse, o seu comportamento é, pelo que se deixou referido, de tal modo grave que determina a impossibilidade, por parte da Ré, de manter a relação laboral. E o mesmo se diga quanto à antiguidade.
Assim sendo, e concluindo, procedem nesta parte as conclusões do recurso, considerando-se que a A. foi despedida com justa causa, com a consequente revogação da sentença recorrida na parte em que condenou a Ré nas consequências do despedimento (retribuições intercalares e indemnização de antiguidade).
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IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide julgar ter sido a A., B…, licitamente despedida, com juta causa e se absolve a Ré, C…, de todos os pedidos contra ela formulados pela Autora.

Custas, em ambas as instâncias, pela Autora/Recorrida.

Porto, 09.09.2019
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
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[1] O legislador, no processo especial denominado de “Ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa ação, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, in A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, por facilidade quando nos referirmos à Autora (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respetivamente, à trabalhadora e à empregadora.
[2] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346).
[3] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589).