Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1783/11.8TBPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS
MONTANTES INDEMNIZATÓRIOS
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RP201503231783/11.8TBPNF.P1
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É adequada a compensação de quinze mil euros a lesada em acidente de viação em consequência do qual sofre lesões ao nível medular e torácico que lhe provocaram sofrimento e angústia que se prolongaram até à sua morte e durante, pelo menos, 50 minutos.
II - É adequada a indemnização de trinta e cinco mil euros a título de perda da contribuição alimentar de cônjuge quando a falecida tinha cinquenta e nove anos de idade, exercia a actividade de empregada de limpeza, auferindo mensalmente a quantia bruta de cerca de oitocentos e cinquenta euros.
III - É adequada a indemnização de quarenta mil euros a título de dano futuro da afectação da capacidade de ganho a lesada com trinta anos de idade, à data da consolidação das lesões, que ficou afectada de uma IPG de 14 pontos e auferia o vencimento mensal bruto de € 1.095,09.
IV - A compensação por danos não patrimoniais prevista na segunda parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil tem como fundamento a morte da pessoa que foi lesada pela acção ou omissão ilícita que veio a causar tal dano.
V - Por isso, o sofrimento que um dos familiares previsto no nº 2, do artigo 496º do Código Civil padece antes da ocorrência da morte do lesado não é compensável ao abrigo da segunda parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil.
VI - O titular do direito de indemnização apenas dispõe de uma oportunidade para em sede de incidente de liquidação quantificar o seu dano, não podendo lançar mão de novo incidente para liquidar dano que eventualmente não tenha logrado quantificar no primeiro incidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1783/11.8TBPNF.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1783/11.8TBPNF.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. É adequada a compensação de quinze mil euros a lesada em acidente de viação em consequência do qual sofre lesões ao nível medular e torácico que lhe provocaram sofrimento e angústia que se prolongaram até à sua morte e durante, pelo menos, 50 minutos.
2. É adequada a indemnização de trinta e cinco mil euros a título de perda da contribuição alimentar de cônjuge quando a falecida tinha cinquenta e nove anos de idade, exercia a actividade de empregada de limpeza, auferindo mensalmente a quantia bruta de cerca de oitocentos e cinquenta euros.
3. É adequada a indemnização de quarenta mil euros a título de dano futuro da afectação da capacidade de ganho a lesada com trinta anos de idade, à data da consolidação das lesões, que ficou afectada de uma IPG de 14 pontos e auferia o vencimento mensal bruto de € 1.095,09.
4. A compensação por danos não patrimoniais prevista na segunda parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil tem como fundamento a morte da pessoa que foi lesada pela acção ou omissão ilícita que veio a causar tal dano.
5. Por isso, o sofrimento que um dos familiares previsto no nº 2, do artigo 496º do Código Civil padece antes da ocorrência da morte do lesado não é compensável ao abrigo da segunda parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil.
6. O titular do direito de indemnização apenas dispõe de uma oportunidade para em sede de incidente de liquidação quantificar o seu dano, não podendo lançar mão de novo incidente para liquidar dano que eventualmente não tenha logrado quantificar no primeiro incidente.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
A 31 de Agosto de 2011, no Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel, invocando terem requerido apoio judiciário, B…, C... e D… instauraram a presente acção declarativa sob forma ordinária contra E… – Companhia de Seguros, S.A. pedindo a condenação desta ao pagamento da quantia de € 321.245,00 acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e até efectivo e integral pagamento, com a seguinte discriminação:
- € 2.700,00 relativo ao valor comercial do veículo matrícula ..-..-LC, propriedade da autora C…;
- € 2.680,00 para ressarcimento do dano da privação do uso sofrido pela autora C… até 22 de Agosto de 2011;
- € 25.000,00 pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima F…, antes de morrer;
- € 35.000,00 para compensação do dano não patrimonial que B… sofreu em consequência da morte de sua mulher;
- € 25.000,00 para cada um dos restantes autores e para ressarcimento do dano não patrimonial que sofreram pela morte de sua mãe;
- € 70.000,00 para ressarcimento do dano da morte de F…;
- € 1.350,00 que os autores suportaram pelo funeral de sua mulher e mãe;
- € 285,00 com o custo de uma coroa, utilização da capela mortuária, serviço religioso e cemitério;
- € 250,00 que despenderam na compra de peças de roupa preta;
- € 133.980,00 pela perda da contribuição alimentar do cônjuge sofrida pelo autor B…;
- a título de dano patrimonial e não patrimonial sofrido pelo autor B… em resultado dos danos corporais que padeceu, a quantia que vier a ser liquidada em momento ulterior;
- a título de dano patrimonial sofrido pelo autor B… em consequência da assistência médica, medicamentosa, hospitalar e fisiátrica que poderá vir a carecer no futuro, a quantia que vier a ser liquidada em momento ulterior;
- a título de dano patrimonial e não patrimonial sofrido pela autora C… em resultado dos danos corporais que padeceu, a quantia que vier a ser liquidada em momento ulterior;
- a título de dano patrimonial sofrido pela autora C… em consequência da assistência médica, medicamentosa, hospitalar e fisiátrica que poderá vir a carecer no futuro, a quantia que vier a ser liquidada em momento ulterior;
- juros de mora contados à taxa legal sobre as quantias que vierem a ser liquidadas em momento ulterior desde a citação da ré no incidente de ampliação do pedido ou execução de sentença e até efectivo e integral pagamento.
Para fundamentar as suas pretensões, os autores alegam que no dia 16 de Junho de 2011, pelas 21 horas, na A4, ao km. 34,600, …, no sentido Amarante – Porto, o veículo ligeiro de passageiros, de marca Citroën, modelo …, de matrícula ..-..-LC, pertencente à autora C… e por ela conduzido e no qual seguiam como passageiros o autor B…, F… e G… e o veículo ligeiro de passageiros, marca Volkswagen, modelo …, de matrícula ..-GB-.., conduzido pelo seu proprietário H…, foram intervenientes numa colisão, imputando a culpa da respectiva produção ao condutor deste último veículo que, circulando a velocidade nunca inferior a 140Km/h e sem guardar a distância devida do veículo que o precedia – o GB, nele veio a embater violentamente com a parte da frente do seu veículo na traseira do LC; em consequência do acidente veio a falecer F…, esposa do primeiro autor e mãe dos restantes autores, sofrendo estes os danos cujo pagamento peticionam nestes autos; a Companhia de Seguros ré, à data, havia assumido a responsabilidade pelos danos causados pela circulação do veículo de matrícula OE.
Posteriormente, os autores vieram comunicar a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo ao autor B… e na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça aos outros dois autores, optando estes pelo pagamento da totalidade da taxa de justiça devida.
Efectuada a citação da ré, esta contestou declarando aceitar a responsabilidade civil pelo acidente de viação objecto destes autos, impugnou alguns dos factos articulados pelos autores, sustentou não ser devida qualquer indemnização pela privação do uso do veículo, atenta a sua perda total e, além disso, ainda que assim não fosse, não foi alegado qualquer prejuízo efectivo sofrido pela autora C…; mais alega que o autor não tem direito a qualquer indemnização pela alegada privação de alimentos em virtude de à data do sinistro não viver exclusivamente dos rendimentos auferidos pela falecida F…, sendo em todo o caso exagerada a indemnização peticionada a tal título, concluindo que a acção deverá ser julgada em função do que se provar e for de direito.
A pretexto da ré ter deduzido defesa por excepção peremptória, os autores replicaram.
O Instituto de Segurança Social veio deduzir pedido de reembolso de prestações da segurança social contra a ré seguradora, pedindo a condenação desta ao pagamento da quantia global de € 3.504,54, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência pagas no período compreendido entre Julho de 2011 e Novembro de 2011, tudo acrescido de juros de mora a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
A ré contestou o pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social.
Realizou-se audiência preliminar, na qual o Instituto da Segurança Social ampliou o seu pedido para o montante de € 4.568,83, montante alegadamente correspondente aos valores pagos até 20 de Maio de 2012, ampliação que foi deferida, proferindo-se despacho saneador tabelar e procedendo-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.
As partes ofereceram as suas provas.
A 05 de Junho de 2012, B… e C… vieram proceder à liquidação dos danos ilíquidos descritos na petição inicial, pedindo ambos a condenação da ré ao pagamento da quantia de mil euros que despenderam nas obras de arranjo da sepultura da falecida F… e o autor B… a quantia de cinco mil euros a título de dano biológico por si sofrido, a quantia de € 250,00 despendida com a assistência de terceira pessoa no período em que esteve em situação de incapacidade temporária absoluta, a compensação de € 20.000,00 por causa das dores e sequelas derivadas do sinistro e a indemnização de € 495,00 a título de despesas médicas que suportou, enquanto a autora C… pediu a condenação da ré ao pagamento da quantia de € 1.167,19, a título de despesas em consultas médicas, tratamentos de fisioterapia e despesas diversas, a quantia de € 60.000,00, a título de perda da capacidade de ganho, a quantia de € 250,00 despendida com a assistência de terceira pessoa, no período em que esteve em situação de incapacidade temporária absoluta e a compensação de € 30.000,00 por causa das dores e sequelas derivadas do sinistro, montantes acrescidos de juros de mora a contar da citação da ré para o incidente de liquidação e até efectivo e integral pagamento.
A ré deduziu oposição ao incidente de liquidação requerido pelos autores B… e C…, impugnando a generalidade da factualidade articulada no aludido incidente e requereu a efectivação de prova pericial médica aos mesmos autores.
Realizou-se audiência preliminar complementar, na qual os autores concretizaram alguma factualidade constante do incidente de liquidação, fixou-se o valor da causa no montante de € 439.131,19 e procedeu-se ao aditamento de matéria de facto à base instrutória, tendo todas as partes reiterado as provas que já haviam anteriormente oferecido.
Admitiu-se e realizou-se a prova pericial requerida pela ré.
A 07 de Abril de 2014, B… e C… vieram requerer ampliação do pedido, pedindo o primeiro a condenação da ré ao pagamento da despesa de € 265,00 com a aquisição de um colchão ortopédico, enquanto a segunda pediu a condenação da mesma ré ao pagamento de despesas no valor global de € 547,58, tudo acrescido de juros de mora contados desde a notificação da ampliação do pedido até efectivo e integral pagamento.
A ré contestou a ampliação do pedido por desconhecimento, impugnando os documentos oferecidos pelos autores.
A audiência realizou-se em três sessões, na última das quais se admitiu o requerimento de ampliação do pedido formulados pelos autores B… e C… na fase da audiência final.
A 12 de Maio de 2014 foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo que se reproduz na parte pertinente para este acórdão:
“Face a tudo quanto supra se expendeu decide-se julgar a ação parcialmente procedente por provada e em consequência, condena-se a ré E… – Companhia de
Seguros, S.A. a pagar:
I) solidariamente, aos autores B…, D… e C… a quantia global de 77.450,00€ (setenta e sete mil, trezentos e cinquenta euros) para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos e bem assim pela vitima F…, sendo a quantia de 60.000,00€ relativa ao dano de morte, a quantia de 15.000,00€ relativa ao dano do sofrimento da vitima antes de morrer, a quantia de 1.000,00€ que despenderam para arranjo do jazigo, a quantia de 1350,00€ relativa a despesas com o funeral da vitima (do qual se deverá deduzirá a quantia que receberam a título de subsidio por morte da interveniente ISS – cf. facto 57) e a quantia de 100,00€ para compra de peças de roupa preta; a estas quantias acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
II) ao autor B… a quantia global de 35.760,00€ (trinta e cinco mil, setecentos e sessenta euros) para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, sendo a quantia de 760,00€ a título de dano emergente, a quantia de 5.000,00€ para compensação do dano biológico (IPG) de que ficou a padecer, a quantia de 30.000,00€ devida pela perda da contribuição alimentar do seu cônjuge (do qual se deduzirá a quantia que recebeu a título de subsidio de subsidio de sobrevivência – cf. facto 57) e, a quantia de 25.000,00€ devida para ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da morte do seu cônjuge e a quantia de 20.000,00€ para ressarcimento dos danos não patrimoniais que sofre em consequência do acidente objeto dos autos; a estas quantias acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
III) ao autor D… a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) devida para ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da morte de sua mãe, quantia à qual acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
IV) à autora C… a quantia global de 95.414,97€
(noventa e cinco mil, quatrocentos e catorze euros e noventa e sete cêntimos para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, sendo a quantia de 5.414,77€ a título de dano emergente, a quantia de 40.000,00€ para compensação do dano biológico (IPG) de que ficou a padecer, e, a quantia de 20.000,00€ devida para ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da morte de sua mãe e a quantia de 30.000,00€ para ressarcimento dos danos não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente objeto dos autos; a estas quantias acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
V) ao interveniente Instituto de Segurança Social, I.P. a quantia de €4.568,83 (quatro mil, quinhentos e sessenta e oito euros e oitenta e três cêntimos), acrescida da quantia relativa a todas as pensões de sobrevivência que entretanto forem pagas na pendência da ação ao autor B… até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder (art. 70º da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro) a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% desde a citação e até efetivo e integral pagamento”.
Por despacho proferido a 26 de Maio de 2014, a Sra. Juíza a quo determinou a correcção do ponto II e IV do dispositivo da sentença, por enfermarem de erro de cálculo, passando no ponto II do dispositivo da sentença a constar o valor de € 80.760,00 onde ficou a constar € 35.760,00 e no ponto IV, onde ficou a constar € 95.414,97, determinou-se que passasse a constar € 95.414.77.
A 13 de Junho de 2014, inconformada com a sentença, a ré seguradora interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença condenou a recorrente no pagamento da quantia de € 15.000,00 como indemnização pelo sofrimento da vítima antes do falecimento, a atribuir solidariamente a todos os recorridos.
2. Decisão com que a recorrente não se pode conformar.
3. O direito não se compadece com decisões que se distanciem dos montantes firmados pela maioria da jurisprudência.
4. É indiscutível a dignificação que merece a vida humana, sendo consensual a atribuição de um montante indemnizatório pelo sofrimento, angústia, e medo que o ser humano sente, momentos antes da sua morte.
5. No entanto, e quanto a este dano, a jurisprudência está a atribuir valores inferiores aos arbitrados na douta sentença, ora posta em crise.
6. Em situação mais grave, tendo fixado provado que a vítima sofreu graves ferimentos e denotava forte sofrimento durante as 7h40 que mediaram entre o acidente e a sua morte, gemendo, aflito com muitas dores e angústia, sentindo as suas forças a esvaírem-se e pressentindo o pavor da aproximação da sua morte, entendeu-se equitativa a atribuição do montante de € 12.500,00 para compensação do dano moral próprio da mesma vítima – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2013 in http://www.dgsi.pt/stj
7. Em outra situação o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão que atribuíra uma indemnização de € 7.500,00 em que a vítima teve que ser desencarcerada da viatura, apresentando sinais de vida, tendo padecido de dores graves que só cessaram com a sua morte, e que sofreu angústias insuperáveis traduzidas em dores físicas intensíssimas, que se traduziram nas várias costelas fraturadas e hemorragia interna – acórdão de 15 de abril de 2009 in http://www.dgsi.pt/stj.
8. O sofrimento que vivenciou a malograda F… e que antecedeu a sua morte foi manifestamente inferior àquele que se descreve nos doutos acórdãos citados, pelo que não poderá deixar de o refletir o montante compensatório a atribuir nos presentes autos.
9. A douta sentença ora posta em causa condenou a recorrente no pagamento de € 30.000,00, deduzidos os montantes já disponibilizados ao recorrido B… pelo Instituto de Segurança Social, como indemnização pelo dano da perda da contribuição alimentar.
10. Cremos que o direito à indemnização aqui em causa está previsto no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
11. O direito de indemnização excecionalmente reconhecido neste preceito não tem por objeto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre a vítima e o credor da indemnização; daí que o prejuízo a indemnizar seja somente o da perda de alimentos decorrente da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior (quer no valor, quer na duração) à que o lesado suportaria se fosse vivo – referência feita no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de outubro de 2004, citando Antunes Varela in Código Civil anotado, V, pág. 576.
12. O cálculo desta indemnização em caso de morte de um dos cônjuges não pode obedecer cegamente aos parâmetros que em geral são seguidos na respetiva determinação e quando está em causa uma incapacidade parcial permanente para o trabalho, até porque os alimentos prestados a terceiro não participam dos mesmo grau de previsibilidade que o ganho potencial da própria vítima.
13. Deve ter-se em conta que a falecida exercia a atividade de empregada doméstica, cujos rendimentos são por natureza incertos e variáveis, em comparação com a retribuição auferida por um trabalhador por conta de outrem.
14. A douta sentença considerou os rendimentos auferidos pela falecida F… (€ 850,00 mensais), tomando em conta, no cálculo do montante indemnizatório 6 anos de rendimentos, porquanto a falecida tinha 59 anos à data do acidente e a sua vida profissional prolongar-se-ia até aos 65 anos, tendo-se aceite que a falecida despendia consigo própria 1/3 do seu rendimento.
15. No entanto, não se ponderou que a contribuição da vítima para os encargos da vida familiar tenderia a diminuir com o avançar da idade e ainda que a indemnização arbitrada será paga de uma só vez (o que representa uma vantagem patrimonial muito relevante).
16. Pelo que se reputa de excessivo o valor fixado em primeira instância para ressarcir a perda da contribuição alimentar do recorrido B….
17. A douta sentença fixou o valor da indemnização para compensar o dano biológico e os danos não patrimoniais sofridos pela recorrida C… no total de € 70.000,00.
18. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio estabelece critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal.
19. O objetivo desta portaria é o de estabelecer um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas, nos termos do artigo 39.º, n.º 3, do Decreto-Lei n-º 291/2007.
20. Pese embora os tribunais não estejam vinculados ao critério da proposta razoável, conhecendo a portaria e o objetivo do legislador de, através dela uniformizar os critérios legais de avaliação de danos e conferir celeridade na atribuição de indemnizações aos sinistrados, não devem desviar-se deste desiderato, afigurando-se razoável que não desprezem tais critérios, prevenindo a existência de dois pesos e duas medidas e o recurso em massa dos lesados a Juízo na mira de obterem muito melhores indemnizações, com a consequente frustração dos objetivos prosseguidos pelo referido diploma regulamentar.
21. Na situação em apreciação, o critério da portaria apontaria para uma indemnização global de € 53.232,41, considerando já os valores máximos propostos e atualizados.
22. Consequentemente não pode deixar de se julgar excessivo o valor global fixado em € 70.000,00.
23. O valor fixado para ressarcir a perda da capacidade de ganho da recorrida C… e que se fixou em € 40.000,00 é excessivo mesmo lançando mão dos critérios tradicionalmente aplicáveis.
24. A lei civil não prevê uma fórmula rigorosa para calcular o montante da indemnização, é consensual que para o cálculo do montante a fixar na indemnização pela perda da capacidade de ganho, não podem deixar de se considerar, mesmo que o valor se tenha que fixar pelo recurso à equidade, certos dados objetivos, como a idade do sinistrado, para daí obter o número possível de anos futuros de vida ativa, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados, e com a participação do próprio capital, compense, o lesado, dos ganhos do trabalho, que perdeu ou pode perder.
25. O valor que se fixou em € 40.000,00 é exagerado atendendo à jurisprudência dominante, uma vez que a justiça pressupõe a previsibilidade e certeza das decisões dos tribunais.
26. O Supremo Tribunal de Justiça em 7 de outubro de 2010, sendo relator HELDER ROQUE, entendeu ser adequada a quantia de € 30.000 para compensar a perda da capacidade aquisitiva, tratando-se de situação mais grave do que a da recorrida.
27. Na verdade na situação apreciada pelo STJ o autor apresentava dores, na face anterior do joelho, que lhe dificultam o ato de subir e descer escadas que o impedem de ajoelhar, não conseguia correr, saltar, nem caminhar sobre os calcanhares e apresentava marcha claudicante; no futuro devido à osteopenia e a esforço osteofitário na espinha tibial, as sequelas agravar-se-iam; o autor era panificador, atividade que exige a solicitação do esforço do tornozelo e do tarso direitos e que dificulta a execução habitual da sua profissão; à data do embate auferia o salário líquido de € 1.072,59; tendo 47 anos à data da consolidação médico-legal.
28. No caso dos autos pese embora a idade inferior da recorrida, o salário auferido não difere significativamente da situação em apreciação, sendo menos grave a incapacidade permanente de que ficou a padecer.
29. Pelo que crê a recorrente não poder ser fixada para a recorrida uma indemnização superior à que corresponde a situação de danos com repercussões mais gravosas no respetivo desempenho profissional.
30. A douta sentença condenou a recorrente no pagamento de € 20.000 para compensar o sofrimento causado pelo acidente ao B… e de € 30.000 com fundamento nos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida C….
31. São sobejamente conhecidas as dificuldades em quantificar os danos não patrimoniais e em traduzi-los numa quantia em dinheiro que, de alguma forma, compense o sofrimento, o desgosto e a dor.
32. Estamos, de facto, perante bens imateriais, insuscetíveis de avaliação pecuniária.
33. Uma indemnização para ressarcir os danos não patrimoniais tem por base juízos de equidade para aferir uma quantia adequada que proporcione ao ofendido alegrias ou satisfações que compensem as dores, desilusões ou outros sofrimentos que tenham sido provocados.
34. Há ainda que atender às decisões proferidas pelos tribunais em situações idênticas.
35. Em situação muito mais grave do que aquelas que são objeto destes autos, o Tribunal da Relação do Porto, em 1 de Abril de 2008, sendo relator CÂNDIDO LEMOS, entendeu fixar uma compensação por danos não patrimoniais de € 20.000.
Teve-se em consideração os seguintes factos:
A autora, que à data do evento tinha 22 anos, ficou portadora de lesões que a desgostam e interferem com o uso do corpo na atividade básica de mastigar. Ficou com uma cicatriz de 9 milímetros no queixo, assimetria facial medianamente percetível, a afetar-lhe a zona direita inferior da face e o próprio queixo, saliência na zona da articulação mandibular esquerda, uma zona dessensibilizada do interior da boca. A mastigar, a autora não pode ingerir todos os alimentos em condições que antes eram correntes, como sejam alimentos que impliquem grande abertura da boca ou alimentos duros e adota uma atitude de limitação no uso dos maxilares, uma vez que tem dores na mobilização intensa do maxilar inferior e sentimento de desconforto. A assimetria na zona do maxilar é compatível com prejuízo na função dos dentes, ou seja da eficácia mastigatória, por desfasamento entre os dentes superiores e os dentes inferiores (má oclusão). Por fim, a autora continua a sofrer de dores à palpação numa zona do interior da boca, na imediação de um dente molar e de um dente pré molar, o que se revela em atividades correntes como lavar os dentes com escova e contacto com alimentos duros.
36. Sendo que, numa outra situação, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu reputar de justo e adequado — à dor e ao dano — o valor de 22.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais, a arbitrar a um cidadão que, sem nenhuma culpa, vê embater o motociclo que tripula num outro veículo que inopinadamente lhe corta a linha de marcha, em consequência do que sofre ferimentos sérios no fémur direito e traumatismo crâneo-encefálico, e é atingido nos ouvidos, ficando a sofrer de vertigem e diminuição acentuada do olfato — consabidas ainda as dores de que é passível tal localização das lesões – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2009, 2ªSecção, Processo n.º 6888/05.1TBVNG.P1.
37. Crê a recorrente que os danos causados aos recorridos são manifestamente inferiores ao sofrimento que foi causado nas duas situações descritas nos acórdãos citados.
38. Pelo que, a diferença no cômputo compensatório não poderá deixar de o salientar de forma significativa.
39. É pelo exposto excessivo compensar com € 20.000,00 e em € 30.000,00 os danos não patrimoniais sofridos pelos recorridos.
40. Pelo sofrimento causado à recorrida C… em virtude do falecimento de sua mãe, foi a recorrente condenada no pagamento de € 20.000,00.
41. A douta sentença entendeu diferenciar o sofrimento sentido com a morte da mãe pela C… em comparação com o seu irmão D…, por ter a recorrida presenciado o acidente.
42. Não se aceita tal fundamento para distinguir a dor, angústia e sofrimento dos filhos.
43. O dano não patrimonial aqui em causa relaciona-se com as emoções negativas sentidas com o falecimento de um dos seus.
44. Ao decidir em contrário a douta sentença fez errada interpretação da lei em violação do disposto nos artigos 483.º, 496.º, 562.º, 563.º e 566.º, do Código Civil.”
A 17 de Junho de 2014, também inconformados com a sentença, os autores[1] interpuseram recurso de apelação terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. Relativamente à indemnização pelo dano patrimonial decorrente da perda de alimentos, cumpre chamar à colação o que dispõe o n.º 3 do art. 495.º do Código Civil (CC), o qual refere que "Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural."
2. No caso de herdeiros da vítima mortal, “o seu direito a indemnização não depende da prova de factos reveladores da sua necessidade de alimentos no confronto com a referida vítima” - cfr. Acórdão do STJ de 18.12.2003, disponível em www.dgsi.pt, processo n.º SJ200312180041207; não só a letra do citado artigo induz a tal solução - porquanto apenas refere a possibilidade de exigir alimentos, sem mais - como também sempre seria de entender que a própria vítima, antes da morte, integra na sua esfera jurídica o direito de ser indemnizada pela perda de rendimentos de trabalho, direito que, no caso, é transmitido ao Autor B… por via sucessória (art. 2024.º);
3. A valorização do dano patrimonial decorrente da perda de alimentos sofrido pelo aqui Autor B… foi incorretamente efetuado pelo tribunal a quo;
4. Esse montante compensatório deveria ter tido como medida o cômputo da perda do montante global de alimentos que o interessado poderia receber da lesada;
5. Entende o Recorrente B… ser mais justo, adequado e equitativo a atribuição de uma indemnização de valor nunca inferior a € 70.000,00 para o compensar do dano patrimonial por si sofrido com a perda da contribuição alimentar que era efetuada pela sua esposa;
6. De igual modo, o valor arbitrado a título de ressarcibilidade do dano inerente à IPG de 14 pontos, com rebate profissional a exigir esforços suplementares, de que a Autora C… ficou a padecer, também se encontra fixada por defeito;
7. A jurisprudência maioritária converge no sentido de que a indemnização deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida ativa da vítima e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes à perda de ganho. Sendo a estimativa desse dano feita com recurso à equidade, não pode prescindir-se do que normalmente acontece, no que respeita à duração da vida ativa, à flutuação do valor do dinheiro, às expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc. Porque a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas;
8. Considerando todos estes fatores, atendendo a que a lesada em nada contribuiu para o acidente de que foi vítima e tendo presente os padrões que vêm sendo utilizados em recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, afigura-se-nos que o montante adequado para a indemnização dos danos decorrentes da referida incapacidade permanente geral deverá ser de € 60.000,00 (sessenta mil euros);
9. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Na fixação da indemnização deve o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior;
10. Resultou abundantemente demonstrado que o Autor B… necessitará no futuro de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos (ponto 47 da matéria de facto provada) e, bem assim, tratamentos e suporte regular por fisioterapia - vide relatório médico legal de 28.2.2014 e esclarecimentos prestados pelo perito em 5.4.2014 - pelo que quanto a estes prejuízos cumpria ao tribunal a quo relegar a sua quantificação para liquidação posterior, servindo-se da faculdade prevista no artigo 564.º, n.º 2 do CC;
11. De igual, também resultou suficientemente indiciado que a Autora C… carecerá de tratamentos médicos - consultas de psicologia – e ajuda medicamentosa, considerando o facto de se tratar de sequelas crónicas. Destarte, também se impunha relegar a fixação desta indemnização para momento ulterior já que se trata indelevelmente de um dano futuro e previsível;
12. Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou o disposto no artigos 483.º, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil.”
Os autores contra-alegaram pugnando pela total improcedência do recurso de apelação interposto pela ré seguradora.
Com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos, atenta a natureza estritamente jurídica das questões decidendas e as linhas de força jurisprudenciais relativamente estabilizadas sobre as questões suscitadas, decidiu-se dispensar os vistos e, nada obstando ao conhecimento dos objectos dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta os objectos dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações[2] (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Dos danos não patrimoniais sofridos por F… antes do seu óbito (questão da ré);
2.2 Da indemnização do autor B… pela perda da contribuição alimentar (questão comum);
2.3 Da indemnização por dano biológico da autora C… (questão comum);
2.4 Da compensação por danos não patrimoniais da autora C… e do autor B… decorrentes das lesões que sofreram no acidente (questão da ré)
2.5 Dos danos não patrimoniais sofridos pela autora C… com o falecimento de F… (questão da ré);
2.6 Dos danos futuros e ilíquidos do autor B… decorrentes de despesas com cuidados hospitalares, médicos, medicamentosos, tratamentos e fisioterapia e da autora C… com consultas de psicologia e ajuda medicamentosa (questões dos autores B… e C…).
3. Fundamentos de facto exarados na sentença sob censura expurgados de referências probatórias e que não foram impugnados, não se divisando qualquer fundamento legal para a sua reapreciação oficiosa
3.1 Factos provados
3.1.1
A ré E… - Companhia de Seguros, S.A., no exercício da sua actividade seguradora, celebrou com H…, um contrato de seguro do ramo automóvel inerente à circulação do veículo automóvel com a matrícula ..-GB-.. (Volkswagen …), em vigor no dia 16-06-2011 (alínea A) dos factos assentes).
3.1.2
O autor B… era casado com F…; os autores C… e D… são filhos do autor B… e de F… (1º e 2º parágrafo da alínea B dos factos assentes).
3.1.3
F… faleceu em 16 de Junho de 2011, com 59 anos de idade, no estado de casada; os autores B…, C… e D… são os únicos e universais herdeiros de F…[3] (3º e 4º parágrafo da alínea B) dos factos assentes).
3.1.4
No dia 16 de Junho de 2011, pelas 21 horas, na auto-estrada A4, ao km 34,600, no sentido Amarante - Porto, em …, Penafiel, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes, o veículo ligeiro de passageiros, de marca Citroën, modelo …, de matrícula ..-..-LC, propriedade da autora C… e por esta conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, modelo …, de matrícula ..-GB-.., conduzido pelo seu proprietário H… (alínea C) dos factos assentes).
3.1.5
Nesse local, e atento o sentido de marcha Amarante - Porto, a A4 descreve-se em recta, de declive descendente, com dois corredores de circulação afectos ao mesmo sentido de marcha e cada corredor de circulação tinha (como tem) cerca de 3,7 metros de largura, sendo que a referida auto-estrada é ladeada nas extremidades por bermas e “rails” de protecção, o piso era betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação, o estado do tempo era bom, era dia e a visibilidade era boa (alínea D) dos factos assentes).
3.1.6
O veículo de matrícula LC (Citroën …) circulava pelo corredor de circulação mais à direita, atento o sentido de marcha Amarante/Porto e nesse veículo eram transportados, além da sua condutora, o autor B… (pai da condutora), F… (mãe da condutora) e a Sra. G… (avó da condutora e mãe da D. F…) (alínea E) dos factos assentes).
3.1.7
Imediatamente atrás do veículo de matrícula LC (Citroën …) e pelo mesmo corredor de circulação, transitava o veículo de matrícula ..-GB-.. (Volkswagen …), a uma velocidade não concretamente apurada, sem que o seu condutor guardasse uma distância de segurança do veículo que o precedia[4] (o Citroën …), uma vez que tinha adormecido enquanto estava a conduzir (alínea F) dos factos assentes).
3.1.8
Atenta a diferença de velocidades imprimidas aos veículos de matrícula LC (Citroën …) e ..-GB-.. (Volkswagen …), o veículo de matrícula GB, veio a embater violentamente com a frente do seu veículo na traseira do veículo de matrícula LC (alínea G) dos factos assentes).
3.1.9
A colisão ocorreu sensivelmente ao km 34,618, da hemi-faixa[5] de rodagem mais à direita da A4, atento o sentido de marcha Amarante/Porto, sendo que pela hemi-faixa de rodagem mais à esquerda não circulava qualquer veículo, estando a mesma totalmente desimpedida (alínea H) dos factos assentes).
3.1.10
Compelida pela violência do embate, a condutora do veículo de matrícula LC (Citroën …) perdeu o controle do mesmo, entrando em despiste, rodopiando sobre si mesmo, vindo a embater nos “rails” de protecção situados do seu lado direito e acabando por se imobilizar no local que consta no croquis de fls. 156 (alínea I) dos factos assentes).
3.1.11
O veículo de matrícula ..-GB-.. (Volkswagen …) imobilizou-se a 150 metros do local do embate (alínea J) dos factos assentes).
3.1.12
A colisão descrita deveu-se à circunstância de o condutor do veículo ..-GB-.. (Volkswagen …) circular sem atenção ao trânsito e à sua condução, e a não guardar um espaço livre e visível à sua frente que lhe permitisse aí imobilizar o seu veículo (alínea K) dos factos assentes).
3.1.13
Na sequência da colisão referida em 7) (3.1.7), o veículo de matrícula LC (Citroën …), do ano de fabrico e primeiro registo de Maio de 1998, sofreu danos em toda a sua estrutura que impossibilitavam a sua circulação pelos próprios meios, designadamente ao nível da traseira, inviabilizando a sua reparação, sendo o seu valor comercial, nessa data, de € 2.700,00, e tendo os serviços da ré concluído pela perda total do mesmo, o que foi comunicado à autora C… (alínea L) dos factos assentes).
3.1.14
Do referido acidente resultaram danos corporais em todos os passageiros do veículo de matrícula LC (Citroën …) e em consequência desses ferimentos vieram a falecer F… e G…, apesar do socorro dos bombeiros e das equipas do INEM que acorreram ao local (alínea M) dos factos assentes).
3.1.15
O autor B… é beneficiário da Segurança Social com o número ……….., o autor D… é beneficiário da Segurança Social com o número ……….., a autora C… é beneficiária da Segurança Social com o número ……….. e a falecida F… era beneficiária da Segurança Social com o número ……….. (alínea N) dos factos assentes).
3.1.16
A comunicação de perda total do veículo por parte da ré, referida em L), ocorreu ao menos em 25-07-2011 (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
3.1.17
O veículo de matrícula LC (Citroën …) era o único meio de transporte da autora C… [e] do seu agregado familiar, composto pelo seu pai e sua mãe (respostas aos artigos 3º e 4º da base instrutória).
3.1.18
Era com o mesmo que a autora se deslocava para o trabalho, às compras, à farmácia, às repartições públicas e que levava os seus pais ao médico (respostas aos artigos 5º a 7º da base instrutória).
3.1.19
Aquando do referido acidente e antes ainda do socorro referido em 14) (3.1.14), a autora C… tentou prestar socorro a F… e G… (resposta ao artigo 8º da base instrutória).
3.1.20
Do assento de óbito de F… consta que o óbito ocorreu pelas 21h.50m (resposta ao artigo 10º da base instrutória).
3.1.21
A falecida F… sofreu lesões ao nível medular e torácico, o que lhe provocou sofrimento e angústia que se prolongou, ao menos, por 50 minutos (resposta aos artigos 11º a 14º da base instrutória).
3.1.22
A falecida F… dedicava afecto, amor e carinho ao autor marido, B… (resposta ao artigo 15º da base instrutória).
3.1.23
Era uma companheira e amiga há mais de 41 anos (resposta ao artigo 16º da base instrutória).
3.1.24
Era uma mãe dedicada, nutrindo pelos filhos ternura e amor (resposta ao artigo 17º da base instrutória).
3.1.25
A sua morte provocou nos autores tristeza, consternação e pesar (resposta ao artigo 18 da base instrutória).
3.1.26
O autor B… ficou abatido, deixou de conviver socialmente e raramente sai de casa (resposta aos artigos 19º e 20º da base instrutória).
3.1.27
E sente-se triste (resposta ao artigo 21º da base instrutória).
3.1.28
Os autores filhos, D… e C…, sofrem por perderem a mãe que amavam (resposta ao artigo 22º da base instrutória).
3.1.29
Os autores, com o funeral de F… suportaram a quantia de € 1.350,00 (resposta ao artigo 23º da base instrutória).
3.1.30
Com a utilização da capela mortuária (€50), do serviço religioso (€50), cemitério (€35) e aquisição de uma coroa de flores naturais (€ 150), suportaram a quantia de € 285,00 (resposta ao artigo 24º da base instrutória).
3.1.31
Com a aquisição de roupa preta, para cumprirem o luto, despenderam quantia não concretamente apurada (resposta ao artigo 25º da base instrutória).
3.1.32
A falecida F… exercia a actividade de empregada doméstica, trabalhando à hora (resposta ao artigo 28º da base instrutória).
3.1.33
Trabalhava todos os dias úteis, da parte da manhã, para I…, o que lhe permitia auferir € 260,00 mensais (resposta aos artigos 29º e 30º da base instrutória).
3.1.34
Trabalhava todos os dias úteis, da parte da tarde, para J… o que lhe permitia auferir € 350,00 mensais (resposta aos artigos 31º e 32º da base instrutória).
3.1.35
Trabalhava aos sábados para K…, o que lhe permitia auferir € 193,60 mensais (resposta aos artigos 33º e 34º da base instrutória).
3.1.36
E trabalhava, duas vezes por semana, na hora de almoço, na limpeza do prédio sito no nº .. da Rua …, o que lhe permitia auferir € 62,50 mensais (resposta aos artigos 35º e 36º da base instrutória).
3.1.37
Canalizava esses rendimentos para a satisfação das necessidades do seu agregado familiar, composto por si e pelo autor marido, B… (resposta ao artigo 37º da base instrutória).
3.1.38
O autor B… está reformado, recebendo uma pensão de € 303,00 (trezentos e três euros) e não tem outro rendimento (resposta aos artigos 38º e 39º da base instrutória).
3.1.39
Era com esse rendimento do agregado familiar que pagavam mensalmente as despesas com água, luz e gás, alimentação, vestuário, medicamentos e demais encargos da vida quotidiana (resposta ao artigo 40º da base instrutória).
3.1.40
O autor B…, na sequência do acidente e dos ferimentos que sofreu, teve de ser transportado para o Hospital (resposta ao artigo 42º da base instrutória).
3.1.41
Foi assistido no serviço de urgência do Hospital de Penafiel e depois no Hospital de S. João, no Porto, e aí deu entrada em estado politraumatizado, apresentando as lesões ao nível torácico e cervical indicadas a fls. 160 e 161[6] (resposta aos artigos 43º a 45º da base instrutória).
3.1.42
Permaneceu internado no Hospital de S. João até ao dia 27 de Junho de 2011 (resposta ao artigo 46º da base instrutória).
3.1.43
E desde então passou a ser assistido em consulta ambulatória nessa mesma instituição hospitalar (resposta ao artigo 47º da base instrutória).
3.1.44
Continua a tomar a medicamentação referida a fls. 160[7] (resposta ao artigo 48º da base instrutória).
3.1.45
No dia no dia 14 de Julho de 2011, o autor B…, voltou a ser internado no Hospital de S. João, onde permaneceu internado até ao dia 24 de Agosto de 2011 (resposta aos artigos 49º e 50º da base instrutória).
3.1.46
Em consequência dessas lesões, o autor B… sofreu e continua a sofrer dores, o que se agrava quando se sujeita a esforço físico ou terapêutica fisiátrica (resposta aos artigos 51º e 52º da base instrutória).
3.1.47
No futuro o autor B… necessitará de cuidados hospitalares médicos e medicamentosos (resposta ao artigo 53º da base instrutória).
3.1.48
A autora C…, na sequência do referido acidente, teve lesões ao nível da cervical e da lombar (resposta ao artigo 54º da base instrutória).
3.1.49
E foi transportada para o hospital de Penafiel, onde lhe diagnosticaram, entre outras, uma lesão toraco-abdominal, com afectação da cervical (resposta aos artigos 55º e 56º da base instrutória).
3.1.50
Teve alta nesse dia sujeita a colar cervical e a ajuda medicamentosa (resposta aos artigos 57º e 58º da base instrutória).
3.1.51
No dia seguinte, por não aguentar as dores na cervical, recorreu à urgência do Hospital de S. João e a partir dessa data permaneceu sobre [sob?] vigilância dessa unidade hospitalar (resposta aos artigos 59º e 60º da base instrutória).
3.1.52
Esteve incapacitada de exercer a sua actividade profissional de contabilista, durante cerca de 20 dias e nada recebeu, do Instituto da Segurança Social, IP, pelo período de baixa médica (resposta aos artigos 61º e 62º da base instrutória).
3.1.53
Continua a realizar sessões de fisioterapia na SEF (Serviços de Saúde e Fisioterapia) (resposta ao artigo 63º da base instrutória).
3.1.54
A data da consolidação médico-legal das lesões que a autora sofreu é fixável em 6/03/2012 (resposta ao artigo 64º da base instrutória).
3.1.55
Em consequência dessas lesões, a autora C… tem sofridos dores físicas, o que se agrava quando anda de tacão alto, quando se sujeita a esforço físico e quando fica na mesma posição mais do que uma hora ainda que sentada (resposta aos artigos 65º a 69º da base instrutória).
3.1.56
A autora tem dores quando efectua os tratamentos fisiátricos (resposta ao artigo 70º da base instrutória).
3.1.57
O autor B… apresentou na Segurança Social requerimento a solicitar as prestações por morte de F…, o que foi deferido e, por isso, a Segurança Social pagou, no período de Julho de 2011 a Maio de 2012, o montante de 4.658,63€ (resposta aos artigos 72º a 74º da base instrutória).
3.1.58
As despesas com o arranjo do jazigo onde foi sepultada F… foram de € 1.000,00 (resposta ao artigo 77º da base instrutória).
3.1.59
Na sequência do acidente dos autos e dos ferimentos que padeceu o autor B…, actualmente o mesmo apresenta as seguintes queixas: a) Dores costais na posição de deitado, não conseguindo dormir sobre o lado direito; b) Dores e falta de ar ao mudar de posição na cama, não conseguindo dormir de "barriga para baixo"; c) Frequentes síndromas gripais desde o acidente; d) Dores no pescoço (musculares) abrangendo os ombros; e e) Dores na coluna lombar (lombalgia) (resposta ao artigo 77º da base instrutória).
3.1.60
No exame ortopédico sumário, foram descortinadas as seguintes alterações: - ao nível dos membros inferiores - morfo-anatomia alterada pela presença de cicatrizes no joelho direito. Valgismo fisiológico fémero-tibial presente. Mobilidade das grandes articulações (ancas, joelhos e tornozelos) sem perturbações de realce, contudo dor no joelho direito na flexão forçada. Presença de derrame intra-articular do joelho direito e crepitação rotuliana dolorosa. O joelho esquerdo tem ligeiro desalinhamento em varo neutro. Não há dismetrias de realce, nem aparentes assimetrias dos perímetros das massas musculares. Ao nível da coluna vertebral e bacia morfo-anatomia normal. Cistas ilíacas posteriores horizontalizadas. Dor à compressão das apófises transversas direitas de L1 a L4. Teste de Schorbert (resposta ao artigo 78º da base instrutória).
3.1.61
Em face desse quadro clínico, o autor padece das seguintes sequelas: i. Cervicalgia residual; ii. Toracalgia dos dois hemotórax, sobretudo à direita por consequência das fracturas[8] consolidadas a nível de 10 arcos costais; iii. Lombalgia residual pós-fractura de quatro apófises transversas direitas (resposta ao artigo 79º da base instrutória).
3.1.62
Em consequência do acidente sofreu: a) um período de IGTT (incapacidade genérica temporária total) de 55 dias; b) um período de IGTP (incapacidade genérica temporária parcial) entre 28/06/2011 e 12/07/2011, entre 25/08/2011 e 16/11/2011; c) um quantum doloris de grau 6, numa escala crescente de 0 a 7; e) uma IPG/APIPF (incapacidade permanente genérica/afectação permanente da integridade psicofísica) de 14 pontos, implicando esforços suplementares; f) sem dano futuro em termos concretos (resposta ao artigo 80º da base instrutória).
3.1.63
O autor, antes do acidente, era pessoa alegre, bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais (resposta ao artigo 81º da base instrutória).
3.1.64
Após o acidente, passou a ser pessoa triste, de difícil contacto, desconcentrado e ansioso (resposta ao artigo 82º da base instrutória).
3.1.65
As lesões determinam-lhe dificuldades em caminhar, em conduzir, em estar de pé, em andar em automóvel, em plantar e colher produtos hortícolas e em todas as tarefas do dia-a-dia, o que lhe dava gozo pessoal (resposta aos artigos 83º a 88º da base instrutória).
3.1.66
Tornando-se pessoa facilmente irritável e irascível, e passou a ter distúrbios de memória e de sono e a ter pesadelos (resposta aos artigo 89º a 91º da base instrutória).
3.1.67
Teve despesas médicas, com consultas, perícias, com a aquisição de um estrado com ripas e de um colchão ortopédico no montante de € 760 (resposta ao artigo 92º da base instrutória e 5º da ampliação do pedido de fls. 609).
3.1.68
Das sessões de fisioterapia referidas em 53) (3.1.53), a autora C… realizou 75 sessões e continua com queixas de cervicalgia, irradiando ao ombro esquerdo (resposta aos artigos 93º e 94º da base instrutória).
3.1.69
Tem dores lombares, no cóccix e na zona pélvica e apresenta sintomatologia psicopatológica (resposta aos artigos 95º e 96º da base instrutória).
3.1.70
A autora, antes do acidente, era pessoa afável, expedita e bem disposta (resposta ao artigo 97º da base instrutória).
3.1.71
E após o acidente, passou a ser pessoa sisuda, distante e ansiosa e com dificuldades de concentração (resposta aos artigos 98º e 99º da base instrutória).
3.1.72
O que se tem agravado com o decurso do tempo e em consequência do processo de luto com evolução lenta apresenta-se ansiosa e com humor deprimido (resposta aos artigos 100º e 101º da base instrutória).
3.1.73
Apresenta-se com perturbação pós-stress traumático crónico, sendo seguida em psicologia desde 27-06-2011 (resposta aos artigos 102º e 103º da base instrutória).
3.1.74
Em consequência do acidente sofreu um período de ITTP (incapacidade temporária total profissional) de 2 dias; um período de IGTP (incapacidade genérica temporária total) desde de 18.06.2011 a 6.03.2012; c) um quantum doloris de grau 7, numa escala crescente de 0 a 7; d) uma IPG/APIPF (incapacidade permanente genérica/afectação permanente da integridade psicofísica) de 14 pontos, implicando esforços suplementares; e) não se prevê dano futuro em termos concretos (resposta ao artigo 104º da base instrutória).
3.1.75
Em 2009, a autora C… teve um rendimento anual de €11.505,70 (resposta ao artigo 105º da base instrutória).
3.1.76
E em 2010, um rendimento anual de € 13.141,10 (resposta ao artigo 106º da base instrutória).
3.1.77
E, teve despesas médicas, com consultas, perícias, taxas moderadoras, técnicas especiais de cinesiterapia e ginástica e medicamentos no montante de € 1.714,77 (resposta ao artigo 107º da base instrutória e artigo 6º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 609).
3.1.78
À data do embate a autora C… tinha 30 anos de idade[9] e o autor B… 70 anos de idade[10]
3.2. Factos não provados
3.2.1
Que a comunicação de perda total do veículo por parte da ré referida em L só tenha ocorrido em 27/07/2011 (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
3.2.2
Que o socorro às vítimas mortais do acidente tenha sido ainda tentado por um terceiro, condutor de outro veículo (resposta ao artigo 9º da base instrutória).
3.2.3
Que para além do que se teve por provado em 10) (3.1.10) ambas vieram a falecer próximo das 22:00h (resposta ao artigo 10º da base instrutória, na parte não provada).
3.2.4
Que para além do que se teve por provado em 21) (3.1.21) que o seu sofrimento se tenha prolongado por cerca de uma hora (resposta ao artigo 14º da base instrutória).
3.2.5
Que para além do que se teve por provado em 27) (3.1.27) o autor B… passe os dias a chorar e triste (resposta ao artigo 21º da base instrutória).
3.2.6
Que para além do que se teve por provado em 28) (3.1.28) os autores entraram em solidão (resposta ao artigo 22º da base instrutória, na parte não provada).
3.2.7
Que a despesa referida no facto 31) (3.1.31) tenha ascendido a 250€ (resposta ao artigo 25º da base instrutória, na parte não provada).
3.2.8
Que o jazigo onde foram sepultados os restos mortais de F… não esteja acabado, que implicará, no futuro, despesas com o arranjo do jazigo (resposta aos artigos 26º e 27º da base instrutória).
3.2.9
Que o autor B…, para assegurar a sua subsistência, necessita da caridade e da solidariedade dos filhos (resposta ao artigo 41º da base instrutória).
3.2.10
Que as lesões que a autora sofreu não se encontrem consolidadas (resposta ao artigo 64º da base instrutória).
3.2.11
Que no futuro a autora necessitará de cuidados hospitalares, médicos, fisiátricos e medicamentosos (resposta ao artigo 71º da base instrutória).
3.2.12
Que o autor tenha sofrido um prejuízo de afirmação pessoal quantificável no grau 3 a 4, numa escala crescente de 0 a 7 e um quantum doloris pós-fixação da IPG, devendo qualificá-lo em grau 3 a 4, numa escala crescente de 0 a 7 (resposta a parte da matéria vertida no artigo 80º da base instrutória).
3.2.13
Que a autora C… tenha ficado a padecer de um quantum doloris pós-fixação da IPG, qualificável em grau 3, numa escala crescente de 0 a 7 (resposta a parte da matéria vertida no artigo 104º da base instrutória).
3.2.14
Que os autores B… e C… durante o período de ITA tenham necessitado da ajuda de terceira pessoa para locomover-se e para se alimentar (resposta aos artigos 38º, 39º e 61º do incidente de liquidação junto de folhas 192 a 217).
3.2.15
Que a Segurança Social continuará a pagar ao B… a pensão de sobrevivência de 164,87 € (resposta ao artigo 75º da base instrutória).
4. Fundamentos de direito
4.1 Dos danos não patrimoniais sofridos por F… antes do seu óbito (questão da ré)
A ré insurge-se contra o montante arbitrado a título de dano não patrimonial sofrido por F…, entre o momento do acidente e o seu óbito, valor que reputa excessivo e para abonar a sua pretensão de redução da compensação de quinze mil euros fixada a tal título, cita dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos, respectivamente, a 29 de Outubro de 2013[11] e a 15 de Abril de 2009[12], ambos acessíveis na base de dados da DGSI.
Nas contra-alegações, os recorridos, em abono da sua pretensão de improcedência deste segmento do recurso da ré seguradora citam os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 2013, proferido no processo nº 177/11.0TBPCR.S1[13] e de 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo nº 269/09.5GBPNF.P1.S1[14] e deste Tribunal da Relação de 22 de Maio de 2012, proferido no processo nº 24/09.2TBCHV.P1[15], todos acessíveis nas bases de dados da DGSI.
Na decisão recorrida fundamentou-se esta compensação por danos não patrimoniais nos termos que seguem:
“O dano do sofrimento da vítima antes de morrer
A este título pedem os autores que a ré seja condenada no pagamento da quantia de 25.000,00€.
Em causa está o dano não patrimonial próprio sofrido pela vítima pela antevisão da sua respetiva morte, sofrido pela própria vítima entre o facto danoso e a morte, antes de falecer, com a perceção da iminência da morte, com a perturbação, susto, medo, sofrimento, até à morte, mesmo que de forma fugaz.
Os danos não patrimoniais próprios da vítima, neste particular segmento, previstos no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte – cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 04/06/2008, proferido no processo n.º 1618/08-3.
O dano em causa configura dano autónomo do dano morte que a antecede cronologicamente – a angústia perante a iminência do acidente e da morte – neste sentido, acórdãos do STJ, de 18-12-2007, proferido no processo n.º 3715/07-7.ª e de 25-06-2009, proc. n.º 521/09-2.ª -, tratando-se de dano diferente, como refere o Ac. de 24-05-2007, proferido no processo n.º 1359/07.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça apresenta diferentes formas de abordagem quanto à possibilidade de compensação deste dano, sendo uma mais restritiva e outra que parte da consideração de que o sofrimento que substancia este dano é facto notório. No sentido de que a compensação carece de alegação de factos a partir dos quais possa ser determinada, pronunciou-se o acórdão de 12-02-2009, proferido na revista n.º 4125/07-2.ª. De acordo com o Ac. de 31-01-2006, proferido no processo n.º 3769/05-1.ª, em caso de acidente causado por poste da PT, provando-se que o filho dos autores desmaiou logo que ocorreu o acidente e que sobreviveu cerca de uma hora, não há que considerar quaisquer danos não patrimoniais sofridos por este no período entre o acidente e a sua morte. Igualmente negada foi a compensação por tal dano no acórdão de 21-02-2008, processo n.º 26/08-7.ª, considerando-se que, face à (enorme) gravidade dos ferimentos sofridos, não ter tido a vítima possibilidade de sofrer a antevisão da morte. De igual modo foi afastado o ressarcimento deste específico dano nos acórdãos de 17-06-1997, processo n.º 376/97-1.ª e de 09-09-2008, processo n.º 1995/08-1.ª. O acórdão de 31-03-2009, proferido no processo n.º 507/09-1.ª, focando casos de morte cerebral e experiências de quase morte, peri morte ou transição, pondera que no positivismo de uma decisão judicial só se deve buscar a “verdade” jurídico-factual, pelo que provada a “morte imediata” sequente às lesões sofridas em acidente de trânsito, não é possível indemnizar a dor moral que resulta do leque de sensações (angústia e sofrimento) no momento que precedeu a morte. No acórdão de 30-10-2012, proferido no processo n.º 830/08.5TBVCT.G1.S1-1.ª, a compensação foi negada, com o argumento de não poder sustentar-se que seja um facto notório ocorrer sempre sofrimento e angústia quando a morte sobrevém em consequência de um acidente.
Em registo oposto, no acórdão de 15-12-1976, processo n.º 34663, BMJ n.º 262, p. 156, entendeu-se haver lugar a compensação por este dano, mesmo sendo a morte imediata. Segundo o acórdão de 07-11-2006, processo n.º 2873/06-6.ª, o sofrimento moral da vítima ante a iminência da morte nos 30 minutos decorridos após o acidente é uma evidência – é, por si só, um facto notório, dispensado de alegação e prova, e que não pode deixar de ser valorizado em sede de indemnização por danos não patrimoniais. De acordo com o acórdão de 25-06-2009, processo n.º 521/09-2.ª, constitui facto notório o grande sofrimento de que padece uma pessoa que, por poucos segundos que sejam, luta contra a morte que vê iminente.
No caso concreto, e conforme o ponto 20 e 21 dos factos provados, do assento de óbito de F… consta que o óbito ocorreu pelas 21h.50m e que a falecida F… sofreu, em consequência do acidente, lesões ao nível medular e torácico, o que lhe provocou sofrimento e angustia que se prolongou, ao menos, por 50 minutos.
Tendo em conta o condicionalismo fático assim apurado, julga-se adequado fixar o valor correspondente a esta compensação em € 15.000,00.”
Cumpre apreciar e decidir.
No caso em análise, não se controverte já a compensabilidade do dano não patrimonial sofrido pela vítima F… no tempo que mediou entre o acidente e o momento da sua morte, mas tão-só a sua medida que, no caso de danos não patrimoniais, é sempre fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (veja-se o nº 4, do artigo 496º do Código Civil, que também é a fonte normativa em que se fundamenta a compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido antes do seu óbito).
Além disso, importa também não perder de vista que “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (artigo 8º, nº 3, do Código Civil).
Salvo melhor opinião, as decisões do Supremo Tribunal de Justiça citadas pela recorrente não têm o alcance que a mesma lhes empresta, porquanto incidiram sobre recursos de seguradoras que sustentavam que os montantes arbitrados a título de danos não patrimoniais derivados do sofrimento da vítima entre a ocorrência das lesões e o óbito eram demasiado elevados, tendo o Supremo Tribunal de Justiça concluído, nos dois casos citados, que as compensações arbitradas não eram excessivas.
No entanto, como é bom de ver, isso não significa que o nosso mais alto Tribunal tenha considerado que tais compensações não pudessem ser de montante superior, porquanto não houve recurso da banda dos sujeitos processuais que permitisse essa aferição.
Por isso, na nossa perspectiva, as decisões citadas pelos recorridos são mais expressivas da posição que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a adoptar nesta matéria e, não se afastando a decisão recorrida dessa orientação superior e tendo em conta os factos que relevou, deve ser confirmada, improcedendo o recurso da ré seguradora, neste segmento.
4.2 Da indemnização do autor B… pela perda da contribuição alimentar (questão comum)
A ré recorrente considera excessivo o montante de trinta mil euros arbitrado ao primeiro autor a título de perda da contribuição alimentar decorrente do óbito da esposa desse autor, referindo que o tribunal a quo não ponderou a incerteza dos rendimentos provenientes da actividade da falecida, a tendencial diminuição da contribuição da vítima para os encargos familiares com o avançar da idade e a disponibilização de imediata do capital.
Por seu turno, o recorrente B… sustenta que a indemnização arbitrada a este título peca por defeito porquanto o horizonte temporal a considerar deve ir até aos setenta e cinco anos, considerando-se uma taxa nominal líquida de 3%, devendo elevar-se a setenta e cinco mil euros.
Na decisão recorrida fundamentou-se nos seguintes termos o arbitramento da importância de trinta mil euros:
“O dano da perda da contribuição alimentar
A este título peticiona o autor B… a quantia de 133.980,00€.
A lei prescreve terem direito a indemnização os terceiros que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem ele os prestava no cumprimento de uma obrigação natural (artigo 495º, nº. 3, do Código Civil).
No entanto, a indemnização que o autor exige na ação a este título não se baseia no seu direito a alimentos, mas no direito a indemnização pela perda de rendimentos de trabalho do seu falecido cônjuge. A pretensão indemnizatória deduzida não assenta, por isso, no disposto no nº. 3 do artigo 495º do Código Civil, mas no próprio facto de perda absoluta de rendimento de trabalho que seria realizado pela falecida não fosse o seu decesso (neste sentido cf. o Ac. do STJ de 23/10/2003, proferido no processo n.º 03B3071). Este facto – a morte da mulher do autor foi determinante, além do mais, de absoluta frustração de ganhos, ou seja, de previsíveis lucros cessantes, com reflexos na sua esfera patrimonial. Tratam-se, na espécie, dada a respetiva natureza, de danos futuros indemnizáveis, porque previsíveis, a concretizar por referência ao dinheiro (artigos 564º, nº. 2, e 566º, nº. 1, do Código Civil).
Neste âmbito todos os que defendem a sua reparação estão de acordo que a indemnização “não é fixada à luz dos princípios que regem sobre o direito de alimentos, antes tendo, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts. 562º e segs., devendo o quantum repor a situação que existiria no momento da lesão” (cfr. “Responsabilidade Civil Extracontratual – Indemnização dos Danos Reflexos”, in www.trp.pt/index2 e acórdãos desta Relação de 18/01/2007 e de 03/04/2008), recorrendo à equidade, nos termos do nº 3 do art. 566º, e lançando mão, por ex., das denominadas tabelas financeiras ou operações matemáticas habitualmente utilizadas para o cálculo da indemnização devida pela perda, total ou parcial, da capacidade de ganho, como meio de obstar a disparidades dos quantitativos reparadores em situações semelhantes (cf. Acs. do STJ de 08/05/2008, de 20/09/2009 e da Relação do Porto de
09/02/2009, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).
Devem, por isso, “ponderar-se aqui fatores (…) como os proventos económicos da vítima à data da sua morte, a natureza do trabalho que realizava (…), o dispêndio com as suas necessidades próprias (…), a natural evolução do seu salário (…) e as taxas de juro do mercado financeiro” (Ac. do STJ de 08/05/2008, citado), tomando-se como referencial mais apropriado uma taxa de 3%. No caso concreto há que ter, essencialmente, em consideração as seguintes circunstâncias para o cálculo da parcela indemnizatória em apreço: - que F… auferia cerca de 850€ mensais brutos, trabalhando à hora como empregada doméstica; que tinha 59 anos de idade, devendo considerar-se que o tempo de vida ativa que a falecida teria pela frente, considerando os 65 anos como limite dessa idade ativa atenta a natureza da atividade que desempenhava a implicar maior desgaste físico, era de cerca de 6 anos; - para além de atender ao que a vítima auferia considerar também as suas necessidades económicas próprias e os seus gastos até com a sua alimentação, o que impõe que se presuma (na ausência de prova concreta) que ao menos 1/3 do seu rendimento a isso se destinaria.
Ponderando os critérios e circunstâncias expostos, entendemos que a equidade impõe que o «quantum» mais adequado e justo para o dano em referência se situar em 30.000,00€.”
Cumpre apreciar e decidir.
Nesta questão, à semelhança da anteriormente analisada, não se controverte a indemnizabilidade do dano em apreço, mas tão-só o seu cômputo.
Tratando-se de obter um capital que permita que o lesado possa ter ao seu dispor aquilo com que poderia contar se sua falecida mulher fosse viva, parece-nos que o cálculo desta indemnização, sendo feito embora em última instância de acordo com a equidade, deve tomar como quadros referenciais, em ordem a uma maior objectividade e controlabilidade da decisão, as indicações fornecidas pela aplicação das tabelas financeiras e ainda pela determinação do capital bruto correspondente à perda ocorrida até ao termo previsível da actividade laboral da falecida[16].
No que respeita aos argumentos aduzidos pela seguradora para criticar a decisão recorrida, seja a incerteza da actividade desenvolvida pela falecida, seja a tendencial redução da contribuição da falecida com o avançar da idade, não têm qualquer suporte na prova produzida. No que respeita a vantagem do recebimento imediato do capital, as tabelas financeiras já ponderam essa vantagem.
Relativamente aos argumentos aduzidos pelo primeiro autor, deve dizer-se que a perspectiva da falecida trabalhar na actividade que desenvolvia até aos setenta e cinco anos, atenta a natureza eminentemente física da mesma, é manifestamente irrealista e desfasada de critérios de normalidade.
Por isso, o horizonte temporal relevado na decisão sob censura parece-nos adequado à natureza da actividade desenvolvida pela falecida. Também nos parece acertada a dedução de um terço que a vítima sempre gastaria consigo se viva fosse. Tendo em conta uma taxa nominal de 3%, verifica-se que o coeficiente aplicável para um prazo de seis anos é de 5,41719[17], que multiplicado pelo valor anual de € 6.800,04 (€ 566,67 x 12), totaliza € 36.837,11.
Tendo em conta o intervalo existente entre os diversos métodos de cálculo, tendo em atenção que os valores dos rendimentos da falecida são brutos, pecando por isso por excesso, considera-se adequada a indemnização de trinta e cinco mil euros, improcedendo o recurso da ré seguradora e procedendo parcialmente o recurso do primeiro autor.
4.3 Da indemnização por dano biológico de C… (questão comum)
A ré seguradora propugna pela revogação da sentença recorrida na parte em que arbitrou a importância de setenta mil euros a título de danos biológico e de danos não patrimoniais à autora C…, considerando para tal efeito equitativo o valor global de cerca de € 53.000,00, obtido de acordo com os critérios legais para a proposta razoável para indemnização do dano corporal. Afirma, além disso, que mesmo pelos métodos tradicionais de cálculo da perda da capacidade de ganho, o valor arbitrado de € 40.000,00 é excessivo. Finalmente, invoca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Outubro de 2010, proferido no processo nº 2171/07.6TBCBR.C1.S1, acessível na base de dados da DGSI, que fixou uma indemnização de € 30.000,00, num caso que considera de maior gravidade que o dos autos.
Pelo contrário, a recorrente C…, apelando à jurisprudência maioritária, sustenta que o valor adequado para ressarcir a incapacidade permanente geral que a ficou a afectar é € 60.000,00.
Na decisão recorrida fundamentou-se a fixação da indemnização do dano biológico no montante de € 40.000,00 nos termos que em parte se reproduzem de seguida:
“No caso dos autos, a IPG de que a autora ficou afetada acarreta perda ou diminuição de rendimentos profissionais, posto que não lhe sendo reconhecido qualquer incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, o certo é que ele consubstancia para si maior sofrimento, posto que lhe exige no seu desempenho diário esforço adicional.
Ora em caso como este cremos que o dano a indemnizar reveste carácter patrimonial, autonomizável e a quantificável autonomamente, enquanto tal.
As sequelas com que a autora C… ficou afetada (n.º 55, 70, 74 e 75 dos factos provados) constituem grande limitação relativamente à situação anterior ao acidente (n.º 71 dos factos provados). Apesar de não impedirem a atividade laboral da autora, obrigam a um maior esforço (cf. facto 75); e constituem uma fonte de limitações nas atividades correntes da autora (facto n.º 55). Conforme se decidiu no Acórdão do STJ, de 20-05-2010, (Proc. 103/2002.L1.S1, em www.dgsi.pt), relativamente ao dano biológico, “pelo menos nos casos em que a não previsível e imediata diminuição de rendimentos profissionais, potencialmente associada às sequelas das lesões, ocorre por o lesado ainda não exercer uma atividade profissional ou exercer, no momento, atividade concreta que não é substancialmente afetada pelas sequelas físicas ou psíquicas que restringem as suas capacidades pessoais, é indiscutível que o lesado vê diminuída a amplitude de escolha, o leque das atividades laborais que pode perspetivar exercer ainda no futuro, ficando necessariamente condicionado e «acantonado» no exercício de atividades menos exigentes – o que naturalmente limita de forma relevante as suas potencialidades no mercado do trabalho (facto particularmente atendível numa organização económica que crescentemente apela à precariedade e à necessidade de mudança e reconversão na profissão exercida, a todo o momento suscetível de mutação ao longo da vida do trabalhador).”
No caso, releva de modo especial que a autora C… ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 14 pontos, implicando esforços suplementares no exercício da atividade profissional (n.º75 dos factos). Ainda segundo o aresto acabado de citar – entendimento reiterado no acórdão do STJ, de 20-05-2010, Proc. 103/2002.L1.S1 – a indemnização pelo dano biológico sofrido pelo lesado “deverá compensá-lo quer da restrição ou limitação às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte atual de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional atual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e de rendimento auferido.”
O montante indemnizatório correspondente a este dano será fixado com recurso à equidade (art.º 566.º, n.º 3, do C. Civil). Para fixação deste montante temos procedido ao cálculo da compensação de maneira mais ou menos idêntica quer esteja em questão um caso em que a IPG de que o lesado ficou afetado determinou uma perda/diminuição dos créditos do trabalho, quer uma situação em que não houve esta perda/diminuição; embora, como não poderia deixar de ser, dando maior ênfase à retribuição e aos valores das tabelas financeiras ou métodos matemáticos no primeiro caso que no segundo. “In casu” há que ter em conta o seguinte quadro referencial: a idade da autora à data do sinistro - 30 anos; se considerarmos a vida ativa até aos 65 anos, teria ainda pela frente 35 anos de vida profissional, a sofrer permanentemente das apontadas limitações e até eventuais restrições na progressão na carreira profissional ou, pelo menos, na procura de um posto de trabalho que permitisse melhor retribuição. Essa procura ficou seriamente condicionada, atentas as limitações físicas de que ficou a padecer. Acresce que as lesões permanecem para além do termo da denominada “vida ativa”, pelo que se deverá atender à esperança média de vida - o tempo previsível de vida que, desde aquela data, tem pela frente (a esperança média de vida é, neste momento, em Portugal, de 82 anos para os indivíduos do sexo feminino, segundo dados do INE de Maio de 2012) o valor da retribuição bruta por si auferida à data do acidente; a IPG de que ficou afetada – 14 pontos; a inexistência de culpa concorrencial da sua parte na produção do acidente e, por via disso, nas lesões que determinaram a limitação física de que ficou a padecer; o fator da tabela financeira adequado ao tempo de vida ativa da autora, considerando uma taxa de juro anual de 3/4% (que é a que vem sendo adotada) e o facto de a indemnização ser recebida por inteiro e não em frações anuais até ao fim da sua vida.
Na ponderação de todos estes fatores, entendemos que a indemnização justa e adequada ao dano em referência deve situar-se na quantia de 40.000,00€.”
Cumpre apreciar e decidir.
A pretensão da recorrente de que o dano futuro que afecta a autora C… seja fixado com recurso ao método vigente para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável para indemnização corporal não deve ser seguida como reiteradamente tem vindo a ser assumido pela jurisprudência dos tribunais superiores, desde logo porque, como ressalta da própria Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, essa regulamentação não obsta à fixação de valores superiores aos propostos (veja-se o nº 2,do artigo 1º da citada portaria) e ainda porque se verifica que os valores alcançados com essa metodologia são altamente penalizadores para os lesados em face dos critérios que vinham e vêm sendo seguidos jurisprudencialmente para a indemnização dos mais variados danos[18].
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Outubro de 2010 invocado pela ré recorrente para firmar a sua pretensão de redução do montante indemnizatório, refere-se a um caso em que foi arbitrada uma incapacidade genérica parcial de 8%, elevável no futuro até 13 %, ou seja, respeita a um caso de sensível menor gravidade em termos médico-legais do que é objecto destes autos. Além disso, a vítima nesse caso tinha, à data da consolidação das lesões, mais dezassete anos do que a autora e era do sexo masculino, tendo por isso uma significativa menor esperança média de vida[19].
Ora, no caso dos autos, a incapacidade genérica parcial permanente projecta-se quer na actividade profissional da lesada, ainda que de forma não imediata, quer na generalidade das suas actividades da vida diárias, obrigando-a, em qualquer dos casos, a esforços acrescidos.
Assim, se nos ativermos à vertente profissional da lesada, o dano a indemnizar tem natureza patrimonial, porquanto está em causa encontrar um equivalente pecuniário para um acrescido dispêndio de força de trabalho; se nos focarmos na vertente das restantes actividades da vida diária da lesada, já esse dano terá natureza não patrimonial.
Reproduzindo, com as necessárias adaptações, o que se deixou escrito no acórdão proferido no processo nº 125/09.7TBBAO.P1, a 25 de Novembro de 2013 e também subscrito pelos Colegas Juízes-adjuntos, dir-se-á que a determinação do montante indemnizatório devido pela perda ou afectação da capacidade de ganho, ainda que de forma mediata, é uma operação melindrosa e é-o tanto mais quanto maior é o horizonte temporal a ter em conta e a maior ou menor instabilidade da situação envolvente.
Em ordem a imprimir uma maior objectividade na fixação dos montantes indemnizatórios, dando execução ao imperativo de justiça e legal de uma tendencial aplicação uniforme do direito (artigo 8º, nº 3, do Código Civil), a jurisprudência tem-se mostrado favorável à adopção de critérios matemáticos[20], temperados pelas regras da equidade, sobretudo tendo em consideração casos análogos anteriormente decididos.
Neste contexto, as tabelas financeiras, tal como as tabelas constantes das Portarias nº 377/2008, de 26 de Maio e nº 679/2009, de 25 de Junho, podem servir de indicador[21] da indemnização a arbitrar[22].
Os princípios fundamentais adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, resumidos na citação[23] constante do acórdão de 05 de Julho de 2007, no processo nº 07A1734, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira, acessível no site da DGSI, são os seguintes:
“1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4ª) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte[24];
5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
6ª) Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos[25], e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)”.
No caso em apreço, afigura-se-nos que a indemnização a arbitrar a título de incapacidade genérica parcial, sem efectiva redução da capacidade de ganho, há-de ser encontrada tendo por referência o valor máximo obtido pelo critério matemático simples correspondente à capitalização da redução patrimonial ficcionada no período da esperança de vida laboral que a lesada teria e o patamar mais elevado fornecido pelas tabelas financeiras, tendo em conta a mesma esperança de vida, ou seja, ter-se-ão como balizas orientadoras os valores de € 73.590,00 (€ 1.839,75 x 40 anos) e de € 44.095,42 (coeficiente de 24,022512). Estes valores devem, por um lado, ser majorados dado que o termo da vida laboral não é, em condições normais, o termo da vida das pessoas, devendo para tanto considerar-se um período de pelo menos mais treze anos e, por outro lado, reduzidos, porquanto no caso em apreço não há redução efectiva da capacidade de ganho, mas apenas maior penosidade para manter a mesma capacidade de trabalho, com o inerente desgaste causado na lesada a longo prazo, bem como na produtividade da mesma.
No caso decidendo, importa reter a idade da autora à data da consolidação das lesões[26] (trinta anos), a data previsível em que iria sair do mercado de trabalho (setenta anos), pelo que para o termo da sua vida laboral, distam quarenta anos, o seu rendimento anual de € 13.141,10 e a incapacidade parcial genérica de catorze pontos.
Ponderam-se ainda, em termos comparativos[27], as circunstâncias concretas dos lesados no processo nº 756/08.2TBVIS.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra[28], no processo nº 4129/06.3TBSXL.L2-2, do Tribunal da Relação de Lisboa[29], bem como as de todos os lesados que vêm referenciados neste último acórdão, isto é, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Junho de 2011, no processo nº 524/07.9TCGMR.G1.S1[30], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Outubro de 2010, no processo nº 839/07.6TBPFR.P1.S1[31], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Fevereiro de 2012, proferido no processo nº 1043/03.8TBMCN.P1.S1[32], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Outubro de 2011, no processo nº 733/06.8TBFAF.G1.S1[33], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2009, proferido no processo nº 08B3234[34], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2010, proferido no processo nº 220/2001-7.S1[35], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Junho de 2011, proferido no processo nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1[36], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2011, proferido no processo nº 52/06.0TBVNC.G1.S1[37], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Junho de 2011, proferido no processo nº 160/2002.P1.S1[38], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de Junho de 2011[39], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2011[40] e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2011, proferido no processo nº 345/06.PTPDL.L1.S1[41]. Ponderam-se ainda para o efeito já indicado os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos já no decurso dos anos de 2012 e 2013:
- de 19 de Abril de 2012, no processo nº 3046/09.0TBFIG.S1[42];
- de 02 de Maio de 2012, no processo nº 1011/2002.L1.S1[43];
- de 08 de Maio de 2012, no processo nº 3492/07.3TBVFR.P1[44];
- de 02 de Julho de 2012, no processo nº 3243/09.9TBVNG.P1.S1[45];
- de 10 de Outubro de 2012, no processo nº 632/2001.G1.S1[46];
- de 21 de Março de 2013, no processo nº 565/10.9TBVPL.S1[47];
- de 06 de Junho de 2013, no processo nº 303/09.9TBVPA.P1.S1[48].
Assim, tudo sopesado, tendo em conta que o valor arbitrado pelo tribunal a quo envolve uma redução de quase dez por cento do montante correspondente à capitalização mediante o recurso às tabelas financeiras da perda anual ficcionada, perda que é fictícia dada a ausência de repercussão económica imediata da incapacidade verificada[49], que os valores referenciais obtidos devem ser majorados considerando um período de mais treze anos, correspondente à esperança média de vida depois do termo da vida laboral e por outro lado reduzidos, tendo em conta a inexistência de uma efectiva redução da capacidade de ganho, mas sim de uma maior penosidade no desempenho da actividade laboral, bem como das actividades da vida diária, considera-se equilibrado, tudo considerado, o montante de quarenta mil euros encontrado pelo tribunal a quo para indemnizar este dano futuro da autora.
4.4 Da compensação por danos não patrimoniais de C… e de B… decorrentes das lesões que sofreram no acidente (questão da ré)
A ré recorrente peticiona uma redução da compensação arbitrada à autora C… e ao autor B…, a título de danos não patrimoniais próprios, sem contudo curar de quantificar precisamente essas compensações, embora manifeste a opinião de que os valores constantes das tabelas para apresentação de proposta razoável para indemnização do dano corporal são adequados. Para abonar a sua pretensão de redução das compensações fixadas pelo tribunal a quo arrima-se ao acórdão deste Tribunal da Relação proferido a 01 de Abril de 2008[50] e aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2009, proferido no processo nº 6888/05.1TBVNG.P1[51] e de 15 de Março de 2012[52].
Nas contra-alegações, os recorridos pugnam pela manutenção das compensações arbitradas pelo tribunal a quo.
Na decisão recorrida, fundamentou-se a fixação destas compensações por danos não patrimoniais, na parte em que se enunciaram os danos concretos dos lesados e se procedeu à sua quantificação, nos termos que seguem:
“No que diz respeito aos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos autores B… e C… per se em consequência do acidente objeto dos autos provou-se que: o autor B…, na sequência do acidente e dos ferimentos que sofreu, teve de ser transportado para o Hospital (facto 40); foi assistido no serviço de urgência do Hospital de Penafiel e depois no Hospital de S. João, no Porto, e aí deu entrada em estado politraumatizado, apresentando as lesões ao nível torácico e cervical indicadas a fls. 160 e 161 (facto 41); permaneceu internado no Hospital de S. João até ao dia 27 de Junho de 2011 (facto 42); e desde então passou a ser assistido em consulta ambulatória nessa mesma instituição hospitalar (facto 43); continua a tomar a medicamentação referida a fls. 160 (facto 44); no dia no dia 14 de Julho de 2011, o autor B…, voltou a ser internado no Hospital de S. João, onde permaneceu internado até ao dia 24 de Agosto de 2011 (facto 45); em consequência dessas lesões, o autor B… sofreu e continua a sofrer dores, o que se agrava quando se sujeita a esforço físico ou terapêutica fisiátrica (facto 46); no futuro o autor B… necessitará de cuidados hospitalares médicos e medicamentosos (facto 47); a autora C…, na sequência do referido acidente, teve lesões ao nível da cervical e da lombar (facto 48); e foi transportada para o hospital de Penafiel, onde lhe diagnosticaram, entre outras, uma lesão toraco-abdominal, com afetação da cervical (facto 49); teve alta nesse dia sujeita a colar cervical e a ajuda medicamentosa (facto 50); no dia seguinte, por não aguentar as dores na cervical, recorreu à urgência do Hospital de S. João e a partir dessa data permaneceu sobre vigilância dessa unidade hospitalar (facto 51); esteve incapacitada de exercer a sua atividade profissional de contabilista, durante cerca de 20 dias e nada recebeu, do Instituto da Segurança Social, IP, pelo período de baixa médica (facto 52); continua a realizar sessões de fisioterapia na SEF (Serviços de Saúde e Fisioterapia) (facto 53); em consequência dessas lesões, a autora C… tem sofridos dores físicas, o que se agrava quando anda de tacão alto, quando se sujeita a esforço físico e quando fica na mesma posição mais do que uma hora ainda que sentada (facto 55); a autora tem dores quando efetua os tratamentos fisiátricos (facto 56); na sequência do acidente dos autos e dos ferimentos que padeceu o autor B…, atualmente o mesmo apresenta as seguintes queixas: a) Dores costais na posição de deitado não conseguindo dormir sobre o lado direito; b) Dores e falta de ar ao mudar de posição na cama, não conseguindo dormir de "barriga para baixo"; c) Frequentes síndromas gripais desde o acidente; d) Dores no pescoço (musculares) abrangendo os ombros; e e) Dores na coluna lombar (lombalgia) (facto 60); no exame ortopédico sumário, foram descortinadas as seguintes alterações: - ao nível dos membros inferiores – morfoanatomia alterada pela presença de cicatrizes no joelho direito. Valgismo fisiológico fémero-tibial presente. Mobilidade das grandes articulações (ancas, joelhos e tornozelos) sem perturbações de realce, contudo dor no joelho direito na flexão forçada. Presença de derrame intra-articular do joelho direito e crepitação rotuliana dolorosa. O joelho esquerdo tem ligeiro desalinhamento em varo neutro. Não há dismetrias de realce, nem aparentes assimetrias dos perímetros das massas musculares; - ao nível da coluna vertebral e bacia morfo-anatomia normal. Cistas ilíacas posteriores horizontalizadas. Dor à compressão das apófises transversas direitas de L1 a L4. Teste de Schorbert[53] (facto 61); em face desse quadro clínico, o Autor padece das seguintes sequelas: i. Cervicalgia residual; ii. Toracalgia dos dois hemotórax, sobretudo à direita por consequência das faturas consolidadas a nível de 10 arcos costais; iii. Lombalgia residual pós fratura de quatro apófises transversas direitas (facto 62); O autor, antes do acidente, era pessoa alegre, bem-disposta, extrovertido e com facilidade para as relações sociais (facto 63); após o acidente, passou a ser pessoa triste, de difícil contacto, desconcentrado e ansioso (facto 65); as lesões determinam-lhe dificuldades em caminhar, em conduzir em estar de pé, em andar em automóvel, em plantar e colher produtos hortícolas e em todas as tarefas do dia-a-dia o que lhe dava gozo pessoal (facto 66); tornando-se pessoa facilmente irritável e irascível, e passou a ter distúrbios de memória e de sono e a ter pesadelos (facto 67); a autora C… continua com queixas de cervicalgia, irradiando ao ombro esquerdo (facto 69); tem dores lombares, no cóccix e na zona pélvica e apresenta sintomatologia psicopatológica (facto 70); a autora, antes do acidente, era pessoa afável, expedita e bem disposta (facto 71); a após o acidente, passou a ser pessoa sisuda, distante e ansiosa e com dificuldades de concentração (facto 72); o que se tem agravado com o decurso do tempo e em consequência do processo de luto com evolução lenta apresenta-se ansiosa e com humor deprimido (facto 73); apresenta-se com perturbação pós-stress traumático crónico, sendo seguida em psicologia desde 27-06-2011 (facto 74); em consequência do acidente sofreu um período de ITTP (incapacidade temporária total profissional) de 2 dias; um período de IGTP (incapacidade genérica temporária total) desde de 18.06.2011 a 6.03.2012; c) um quantum doloris de grau 7, numa escala crescente de 0 a 7; d) uma IPG/APIPF (incapacidade permanente genérica/afetação permanente da integridade psicofísica) de 14 pontos, implicando esforços suplementares (facto 75).
Assim, atento o circunstancialismo descrito, designadamente as dores que os autores sofreram, os tratamentos médicos a que foram submetidos, internamentos e tratamentos de recuperação (que são consabidamente dolorosos) e que, no caso da autora C… ainda se mantêm, três anos passados sobre a data do acidente, as dores que terão de suportar durante toda a sua vida e incapacidade física de que são portadores, e que trará para ambos muitos momentos de angustia, sofrimento psíquico por causa da sua limitação física, considerando, por último, o momento do encerramento da discussão da causa, julgamos adequadas as quantias peticionadas, de modo, se julga também equitativa a indemnização de 20.000,00€ para compensar os danos não patrimoniais que o autor B… sofreu em consequência do acidente de que foi vitima e a quantia de 30.000,00€ para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela autora C….”
Cumpre apreciar e decidir.
Pela sua própria natureza, os danos não patrimoniais não são passíveis de reconstituição natural e, por outro lado, nem em rigor são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente.
A compensação arbitrada nestes casos não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas sim uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento, paliativo que numa sociedade que deifica o dinheiro assume naturalmente esta feição.
Importa ainda não perder de vista que apenas são compensáveis os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, estando afastados do círculo dos danos indemnizáveis os simples incómodos (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).
Ensina o Professor Antunes Varela[54] que a “gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Em nota de rodapé, na mesma página da obra citada, aludia o Ilustre Professor ao facto de Carbonnier considerar de todo aberrante a decisão judicial que concedeu a indemnização por danos morais pedida pelo dono duma écurie de course, com fundamento no desgosto que lhe causou a morte de um dos seus cavalos. Embora este exemplo não tenha na actualidade a pertinência que tinha num tempo em que os animais eram vistos exclusivamente como coisas, destituídos de sentimentos[55], aponta para que o sofrimento a compensar atinja um patamar mínimo de gravidade para que se torne merecedor da tutela do direito[56].
A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do nº 3, do artigo 496º do Código Civil). Também nesta vertente importa não perder de vista o disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, em ordem a uma aplicação, tanto quanto possível, uniforme, do direito, assim se respeitando e realizando o princípio da igualdade.
Em ordem à realização do desiderato de uma tendencial igualdade na aplicação do direito (veja-se o artigo 8º, nº 3, do Código Civil que se acabou de citar), importa destacar algumas das decisões mais recentes do nosso Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria e que servirão para aferir da correcção do decidido.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Junho de 2013, proferido no processo nº 303/09.9TBVPA.P1.S1, confirmou-se a fixação pelo Tribunal da Relação de uma compensação de cento e dez mil euros para os danos não patrimoniais sofridos por um lesado com 30 anos de idade, que ficou afectado com uma incapacidade permanente genérica de 52,025 pontos.
Deste acórdão destacam-se ainda as seguintes referências a outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de compensação por danos não patrimoniais:
“Pelo acórdão de 20 de Novembro de 2003, proc. nº 03A3450 (www.dgsi.pt), foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu lesões graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis;
– No acórdão de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926 [57] (www.dgsi,pt), foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 [58] a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis;
– No acórdão de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 (www.dgsi,pt), foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%;
– No acórdão de 24 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 09B0037) fixou-se em € 40.000 a indemnização por danos não patrimoniais sofridos por um lesado, com 33 anos de idade à data do acidente, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% (mas que, no caso, se traduziu em incapacidade total para o trabalho, o que também releva do ponto de vista da indemnização por danos não patrimoniais), que sofreu dores e danos físicos extensos que deixaram sequelas graves, foi sujeito a diversas intervenções cirúrgicas com os consequentes internamentos e períodos de recuperação e de dependência de terceiros, e teve de realizar sucessivos tratamentos, que se prolongaram no tempo;
– No acórdão de 25 de Junho de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B3234), foi atribuída uma indemnização de € 40.000 por danos não patrimoniais a uma jovem de 21 anos, vítima de atropelamento, que sofreu diversas intervenções cirúrgicas, tratamentos e recuperação, ficando afectada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afectada de uma incapacidade parcial permanente de 50%, com aumento previsto de 3%.;
– Pelo acórdão de 5 de Julho de 2007 (www.dgsi.pt, proc. nº 07A1734), fixou-se “uma indemnização de 85 mil euros por danos morais ao lesado que, bombeiro de profissão, ficou aos 42 anos de idade definitivamente impossibilitado de exercer essa actividade por causa dum acidente de viação de que não foi culpado e cujas consequências foram, entre outras de gravidade paralela, deixar-lhe o braço esquerdo de todo inutilizado (dependurado, preso por uma cinta) até ao final dos seus dias, impossibilitando-lhe a realização, sozinho, de tarefas como vestir-se e lavar-se, e tornar-lhe o andar notoriamente claudicante por virtude da fractura duma rótula” (sumário respectivo).”
O caso decidido por este Tribunal da Relação do Porto no dia 01 de Abril de 2008 e citado pela recorrente é de aparente maior gravidade do que o dos autos. No entanto, não vem quantificado o quantum doloris da lesada e foi-lhe arbitrada uma desvalorização de 8% no uso do corpo, sem reflexos na capacidade de ganho
Além disso, trata-se de uma decisão proferida há já quase sete anos, em que não houve verdadeira fixação da compensação dos danos não patrimoniais, porque a lesada não recorreu, devendo ainda ser sopesado que a compensação global arbitrada foi no montante de trinta mil euros, pois além dos vinte mil euros pelos fundamentos indicados pela ré recorrente, foram arbitrados mais dez mil euros para compensação dos danos morais sofridos antes da consolidação da lesão maxilo-facial.
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2009, que não pudemos consultar, pelos escassos elementos indicados pela recorrente não nos permite uma rigorosa comparação com o caso dos autos.
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2012 que consultámos na base de dados da DGSI tem efectivamente subjacente um quadro factual de maior gravidade do que o destes autos, embora não venha quantificado o quantum doloris do lesado. Porém, ressalvado o devido respeito, afigura-se-nos que a compensação fixada peca por defeito, ficando claramente aquém daquela que tem sido a jurisprudência dominante naquele tribunal, se bem a interpretamos.
No caso em apreço, não repetindo a abundante factualidade que o tribunal a quo relevou e que antes se reproduziu, destacando o quantum doloris de grau 6 para o autor B… e de grau 7 para a autora, numa escala de 0 a 7 e as sequelas dolorosas que cada um deles ficou a padecer, afigura-se-nos que as compensações arbitradas pelo tribunal a quo são adequadas, não merecendo qualquer censura deste tribunal.
Pelo exposto, improcede neste segmento o recurso da ré seguradora.
4.5 Dos danos não patrimoniais sofridos por C… com o falecimento de F… (questão da ré)
A recorrente insurge-se contra a compensação arbitrada à filha da falecida F… no montante de vinte mil euros, montante que reputa de excessivo, criticando a diferenciação das compensações arbitradas aos dois filhos da falecida em função da presença da autora C… no momento do acidente que vitimou F….
A recorrida em contra-alegações pronuncia-se pela improcedência deste segmento do recurso.
Na decisão recorrida, fundamentou-se a discriminação na fixação da compensação por danos não patrimoniais dos dois filhos da lesada nos seguintes termos:
“No caso entendemos não estarem demonstradas circunstâncias de facto a ponderar no sentido de que o sofrimento dos autores seja fora dos padrões normais a considerar em circunstâncias semelhantes.
Entendemos, no entanto, ser de distinguir os “sofrimentos” do autor e dos seus filhos relativamente ao seu ente querido, tendo em atenção à idade do autor B…, por comparação à da vítima, sendo-lhe expetável (em razão da diferença de idades) não ver morrer a sua mulher, e que por ter sido a sua companheira de uma vida lhe acentua, cremos, o sofrimento, de a ver partir de forma inesperada. Teremos de distinguir, ainda, o sofrimento da autora C…, por comparação à do seu irmão, o autor B…, porquanto aquela assistiu ao acidente, tentou prestar-lhe socorro (facto 19), presumindo-se, por isso, um sofrimento maior do que o do seu irmão que o não presenciou.
Deste modo, considerando os montantes adotados jurisprudencialmente em situações similares (cf. recentemente os Acs. do STJ de 13/09/2011, no processo n.º 218/07.5TBAVZ, de 10/01/2012, proferido no processo n.º 4524/06.8TBCL.L1.S1; de 10/01/2012, proferido no processo n.º 189/04.0TBMAI; de 31/01/2012, proferido no processo n.º 875/05.7TBILH.C1, S1; de 16/02/2012, proferido no processo n.º 165/09.6TBALD.C1.S1 (este um caso de união de facto); de 19/04/2012, proferido no processo n.º 569/10.1TBVNG.P1.S1 (este no caso de marido em coma durante seis meses); de 27/10/2011, proferido no processo n.º 3301/07.3TBBCL.G1.S1; de 10/07/2012, proferido no processo n.º 7/09.2TJVNF.P1.S1; 3, afigura-se razoável e equitativo fixar em 20.000,00€ para a autora C… e em 15.000,00€ para o autor D… a compensação devida pelo dano não patrimonial próprio consistente no sofrimento pela perda da sua mãe, e na quantia de 25.000,00€ a compensação devida ao autor B… consistente na perda da sua mulher.”
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 2, do artigo 496º do Código Civil, “[p]or morte da vítima, o direito á indemnização cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.”
De acordo com o disposto na segunda parte do nº 4, do artigo 496º, do Código Civil, “no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridas pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”
Salvo melhor opinião, a compensação por danos não patrimoniais prevista no normativo que se acaba de citar tem como fundamento a morte da pessoa que foi lesada pela acção ou omissão ilícita que veio a causar tal dano. Por isso, o sofrimento que um dos familiares previsto no nº 2, do artigo 496º do Código Civil padece antes da ocorrência da morte do lesado não é compensável ao abrigo da segunda parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil.
No caso dos autos, atentas as regras da experiência comum, não se nega que o sofrimento da autora terá sido superior ao de seu irmão por ter presenciado e tido intervenção no sinistro que vitimou a mãe de ambos e em consequência do qual esta veio a falecer, algum tempo depois. Porém, este sofrimento da filha da lesada não é consequência da morte da lesada e, pelo contrário, é anterior ao decesso, sendo consequência do acidente e das lesões causadas à vítima, razão pela qual se nos afigura não poder tal sofrimento ser relevado ao abrigo do disposto na segunda parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil.
Pelo que precede, conclui-se inexistir razão legal para distinção da compensação a arbitrar a cada um dos filhos da falecida F…, em consequência da morte desta.
A ré recorrente não questiona o acerto da compensação no montante de quinze mil euros arbitrada ao autor D…, pelo que, falecendo a razão para a diferenciação da compensação arbitrada à autora C…, deve a compensação desta reduzir-se também ao referido montante de quinze mil euros, procedendo, nesta parte, o recurso da ré seguradora.
4.6 Dos danos futuros e ilíquidos do autor B… decorrentes de despesas com cuidados hospitalares, médicos, medicamentosos, tratamentos e fisioterapia e da autora C… com consultas de psicologia e ajuda medicamentosa (questões dos autores B… e C…)
O recorrente B… pugna por que seja proferida condenação ilíquida a seu favor relativamente aos cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos, tratamentos e suporte regular por fisioterapia. Para tanto, releva a matéria de facto provada nos pontos 44, 46 e 47 dos fundamentos de facto da sentença recorrida e ainda no relatório médico relativo a este autor, datado de 28 de Fevereiro de 2014.
Por seu turno, a recorrente C… pretende que seja proferida condenação ilíquida relativamente a consultas de psicologia e ajuda medicamentosa de que carecerá no futuro. Para tanto releva a matéria fáctica provada nos pontos 53, 55 e 74 dos fundamentos de facto da sentença recorrida e ainda o que resulta do relatório pericial datado de 30 de Setembro de 2013.
Na decisão recorrida não se analisou a problemática das pretensões ilíquidas formuladas pelos autores B… e C…, em sede de petição inicial no ponto iii do petitório final (veja-se folhas 42 destes autos).
Estas pretensões ilíquidas respeitavam às despesas que os autores irão realizar com o arranjo do jazigo onde foram sepultados os restos mortais de F… (artigo 108º da petição inicial), às sequelas que afectam o autor B… e à necessidade de cuidados hospitalares, médicos ou medicamentosos no futuro por parte de B… (artigos 147º e 148º da petição inicial), às sequelas que afectam C… e aos cuidados hospitalares, médicos, fisiátricos e medicamentosos de que carecerá no futuro (artigos 162º a 164º da petição inicial).
No decurso da acção, os autores deduziram liquidação de todos estes danos em incidente deduzido a 05 de Junho de 2012[59] e, a 07 de Abril de 2014 os autores B… e C… vieram requerer a ampliação do pedido, pedindo a condenação da ré ao pagamento de variadas despesas que entretanto suportaram.
Cumpre apreciar e decidir.
“Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior” (artigo 564º, nº 2, do Código Civil).
Nos termos do disposto no artigo 569º do Código Civil, “[q]uem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que inicialmente foram previstos.”
De acordo com o nº 1, do artigo 378º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava quando foi deduzido o incidente de liquidação, “[a]ntes de começar a discussão da causa, o autor deduzirá, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito.”
“Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial” (artigo 380º, nº 4, do Código de Processo Civil na redacção que vigorava quando foi deduzido o incidente de liquidação e a que corresponde, sem alterações, o nº 4, do artigo 360º do actual Código de Processo Civil).
A questão processual que importa resolver, antes de entrar na análise substantiva destas pretensões dos autores recorrentes é a seguinte: sendo formulados pedidos ilíquidos em sede de petição inicial e sendo deduzido, na pendência da causa, incidente de liquidação desses danos, pode ainda assim relegar-se a liquidação para momento ulterior de danos compreendidos nesse incidente?
Na nossa perspectiva, a resposta à interrogação que acabamos de formular é negativa. Não vemos como seja legalmente admissível a dedução de um incidente de liquidação de danos compreendidos num outro incidente de liquidação. Afigura-se-nos que o titular do direito de indemnização apenas dispõe de uma oportunidade para em sede de incidente de liquidação quantificar o seu dano, não podendo lançar mão de novo incidente para liquidar dano que eventualmente não tenha logrado quantificar no primeiro incidente.
Só assim não será se, porventura, aquando da dedução de incidente de liquidação de danos ilíquidos formulados em sede de petição inicial houver o cuidado de ressalvar que tal liquidação ainda não contempla todos esses danos, designadamente aqueles que se vierem a verificar em momento ulterior à dedução do incidente.
No caso em apreço, isso não se verificou, pois os autores pretenderam proceder à liquidação de todos os danos ilíquidos descritos na petição inicial em sede de incidente de liquidação. Assim sendo, não havia espaço para uma condenação ilíquida relativamente aos danos objecto de liquidação, como pretendem os recorrentes, mas apenas para uma averiguação oficiosa e subsequente condenação nos termos previstos no artigo 360º, nº 4, do actual Código de Processo Civil, ainda no âmbito desta acção.
Pelo que precede, conclui-se que improcede esta pretensão dos recorrentes B… e C….
Pelo exposto, conclui-se que os recursos de apelação da ré seguradora e do autor B… procedem parcialmente, sendo as custas dos recursos, tal como as da acção, a cargo dos recorrentes e na exacta proporção da sucumbência (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil) e sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o autor B….
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam no seguinte:
a) em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela E… – Companhia de Seguros, S.A. e, em consequência em alterar a decisão recorrida na parte em que condenou esta recorrente a pagar a C…, a quantia de vinte mil euros, a título de danos não patrimoniais decorrentes do óbito de F…, condenando-se esta recorrente a pagar àquela C…, a tal título, a quantia de quinze mil euros;
b) em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, em alterar a sentença recorrida na parte em que condenou a E… – Companhia de Seguros, S.A. a pagar a quantia de trinta mil euros, a título de perda da contribuição alimentar do seu falecido cônjuge, indo a ré companhia de seguros condenada a pagar a este recorrente, a tal título, a quantia de trinta e cinco mil euros;
c) no mais, em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos por E… – Companhia de Seguros, S.A., B… e C… e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida a 12 de Maio de 2014, salvo nos dois segmentos mencionados nas alíneas a) e b) que precedem;
d) as custas dos recursos, tal como as da acção são a cargo dos recorrentes e na exacta proporção da sucumbência (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça dos recursos, mas sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao recorrente B….
***
O presente acórdão compõe-se de quarenta e oito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 23 de Março de 2015
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
_____________
[1] Não obstante o recurso de apelação tenha sido interposto em nome dos três autores, quer das alegações, quer das respectivas conclusões, é patente que o autor D… não manifestou qualquer inconformismo relativamente a qualquer dos segmentos da decisão que recaíram sobre pretensões por si formuladas. Por isso, afigura-se-nos que a sua identificação como recorrente se deve a mero lapso, não devendo como tal ser considerado recorrente.
[2] Uma vez que nos dois recursos existem questões comuns, ainda que com posições de sentido antagónico, tratar-se-ão essas questões conjuntamente.
[3] Na sentença sob censura, além de se alterar o nome do terceiro autor, identificando-o como D1…, em certa medida na senda do que também foi constando da factualidade assente que identificou o mesmo autor como D…, omitiu-se o que constava da parte final do quarto parágrafo da alínea B dos factos assentes, omissão que neste acórdão se supre.
[4] Apesar de ter sido alegado pelos autores “procedia”, parece evidente que se pretendia alegar “precedia”, razão pela qual oficiosamente se corrigiu esta deficiência na alegação.
[5] O que consta dos factos assentes, em consonância com a alegação dos autores é “hemi-faixa”, tendo-se por isso corrigido a referência a “hemiataxia” constante da sentença recorrida.
[6] As peças processuais devem ser auto-suficientes e a remissão para documentos que não seja inequívocos pode gerar ambiguidades quanto àquilo que efectivamente se considerou provado. A folhas 161 não vêm descritas quaisquer lesões. A folhas 160, com base nos exames efectuados, assinala-se contusão pulmonar, pequeno derrame pleural bilateral, fracturas entre o 4º e o 12º arcos costais à direita, entre o 5º e o 7º arcos à esquerda e na base das apófises transversas à direita nas primeiras quatro vértebras lombares; nódulo sólido com 18mm. no fígado (provável hemangioma hepático).
[7] A medicação referida a folhas 160 é a seguinte: antibioterapia (amoxilicina + ac. clauvulânico); tramadol; paracetamol; bisoprolol; tansulosina; enoxaparina; sinvastatina; ranitidina; diclofenac; salbutamol; brometo ipratrópio; captopril; zolpidem.
[8] Escreveu-se na sentença recorrida “faturas” mas corrigiu-se por ser ostensivo o lapso cometido.
[9] Na cópia da certidão de nascimento desta autora junta de folhas 340 a 342 consta que nasceu a 09 de Março de 1981.
[10] Na cópia da certidão de nascimento deste autor junta de folhas 343 a 345 consta que nasceu a 04 de Maio de 1942.
[11] Processo nº 62/10.2TBVZL.C1.S1, acessível no site da DGSI. Não se considerou excessiva a compensação de € 12.500,00 num caso em que a vítima sofreu ferimentos graves e denotava forte sofrimento durante as 7h40 que mediaram entre o acidente e a sua morte, gemendo, aflito, com muitas dores e angústia, sentindo as suas forças a esvaírem-se e pressentindo o pavor da aproximação da sua morte
[12] Processo nº 08P3704, acessível no site da DGSI. Não se considerou excessiva a compensação de € 12.500,00 no caso de vítima que teve que ser desencarcerada da viatura apresentando sinais de vida, tendo padecido de dores graves que só cessaram com a sua morte e que no curto espaço que antecedeu a sua morte sofreu angústias insuperáveis traduzidas nas dores físicas intensíssimas que se traduziram nas várias costelas fracturadas e hemorragia interna.
[13] Foi arbitrada uma compensação de vinte mil euros no caso de atropelamento da vítima, com culpa exclusiva do atropelante, ocorrendo graves lesões corporais que determinaram a sua morte, tendo a mesma por efeito do embate ficado prostrada e abandonada na berma da estrada, encoberta por fetos e vegetação, em estado consciente (gemia com dores e rezava), assim tendo permanecido cerca de meia hora, tendo-lhe sido prestados os primeiros socorros no local, durante cerca de 45 minutos, até que foi transportada para o hospital onde entrou com paragem cardio-respiratória, sem responder a manobra de recuperação.
[14] Foi aumentada a compensação de € 10.000,00 para € 15.000,00 no caso de vítima que sofreu ferimentos crânio-encefálicos e torácicos, que esteve encarcerada, tendo antevisão da morte, vindo a falecer cerca de duas horas após o acidente.
[15] Foi arbitrada a compensação de € 20.000,00 num caso de morte “imediata”.
[16] Multiplicando dois terços do rendimento mensal bruto da falecida de cerca de € 850,00, por doze meses, obtém-se o montante de € 6.800,04. Multiplicando este valor anual por seis anos, obtém-se o capital de € 40.800,24.
[17] Recorremos às tabelas financeiras editadas pela Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 1981, da autoria de Manuel Ferreira de Sá Ribeiro, página 26. Utilizando as tabelas financeiras constantes da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, nesta parte não alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, esse coeficiente é de 5,587409, obtendo-se o capital de € 37.994,60.
[18] A título exemplificativo veja-se que para o direito à vida, com vítima até vinte e cinco anos, a tabela mais actualizada prevê um valor até € 61.580,00, para uma vítima entre vinte e cinco e quarenta e nove anos de idade um valor até € 51.300,00, para uma vítima entre cinquenta e setenta e cinco anos um valor até € 41.040 e para uma vítima de mais de setenta e cinco anos de idade, um valor até € 30.780,00.
[19] Teve-se como esperança média de vida do lesado a idade de 74,9 anos.
[20] Uma operação matemática expedita para encontrar um valor nestes casos consiste no apuramento da perda de rendimento correspondente ao número de anos tidos em conta. No caso dos autos, anualmente, a lesada teria uma perda de € 1.839,75 (€ 13.141,10 : 12 = € 1.095,09; € 1.095,09 x 14% = € 153,31; € 153,31 x 12 meses = € 1.839,75), se se entender que ainda tem uma capacidade laboral reduzida de 14%, correspondendo a tal valor, no período de quarenta anos, correspondente ao termo da vida activa (70 anos) (este período determina-se tendo em conta o tempo que medeia desde a data da consolidação das lesões – 06 de Março de 2012 – até ao termo da vida activa) o capital de € 73.590,00 (€ 1.839,75 x 40 anos). Este valor é bruto e não entra em consideração com a natureza frutífera do capital.
[21] Neste sentido se orientam o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 184/04.9TBARC.P2.S1, embora relativamente a uma hipótese qualificada como de dano biológico e o do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Jorge Leal, no processo nº 4129/06.3TBSXL.L2-2, ambos acessíveis no site da DGSI.
[22] Aplicando as tabelas financeiras editadas pela Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 1981, a uma taxa de 3 % (ver página 26, terceira coluna a contar da direita), para um período temporal de quarenta anos, tem-se um coeficiente de 23,11477 que multiplicado pela perda anual de € 1.839,75, totaliza € 42.525,40. Aplicando o coeficiente que consta das Portarias nºs 377/2008 e 679/2009 para o cálculo do dano patrimonial futuro, que sempre seria inaplicável porque o caso dos autos não é de incapacidade permanente absoluta, nem de incapacidade para a profissão habitual, para um período de quarenta anos (coeficiente de 24,022512), obtém-se o capital de € 44.095,42. Tomando por referência a tabela constante das Portarias que antes se citaram para o dano biológico, aplicando o valor de € 1.300 por ponto tendo em conta que quer a idade da lesada quer a sua incapacidade se acham no patamar superior, o que determina a aplicação de um valor intermédio como é aquele que se toma por base, obter-se-ia um valor na ordem dos € 18.200,00. Estes valores ponderam já a disponibilidade imediata do capital.
[23] Informa o Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira que a citação é extraída do seu acórdão de 22 de Março de 2007, proferido na Revista nº 499/07, decisão a que não conseguimos aceder por via electrónica.
[24] E bem se compreende que assim seja, pois que, no caso de óbito do lesado, a entrega aos herdeiros do montante que aquele despenderia consigo próprio, se vivo fosse, constituiria um injustificado enriquecimento dos seus sucessores. Diversamente, se o lesado não falece, necessita daquilo que gastaria consigo próprio para despender no tempo previsível da sua vida; daí que neste último caso não haja lugar ao abatimento de qualquer montante, a tal título.
[25] Em 2012, a esperança de vida para as mulheres, fazendo fé nos dados constantes da Pordata, situava-se nos oitenta e três anos vírgula seis.
[26] No caso em apreço, porque a lesada não recebeu qualquer indemnização a título de incapacidade temporária, seria mais justo tomar como referência a data do acidente. Porém, atenta a data de nascimento da lesada e a data da consolidação das lesões, isso não tem qualquer relevo concreto no caso decidendo.
[27] Os dados que de seguida se enunciam não podem ser comparados acriticamente pois os critérios utilizados nas diversas decisões que se citam, os dados relevados e a qualificação do dano ressarcido não são coincidentes. Assim, a título de mero exemplo, nuns casos toma-se como referência o salário líquido, noutros casos o salário ilíquido, enquanto noutras situações não se sabe se se trata de salário líquido ou ilíquido; nuns casos fixa-se o termo da perda da capacidade de ganho no fim da vida activa, fixada por vezes em sessenta e cinco anos e noutras vezes em setenta anos, enquanto noutros casos se faz coincidir esse termo com a esperança média de vida do lesado, esperança de vida variável em função do sexo e também em função dos dados estatísticos existentes na data em que é proferida a decisão.
[28] Lesado com vinte e seis anos de idade, à data do sinistro, com um vencimento ilíquido de € 836,34 e uma incapacidade permanente parcial de quinze pontos, tendo em conta o termo da vida activa aos setenta anos, sendo fixada, por maioria, uma indemnização de € 40.000,00, por força de contingências processuais (veja-se a nota 23 do citado acórdão, acessível na base de dados da DGSI).
[29] Lesada com trinta e seis anos de idade, à data do sinistro, vencimento ilíquido de € 797,00, tendo-se tomado como referência o vencimento líquido de € 575,00, uma incapacidade parcial permanente de 18,65 pontos e a esperança média de vida de oitenta e dois anos, sendo fixada, por maioria, uma indemnização de € 45.000,00 (acórdão acessível na base de dados da DGSI).
[30] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Azevedo Ramos e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com vinte e três anos de idade, à data do sinistro, com o 12º ano de escolaridade e com o estágio de desenhador gráfico, que ia começar a trabalhar com a retribuição de € 600,00 e que ficou incapacitado para qualquer profissão, paraplégico, para tudo dependente de terceiros, sendo fixada a indemnização pelo dano patrimonial futuro no montante de € 300.000,00.
[31] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com vinte e oito anos de idade, à data do sinistro, com uma incapacidade permanente geral de 80%, totalmente impossibilitado de exercer para o resto da vida qualquer actividade profissional, que auferia um rendimento mensal de € 350,00, fixando-se a indemnização pelo dano patrimonial futuro no montante de € 120.000,00.
[32] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Bernardo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2001, com cinquenta e um anos de idade, à data do sinistro e que nessa data exercia a profissão de pedreiro, auferindo € 6.500,00 por ano e que ficou totalmente incapacitado para o trabalho e totalmente dependente de terceiros para o dia-a-dia, tendo-se entendido não ser exagerada a quantia de € 100.000,00, a título de danos patrimoniais futuros.
[33] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Orlando Afonso e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com cinquenta e quatro anos de idade, à data do sinistro, cantoneiro de profissão, a quem foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 20 %, mas com total incapacidade para a profissão habitual, bem como para todas as actividades que exijam esforços físicos, arbitrando-se a indemnização de € 65.000,00.
[34] Acórdão relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 1996, com vinte e um anos de idade, à data do sinistro, estudante, residente em França, afectada de uma incapacidade parcial permanente de 50 %, com aumento previsível de 3 %, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 110.000,00.
[35] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Bernardo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e oito anos de idade, à data do sinistro, pedreiro, que auferia € 6.181,70 por ano e ficou com uma incapacidade parcial permanente de 30 %, com mais 10 % a título de dano futuro e com rebate na actividade profissional, implicando esforços acrescidos, arbitrando-se a quantia de € 80.000,00 pela perda da capacidade de ganho.
[36] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com trinta e um anos de idade, à data do sinistro, economista com elevada qualificação profissional e expectativas de ascensão na carreira, com um rendimento mensal líquido de € 2.200,00, afectado de incapacidade parcial genérica de 29,55 %, com agravamento previsto de mais 10 %, atribuindo-se a indemnização por danos patrimoniais futuros de € 225.000,00.
[37] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2003, com trinta e dois anos de idade, à data do sinistro, inactiva nessa data, mas tencionando ingressar no mercado laboral como empregada fabril, afectada de uma incapacidade permanente geral de € 20 %, acrescida de um previsível agravamento futuro de mais 10 %, tendo-se fixado a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 60.000,00.
[38] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e seis anos de idade, à data do sinistro, sócio gerente de uma sociedade, com um rendimento bruto anual de 960.000$00, afectado de uma incapacidade permanente geral de 16 %, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, mas com esforços suplementares, negando-se revista, manteve-se a indemnização de € 23.000,00, considerando-se a mesma exígua.
[39] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Manuel Braz e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e dois anos de idade, à data do sinistro, com o 9º ano de escolaridade, com boas perspectivas de seguir carreira militar na classe dos sargentos, auferindo o vencimento mensal de € 1.194,49, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 15 %, futuramente ampliada em mais 10 %, tendo-se atribuído o montante de € 100.000,00, a título de dano patrimonial futuro.
[40] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Gregório de Jesus e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2003, com trinta e seis anos de idade, à data do sinistro, que auferia € 510,00 líquidos por mês, tendo ficado afectado de uma incapacidade parcial genérica de 15 %, futuramente acrescida de 5 %, tendo-se negado revista confirmando a indemnização de € 31.500,00 arbitrada pelas instâncias, a título de dano biológico.
[41] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Maia Costa e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2006, com dezanove anos de idade, à data do sinistro, estudante, afectado com uma incapacidade permanente geral de 11,73 %, em que se considerou excessiva a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 20.000,00, reduzindo-se a mesma para o montante de € 15.000,00.
[42] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Serra Batista e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2006, com dezanove anos de idade então, estudante e a frequentar um curso de formação profissional, afectado de uma incapacidade permanente genérica de 13 pontos, com tendência a agravar-se para o futuro, tendo em atenção uma esperança de vida média de setenta e oito anos e a data provável em que o lesado entrará no mercado de trabalho, fixando-se o dano patrimonial futuro no montante de € 35.000,00.
[43] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos e referente a um lesado em acidente ocorrido em 1997, com vinte e oito anos de idade à data do sinistro, empresário da construção civil, pedreiro e ladrilhador, com rendimento anual de valor não concretamente apurado, afectado de uma incapacidade genérica parcial permanente de 40 %, com rebate profissional e a exigir esforços acrescidos, estimando-se o termo da vida activa aos sessenta e cinco anos, fixando-se a indemnização por danos futuros no montante de € 120.000,00.
[44] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com dezanove anos de idade à data do sinistro, estudante e a frequentar o 12º ano, afectado de uma incapacidade genérica parcial de 7 %, acrescida de 2 % de dano futuro, confirmou-se a decisão das instâncias de fixação do dano patrimonial futuro no montante de € 25.000,00.
[45] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Camilo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com sessenta anos de idade à data do sinistro, electricista não colectado, auferindo mensalmente a importância de € 500,00, afectado de uma incapacidade genérica permanente de 11 %, mas sem conseguir exercer a profissão habitual, calculando-se o termo da vida activa aos setenta anos, arbitrou-se a título de dano patrimonial futuro a quantia de € 30.000,00.
[46] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2000, com dezanove anos de idade, à data do sinistro, empregada de limpeza com o vencimento mensal de € 473,86, afectado de uma IPG de 17,06%, com agravamento futuro previsto de 5%, considerando-se uma esperança média de vida de setenta e nove anos, em que foi arbitrada a importância de € 50.000,00, a título de perda de capacidade de ganho e € 10.000,00, a título de dano biológico.
[47] Acórdão relatado pela Sr. Juiz Conselheiro Salazar Casanova e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2009, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 15 %, sem reflexos nos ganhos laborais, com um rendimento bruto anual de € 17.575,00, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 60.000,00.
[48] Acórdão relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2003, com trinta anos de idade, à data do sinistro, empresário no sector da restauração, com um rendimento mensal médio no mínimo de € 3.958,19, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 52,036 %, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 963.475,75, sustentando-se não se justificar no caso concreto qualquer redução do capital, em função da disponibilidade imediata de valores que o lesado apenas iria percebendo ao longo do tempo e revogando-se a decisão do Tribunal da Relação que havia fixado esse dano no montante de € 691.920,00.
[49] Para estremar situações como a dos autos das incapacidades parciais permanentes para o trabalho seja em geral, seja para o trabalho habitual, insiste-se muito nos reflexos directos de tais incapacidades na capacidade de ganho, quando é certo que pequenas desvalorizações em direito laboral não têm normalmente qualquer reflexo real nessa capacidade, não implicam, necessariamente, qualquer redução no vencimento.
[50] Proferido no processo nº 0821057 e acessível no site da DGSI.
[51] Efectuámos buscas no sentido de localizar este acórdão. Com a data de 17 de Novembro de 2009 não foi publicado qualquer acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, na base de dados da DGSI e com o nº de processo indicado pela recorrente acede-se ao sumário de um acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Mário Cruz, a 04 de Maio de 2010 e relativo à problemática da determinação do termo inicial de contagem dos juros de mora quando seja arbitrada indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
[52] Proferido no processo nº 4730/08.0TBVLG.L1.P1.
[53] Não se conseguiu determinar a que corresponde este teste, apenas se encontrando referências ao teste de Schober.
[54] In Das Obrigações em Geral, Vol I, 6ª edição, Almedina 1989, página 576.
[55] A propósito do estatuto jurídico dos animais, numa concepção actualizada, veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, páginas 454 a 456, anotação 5 ao artigo 202º do Código Civil.
[56] Escreve o Professor Antunes Varela, no mesmo local: “Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”
[57] O número correcto do processo é o 03B3926.
[58] A compensação efectivamente arbitrada foi de € 19.951,92.
[59] A introdução do incidente de liquidação tem o seguinte conteúdo: “B… e C…, Autores nos autos à margem referenciados, vêm, pelo presente, proceder à liquidação dos danos alegados nos artigos 108º, 137º, 147º, 148º, 156º, 162º, 163º e 164º da petição inicial, em que é Ré, E… Companhia de Seguros, S.A., nos termos do disposto nos artigos 378º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), tendo por base os fundamentos seguintes.”. Registe-se que a liquidação abarca artigos da petição inicial que não foram como tal identificados no petitório final (referimo-nos aos artigos 137º e 156º da petição inicial).