Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3992/16.4T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FASE CONTENCIOSA
PROCESSO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
APENSO PARA FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
Nº do Documento: RP201812183992/16.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: MAIORIA COM 1 VOTO VENCIDO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º286, FLS.388-396)
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea b), do n.º1, do art.º 117.º, do CPT, quando se refere ao “resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho”, abrange as situações em que o desacordo na tentativa de conciliação incidiu apenas sobre o grau e natureza da incapacidade.
II - Verificando-se que a discordância entre a sinistrada trabalhadora e a responsável seguradora na tentativa de conciliação foi para além da questão relativa ao grau e natureza da incapacidade para o trabalho, nomeadamente, por também ter incidido sobre a data da alta e por consequência sobre a indemnização devida por incapacidade temporária absoluta e, ainda, sobre a data desde que se começaram a vencer os juros de mora eventualmente devidos, a forma adequada para dar início à fase contenciosa é a prevista na al. a), do n.º1, do art.º 117.º,n.º 2, ou seja, mediante a apresentação de petição inicial por aquela primeira.
III - Tendo o Tribunal a quo considerado que a fase contenciosa se iniciou com o requerimento para realização de exame por junta médica apresentado pela seguradora, determinado a realização de junta médica e realizada esta proferida sentença, há erro da forma de processo.
IV - No caso a desadequação formal é impeditiva do aproveitamento de todos os actos processuais praticados, abrangendo o requerimento inicial para realização da junta médica, bem como essa perícia colegial - visto que os senhores peritos não foram confrontados com a questão de saber qual afinal a data que deve considerar-se como a da cura clínica, ou seja, a data da alta - e, concomitantemente a sentença (que considerou provada como data da alta a atribuída no exame médico singular, pese embora o desacordo e sem qualquer apreciação).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 3992/16.4T8AVR.P1

SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, que correu termos Juízo do Trabalho de D… - Juiz 1, em que é sinistrada B…, entidade responsável C…, S.A.,. realizada a tentativa de conciliação a sinistrada não se logrou obter o acordo entre as partes em razão da representante desta última ter declarado o seguinte:
-« (..) não aceita o resultado do exame médico efectuado à sinistrada pelo perito do INML uma vez que os serviços clínicos da sua representada entendem que a sinistrada ficou curada sem desvalorização em 09.03.2016, data em que teve alta médica. Assim, vai a seguradora requerer que a sinistrada seja submetida a um exame por junta médica, nada mais tendo a declarar».
No exame médico singular, o senhor Perito Médico atribuiu à sinistrada uma IPP de 3,75%, desde 19.12.2016, data que fixou como a da alta médica.
No prazo legal, a seguradora veio apresentar requerimento nos termos do n.º 2 do art.º 138.º do Código do Processo do Trabalho, requerendo que a sinistrada fosse submetida exame por junta médica, apresentando quesitos.
O despacho foi regularmente notificado às partes, nada tendo sido requerido.
Realizou-se o exame por junta médica, tendo os senhores peritos médicos, por maioria constituída pelos peritos médicos do tribunal e da sinistrada considerado que a sinistrada está afectada por uma IPP de 3,75%.
O auto de exame médico foi notificado às partes, nada tendo sido requerido.
I.2 Subsequentemente o tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Em face do exposto, decide-se:
I. Fixar em 3,75% o grau de IPP para o trabalho de que a A. ficou afectada, em consequência do acidente em apreço, desde 20/12/2016 (dia seguinte ao da alta médica).
II. Condenar a R. a pagar à A.:
- O capital de remição da pensão anual e vitalícia de €238,01 (duzentos e trinta e oito euros e um cêntimo), com vencimento em 20/12/2016;
- €4.955,80 (quatro mil, novecentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos) de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos;
- €45,00 (quarenta e cinco euros), a título de indemnização por despesas de transporte;
- Juros de mora, à taxa legal, desde o respectivo vencimento até integral pagamento.
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Fixa-se à acção o valor de € 8.031,14 (art. 120º do Cód. de Processo de Trabalho).
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Custas a cargo da R. – art. 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.
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Registe e notifique (art. 24º do Cód. de Processo do Trabalho).
(..)».
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II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Numa primeira linha de argumentação vem a recorrente arguir a nulidade processual decorrente de erro na forma do processo, pretendendo que se reconheça a mesma com a consequente a nulidade de todos os actos praticados após a tentativa de conciliação.
Sustenta, no essencial, que na tentativa de conciliação não aceitou a data da alta fixada pelo INML nem os períodos de incapacidade, estando assim em causa mais do que a discordância com o grau de incapacidade. Por essa razão a fase contenciosa deveria ter-se iniciado com a apresentação de petição inicial e não através do requerimento para realização do exame médico que apresentou.
Defende estar-se perante erro na forma de processo, ocorrendo nulidade processual que implica a nulidade de todos os actos após a realização da tentativa de conciliação, devendo ser declarada para os autos aguardarem a apresentação da petição inicial prevista no art.º 117.º n.º1, al. a), do CPC.
Por seu turno, a sinistrada, como melhor conta das alegações, começa por questionar que possa «a arguição da alegada “nulidade” ser suscitada por quem a terá cometido”, referindo que “foi a seguradora que apresentou o requerimento para junta médica e apresentou os quesitos que entendeu necessários sobre os quais se deveriam pronunciar os Senhores Peritos Médicos” para concluir dizendo ter “algumas dúvidas que a recorrente possa suscitar a “nulidade” e eventualmente dela beneficiar se foi ela própria quem a praticou”.
Vejamos então.
Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, as nulidades processuais consistem sempre num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos, traduzindo-se esse vício de carácter formal, num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 387].
A lei distingue entre duas modalidades distintas de nulidades processuais: na terminologia da doutrina, as nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as nulidades secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas).
As nulidades principais são aquelas que a lei entende serem as mais graves pelas suas consequências, constando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC, que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º).
Na perspectiva da recorrente estar-se-á perante uma nulidade principal, em concreto a prevista no art.º 193.º, do CPC, com a epígrafe “Erro na forma do processo ou no meio processual”, onde se dispõe:
[1] O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
[2] Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
[3] O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.
Tratando-se de uma nulidade principal, embora possa ser arguida pela parte interessada, o seu conhecimento não está dependente de arguição dado que o tribunal pode dela conhecer oficiosamente, como logo decorre do art.º 193º/3, mas também da primeira parte do art.º 196.º - Nulidades de que o tribunal conhece oficiosamente – onde se estabelece: “Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas”.
O regime de arguição pela parte interessada respeita a três pontos: i) quem pode argui-las; ii) em que prazo podem ser arguidas; iii) como se faz a arguição.
Quanto ao primeiro ponto rege o art.º 197.º - Quem pode invocar e a quem é vedada a arguição da nulidade – estabelecendo:
[1] Fora dos casos previstos no artigo anterior, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato.
[2] Não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição.
Embora a recorrida não o concretize, a argumentação que fez ao questionar a possibilidade da recorrente arguir a nulidade em causa indica que estaria a acolher-se ao disposto no n.º2, do art.º 197.º CPC.
Para que nos possamos debruçar sobre os dois primeiros pontos - quem pode arguir a nulidade em causa e em que prazo -, importa deixar breves notas, mas essenciais para o enquadramento da questão, sobre o processo emergente de acidente de trabalho.
O processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, compreende duas fases distintas: uma primeira, chamada fase conciliatória, de realização obrigatória e sob a direcção do Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direcção do Juiz.
Através da primeira, como a sua própria denominação o indica, procura-se alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho para o sinistrado através da composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas (direitos indisponíveis), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. Para possibilitar aquele objectivo, a tramitação desta fase compreende, por sua vez, três fases, uma primeira, de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a “(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo susceptível de ser homologado (art.ºs 104.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo o perito médico “indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (art.ºs 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo susceptível de ser homologado pelo Juiz (art.º 109.º) [Cfr. João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts.].
Atenta a finalidade da tentativa de conciliação, que tanto pode determinar o termo do processo em caso de acordo – entenda-se, no que tange à discussão do acidente de trabalho e reconhecimento dos direitos para a sua reparação, visto que, homologado o acordo (art.º 114.º) o processo prossegue mas apenas a efectivação dos direitos reconhecidos (p. ex. o cálculo do capital de remição) - ou, em contraponto, a necessidade de prosseguimento para a fase contenciosa para discussão restrita das questões que foram objecto de desacordo, o conteúdo do respectivo auto assume particular importância, por isso cuidando o legislador de especificar os requisitos dos respectivos autos para uma situação e outra, nomeadamente, nos artigos 111.º e 112.º. Assim:
i) Sendo obtido o acordo (art.º 111.º), “ Dos autos de acordo constam, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações”.
ii) Na falta de acordo (art.º 112.º/1), ” (..) no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
Não havendo acordo seguir-se-á a fase contenciosa, regulada nos artigos 117.º e sgts. do CPT. Estabelece esse primeiro artigo, no que aqui relva, o seguinte:
[1] A fase contenciosa tem por base:
a) Petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
b) Requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
2 - O requerimento referido na alínea b) do número anterior deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
3 - A fase contenciosa corre nos autos em que se processou a fase conciliatória.
A apresentação da petição inicial é o acto processual próprio para dar início à fase contenciosa quando estejam em causa questões para além da previsão da alínea b), que implicam alegação de factos pelas partes nos respectivos articulados, saneamento do processo, indicação de meios de prova, julgamento com produção de prova, culminando na sentença. Em suma, observa uma tramitação próxima do processo comum, mas com algumas especialidades, sendo a mais notória a que respeita ao âmbito do despacho saneador (art.º 128º a 136.º, CPT), para além do mais, em razão de recair sobre o juiz o dever de “Considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação (..) [art.º 131.º/1/c], o que vale por dizer não ser permitido às partes virem discutir nos articulados questões sobre as quais acordaram na tentativa de conciliação, em concreto, aquelas que constem especificadas no auto em conformidade com a exigência do art.º 122.º/1.
Quando a fase contenciosa deva iniciar-se através de petição inicial cabe ao sinistrado ou respectivos beneficiários apresentar a petição inicial, formulando os pedidos e expondo os seus fundamentos. A apresentação dessa peça no prazo legal de 20 dias (art.º 19.º1, CPT) é condição para o prosseguimento do processo para essa fase.
Caso o sinistrado – ou respectivos beneficiários legais - esteja a ser patrocinado pelo Ministério Público, decorrido o prazo legal sem que a petição inicial seja apresentada, o processo é concluso ao juiz, que declara a instância suspensa (art.º 119.º n.º 4, CPT). Mas se o sinistrado – ou os respectivos beneficiários legais - estiver patrocinado por advogado (constituído ou patrono nomeado), tem sido entendido que o juiz deve previamente convidá-lo a apresentar a petição inicial no prazo que lhe fixar, sob pena de a instância ficar suspensa, findo esse prazo.
Diferentemente ocorre nos casos em que a fase contenciosa deva iniciar-se mediante a apresentação de requerimento para realização de exame por junta médica, ou seja, quando o sinistrato – ou os respectivos beneficiários legais – ou a entidade ou entidades responsáveis, ou todos eles (interessados na expressão da lei), não se conformem com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória (alínea b), do n.º1, do art.º 117.º CPT). Neste caso, o ónus de apresentação do requerimento recai sobre a parte que na tentativa de conciliação discordou quanto à questão da incapacidade.
Mas pode acontecer que a parte que discordou não apresente o requerimento, ou por entretanto se ter conformado com o laudo do perito médico singular ou por ter deixado passar o prazo legal para a prática daquele acto. Para qualquer dessas hipóteses, conforme estabelece –sem distinção - o n.º2, do art.º 138.º (segunda parte) “se não for apresentado, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”.
Contudo, há casos em que a discordância incide não só sobre o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, mas abrange também outra ou outras questões, o que se traduz na coexistência das duas situações tipificadas em razão da natureza das questões sobre que recai o desacordo. Nesses casos, sublinha-se, sempre cumprirá ao sinistrado – ou respectivos beneficiários – apresentar a petição inicial, dando cumprimento ao n.º1, al. a) do art.º 117.º, independentemente de a discordância sobre essas outras questões ter sido sua ou da entidade ou entidades que sejam partes e de quem reclama a reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho.
E, se porventura o sinistrado também tiver discordado do resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória, então deverá concomitantemente requerer a realização de perícia por junta médica, o que terá lugar na petição inicial (n.º1, art.º 138.º), naturalmente, apresentando os respectivos fundamentos ou quesitos.
Por outro lado, na medida em que neste caso a fase contenciosa tem início mediante a apresentação da petição inicial, a que se seguirá a apresentação de contestação - ou contestações no caso de mais do que uma entidade demandada como responsáveis - se esta ré - ou rés- tiver discordado do resultado da perícia médica na fase conciliatória, cabe-lhe requerer o exame por junta médica, mas neste articulado em que exerce o contraditório (n.º1, do mesmo art.º 138.º) e não através do requerimento previsto no art.º 117.º/1/b.
Sendo que nestas situações, como determina o art.º 126.º/1, CPT, há lugar ao desdobramento do processo: “No processo principal decidem-se todas as questões, salvo a da fixação de incapacidade para o trabalho, quando esta deva correr por apenso”. Cabendo ao Juiz, “ Ordenar o desdobramento do processo, se for caso disso”, na fase de saneamento [art.º 131.º /1 al.e), do CPT].
Revertendo ao caso concreto, conforme resulta do auto da tentativa de conciliação transcrito nos factos provados, a sinistrada, com o patrocínio do Ministério Público, declarou concordar com o resultado do exame médico singular “no qual foi atribuída uma IPP de 3,75% em 19.12.2016, data em que a sinistrada teve alta médica”.
Nesse pressuposto, reclamou da seguradora uma “pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível de €238,01, (..) com juros à taxa legal contados desde o vencimento em 20.12.2016, dia seguinte ao da alta”, bem como “€25 de transportes de deslocações ao Tribunal” e ainda o “pagamento da quantia de €4.955,80 referente ao período de ITA entre 09.03.2016 e 19.12.2016, uma vez que aquela se encontra indemnizada apenas pelo período de ITA entre 17.02.2016 e 08.03.2016”.
Por sua banda a legal representante da seguradora, embora tenha aceite “o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre as sequelas e o acidente, o salário anual de €9.067,00, (e) pagar €25 de transportes de deslocações ao Tribunal”, declarou “não aceita(r) o resultado do exame médico efectuado à sinistrada pelo perito do INML uma vez que os serviços clínicos da sua representada entendem que a sinistrada ficou curada sem desvalorização em 09.03.2016, data em que teve alta médica. Assim, vai a seguradora requerer que a sinistrada seja submetida a um exame por junta médica, nada mais tendo a declarar.”.
Enunciando os pontos, a seguradora não concordou com o seguinte:
i) A data da alta indicada no exame médico singular - 19.12.2016 -, na consideração de que na avaliação dos seus serviços terá sido em 09.03.2016;
ii) Em consequência, no pagamento à sinistrada da quantia de €4.955,80 referente ao período de ITA entre 09.03.2016 e 19.12.2016, que aquela reclamou por apenas ter sido indemnizada período de ITA entre 17.02.2016 e 08.03.2016;
iii) Com a IPP de 3,75% atribuída no exame médico singular, na consideração de que segundo a avaliação dos seus serviços clínicos a sinistrada terá ficado curada sem desvalorização;
iv) Em consequência, no pagamento da pensão anual e vitalícia obrigatoriamente remível de €238,01, reclamada;
v) Serem devidos de juros de mora e, implicitamente, da data a partir do qual se passaram a vencer, atenda a discordância quanto à da data da alta.
É, pois, atendendo a este quadro que cabe encontrar resposta à questão de saber qual era o meio próprio para dar início à fase contenciosa.
A alínea b), do n.º1, do art.º 117.º, quando se refere ao “resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho”, é susceptível de suscitar dúvida sobre se é dirigida apenas aos casos em que o desacordo incida exclusivamente sobre o grau e natureza da incapacidade, ou se abrange também a divergência quanto à data da alta.
Contudo, salvo melhor opinião, pelas razões que de seguida passamos a enunciar, cremos que o uso da expressão “resultado da perícia médica” apenas visa abranger o grau e natureza da incapacidade.
Em primeiro cabe atender ao elemento literal, fazendo notar que a norma em causa refere o “resultado da perícia médica (..) para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho”. Ora, a fixação da incapacidade é feita à luz da Tabela Nacional de Incapacidades, fixando-se a sua natureza e grau de desvalorização. Coisa diferente é a data da alta, ou seja de cura ou consolidação da recuperação clínica que foi possível atingir.
Em segundo lugar importa atender ao artigo 106.º/1, onde se estabelece o seguinte: “No relatório pericial, o perito médico deve indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico”.
Usa-se aqui a expressão “resultado da sua observação clínica”, não coincidente com aquela expressão da al .b), n.º1, art.º 117.º. E, como bem se vê, o resultado da observação clínica do perito médico abrange,nos ermos da redacção da norma, uma pluralidade de elementos, ou dito de outro modo, diferentes indicações a constarem do auto, entre elas, “a data de cura ou consolidação” e as “incapacidades correspondentes”. Mas não só, pois também deve ser incluído “o relato do evento fornecido pelo sinistrado” e “a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo”, que servirão para a formação do laudo sobre a natureza e grau da incapacidade a atribuir às lesões verificadas, mas que não podem ser, nem são, o “resultado da perícia médica” a que se refere a al. b), n.º1, art.º 117.º.
Em terceiro lugar cabe atentar no art.º 138.º do CPT, mais precisamente no n.º2, norma a que já acima nos referimos, que se prende com a situação prevista na al. b), n.º1, art.º 117.º, ou seja, a necessidade de prosseguimento do processo para a fase contenciosa apenas por ter havido “discordância quanto à questão da incapacidade”. Nesse caso, dispõe aquela norma, na sua primeira parte, que o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º; e, logo de seguida, na segunda parte, prossegue estabelecendo uma cominação para a falta de apresentação do requerimento, nomeadamente: “se não for apresentado, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, (..)”.
Repare-se que a norma não faz qualquer alusão à data da alta, sendo clara ao restringir o efeito cominatório à “ natureza e grau de incapacidade”, que será fixado pelo juiz atendendo ao resultado do exame médico singular. Parece-nos, pois, ser este não só mais um, mas até um elemento decisivo para interpretar a norma em causa, levando a concluir no sentido antecipadamente afirmado.
Como vimos acima, no caso em apreço verifica-se que a discordância entre a sinistrada trabalhadora e a responsável seguradora foi para além da questão relativa ao grau e natureza da incapacidade para o trabalho, nomeadamente, por também ter incidido sobre a data da alta e por consequência sobre a indemnização devida por incapacidade temporária absoluta e, ainda, sobre a data desde que são devidos juros de mora eventualmente devidos.
Assim, atendendo às considerações que deixámos, conclui-se que o processo deveria ter-se iniciado através da apresentação de petição inicial pela sinistrada, nos termos da alínea b), do n.º1, do art.º 117.º, com o patrocínio do Ministério Público. Seria o articulado próprio para a autora formular essas pretensões e alegar os factos adequados, designadamente, para concretizar o que referiu no exame médico singular, ou seja, que desde a data da alta atribuída pela seguradora foi “seguida em consulta no seu Médico Assistente, no Centro de Saúde D… e que se mant(eve) em situação de ITA desde então”.
A este propósito, para que não suscite equívoco, sublinha-se que não obstante a relevância do exame por junta médica, como meio de prova que é, para se determinar a data da alta, o certo é que não afasta a adequação, nem a utilidade ou, mesmo, a necessidade, de produção de outros meios de prova com vista ao apuramento de factos que permitam dirimir a divergência sobre essa questão.
Haverá situações em que a discordância sobre a data da alta assenta em diferentes entendimentos de ordem médica face aos mesmos dados susceptíveis de verificação objectiva, melhor explicando, a observação directa do sinistrado e exames de diagnóstico complementares que tenham sido realizados ao sinistrado no âmbito do acompanhamento pelos serviços clínicos da seguradora e que depois são trazidos ao processo, a que pode ainda acrescer o contributo de novos exames que tenham sido determinado realizar na fase conciliatória pelo perito médico para ficar melhor habilitado a pronunciar-se, nos termos do n.º1, do art.º 106.º. Neste tipo de situações, permita-se-nos a expressão, mais lineares, o laudo da perícia colegial será o meio de prova decisivo para dirimir a divergência entre o que foi entendido pelos serviços clínicos da seguradora e posteriormente, divergindo, pelo perito médico do tribunal no exame singular realizado na fase conciliatória, na medida em que a formulação do juízo sobre qual a data em que ocorreu a consolidação terá por base a observação directa do sinistrado, as suas declarações e os resultados objectivos de exames complementares de diagnóstico.
No entanto, em contraponto, muito comummente a divergência quanto a essa questão assenta em outros factores, designadamente, como aqui ocorreu, por após ter sido dada alta pelos serviços da seguradora a um determinado sinistrado este se ter dirigido aos serviços médicos públicos, vindo o médico de família a considerar que não está ainda capaz para trabalhar, consequentemente, atribuindo-lhe baixa médica. Esse facto é depois levado em conta no exame médico singular realizado na fase conciliatória do processo, sendo susceptível de determinar uma divergência quanto à data da alta quando este perito, atribuindo-lhe relevância, entenda que a data que foi considerada pelos serviços clínicos da seguradora não corresponde na realidade à da consolidação da situação de recuperação.
Noutros casos, podem também contribuir para essa divergência a apresentação de relatórios de exames médicos que os sinistrados tenham realizado por sua iniciativa, de onde resulte a afirmação de uma data da alta para além da que foi considerada pela seguradora.
Ora, em qualquer um desses quadros, para prova da data da alta pode revelar-se útil ou mesmo essencial a produção de prova testemunhal. Em cada caso concreto pode relevar não só o testemunho do médico de família ou outro médico assistente, mas até de quem tenha conhecimento directo e pessoal sobre a situação vivenciada no dia-a-dia pelo sinistrado que pretenda demonstrar que a sua situação de incapacidade temporária para o trabalho se manteve para além do dia que foi considerado pelos serviços médicos da seguradora.
No caso em apreço, p. ex. assumirá relevo o testemunho do médico assistente da sinistrada. Como resulta do que foi feito constar nos autos de exame médico singular (princípio e continuação), a sinistrada declarou, respectivamente, que desde que foi considerada clinicamente curada pela seguradora, foi “seguida em consulta no seu Médico Assistente, no Centro de Saúde D… e que se mantém em situação de ITA desde então”; e, “Por entender que não se encontrava bem refere ter procurado o seu médico de família tendo sido passado CIT para justificação de faltas acrescentando que não mais retomou a sua atividade profissional tendo sido já observada em Juntas da Segurança Social - conferida alta em 19/12/2016 (conforme doc de que se faz cópia). Refere que terá sido conferida alta em Junta onde foi observada em Dezembro de 2016”.
Foi na consideração destes factos e, também, de novos elementos clínicos que foram solicitados para continuação desse exame, que o senhor perito médico entendeu que a sinistrada esteve incapacitada para o trabalho entre a data da alta atribuída pela seguradora (09/03/2016) e 19/12/2016, para fixar esta última, consonância com o que foi considerado pela Junta da Segurança Social, como a data da alta.
Portanto, o caso é bem exemplificativo de uma situação de divergência quanto à data da incapacidade em que para a melhor decisão dessa questão serão úteis meios de prova para além da perícia por junta médica, designadamente, a eventual prova testemunhal que venha a ser indicada.
Não é despiciendo assinalar ainda, que o tribunal a quo não podia considerar provado que [facto 2] A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 19/12/2016”, nem que a sinistrada [facto 6] “Não se encontra ainda indemnizada pelo período de ITA entre 09/03/2016 e 19/12/2016”, proferindo decisão nesse pressuposto. Com efeito, não houve acordo quanto a essa matéria na fase conciliatória, nem qualquer apreciação a esse propósito. Mais, mesmo partindo do pressuposto, como foi entendido pelo Tribunal a quo, que o processo seguira a tramitação processual adequada, nem tão pouco poderia sequer entender-se que a seguradora afinal aceitara a data da alta fixada pelo perito médico singular, em razão de não ter formulado quesito sobre esse ponto.
Dai que, por tudo isto, seja forçoso concluir estar-se de facto perante a nulidade de erro na forma do processo.
Neste sentido, conforme invocado pela recorrente, pronunciou-se esta Relação em Acórdão de 16-12-2015 [proc.º 19/14.4TUVNG.P1, Desembargador Domingos Morais, disponível em www.dgsi.pt], bem como o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 11-10-2017 [proc.º 3189/13.5TTLSB.L1-4, Desembargador Alves Duarte, disponível em www.dgsi.pt]. aqui em caso similar à situação em apreço, lendo-se no respectivo sumário:
- « V.– Se na tentativa de conciliação, a seguradora e o trabalhador se não conciliaram por aquela não ter aceitado a data da alta, a forma de processo adequada para dar início à fase contenciosa é a prevista n.º 2 (petição inicial) e não no n.º 1 (requerimento para junta médica) do art.º 138.º do CPT».
No caso a desadequação formal é impeditiva do aproveitamento de todos os actos processuais praticados, abrangendo o requerimento inicial para realização da junta médica, bem como essa perícia colegial - visto que os senhores peritos não foram confrontados com a questão de saber qual afinal a data que deve considerar-se como a da cura clínica, ou seja, a data da alta – e, concomitantemente a sentença.
Aqui chegados coloca-se então a questão de saber se a recorrente pode arguir a nulidade em causa.
É certo que a seguradora ao apresentar o requerimento para realização de exame por junta médica, agiu antecipadamente e através de meio que no caso não era o próprio. Com efeito, devendo o processo ter seguido para a fase contenciosa através da apresentação de petição inicial pela autora, o momento e acto próprio para a seguradora formular esse requerimento seria, como acima se explicou, na contestação.
Contudo, este erro da seguradora não significa que tenha sido ela que deu causa à nulidade e, logo, não pode pretender-se que estivesse impedida de a arguir, por a tal obstar o art.º 2 do art.º 197.º do CPC, ao dispor “Não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa (..)”.
O erro na forma de processo teve antes outra causa, mais precisamente o facto de se ter desconsiderado o conteúdo do auto da tentativa, nomeadamente o desacordo quanto à data da alta, tendo o Tribunal a quo, porventura por lapso quanto àquele aspecto e sugestionado pelo requerimento apresentado pela seguradora, determinado a realização de exame por junta médica. Ainda assim, refira-se, não se percebe como o erro não foi detectado posteriormente, nomeadamente, na prolação da sentença, ao ponto de se darem por assentes factos que não podiam como tal ser considerados.
Na nossa perspectiva, o procedimento adequado a ter sido seguido pelo tribunal a quo passava pela rejeição do requerimento apresentado pela seguradora e a declaração da suspensão da instância, nos termos do art.º 119.º n.º4, do CPT, até que o Ministério Público, que assegura o patrocínio da sinistrada, apresentasse a competente petição inicial. Assim não tendo procedido e tendo o processo seguido a tramitação desadequada, então cabia à Senhora Juíza ter oficiosamente reconhecido e declarado o erro na fora de processo, como o podia ter feito, inclusive na sentença, anulando os actos praticados e determinando que o processo aguardasse a apresentação da petição inicial pelo Ministério Público. Com efeito, nos termos do n.º2, do art.º 200, do CPC, a nulidade por erro na forma do processo é apreciada no saneador, se antes o não tiver sido, mas se não houver despacho saneador – como é o caso atento o procedimento seguido -, pode conhecer-se dela até à sentença final.
Mas como assim não procedeu, persiste a nulidade, o que nos leva de novo à arguição pela recorrente, mas agora enfocando a questão no momento até quando deveria ter sido arguida.
Cabe, pois, atender ao disposto no art.º 198.º 1, CPC, onde se dispõe que “As nulidades a que se referem o artigo 186.º e o n.º 1 do artigo 193.º só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado”.
No procedimento seguido não há lugar a contestação. Recorrendo à analogia, crê-se que no caso o momento adequado seria até ao termo do prazo legal com início após a notificação do despacho que designou o dia para a realização do exame médico ou, caso assim não se entenda, no limiar, na sequência da notificação do resultado do exame médico, acrescendo que a arguição deveria ter sido feita junto do Tribunal a quo.
Acontece, porém, que a seguradora só veio arguir a nulidade com o recurso.
Não obstante, a nulidade processual em causa está coberta pela sentença recorrida e, logo, o recurso é o meio próprio para ser arguida [Cfr.,Antunes Varela, Op. cit., p. 393].
Concluindo, como se disse a tramitação processual que foi seguida não só não foi a adequada, como para além disso não pode aproveitar-se de todo, incluindo no concernente ao requerimento apresentado pela seguradora.
Assim, o recurso procede, sendo forçoso julgar verificada a arguida nulidade de todo o processado subsequente à tentativa de conciliação, concomitantemente determinando-se que o Tribunal a quo profira despacho nos termos previstos no n.º 4, do art.º 119.º do CPT, declarando suspensa a instância e ficando os autos a aguardar que o Ministério Público, no âmbito do patrocínio da sinistrada, apresente a competente petição inicial para dar início à fase contenciosa do processo, seguindo-se a consequente tramitação processual própria.
Por último, em face deste desfecho fica prejudicada a apreciação da questão remanescente.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente, julgando verificada a arguida nulidade de todo o processado subsequente à tentativa de conciliação e, concomitantemente, determinando-se que o Tribunal a quo profira despacho nos termos previstos no n.º 4, do art.º 119.º do CPT, declarando suspensa a instância e ficando os autos a aguardar que o Ministério Público, no âmbito do patrocínio da sinistrada, apresente a competente petição inicial para dar início à fase contenciosa do processo, seguindo-se a consequente tramitação processual própria.

Custas do recurso a cargo da recorrida (art.º 527.º 2, CPC), sem prejuízo da isenção de que beneficie, designadamente nos termos do art.º 4.º 1, al. h), do RCP.

Porto, 18 de Dezembro de 2018
Jerónimo Freitas
Rita Romeira
Nelson Fernandes - Vencido, pelas razões que, em síntese, se seguem:
- Em primeiro lugar, salvaguardando naturalmente o devido respeito pela posição que fez vencimento, não obstante algumas dúvidas, propendo no entanto para considerar que, aceitando a responsável/seguradora – na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória do processo – a existência do acidente, o nexo de causalidade entre as sequelas e esse acidente, bem como o salário auferido pela sinistrada e as despesas de transporte que reclamou, apenas declarando que não aceita o resultado do exame médico efetuado pelo perito do INML uma vez que os seus serviços clínicos entendem que a sinistrada ficou curada sem desvalorização em data que indica e que é diversa daquela que naquele exame se considerou ser a data da alta, estamos ainda perante discordância que se insere no âmbito da previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do CPT, iniciando-se assim a fase contenciosa com o requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, na consideração de que, no que particularmente se refere à data da alta, se trata afinal de um dos aspetos que se integra na pronúncia/resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, estando necessariamente ligada às lesões/sequelas que decorrem do acidente, não havendo razões na minha ótica para a autonomizar, em termos de regime processual (forma do processo), dos casos em que ocorre divergência em relação ao resultado dessa perícia sobre a fixação de incapacidade para o trabalho. De resto, pela sua natureza, por estar afinal diretamente ligada à existência ou não das lesões e suas sequelas, em termos de prova essa satisfaz-se, face ao regime estabelecido, com o estabelecido para a discordância sobre o próprio grau de incapacidade sobre que se discorde, assim através da realização de junta médica.
Ainda que assim não fosse, e em segundo lugar, sempre importaria, na minha opinião, ter presente que foi a Recorrente/seguradora quem deu início à fase contenciosa, através da apresentação do requerimento previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 117.º do CPT, assim desde logo para efeitos do regime estabelecido no artigo 197.º, n.º 2, do CPC, tanto mais que em momento algum, antes da apresentação das alegações, tal eventual erro na forma do processo invocou.
Daí que, no caso, porque a questão da fixação da data da alta não foi sequer submetida à pronúncia da junta médica, quando o deveria ter sido (por não haver acordo), tendesse a considerar que, por não constarem do processo todos os elementos que permitiriam apreciar a questão suscitada no recurso, face à insuficiência da matéria de facto, se imporia a sua ampliação – artigo 662.º, n.ºs 2, al. c), e 3, al. c), do CPC –, com a consequente anulação da decisão recorrida, de tal modo que, após a realização das diligências que se mostrassem necessárias, viesse então a ser proferida nova sentença.

Nelson Fernandes