Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3322/07.6TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DEVERES ACESSÓRIOS DE CONDUTA
DANOS
PRIVAÇÃO DO USO
DEFESA INCOMPATÍVEL
PRESUNÇÃO
CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP201101253322/07.6TJVNF.P1
Data do Acordão: 01/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os deveres acessórios de conduta, ainda que não resultando do contrato, resultam sem dúvida do princípio da boa fé, tal como plasmado no art° 762° nº 1 do Código Civil, representando uma transferência, para o campo contratual, do princípio neminem laedere ou partem non- laedere.
II - Actua em violação de um dever acessório de conduta a seguradora que, sabendo não ser contratualmente responsável pelos danos de privação de uso, demorou mais do que o razoável para o apuramento da indemnização devida e para o seu pagamento, violando o equilíbrio contratual e rompendo a colaboração inter-subjectiva, causando os referidos danos, bem como danos morais, na pessoa do beneficiário do seguro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 3322-07.6TJVNF.P1. Relator – Vieira e Cunha; decisão de 1ª Instância de 6/4/2010.
Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. João Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº3322/07.6TJVNF, do 4º Juízo Cível da Comarca de Vª Nª de Famalicão.
Autor – B………..
Réus – C………., S.A., Banco D………., S.A., e E………., Ldª.

Pedido
Que as Rés sejam condenadas a pagar ao Autor:
a) a quantia de € 21.900, referente ao valor da viatura;
b) a quantia de € 45 diários, a título de indemnização pela privação do uso da viatura, desde o dia seguinte ao roubo, até efectivo e integral pagamento da quantia da alínea anterior, perfazendo na data da propositura da acção o valor de € 19.080.
c) o montante referente aos juros cobrados mensalmente pela 2ª Ré, que o Autor tem vindo a pagar em resultado do empréstimo que com ela celebrou;
d) a quantia de € 10.000, a título de danos não patrimoniais;
e) juros de mora calculados à taxa legal sobre as quantias discriminadas em 106º da P.I.
f) Que os RR. sejam condenados no pagamento de todos os prémios de seguro suportados até hoje pelo Autor, ascendendo, na data da ampliação do pedido a € 2.519,76, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.

Tese do Autor
Junto da 3ª Ré, em Julho de 2006, adquiriu uma viatura, marca BMW, pelo preço de € 21.900; tendo entregue em troca outra viatura, apenas pagaria a diferença, no valor de € 19.500.
Obteve tal quantia mediante financiamento na agência da 2ª Ré, com quem celebrou um contrato de crédito com reserva de propriedade.
Junto da 2ª Ré celebrou também um contrato referente ao dito veículo, com cobertura de responsabilidade civil e danos próprios.
No dia 3/8 foi emitido pela 1ª Ré o certificado provisório de seguro.
Nesse mesmo dia, procedeu ao levantamento do veículo.
O veículo veio a ser roubado, da posse do Autor, por indivíduos armados, no dia 8/9/2006.
Tendo realizado, a 11/9, a participação da ocorrência ao seguro, foi informado pela 1ª Ré que era desconhecida a apólice daquela viatura.
O Autor tem continuado a suportar o valor dos prémios de seguro.
Tese da Ré C……….
No exercício da sua actividade, celebrou com o 2º Réu um protocolo para comercialização de seguros do ramo automóvel (seguro facultativo automóvel de danos próprios), destinados a cobrir os riscos de veículos financiados pelo D………; em cada contrato, é seguradora a C………., tomador do seguro o D………. e segurada a pessoa ou entidade no interesse de quem o contrato é celebrado.
O risco de furto ou roubo é regulado pela Condição Especial (CE) 04, que dispõe, para além do mais, que não está abrangido pela cobertura o desaparecimento de veículos dotados de sistema de imobilização electrónica, excepto quando o seu proprietário esteja na posse de todas as chaves que, de origem, são entregues pela marca.
O seguro não cobre a entrega de veículo de substituição.
Tese do Banco D……….
Apenas foi intermediário na celebração do contrato de seguro, na medida em que o Autor se obrigou para com o contestante a efectuar um seguro previsto no contrato de venda a crédito celebrado entre as partes.
Tese da Ré E………
O ressarcimento do dano é da exclusiva responsabilidade das 1ª e 2ª Rés.
Sentença
Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção foi julgada parcialmente procedente e a 1º Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 31.900, acrescida do quantitativo diário de € 45, desde a data do roubo até ao efectivo pagamento da quantia correspondente ao valor da viatura roubada (€ 21.900) e acrescida ainda de juros de mora, desde a data do roubo até efectivo e integral pagamento das quantias supra aludidas.
Os 2º e 3º RR. foram integralmente absolvidos do pedido.

Conclusões do Recurso da Apelante 1ª Ré (resenha)
1 – Os seguros de responsabilidade civil não se confundem com os seguros por danos próprios em que a responsabilidade da seguradora deriva do próprio contrato e não do acidente ou forma como se deu;
2 - Na presente acção está apenas em causa o seguro por danos próprios, concretamente o resultante de "furto ou roubo", risco que a Recorrente garantia, até ao capital de € 21.900,00;
3 - Tendo ocorrido o "roubo" do veículo do Recorrido, e não operando qualquer causa de exclusão contratual da responsabilidade da Recorrente, é esta obrigada, por força do invocado contrato de seguro, a indemnizar o Recorrido nos termos contratualmente estipulados, que são apenas os que se encontram identificados na apólice n.º …./……., entre os quais o de "furto ou roubo", regulado pela Condição Especial 04, pelo referido capital de € 21.900,00;
4 - Constituindo-se a Recorrente em mora, depois de ter sido judicialmente interpelada para cumprir a obrigação, constitui-se na obrigação de pagar juros de mora, à taxa legal, sobre aquela importância, contados da citação;
5 - O seguro para o caso relevante, o da cobertura de danos próprios, não se confunde com o de responsabilidade civil, medindo-se a responsabilidade da Recorrente pelos termos do próprio contrato;
6 - Uma vez que a Recorrente e o Recorrido não contrataram, no âmbito do contrato de seguro por danos próprios, o risco da privação do uso do veículo, nada deve a Recorrente ao Recorrido a esse título;
7 -Igualmente, não tendo a Recorrente e o Recorrido contratado, no âmbito do seguro por danos próprios ora em questão, o risco de danos morais, terá que improceder o pedido formulado pelo Recorrido a esse título, isto é, por danos morais;
8 -A douta decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 427º do Cod. Comercial e 804º a 806º do Cod. Civil.

O Apelado pugna pela confirmação do decidido.

Factos Apurados em 1ª Instância
Em Junho de 2006, o autor decidiu trocar o seu veículo automóvel – Alínea A) dos Factos Assentes;
O autor, junto da 3ª ré, conseguiu encontrar uma viatura usada que correspondia às suas pretensões, pelo que aquela concretizou no dia 3/08/2006, o seguinte negócio: pelo preço de 21.900,00 Euros, disse pretender adquirir a viatura marca BMW, modelo …., matrícula ..-..-PZ, em troca da viatura marca BMW, com a matrícula OQ-..-.., no valor de 2.400,00 Euros, pelo que teria que pagar apenas a diferença entre os respectivos valores, ou seja, a quantia de 19.500,00 Euros – Alínea B) dos Factos Assentes.
Para o efeito, o autor celebrou com a 2ª ré, agência da Trofa, o Contrato de Crédito, que constituí o documento nº 1, junto aos autos com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, através do qual obteve da 2ª ré um financiamento no valor de 19 500, 00 Euros, para a aquisição da viatura referida em B), ficando a 2ª ré detentora da respectiva reserva de propriedade sobre essa mesma viatura – Alínea C) dos Factos Assentes.
Nesse mesmo dia – 3/8/2006 – o autor nas instalações da 2ª ré, sitas na Trofa, assinou o escrito que constitui doc. nº2 junto aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, denominado “Confirmação de Seguro no Contrato de Crédito”, tendo por objecto a viatura referida em B), tratando-se de uma proposta de seguro automóvel obrigatório e facultativo para danos próprios, nomeadamente furto e roubo – Alínea D) dos Factos assentes.
Nesse mesmo dia, 3 de Agosto, ao autor foi remetido via fax, o certificado provisório de seguro, emitido pela 1ª ré, a fim de poder levantar o carro nas instalações da 3ª ré – Alínea E) dos Factos Assentes.
Note-se que no certificado provisório referido, consta como tomador do seguro, o próprio autor – Alínea F) dos Factos assentes.
No referido dia 3 de Agosto, o autor, nas instalações da 3ª ré, procedeu ao levantamento do automóvel, sendo certo que naquele momento lhe foram entregues, segundo transmitido pela 3ª ré, todos os equipamentos pertencentes à viatura, nomeadamente: Posto de Bordo + Plano de Assistência + chave dupla + selo 2006, conforme documento/declaração que a 3ª ré solicitou ao autor que assinasse – Alínea G) dos factos assentes.
Em meados de Agosto de 2006, o autor recebe uma carta da 2ª ré, através da qual esta lhe remete a cópia do contrato de crédito e o original do certificado provisório de seguro, cuja validade corresponde ao período de 3 de Agosto a 2 de Setembro de 2006 – Alínea H) dos Factos assentes.
Algum tempo depois, estranhando o facto de não enviarem a respectiva carta verde e uma vez que o período de validade do certificado provisório estava prestes a findar, o autor deslocou-se à agência da 2ª ré e alertou para tal facto – Alínea I) dos factos assentes.
O funcionário da 2ª ré, Dr. F………, estranhando de igual modo tal demora, informou o autor que iria providenciar de imediato por um novo certificado provisório – Alínea J) dos factos assentes.
O novo certificado provisório foi remetido ao autor por carta registada datada de 5 de Setembro, no qual figura o autor como tomador e é respeitante ao período de 3/9/2006 e 2/10/2006 – Alínea K) dos factos assentes.
No dia 11 de Setembro, primeiro dia útil após o roubo da viatura, logo pela manhã, o autor dirigiu-se ao balcão da 2ª ré, na Trofa, a fim de informar o ocorrido e sobretudo fazer a participação do roubo à Companhia de Seguros – Alínea L) dos factos assentes.
Foi então informado que a participação deveria ser realizada perante a Companhia de Seguros 1ª ré, tendo o funcionário da 2ª ré, sugerido o Balcão de Vila Nova de Famalicão – Alínea M) dos factos assentes.
Nessa mesma manhã, para o efeito, o autor deslocou-se às instalações da 1ª ré, sitas em Vila Nova de Famalicão – Alínea N) dos Factos assentes.
Expondo o sucedido perante um dos funcionários da 1ª ré, o autor foi informado que nos registos informáticos da 1ª ré, não existia nenhum número de apólice referente à 1ª ré – Alínea O) dos Factos Assentes.
O autor, exibindo toda a documentação que detinha e que lhe foi enviada pelo D………., nomeadamente os certificados provisórios, confrontou o funcionário da 1ª ré, que respondeu que aqueles documentos “ não lhe diziam nada” e que ele autor, teria de se entender com o Banco, aqui 2ª ré – Alínea P) dos Factos assentes.
O autor entrou em contacto telefónico com o funcionário da 2ª ré, Dr. F………., que lhe transmitiu que iria contactar os serviços da C………. e depois lhe daria uma resposta – Alínea Q) dos factos assentes.
Entretanto, o funcionário da 1ª ré, informou o autor que independentemente de ainda não existir o número da apólice ou carta verde, seria melhor fazer chegar à 1ª ré, uma “declaração amigável” devidamente preenchida onde deveria descrever detalhadamente o ocorrido, tendo o autor, em conformidade, entregue esse documento naquele mesmo dia, ao início da tarde, naquela mesma agência – Alínea R) dos Factos assentes.
O autor, nesse dia, dirigiu-se novamente à agência da 1ª ré, em Vila Nova de Famalicão, e já absorvido pelos nervos atendendo ao desespero da situação, exigiu uma explicação – Alínea S) dos Factos assentes.
Depois de muita insistência, um funcionário da 1ª ré, contactando os serviços centrais, acabou por informar o autor que o registo do seguro tinha sido criado naquele preciso momento no sistema informático da 1ª ré – Alínea T) dos Factos assentes.
Em meados de Setembro, o autor recepcionou por carta enviada para a 1ª ré, agência de Vila Nova de Famalicão, um documento onde são indicadas as condições particulares de seguro, figurando no entanto, como tomador do seguro, a aqui 2ª ré – Alínea U) dos Factos assentes.
O autor mais uma vez dirigiu-se a Vila Nova de Famalicão, à agência da 1ª ré e solicitou explicação sobre o supra referido, quando o informaram que todos os seguros efectuados pelo Banco D………., tinham como tomador o mesmo banco – Alínea V) dos Factos assentes.
No dia 19 de Setembro, não conformado com a situação, o autor informou por cartas registadas com a/r, a 2ª ré e a 1ª ré de tudo o ocorrido, juntando os documentos que nas próprias refere, solicitou o pagamento da indemnização que lhe era devida, e advertiu da necessidade de alugar um veículo para se deslocar, caso aquelas entidades não lhe resolvessem o problema – Alínea w) dos Factos assentes.
No dia 20 de Setembro, o autor foi contactado telefonicamente pelo Sr. G………., que se apresentou como perito da 1ª ré, solicitando a marcação de uma reunião na qual deveria estar presente a Srª H………., no sentido de conversarem sobre o roubo da viatura, para lhe facultar todos os documentos relativos à viatura bem como todas as chaves de reserva que detinham em sua posse – Alínea X) dos Factos assentes.
Inseguro e ainda transtornado com tudo o que se passou, o autor e a Srª H………., depois de se certificarem que o Sr. G………. era perito da 1ª ré, reuniram-se no dia seguinte, onde responderam a todas as questões que lhes foram colocadas, entregou cópia dos documentos solicitados respeitantes à viatura, deixou que o Sr. Perito fotografasse a chave de substituição do veículo que detinha em sua posse e, posteriormente, entregou fotografias do automóvel no balcão de V.N. de Famalicão, a pedido ainda do Sr. Perito – Alínea Y) dos Factos assentes.
Em finais de Setembro, o autor finalmente recepciona por carta, a carta verde e o clausulado do seguro – Alínea Z) dos factos assentes.
No início de Novembro do mesmo ano, o autor foi contactado telefonicamente pelos serviços da 1ª ré, informando-o que a peritagem tinha corrido bem e que apenas teria de esperar o término do prazo de 60 dias, contado a partir do dia do roubo da viatura, sendo certo que nessa altura deveria entregar no balcão da C………. os seguintes documentos:
-Documento da Policia ou do Tribunal informando que a viatura não aparece;
-Declaração de venda do veículo só com os dados do vendedor;
-as chaves de reserva do veículo;
-documentos do veículo (registo de propriedade e livrete) – Alínea AA) dos factos assentes.
Durante o contacto estabelecido entre aqueles dois funcionários da 1ª ré, o autor que através do Sr. G………. colocava as questões que entendia, conseguiu finalmente obter algumas respostas, nomeadamente:
-que o valor da indemnização seria correspondente ao valor seguro, isto é, 21.900,00 Euros;
-que o pagamento seria efectuado até à próxima segunda ou terça-feira – dias 4 ou 5 de Dezembro de 2006;
-que até estar efectuado o pagamento, não poderiam confirmar ao autor se lhe iria ou não ser disponibilizada uma viatura de substituição – Alínea BB) dos factos assentes;
Findo o contacto, o autor solicitou ao Sr. G………. que por escrito, lhe transcrevesse o resultado da conversa, tendo este recusado e por este motivo e demais comportamentos já descritos, o autor solicitou o Livro de Reclamações e expôs o sucedido – Alínea CC) dos factos assentes.
No início de Dezembro, o autor, contactou a 1ª ré através da sua Linha Azul, pois que, apesar da informação que obteve no dia 30 de Novembro, não tinha conhecimento de qualquer pagamento – Alínea DD) dos factos assentes.
Nessa altura, foi-lhe transmitido que o pagamento estava pendente, uma vez que o autor só havia entregue uma chave de substituição e o Concessionário da marca (BMW) teria informado que aquele veículo deveria ter três chaves – Alínea EE) dos factos assentes.
No dia seguinte, 6 de Dezembro, o autor foi contactado pelo Sr. I………. dos Serviços Centrais da Companhia de Seguros C………., o qual lhe informou que no clausulado do contrato de seguros que celebrou, numa situação de roubo da viatura, era necessária a apresentação de todas as chaves do veículo – Alínea FF) dos Factos assentes.
No dia 14 de Dezembro de 2006, a 3ª ré emitiu o escrito/declaração que constitui o doc. nº 14 junto aos autos com a P.I. e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, onde se pode ler, além do mais, que no acto de entrega da viatura usada com a matrícula ..-..-PZ, apenas foram entregues ao autor duas chaves desse mesmo veículo, sendo uma a original e a outra uma dupla – Alínea GG) dos Factos assentes.
No final, o funcionário da 2ª ré, solicitou que o autor, por carta registada com aviso de recepção, formalizasse a sua exposição e a sua pretensão, a fim de a reencaminhar para os serviços competentes – Alínea HH) dos Factos assentes.
Tendo o autor remetido tal missiva no dia 5 de Abril de 2006 – Alínea II) dos Factos Assentes.
Contudo, até hoje, nunca obteve qualquer resposta à carta que enviou – Alínea JJ) dos Factos assentes.
Alguns dias depois o autor voltou a contactar o Dr. J………., tendo-o este informado que não tinha obtido qualquer resposta, mas que até ao dia 15 de Junho entraria em contacto com o autor – Alínea KK) dos Factos assentes.
O que também não veio a acontecer – Alínea LL) dos Factos assentes.
A 1ª ré dedica-se à indústria de seguros – Alínea MM) dos Factos assentes.
Pela carta de 14/09/2006, a ré C………. enviou ao autor a documentação do seguro de automóvel ………, nomeadamente o certificado internacional de seguro, denominado de “carta verde” e condição geral aplicável – Alínea NN) dos Factos assentes.
De acordo com tais documentos, e nos termos do contratado entre o autor e o Banco D………., e este o tomador do seguro como credor/locador, e o autor segurado – Alínea OO) dos Factos assentes.
Conforme o invocado contrato, a ré C………., como seguradora, garantia os danos sofridos pelo veículo de matrícula ..-..-PZ em consequência dos riscos descriminados na acta da apólice nº …./……, nomeadamente, e que ao caso interessa, o de “furto ou roubo” até ao capital de 21.900, 00 Euros – Alínea PP) dos Factos assentes.
O risco de “furto ou roubo” é regulado pela Condição Especial (CE) 04, das condições especiais de seguro facultativo ………. – Alínea QQ) dos factos assentes.
De acordo com o nº1 do art. 1º (âmbito de cobertura) da referida CE 04, “o seguro abrangido por esta cobertura garante os prejuízos ou danos causados pela perda da posse, destruição ou deterioração do veículo, por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentado, frustrado ou consumado) – Alínea RR) dos Factos assentes.
E dispõe o nº2 do referido art. 1º que “não está abrangido pela presente cobertura o desaparecimento de veículos dotados do sistema de imobilização electrónica, excepto quando o seu proprietário esteja na posse de todas as chaves que, de origem, são entregues pelo representante da marca – Alínea SS) dos Factos assentes.
Por outro lado, e nos termos do nº2 do art. 4º da referida Condição Especial 04 “ocorrendo furto, roubo ou furto de uso que dê origem ao desaparecimento do veículo que se prolongue por mais de 60 dias contados sobre a data da participação da ocorrência às autoridades competentes, a seguradora obriga-se ao pagamento da indemnização devida, nos termos da apólice” – Alínea TT) dos Factos assentes.
Nos termos do nº1 do art. 5º da referida CE 04, “Constituí obrigação específica do segurado, a comunicação imediata à Segurança, no caso de perda, extravio, furto ou roubo das chaves do veículo seguro, nos termos do nº2 do art. 1º da Condição Especial” – Alínea UU) dos Factos assentes.
A contestante, por carta de 5/12/2006 enviada ao autor transmitiu-lhe que “… o veículo em causa é dotado de um sistema de imobilização electrónica, sendo que o mesmo, de origem, é dotado de, pelo menos, 3 chaves” – Alínea VV) dos Factos assentes.
Invocando o nº2 do art. 1º da Clausula Especial 04, e considerando que o autor tinha remetido apenas uma das chaves, a contestante solicitou-lhe a devolução das chaves em falta – Alínea WW) dos Factos assentes.
Os riscos contratados com a ora contestante no âmbito do invocado contrato de seguro são apenas os que se encontram identificados na acta da apólice nº …./……. que o titula e que são os seguintes:
a) responsabilidade civil, condição especial 1, pelo capital de 50.000.000,00 Euros;
b) choque, colisão e capotamento, Condição especial 2, pelo capital de 21.900,00 Euros;
c) incêndio, raio e explosão, Condição Especial 3, pelo capital de 21.900,00 Euros;
d) Furto ou roubo, Condição Especial 4, pelo capital de 21.900,00 Euros;
e) Quebra de vidros, Condição Especial 6, pelo capital de 1.000,00 Euros;
f) Ocupante de viatura, Condição Especial 11, por morte e invalidez permanente até 25.000,00 Euros e despesas de tratamento e repatriamento até 2.500, 00 Euros – Alínea XX) dos Factos assentes.
O Banco D………., S.A., Sociedade Aberta, é uma sociedade anónima resultante da alteração da firma do K………., S.A. que, por escritura pública celebrada em 19/12/2002, no 4º Cartório Notarial do Porto, incorporou, por fusão, o Banco D………., S.A., para ele se transferindo globalmente o património deste, fusão por incorporação essa que foi inscrita no registo comercial pela Ap. 3/20021220, na 1ª Secção do C.R.C. do Porto – Alínea YY dos Factos assentes.
No dia 8 de Setembro de 2006, na companhia da Sr.a H………., o A. deslocou-se, na viatura aqui em questão, a ………., concelho de Matosinhos – Resposta ao Ponto 1º da B.I.
Chegados à ………. de ………., cerca das 23.30 horas, o A. estacionou a viatura – Resposta ao ponto 2º da B.I.
Nesse preciso momento, o A., foi surpreendido com umas fortes pancadas no vidro da porta do lado do condutor – Resposta ao ponto 3º da B.I.
Constata que o seu carro está cercado por outro veículo na parte de trás e por três indivíduos armados e encarapuçados – Resposta ao ponto 4º da B.I.
O A. e a Sr.a H………., foram obrigados a sair do carro sob a ameaça de morte – Resposta ao ponto 5º da B.I.
O A. após destravar a porta saiu do carro e gritou por socorro – Resposta ao ponto 6º da B.I.
Nesse momento, foi agredido violentamente com a coronha de uma das armas na cabeça, caiu no chão e continuou a ser agredido ao murro e ao pontapé – Resposta ao ponto 7º da B.I.
A Sr.a H………., namorada do A., foi violentamente puxada para fora do carro, não tendo os indivíduos dado oportunidade sequer para retirar a sua bolsa onde se encontravam os seus documentos e alguns objectos – Resposta ao ponto 8º da B.I.
Dois dos indivíduos entraram no carro, tentaram ainda atropelar o A. e puseram-se em fuga – Resposta ao ponto 9º da B.I.
Através do seu telemóvel, o A., ligou para o número 112, tendo a PSP de Matosinhos chegado ao local alguns minutos depois – Resposta ao ponto 10º da B.I.
O A. e a sua namorada, foram transportados para o Hospital ………. em Matosinhos, afim de receberem cuidados médicos – Resposta ao ponto 11º da B.I.
Depois de saírem do Hospital, o A. e a Sr.a H………., foram formalizar a competente queixa-crime na esquadra da PSP de Matosinhos – Resposta ao ponto 12º da B.I.
Já de madrugada, o A. recebe uma chamada telefónica da Policia Judiciária, tendo no dia seguinte, juntamente com a Sr’ H………., prestado declarações perante dois Inspectores da PJ, na esquadra da GNR de Santo Tirso – Resposta ao ponto 13º da B.I.
Tanto quanto sabe o A., neste momento as investigações do crime que foi vitimado estão a cargo da Policia Judiciária – Resposta ao ponto 14º da B.I.
Passados alguns dias, o A. perante a ausência de resposta e preocupado com a situação, deslocou-se uma vez mais ao Balcão da Trofa da 2 Ré, sendo que, desta vez, limitaram-se a transmitir que a 2ª Ré apenas vendeu o seguro, tudo o resto teria que ser tratado directamente com a seguradora – Resposta ao ponto 15º da B.I.
De imediato o A., providenciou para a obtenção do documento a emitir pela Policia Judiciária, através do qual se pode aferir que o veículo não tinha sido recuperado, nos dois meses posteriores ao roubo, destinando-se aquele a ser entregue na Companhia de Seguros – Resposta ao ponto 18º da B.I.
Em finais de Novembro, estando o A. na posse do aludido documento emitido pela Policia Judiciária e demais solicitado, entregou-os pessoalmente no Balcão da Ré, em Vila Nova de Famalicão – Resposta ao ponto 19º da B.I.
Quando, aproveitou para solicitar informações sobre o seu processo junto do Sr. G………., funcionário que o atendeu – Resposta ao ponto 20º da B.I.
No entanto, por aquele foi transmitido ao A. que, para obter qualquer informação sobre o processo teria que ligar para a Linha Azul da C………. e falar com o Sr. I………. – Resposta ao ponto 21º da B.I.
O A., tentou inúmeras vezes, contactar através daquela linha azul o citado Sr. I………., no entanto não o conseguiu – Resposta ao ponto 22º da B.I.
Desesperado, o A., tentou novamente junto da 2ª Ré, Banco D………., Agência da Trofa, obter informações, quando o Sr. L………., se comprometeu a averiguar a situação e a informar o A. – Resposta ao ponto 23º da B.I.
Entretanto, embora sem surtir efeito, o A. tentou, através da Linha Azul da C………., estabelecer contacto com o Sr. I………., sendo certo que a resposta era sempre a mesma: “deixe o seu contacto que o Sr. I………. entrará em contacto consigo logo que possa” – Resposta ao ponto 24º da B.I.
Sem obter qualquer resposta ou satisfação por parte das 1ª ou 2ª Ré, o A. no dia 30 de Novembro deslocou-se de tarde, mais uma vez, a Vila Nova de Famalicão, tendo-lhe sido transmitido pelo Sr. G………. que só o Sr. I………. lhe poderia responder – Resposta ao ponto 25º da B.I.
Farto de obter sempre a mesma resposta, o A., depois de grande insistência conseguiu convencer o Sr. G………. a ligar directamente ao Sr. I………. – Resposta ao ponto 26º da B.I.
O A. respondeu que o veiculo era usado e que o Stand que lho vendeu só lhe entregou duas chaves – Resposta ao ponto 28º da B.I.
O A., confrontou ainda o mesmo funcionário da 1ª Ré, com o facto de só dois meses após a celebração do contrato de seguro, a 1ª ré lhe ter enviado a carta verde e o clausulado – Resposta ao ponto 33º da B.I.
Mais informou-o do parecer que obteve junto do Instituto Português de Seguros, perante o qual o A. expôs a sua situação tendo-lhe sido dado um parecer que, a tal cláusula, a existir, lhes parecia abusiva até porque o A., adquiriu uma viatura usada – Resposta ao ponto 34º da B.I..
O funcionário da 1ª Ré, em tom exaltado respondeu que não valia a pena comentar o parecer do Instituto Português de Seguros e que a C………. não estava no mercado para perder dinheiro – Resposta ao ponto 35º da B.I..
O funcionário da P Ré, Sr. I………. informou o A. que o tomador do seguro era o banco D………. e por esse motivo, o A. não teria legitimidade para reclamar junto da C………. qualquer indemnização – Resposta ao ponto 36º da B.I.
O A., desesperado e incrédulo com o que lhe estava a acontecer, estabeleceu contacto telefónico com o vendedor que lhe vendeu a viatura, Sr. M………., tanto quanto sabe funcionário da 3 Ré – Resposta ao ponto 37º da B.I.
Transmitiu-lhe aquilo que se estava a passar e o Sr. M………. respondeu que aquele carro só tinha duas chaves, sendo certo que a 3 Ré, se disponibilizava a fazer uma declaração nessa conformidade – Resposta ao ponto 38º da B.I.
A 3ª R. entregou ao A. apenas duas chaves do veículo "PZ" – Resposta ao ponto 39º da B.I..
Nesse mesmo dia, o A. informou à 3 Ré que conforme informação que lhe tinha sido dada pela 1a Ré e a esta por sua vez o Concessionário da BMW, o seu carro teria que ter três chaves, solicitando-lhe a que se encontrava em falta – Resposta ao ponto 40º da B.I.
A 3ª Ré, na pessoa da Sr.a Dn.a N………., informou o A. que não tinha a tal chave, tendo inclusive contactado o anterior proprietário tendo-lhe este confirmado que não tinha a chave – Resposta ao ponto 41º da B.I.
Simultaneamente, e face à ultima informação que o A. tinha obtido junto da 1ª Ré, isto é, que não tinha legitimidade para reclamar qualquer indemnização pois não era tomador do seguro, o A. contactou novamente a 2ª Ré, no balcão da Trofa, desta vez junto do Sr. J………., então gerente de balcão – Resposta ao ponto 42º da B.I.
O Sr. J………., solicitou ao A. que este por e-mail solicitasse um pedido de reunião, onde deveria descrever as questões a abordar de forma que ele próprio se inteirasse da situação, e que posteriormente entraria em contacto para marcar o dia e hora da dita reunião – Resposta ao ponto 43º da B.I.
Sucede que tal nunca veio a acontecer, e por isso, o A. mais uma vez insistiu junto daquele balcão, tendo sido agendada a solicitada reunião para o dia 20 de Maio de 2007 – Resposta ao ponto 44º da B.I.
Nesse dia, o A., fez-se acompanhar pelo seu Advogado, reuniu-se com o Dr. J………., o qual diga-se ainda não estava ao corrente da situação – Resposta ao ponto 45º da B.I.
Contudo, o A., descreveu tudo aquilo que se tinha passado e que se resume ao exposto neste articulado – Resposta ao ponto 46º da B.I.
O A., em virtude da presente contenda, viu-se desesperado, por não ver a sua situação resolvida – Resposta ao ponto 47º da B.I.
E angustiado por se sentir totalmente impotente face à falta de respostas – Resposta ao ponto 48º da B.I.
E transtornado, já que perdeu várias horas e deslocou-se várias vezes para estabelecer contactos directos com as RR. – Resposta ao ponto 49º da B.I.
Sendo certo que se tem socorrido de amigos e familiares que lhe emprestam as suas viaturas quando necessita – Resposta ao ponto 50º da B.I.
O que sucede diariamente – Resposta ao ponto 51º da B.I. O A. sente-se triste e agoniado com toda a esta situação – Resposta ao ponto 52º da B.I.
O que lhe causa sofrimento – Resposta ao ponto 53º da B.I.
No exercício da sua actividade, a 1ª ré celebrou com o Banco D………., S.A. um protocolo de comercialização de seguros, para contratos de seguro do ramo automóvel destinados a cobrir os riscos de veículos novos financiados pelo Banco D………. – Resposta ao ponto 54º da B.I..
Para efeitos do referido protocolo e em cada contrato de seguro, é seguradora a ora contestante, tomador do seguro o Banco D………. e segurado a pessoa ou entidade no interesse da qual o contrato é celebrado – Resposta ao ponto 55º da B.I.
O veículo "PZ" estava dotado de sistema de imobilização electrónica – Resposta ao ponto 57º da B.I.
O A. entregou à contestante apenas uma das duas chaves de que dispunha, uma vez que a outra havia sido levada pelos autores do “roubo” – Resposta ao ponto 58º da B.I.
O Banco réu foi intermediário na celebração do contrato de seguro -
Resposta ao ponto 59º da B.I.
Após o Banco Réu ter sido informado da ocorrência do roubo do veículo do A., de imediato encaminhou o assunto para a Ré C………., a fim de ser dado seguimento ao processo de sinistro – Resposta ao ponto 61º da B.I.
Posteriormente, a pedido do A., tentou por diversas vezes esclarecer a situação junto dos serviços competentes da C………., tendo, inclusivamente, encaminhado a carta que constitui o doc. 16 da p.i., nos termos acordados na reunião a que o A. alude nos arts. 76° e 77° - Resposta ao ponto 62º da B.I.
Fundamentos
A questão levantada pelo presente recurso é tão só a de saber se, em face dos factos provados no processo e do contrato de seguro celebrado, foi adequada a condenação da ora Recorrente C………. em função da privação do uso do veículo e dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor.
Apreciemo-la de seguida.
I
A Apelante pretende se recentre a discussão no contrato de seguro, em que o Banco D…….... era tomador, e beneficiário o Autor – sustenta que no seguro de danos próprios (o caso do “roubo” de um automóvel, em causa nos autos) a responsabilidade da seguradora deriva apenas do contrato.
Em contra, porém, a douta sentença recorrida tinha escrito: “O que o Autor vem pedir não é, evidentemente, que a Ré, em cumprimento do contrato de seguro, o indemnize pela privação do veículo resultante do evento, mas sim da privação do veículo resultante do incumprimento do contrato por parte da Ré, o que são coisas necessariamente diversas”.
Como é sabido, o juiz não está sujeito a particulares enquadramentos legais que as partes elaborem nos respectivos articulados (artº 664º C.P.Civ.), desde que necessariamente respeite o consabido princípio da substanciação, vigente no nosso direito processual, isto é, desde que respeite a consequência lógica de um pedido face a uma causa de pedir, não desfigurando a natureza desta (caso em que nos encontraríamos perante uma condenação extra petitum – artº 661º nº1 C.P.Civ.).
Não é este o caso de se entender que uma determinada imputação sai fora do âmbito do estrito cumprimento do contrato (o pagamento da indemnização estipulada), constituindo antes a seguradora, para lá do cumprimento do contrato e sem relação com este, em responsabilidade contratual, por incumprimento, matérias para as quais a subsunção judicial é soberana.
Ora, na execução de um determinado contrato ou das obrigações secundárias ou acessórias dele decorrentes, pode incorrer-se em responsabilidade contratual?
Parece claro que sim – uma coisa é a responsabilidade obrigacional, que lida com a fonte original da obrigação, v.g., um contrato e matricialmente a (não) execução da prestação; outra coisa são os deveres secundários de prestação (ut Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, pg. 337):
- deveres secundários com prestação autónoma, nos quais se incluem prestações sucedâneas do dever primário de prestação, como, v.g., a indemnização por inadimplemento culposo, ou prestações coexistentes com a prestação principal, sem a substituírem (é o caso do direito à indemnização em caso de mora ou cumprimento defeituoso);
- deveres secundários, acessórios da prestação principal: dever de custodiar a coisa, de promover o seu transporte, de a embalar, acessórios do dever primário de prestação e a este dirigidos.
Estes são porém deveres dirigidos, ainda que não em via principal, à matriz definidora do comportamento do devedor que é efectuar a prestação convencionada.
Outros deveres existem e que seguem a realização do iter do contrato (lemos ainda o ilustre autor que citámos) que se caracterizam por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes – “trata-se de deveres de adopção de determinados comportamentos impostos pela boa fé, em vista do fim do contrato (artºs 239º e 762º C.Civ.), dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as circunstâncias concretas da situação” (Mota Pinto, op. cit., pg. 339).
Para a Recorrente, mesmo que implicitamente, tais deveres não integraram o acordo plasmado na apólice de seguro. Mas há também que acrescentar que tais deveres não tinham que integrar o acordo – trata-se “de deveres secundários de prestação e de deveres laterais, além de direitos potestativos, sujeições, ónus jurídicos, expectativas; todos os referidos elementos se coligam em atenção a uma identidade de fim e constituem o conteúdo de uma relação de carácter unitário e funcional: a relação complexa, em sentido amplo, ou, nos contratos, a relação contratual” (ut Almeida Costa, Obrigações, 9ª ed., pg. 63, cit. in Ac.S.T.J. 9/5/06 Col.I/67); avaliam-se como simples deveres de conduta, decorrendo de “uma ordem normativa que envolve o contrato e sujeita os contraentes aos ditames da boa fé, por todo o período da sua vida” (assim, Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, pg. 442 a 445).
Ainda na formulação deste Autor, “a envolver os deveres de prestar, qualquer que seja a sua natureza, predispõem-se na relação obrigacional uma série de outros deveres essenciais ao seu correcto processamento; não estão estes virados, pura e simplesmente, para o cumprimento do dever de prestar, antes visam a salvaguarda de outros interesses que devam, razoavelmente, ser tidos em conta pelas partes no decurso da sua relação; de um modo geral, eles exprimem, na formulação de Larenz, a necessidade de tomar em consideração os interesses justificados da contraparte e de adoptar o comportamento que se espera de um parceiro negocial honesto e leal, e costumam fundamentar-se no princípio da boa fé; pela sua índole, são susceptíveis de comparecer em qualquer relação obrigacional, seja o seu tipo aquele que for, e também só se especificam em função dos contornos que o desenrolar da vida da relação contratual venha a manifestar” (C. da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, 1994, pg. 39).
II
A formulação da douta sentença recorrida parece adequada quanto ao realçar da violação de deveres impostos pela boa fé que ressaltam dos factos provados, na economia do cumprimento do contrato de seguro, com o pagamento da indemnização:
“A R. é seguradora - parte economicamente mais forte - num contrato que garante a indemnização por danos próprios.”
“O tempo joga a seu favor, uma vez que o segurado que está a pagar as prestações da viatura financiada e continua a pagar os prémios do seguro em causa, precisa de uma viatura de substituição o mais rápido possível.”
“Dá-se o sinistro, o qual é comunicado à R.”
“Esta não tem pressa nenhuma e, 12 dias depois, faz a peritagem.”
“O A. está sem o seu carro.”
“Depois da peritagem, leva mais de dois meses para decidir, que não vai pagar a indemnização, por o autor não estar na posse das três chaves que supostamente lhe teriam sido entregues, de origem, pelo representante da marca.”
“Entretanto, o A. continua sem o seu carro.”
“O tempo joga a favor da R., que não tem pressa nenhuma.”
“A R. claramente fez-se valer de uma cláusula contratual de exclusão de responsabilidade para interpretar os seus deveres para com a contraparte da forma mais leonina possível, actuando de uma forma que nem o menos diligente operador de seguros actuaria na situação concreta.”
“Sabendo não ser contratualmente responsável pelos danos de privação de uso, demorou mais do que o razoável para o apuramento da indemnização devida e para o seu pagamento, violando o equilíbrio contratual e rompendo a colaboração inter-subjectiva que a lei pretende, ao consagrar os deveres acessórios de lealdade, por referência à boa fé no cumprimento dos contratos.”
“Assim, se da simples mora já derivava o dever, por parte da R., de indemnizar os danos que, com a mesma causou na esfera jurídica do A. - Cfr., artº 804º, nº 1, do Código Civil -, a consideração cumulativa da violação dos deveres acessórios de conduta aponta no sentido de um mais cabal ressarcimento do dano.”
Podendo ser discutida a distinção entre deveres secundários da prestação e deveres laterais ou acessórios da prestação (embora conduzindo a violação de ambos a idêntica consequência jurídica), inclinamo-nos para que a violação destes aludidos deveres, onde se incluía o mencionado dever de, antecipadamente alertada, a Autora diligenciar pelo pagamento da indemnização, proporcionando ao Autor a possibilidade de haver para si outro veículo automóvel, deverem ser classificados como deveres acessórios de conduta, enquanto não dirigidos ou complementares da prestação principal de indemnização, mas visando o risco de danos nos bens da contraparte, na esteira dos Profs. Antunes Varela e Meneses Cordeiro (respectivamente, in Das Obrigações em Geral, I/2ª ed./105 e Da Boa Fé no Direito Civil, I/603 a 616).
E tratando-se de dever acessório, encontramo-nos perante a violação de um dever de lealdade, que obrigava as partes a se absterem de comportamentos que pudessem falsear o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações consignado.
Portanto, no caso, o inexplicável atraso no andamento do processo de pagamento da indemnização ao Autor, traduziu-se na violação de um dever acessório da prestação, que, se cumprido, possibilitaria ao Autor o recurso à viatura nova (que continuava a pagar à entidade bancária tomadora do seguro). Tal dever, não resultando do contrato, resulta sem dúvida do princípio da boa fé, tal como plasmado no artº 762º nº1 cit., representando uma transferência, para o campo contratual, do princípio neminem laedere ou partem non laedere (para o caso).
Assim, quem venha a incorrer em responsabilidade contratual, por esta via, deve indemnizar o dano positivo que resultou para a contraparte, previsto pelo Código Civil português, genericamente, no artº 798º nº1 C.Civ. – neste sentido, Meneses Cordeiro, Da Boa Fé…, I/594 a 602, ou Obrigações, 2º/457; também Pires de Lima e A. Varela, Anotado, II/4ª ed./pg. 58. Resposta positiva se encontrará também em Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II/pgs. 1697 e 1698; de forma muito incisiva, na possibilidade de formulação de pedido idêntico ao pedido reconvencional dos autos, Meneses Cordeiro, Tratado (Direito das Obrigações), IV/185 (§70-II).
Na hipótese que nos é colocada, o dano positivo resultou, para a Ré, de dois factores:
- o primeiro, a privação do uso do veículo;
- o segundo, o prejuízo moral registado.
A este respeito do dano moral dos Autor, a sentença não o exclui, por aplicação do disposto no artº 496º nº1 C.Civ., mesmo no âmbito da responsabilidade contratual, tese que é de sufragar, para além de claramente maioritária na doutrina – por todos, cf. Galvão Teles, Obrigações, pg. 300, Almeida Costa, Obrigações, pg. 396, Vaz Serra, Revista Decana, 108º/222 e Bol. 83/69 e Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, pg. 85, nota 164, pese embora a opinião contrária, em minoria, de P. de Lima e A. Varela, Anotado, artº 496º, nota 8.
Na verdade, as regras da determinação da obrigação de indemnizar (artºs 496º e 562ºss. C.Civ.) são comuns às duas responsabilidades civis – a contratual e a aquiliana e ubi lex non distinguit nec nos.
Desta forma, em resumo, entendemos que existe, no caso, inexecução do contrato, por violação de deveres acessórios de conduta, violação imputável à Ré, do que resulta ter a Autora o direito a reclamar da Ré o valor que resultou, na totalidade, da condenação em 1ª instância, equivalente ao dano revelado no interesse contratual positivo, achando guarida no disposto nos artºs 562º, 566º, 762º nº2, 798º nº1 e 801º nº2 C.Civ.
A douta sentença recorrida merece, de pleno, confirmação.

Resumindo a fundamentação:
I – Os deveres acessórios ou laterais de conduta caracterizam-se por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes; já os deveres secundários, são dirigidos, ainda que não em via principal, à matriz definidora do comportamento do devedor que é efectuar a prestação convencionada.
II – Os deveres acessórios de conduta, ainda que não resultando do contrato, resultam sem dúvida do princípio da boa fé, tal como plasmado no artº 762º nº1 cit., representando uma transferência, para o campo contratual, do princípio neminem laedere ou partem non laedere
III – Actua em violação de um dever acessório de conduta a seguradora que, sabendo não ser contratualmente responsável pelos danos de privação de uso, demorou mais do que o razoável para o apuramento da indemnização devida e para o seu pagamento, violando o equilíbrio contratual e rompendo a colaboração inter-subjectiva, causando os referidos danos, bem como danos morais, na pessoa do beneficiário do seguro.
IV – Aquele que vier a incorrer em responsabilidade contratual, por esta via, deve indemnizar o dano positivo que resultou para a contraparte, previsto pelo Código Civil, genericamente, no artº 798º nº1 C.Civ.

Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto pela Ré, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pela Ré.

Porto, 25/I/11
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
João Carlos Proença de Oliveira Costa
(Tem o voto de conformidade da Exmª Desembargadora Drª Maria das dores Eiró, que não assina por não se encontrar presente.)