Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
674/14.5TBVCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONTRATO PROMESSA
PROVA
CONVENÇÕES VERBAIS
PROVA PESSOAL CONTRÁRIA À DOCUMENTAL
DOCUMENTO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
CONFISSÃO NOS ARTICULADOS
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: RP20170703674/14.5TBVCD.P1
Data do Acordão: 07/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS 655, FLS 297-315)
Área Temática: .
Sumário: I - Pretendendo o recorrente provar, com base exclusivamente em prova pessoal, um facto contrário ao que resulta de um documento com força probatória plena, com total atropelo das exigências legais relativas à forma do negócio e ainda também das regras relativas à vinculação das sociedades comerciais (veja-se o artigo 260º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais), deve indeferir-se a reapreciação desse segmento da decisão da matéria de facto, com base nessa prova.
II - Não questionando o recorrente o acordo das partes relativamente a certa matéria, nem resultando a existência de erro do tribunal recorrido quanto à ocorrência desse acordo, é de indeferir a reapreciação com base em prova pessoal desse segmento de facto plenamente provado com base no acordo das partes.
III - Excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso, da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada, os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas.
IV - A admissão pelos réus na contestação de factos em contradição com a prova documental legalmente necessária para a comprovação da existência e validade de certo contrato, é inoperante, por força do disposto no nº 2, do artigo 574º, do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário do acórdão proferido no processo nº 674/14.5TBVCD.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Pretendendo o recorrente provar, com base exclusivamente em prova pessoal, um facto contrário ao que resulta de um documento com força probatória plena, com total atropelo das exigências legais relativas à forma do negócio e ainda também das regras relativas à vinculação das sociedades comerciais (veja-se o artigo 260º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais), deve indeferir-se a reapreciação desse segmento da decisão da matéria de facto, com base nessa prova.
2. Não questionando o recorrente o acordo das partes relativamente a certa matéria, nem resultando a existência de erro do tribunal recorrido quanto à ocorrência desse acordo, é de indeferir a reapreciação com base em prova pessoal desse segmento de facto plenamente provado com base no acordo das partes.
3. Excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso, da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada, os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas.
4. A admissão pelos réus na contestação de factos em contradição com a prova documental legalmente necessária para a comprovação da existência e validade de certo contrato, é inoperante, por força do disposto no nº 2, do artigo 574º, do Código de Processo Civil.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório[1]
Em 26 de março de 2014, no então Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde[2], B... e mulher C..., intentaram a presente ação declarativa sob forma comum contra D... e mulher E... pedindo que, julgada procedente por provada a presente ação, sejam consequentemente, os réus condenados a:
a) transferir para os autores a titularidade e posse livre de ónus ou encargos o apartamento T2, de gaveto, com frente para sul e nascente e com lugar de garagem na cave, que constitui a fração autónoma identificada com a letra “I” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., ..., ... em ..., Vila do Conde, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 859-I e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1134º-I de ...;
b) pagar aos autores a quantia de trezentos e cinquenta euros mensais contados a partir da citação, a título de indemnização pelos danos causados pelo não cumprimento do contrato e até entrega;
ou, em alternativa:
c) proceder ao pagamento aos autores da quantia de noventa mil euros, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alegaram que por contrato-promessa de compra e venda outorgado em 15/11/1999, obrigaram-se a transmitir aos réus e estes a adquirir, por si ou por pessoa a indicar, um prédio destinado a construção, tendo verbalmente acordado que o preço seria pago, uma parte em dinheiro (20.000.000$00, vinte mil contos, ora correspondentes a cerca de 100.000€) e outra parte através da entrega de um apartamento a construir no prédio prometido, que foi dado aos autores escolher, tendo ficado acordado ser um apartamento do tipo T2, ao nível do segundo andar, de gaveto e com lugar de garagem, tendo os autores recebido dos réus dez milhões de escudos de sinal e sendo os restantes dez milhões de escudos do preço em dinheiro pagos faseadamente.
Atenta a natureza mista do preço acordado, não chegaram a fixar o preço total do negócio, que apenas constou do contrato-promessa para facilitar ao réu marido a sua redação.
Entretanto, em 28/12/2007, por escritura pública, os autores, a pedido dos réus, declararam vender à sociedade comercial do casal dos réus denominada “F..., Lda.” o prédio cuja venda haviam prometido, tudo sendo organizado pelo réu marido em quem o autor plenamente confiava, sendo nessa data acordado que depois de construído o prédio, lhes seria de imediato transmitido por estes o dito apartamento.
Os autores confiaram na palavra dos réus e aguardaram que o prédio fosse construído, para depois lhes ser entregue por aqueles a fração prometida, por conta do preço em falta.
O prédio veio, entretanto, a ser construído por outra empresa, tendo os réus informado os autores que o apartamento estava pronto para lhes ser entregue, o que, até hoje, e, não obstante as várias interpelações feitas pelos autores, ainda não ocorreu.
Um apartamento com a tipologia e localização em causa, numa zona de praia como a de ..., ascende no mercado imobiliário a valor nunca inferior a noventa mil euros, sendo que, se o mesmo fosse dado de arrendamento, renderia aos autores renda mensal não inferior a trezentos e cinquenta euros.
Citados, após duas suspensões da instância por acordo das partes, os réus contestaram, suscitando a sua ilegitimidade para serem demandados na presente ação, dado que a sua posição contratual foi transmitida à sociedade F... Lda., cuja intervenção requerem, nada mais podendo ser exigido aos réus por conta do contrato-promessa em causa nos autos, além de que, celebrada escritura definitiva esgotou-se o objeto daquele contrato-promessa.
Mais alegam que nunca acordaram na transmissão de qualquer apartamento, sendo que, a existir tal obrigação, a mesma competiria à empresa F..., Lda., pedindo ainda a intervenção nos autos da sociedade construtora do prédio em causa, a G..., Lda., que é quem se encontra na posse do dito apartamento.
Depois de notificados para tanto, os autores pronunciaram-se sobre a exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pelos réus e opuseram-se ao deferimento dos incidentes de intervenção principal provocada requeridos pelos réus.
Os incidentes de intervenção principal provocada requeridos pelos réus foram indeferidos.
Posteriormente, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante de noventa mil euros, proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva arguida pelos réus, identificou-se o objeto do litígio, indicaram-se os factos já assentes, organizaram-se os temas de prova, admitiram-se os meios de prova oferecidos pelas partes e designou-se dia para realização da audiência final.
Após duas suspensões da instância por acordo das partes, realizou-se a audiência final, numa sessão e, em 09 de novembro de 2016, foi proferida sentença[3] que terminou com o seguinte dispositivo, que se reproduz na parte pertinente:
A-) Absolve a ré mulher, E..., do pedido formulado nos autos;
B-) Condena o réu marido, D..., a pagar aos autores a quantia de 90.000,00€, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento.
Em 09 de Janeiro de 2017, inconformado com a sentença, D... interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.º - o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, nomeadamente no que concerne à ocorrência de um contrato de cessão de posição contratual entre o Réu marido e a sociedade da qual é sócio gerente “F..., Lda”;
2.º - Razões pelas quais deverá o Tribunal ad quem declarar nula a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, conforme previsto no art.º 607, n.º 4 e na al. c) do n.º 1 do art.º 615 do Código de Processo Civil, que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais;
3.º - o Tribunal a quo incorreu em erro, ao dar como provado os pontos 1.º a 4.º e 7.º a 11.º, constantes na douta sentença recorrida, sob a epígrafe “Fundamentação de Facto”;
4.º - face ao que se pode depreender com a audição das gravações da audiência de julgamento, prova documental e declarações de parte, bem como de outras provas carreadas para o processo, deveria ter sido outra a fundamentação de facto e sua motivação, já que existem provas suficientes para criar no Tribunal a convicção necessária e exigida para concluir no sentido que de seguida se irá expor;
5.º - o Tribunal a quo valoriza erroneamente os depoimentos de várias testemunhas, mormente as que são familiares directos dos Autores (a saber, H... e I...), pois a forma pouco espontânea de depor por parte daquelas testemunhas demonstra, claramente, a falta de credibilidade e isenção das mesmas, além de que as mesmas são pessoas cujo interesse no desfecho da lide é elevado, já que se encontram familiarmente ligadas aos Autores, em conflito de interesses entre a verdade e clareza e as conveniências pessoais e familiares;
6.º - No contrato promessa junto aos autos, muito embora não conste a qualidade em que o Réu marido interveio, o certo é que o mesmo outorgou enquanto representante da sociedade “F..., Lda.”, tudo conforme se verificou dos depoimentos das Testemunhas J... e K... (Sócio-Gerente da “G..., Lda”) e das declarações de parte do Réu;
7.º - Tal facto não podiam ignorar os autores, já que a referida Sociedade era conhecida no meio social onde os Autores e Réus residem, conforme depõe, claramente, I..., o Autor B... e o Réu D...;
8.º - sempre se dirá que, no limite, terá existido erro na declaração do Promitente- Comprador, nos termos do artigo 247.º do Código Civil, uma vez que a vontade declarada não corresponda à vontade real do declarante (que era a Sociedade “F..., Lda.”, representada por D...);
9.º - Por estes motivos deverá o facto 1.º dado como provado na Douta Sentença recorrida ser alterado pelo Tribunal ad quem e, por conseguinte, nele fazer consta o seguinte: “1.º Por contrato denominado “contrato promessa de compra e venda e recibo”, outorgado entre as partes em 15/11/1999, os autores (Primeiros Contraentes) obrigaram-se a vender à Sociedade “F..., Lda.”, representada no acto pelo réu marido (Segundo Contraente), casado com a ré mulher, ou a pessoa por ele a indicar, um prédio destinado a construção, designado “L..., sito no ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 25944 do Livro B.68 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 653º”;
10.º - Da mesma forma que também deverá o facto 4.º dado como provado na douta sentença recorrida ser alterado pelo tribunal ad quem e, por conseguinte, nele fazer constar o seguinte: “4.º Em 28/12/2007, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde de M..., os autores declararam vender à sociedade comercial «F..., Lda.», NIPC ........., “pelo preço de DUZENTOS MIL EUROS (…) a parcela de terreno para construção urbana, sita no ..., da freguesia ..., deste concelho de Vila do Conde, descrita na respectiva Conservatória de Registo Predial sob o número zero zero OITOCENTOS E CINQUENTA E NOVE da freguesia ..., registada a seu favor pela inscrição G-UM e inscrita no artigo l 134 da respectiva matriz predial urbana, com o valor patrimonial de 326 229, 72 €;
11.º - a venda do prédio em causa foi realizada à Sociedade de que era sócio gerente o Réu marido;
12.º - os Autores acordaram um preço certo a atribuir ao prédio, a saber “Esc: 10.000.000$00 (Dez milhões de escudos)”, actualmente €49 879,80 (quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e oitenta cêntimos) – vide cláusula 4.º alínea c) do Contrato Promessa junto à Petição Inicial como doc. n.º 1 (constante da Notificação Judicial Avulsa);
13.º - Resulta claro, através da conjugação da prova supra referida, que ao Apartamento foi atribuído um valor, a saber, de € 50 000,00, pelo que não pode consta na douta sentença como facto provado que “o preço a pagar pela prometida venda englobaria um apartamento – cujo valor a atribuir não foi acordado”;
14.º - deverá o Tribunal ad quem alterar a factualidade n.º 7º., fazendo consta na mesma o seguinte: “Autores e réu marido, enquanto sócio gerente da sociedade F..., Lda, acordaram verbalmente, em momento anterior à formalização do contrato promessa aludido em 1º, que o preço a pagar pela prometida venda englobaria um apartamento – no valor de “Esc: 10.000.000$00 (Dez milhões de escudos)”, actualmente €49 879,80 (quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e oitenta cêntimos) - a construir no prédio prometido, que os autores escolheriam.”;
15.º - Relativamente ao facto provado 8.º dir-se-á que ocorreu uma errónea interpretação da prova testemunhal produzida em julgamento por parte da Mma Juiz a quo, pois dali resultou claramente que, aquando da escritura aludida em 4.º, em momento algum foi assumido pelo réu marido perante os autores, que depois de construído o prédio, lhes seria de imediato transmitido o dito apartamento, sendo certo que o próprio A. marido admite que não existiu qualquer acordo nesse sentido, pelo que deverá o Tribunal ad quem considerar não provado o facto em causa;
16.º - nunca o Réu informou os Autores de que o apartamento estava pronto para lhes ser entregue, tal como resulta da prova testemunhal produzida nos autos, pelo que nunca poderá ser considerada provada tal factualidade erradamente constante do facto provado 9.º;
17.º - Os factos 10.º e 11.º terão que ser considerados como não provado, pois não foram realizadas quaisquer perícias ao apartamento, não existem quaisquer documentos relativos ao valor de mercado do dito imóvel, não sendo por isso possível ao Tribunal a quo determinar qual o valor do apartamento e do respetivo arrendamento;
18.º - nunca se poderá acompanhar a motivação da Mma Juiz ao quo, que considerou erradamente que quem assumiu a obrigação da entrega do apartamento foi o Sr. D..., aqui Réu;
19.º - a Mma Juiz a quo interpretou incorretamente a prova testemunhal produzida, havendo que revogar a sentença proferida, substituindo-a por outra que absolva os RR. do pedido, pois a obrigação da entrega do apartamento sempre foi da sociedade F..., da qual o R. marido é sócio gerente;
20.º - os AA. sempre souberam das diligências levadas a cabo pela dita sociedade para que tal obrigação de entrega do apartamento fosse cumprida, desde requerimentos apresentados na Câmara Municipal (que eram subscritos pelo A. marido antes da celebração da escritura pública de compra e venda), desenvolvimento das obras de construção levadas a cabo pela mesma sociedade, contrato celebrado com a empresa G... em virtude da crise económica que assolou o país em 2008 e que fez com que a F... não conseguisse concluir a construção do prédio edificado no terreno vendido pelos AA;
21.º - não faz qualquer sentido considerar que a obrigação de entregar o apartamento aos AA. recai sobre o Réu marido, na medida em que, como acima foi dito, o contrato-promessa de compra e venda foi, na verdade, celebrado com a sociedade F..., pois apenas esta poderia construir o prédio em causa, dado que, como resultou da prova produzida, o Réu marido nunca fez qualquer construção a título pessoal;
22.º - não fazia (nem faz) qualquer sentido, que, após a construção e conclusão do apartamento, o mesmo fosse previamente vendido pela sociedade F... ao Réu marido e, depois, novamente vendido aos AA., desta feita pelos RR., não tendo sido isso o combinado entre as partes;
23.º - face à prova produzida, deverá o R. marido ser absolvido do pedido;
24.º - não existe qualquer motivo para que a Mma Juiz a quo tivesse condenado o Réu marido no pagamento da quantia de 90.000,00 €, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, pois o valor do contrato promessa celebrado foi de 30.000 contos, dos quais 20.000 contos já se encontram pagos, pelo que a condenação nunca poderia ser superior a 10.000 contos, equivalentes a 49.879,79 €;
25.º - como resulta das declarações prestadas pela testemunha J..., inicialmente o negócio pressupunha o mesmo valor de 30.000 contos, a pagar mediante a entrega de 10.000 contos em dinheiros, e os restantes 20.000 contos através da entrega aos AA. de dois apartamentos, mas devido a dificuldades financeiras dos AA., o contrato inicialmente celebrado foi alterado, no sentido de substituir a entrega de um apartamento pela entrega de 10.000 contos em numerário, de onde resulta que as partes sempre tiveram como certo o valor de 30.000 contos e a convicção de que, com o pagamento de tal valor, o contrato promessa ficaria integralmente cumprido, pelo que não faz qualquer sentido a condenação do Réu marido em pagar aos AA. o montante de 90.000,00 €, que transformaria o valor do negócio não em 30.000 contos (como combinado), mas sim em 190.000,00 €, o que não se pode conceder;
26.º - o tema de prova a decidir nos presentes autos prendia-se com aferir da existência de um acordo verbal entre autores e réus através do qual estes prometeram àqueles, na sequência do contrato promessa outorgado e reduzido a escrito, e aquando da escritura pública realizada, entregar-lhes a fracção em causa, tendo ficado cabalmente demonstrado na audiência de julgamento, que tal acordo verbal nunca existiu, pois nunca os RR. prometeram aos AA. proceder-lhes à entrega da fração em causa;
27.º - seria a sociedade F... quem sempre ficou com tal encargo, e no interesse da qual foi celebrado o contrato promessa, quer por ter sido esta quem iria efetuar a construção, vender os apartamentos, pagar os impostos inerentes ao negócio e pagar o preço aos AA.;
28.º - de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 5 do CPC, deveria a Mma Juiz a quo ter atendido aos factos instrumentais que resultaram da instrução da causa, bem como aqueles que são complemento ou concretização dos que foram alegados pelos RR., devendo ter sido dados como provados os factos demonstrativos de que o contrato promessa em causa foi, efetivamente, celebrado com a sociedade F..., e não com o Réu marido, sendo daquela a obrigação de entrega da fração aos AA.;
29.º - os Autores agem em Abuso de Direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, na acepção do veniri contra factum proprium;
30.º - nunca os Autores rejeitaram durante as negociações que estavam a negociar com a sociedade “F..., Lda.”, já que o Réu sempre referiu que era esta a sociedade com quem aqueles estavam a negociar, e da qual é sócio gerente;
31.º - todas as licenças, projectos e alvarás para a construção do prédio terem sido adquiridos pelo Autor, que os passou posteriormente para a dita sociedade. E o Autor não pode ignorar este facto, já que os respectivos requerimentos foram elaborados com a ajuda do funcionário da F..., Lda;
32.º - no momento da escritura, os Autores não rejeitaram que estivessem a vender o referido terreno à Sociedade “F..., Lda.”, uma vez que bem sabiam que era com esta que sempre negociaram (que sempre foi representada pelo aqui Réu – D...;
33.º - Por estas razões, deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal ad quo ser revogada pelo Tribunal ad quem, e, por conseguinte, ser proferida decisão que absolva o Réu do pedido.
Em 15 de fevereiro de 2017, também inconformados com a sentença, B... e mulher C... interpuseram recurso subordinado de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso da douta sentença de 10/11/2016 cinge-se à parte onde veio o Tribunal a quo absolver a R. mulher do pedido, condenando apenas o R. marido a pagar a quantia de € 90.000,00 acrescido de juros desde a citação e até integral pagamento.
2. Fundamentou a absolvição da R. mulher na não produção de prova quanto à participação da mesma na celebração e negociação do contrato-promessa.
3. Esquecendo, porém, que a R. mulher, em conjunto com o R. marido, na contestação apresentada por ambos, e no que se refere ao contrato-promessa discutido nos autos, reconhece ter celebrado o enunciado contrato-promessa e confessa estar ciente do teor do mesmo, nomeadamente da promessa feita aos AA., aqui recorrentes, de que lhes seria entregue um apartamento do tipo T-2, conforme está exarado no contrato.
4. Estamos, assim, perante uma confissão judicial espontânea, conquanto foi a mesma feita por escrito pela R. mulher, o que lhe confere uma força probatória plena, não sendo susceptível de ser questionada e conhecida pela parte do Tribunal, pois consubstancia-se num facto assente.
5. Nem tão pouco poderá ser a prova testemunhal a contradizer tal facto conquanto o disposto no artigo 393º/2 do CC não admite prova testemunhal “(...) quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.”
6. Violando a sentença o disposto nos artigos 352º e 393 nº 2 do C. Civil.
7. Acresce que, estando a R. mulher casada com o R. marido no regime da comunhão de adquiridos, haveria que responder, concomitantemente com o seu marido, nos termos peticionados, conquanto o contrato-promessa foi realizado pelo cônjuge administrador, com o consentimento da mesma e em proveito comum do casal.
8. Assim, perante a confissão judicial espontânea de ambos os RR. na sua contestação, e o regime da comunicabilidade das dívidas dos cônjuges, devia também a Ré mulher ser condenada a pagar aos AA. a quantia de € 90.000,00, acrescida de juros contados desde a citação até integral pagamento.
O tribunal a quo debruçou-se sobre a nulidade da sentença arguida pelo recorrente autónomo, concluindo pela sua inverificação.
Os autos foram aos vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
I. Do recurso autónomo:
1. Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre a cessão da posição contratual do réu para a sociedade F..., Lda.;
2. Do erro na apreciação da prova nos factos exarados nos pontos 1, 4 e 7 a 11 dos fundamentos de facto da sentença recorrida;
3. Do erro na declaração por parte do promitente comprador;
4. Da repercussão da eventual alteração na decisão da matéria de facto na solução do caso;
5. Do abuso do direito por parte dos autores.
II. Do recurso subordinado:
1. Da confissão judicial espontânea da ré de que também outorgou o contrato-promessa em discussão nos autos;
2. Do proveito comum.
3. Fundamentos de facto
3.1 Do erro na apreciação da prova nos factos exarados nos pontos 1, 4 e 7 a 11 dos fundamentos de facto da sentença recorrida
O recorrente insurge-se contra a decisão vertida nos pontos 1, 4, 7 a 11 dos fundamentos de facto.
O recorrente propõe que os pontos 8 a 11 dos factos provados sejam julgados não provados, propondo para os restantes pontos de facto impugnados as seguintes respostas:
- “Por contrato denominado “contrato promessa de compra e venda e recibo”, outorgado entre as partes em 15/11/1999, os autores (Primeiros Contraentes) obrigaram-se a vender à Sociedade “F..., Lda.”, representada no acto pelo réu marido (Segundo Contraente), casado com a ré mulher, ou a pessoa por ele a indicar, um prédio destinado a construção, designado “L..., sito no ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 25944 do Livro B.68 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 653º” (resposta ao ponto 1 dos fundamentos de facto);
- “Em 28/12/2007, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde de M..., os autores declararam vender à sociedade comercial «F..., Lda.,» NIPC ........., “pelo preço de DUZENTOS MIL EUROS (…) a parcela de terreno para construção urbana, sita no ..., da freguesia ..., deste concelho de Vila do Conde, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o número zero zero OITOCENTOS E CINQUENTA E NOVE da freguesia ..., registada a seu favor pela inscrição G-UM e inscrita no artigo 1 134 da respectiva matriz predial urbana, com o valor patrimonial de 326 229,72 €” (resposta ao ponto 4 dos fundamentos de facto);
- “Autores e réu marido, enquanto sócio gerente da sociedade F..., Lda, acordaram verbalmente, em momento anterior à formalização do contrato promessa aludido em 1º, que o preço a pagar pela prometida venda englobaria um apartamento – no valor de “Esc: 10.000.000$00 (Dez milhões de escudos)”, actualmente €49.879,80 (quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e oitenta cêntimos) – a construir no prédio prometido, que os autores escolheriam” (resposta ao ponto 7 dos fundamentos de facto).
O recorrente invoca erro de apreciação da prova pessoal produzida em audiência, pois que o tribunal a quo conferiu credibilidade aos depoimentos de testemunhas oferecidas pelos autores, que são seus familiares, com interesse na causa, que não presenciaram os factos e que, pela forma como foram prestados, não têm a credibilidade do depoimento produzido por J... e que foi corroborado pelas declarações de parte do autor e pelo depoimento de parte do réu.
A motivação do tribunal a quo foi a seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação critica e conjugada da prova produzida em audiência, nomeadamente do confronto e conjugação de todos os documentos juntos aos autos, depoimentos e declarações de parte prestados e declarações de testemunhas ouvidas em julgamento, com recurso a juízos de normalidade e experiência comum.
Assim, e em suma, ouvimos em julgamento, em depoimento de parte, o réu D... que relatou os factos como por si vivenciados, assumindo ter sido a sua filha que tratou de toda a documentação para os contratos realizados, tendo sido acordado, no dia de outorga da escritura definitiva, que assim que ficasse pronto seria «entregue o apartamento em falta», embora diga que era a “F...” que teria que fazer tal entrega e que assumira tal obrigação e que caso não entregasse o apartamento teria que entregar 10mil contos em dinheiro, ou seja, 50mil euros e nada mais.
Já o autor B..., ouvido em declarações de parte, prestou depoimento consentâneo, dizendo, contudo, que quem assumira consigo a obrigação de entrega do apartamento (e não de 50 mil euros, pois que não foi isso o acordado) fora sempre o Sr. D..., pois que fora com quem tudo negociara e em quem plenamente confiava.
Ao nível da prova testemunhal, e da parte dos autores, ouvimos H..., filha daqueles, que disse que os seus pais nunca procuram conselho de um advogado, pois que confiavam plenamente no réu, sendo que sempre pensaram que o apartamento lhes estava reservado. Os pais sempre lhe disseram que o Sr. D... assumira com eles a entrega de um apartamento, no terreno a construir que o pai lhes prometera vender, e que segundo sabe só no dia da escritura é que apareceu o nome de uma firma. Quando o apartamento ficou concluído, o que lhe foi dito pelo réu ao telefone, foram visitar o mesmo, que estava reservado em nome dos pais, dizendo que o mesmo valeria, segundo julga saber, cerca de 90mil euros, podendo ser arrendado por 250 euros, 300 euros.
Também N..., filho dos autores, relatou os termos do negócio acordado com o réu, dizendo que o seu pai e o réu marido já se conheciam fazia anos, eram amigos, prometendo assim o pai a troca de um terreno de que era proprietário contra a entrega de 20mil contos em dinheiro e um apartamento T2. Feita a escritura, no que, diz, não foi dado conta pelos seus pais, segundo julga, que estariam a vender a uma firma, ficaram depois à espera da entrega da fracção, o que nunca lograram obter.
Da parte dos réus foi ouvido, J..., filho daqueles, que disse ter sido sócio e funcionário da firma F..., Lda., firma que iria levar a cabo a construção do prédio. Diz que, segundo sabe, o acordado fora a entrega do prédio contra 100 mil euros em numerário e um apartamento no valor de 50mil euros. Não esteve presente na escritura definitiva, não sabe se tudo chegou a ser pago, mas, afirma, quem teria que entregar o apartamento era a firma F..., que acabou por vir a ter problemas e dificuldades, razão pela qual o negócio foi passado para a empresa G.... Diz que os autores sempre souberam que era a empresa que iria levar a cabo a construção, logo que seria a mesma que lhes teria que fazer a entrega do apartamento, sendo apenas rosto da empresa o agora réu, que de tudo tratava, sem que nunca a sua mãe, que é domestica, tivesse tido qualquer interferência nos negócios daquele.
Como testemunha comum, ouvimos K... que negociou com o Sr. D... a construção do prédio, que se iniciara com a F..., Lda., dizendo que aquele sempre lhe dissera que a firma tinha um compromisso relativamente a um apartamento (T2), que, concluído o prédio em Agosto/2011, ficou reservado para os autores por força de um contrato promessa que aqueles tinham com o Sr. D.... No âmbito desse acordo entregou uma loja ao réu, que este depois devolveria, edificado o prédio, acrescido de uma determinada quantia em dinheiro, entregando a sociedade então o apartamento destinado aos autores, o que tudo foi feito em contrato promessa organizado para o efeito. Construído o prédio falou com o Sr. D..., que não logrou cumprir com o acordado, tentando depois ele próprio falar com o autor, com vista à aproximação as partes, o que acabou por não se revelar possível, razão pela qual, em Janeiro de 2015, perdeu interesse no negócio, dando o mesmo por incumprido, acabando por negociar o dito apartamento cujo valor aceita rondar 90/100mil euros, admitindo que no mercado de arrendamento aquele apartamento pudesse render, em termos mensais, 5% do valor do imóvel.
Da conjugada ponderação de toda a prova vemos que nenhuma testemunha presenciou os termos em foram assinados os contratos, promessa e definitivo, não assistindo à outorga dos mesmos. Contudo, e ainda assim, ao tribunal resultou evidente que as partes (o que resulta em absoluto dos próprios depoimentos) tinham como boa a entrega de 20mil contos em dinheiro e um apartamento T2, sendo que, concluído o prédio, aquele dito T2 ali ficou reservado em nome dos autores, sem que fosse discutido o valor que o mesmo importaria, o que, aliás, e em bom rigor, nos parece ser o que resulta do teor da promessa feita onde ficou expressamente a constar que o remanescente de 10.000.000$00, seria pago através de um apartamento de tipologia T2, com lugar de garagem.
As próprias partes, autor e réu, aludiram no seus depoimentos “ficou a faltar o apartamento..” o que seria lógico pois que, àquela data, 2007, o mesmo ainda não estava construído (o que apenas aconteceu em Agosto/2011).
Dúvidas também não há, o que foi pacífico e unânime, que na data da escritura definitiva faltava ainda entregar o dito apartamento, o que afasta a ideia de que as partes poderiam ver esgotado, com a escritura definitiva, o objecto da promessa.
Aliás, o réu aludiu depois ao que combinou com a sociedade que construiu o prédio, tentando manter o acordo com os autores, assegurando o apartamento, mas que acabou por não conseguir cumprir por força de dificuldades entretanto surgidas.
Não se entendem contudo quanto a quem assumiu a obrigação da entrega do apartamento, sendo que, da leitura dos depoimentos prestados, com especial destaque para o das próprias partes em depoimentos, resulta, claramente, e quanto a nós, que tal obrigação foi assumida pelo Sr. D..., aqui réu. Foi com ele que os termos da promessa foram negociados, foi da parte dele que foi tratada a documentação para a escritura e pese embora a venda viesse a ser feita à firma F..., Lda., foi ele que esteve na escritura e que reiterou aos autores que os mesmos iriam, construído que fosse o prédio, receber o T2 a construir no mesmo. O facto da escritura definitiva ter sido feita à sociedade F... não nos permite concluir que foi a mesma que assumiu aquela obrigação consignada na promessa. Aliás, nada impedia que fosse a sociedade F... a construir, assumindo o réu a promessa da entrega do apartamento (para o que teria depois que diligenciar nesse sentido, ao que a tudo seriam alheios os autores).
Admitiram depois que foram feitas tentativas para resolução da questão, o que não foi possível, sendo que tudo indicia que nunca foi questionado entre as partes que o réu iria assumir o compromisso outorgado, entregando o apartamento, o que apenas acabou por vir a não ser possível em face dos problemas financeiros que entretanto o Sr. D... enfrentou.
A matéria de facto não provada assentou assim na falta de prova produzida em sede de julgamento, nos termos que foram sendo expostos, nenhum prova sendo também feita no sentido de ter ocorrido qualquer tipo de intervenção da ré mulher no negócio em causa, não estando a promessa assinada por si, nela não figurando como contraente, nem tendo sequer estado presente na escritura definitiva, não tendo na altura da mesma feito qualquer promessa aos autores.
Cumpre apreciar e decidir.
Procedeu-se à audição da prova pessoal produzida na audiência final e ao exame da prova documental junta de folhas 13 a 28[4], 29 a 31[5], 32 a 36[6], 80 a 85[7] e 174 e verso[8].
Os pontos de facto impugnados pelo recorrente são os seguintes:
- Por contrato denominado “contrato promessa de compra e venda e recibo”, outorgado entre as partes em 15/11/1999, os autores (Primeiros Contraentes) obrigaram-se a vender ao réu marido (Segundo Contraente), casado com a ré mulher, ou a pessoa por ele a indicar, um prédio destinado a construção, designado “L..., sito no ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 25944 do Livro B.68 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 653º” (ponto 1 dos fundamentos de facto da sentença recorrida);
- Em 28/12/2007, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde de M..., os autores, a pedido do réu, e no cumprimento do contrato, declararam vender à sociedade comercial «F..., Lda.,» NIPC ........., o prédio prometido, pelo preço de 200 mil euros (ponto 4 dos fundamentos de facto da sentença recorrida);
- Autores e réu marido acordaram verbalmente, em momento anterior à formalização do contrato promessa aludido em 1º, que o preço a pagar pela prometida venda englobaria um apartamento – cujo valor a atribuir não foi acordado - a construir no prédio prometido, que os autores escolheriam (ponto 7 dos fundamentos de facto da sentença recorrida);
- Aquando da escritura aludida em 4º, foi assumido pelo réu marido perante os autores, que depois de construído o prédio, lhes seria de imediato transmitido o dito apartamento (ponto 8 dos fundamentos de facto da sentença recorrida);
- O réu marido informou os autores que o apartamento que lhes estava destinado estava pronto para lhes ser entregue, tendo os autores ido visitar o mesmo, que correspondia à fracção autónoma - T2, de gaveto, com frente para sul e nascente e com lugar de garagem na cave - identificada com a letra “I” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., ..., ... em ..., Vila do Conde, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 859-I e inscrito na matriz urbana sob o artigo 1134º-I de ... (ponto 9 dos fundamentos de facto da sentença recorrida);
- Um apartamento com aquela tipologia e localização, numa zona de praia como a de ..., tem no mercado imobiliário valor de, pelo menos, 90.000,00€ (ponto 10 dos fundamentos de facto da sentença recorrida);
- Aquele apartamento, caso estivesse integrado no mercado de arrendamento, poderia render aos autores uma renda mensal não inferior a 350,00€ (ponto 11 dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
Ainda antes de proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada importa determinar se toda ela é passível exclusivamente de prova pessoal, como é pretendido pelo recorrente[9].
O contrato-promessa de compra e venda de imóvel, tal como o contrato de compra e venda são negócios formais, embora se tenha assistido desde há alguns anos a uma menor exigência da forma legal da compra e venda, admitindo-se a sua celebração por simples documento particular autenticado (vejam-se os artigos 410º, nº 2 e 875º, ambos do Código Civil, este último na redação introduzida pelo decreto-lei nº 116/2008, de 04 de julho). Trata-se de exigências formais ad substantiam, pois que contendem com a validade dos negócios em apreço e não tão-só com a sua prova (veja-se o nº 2, do artigo 364º do Código Civil).
De acordo com o previsto no nº 1, do artigo 393º do Código Civil, se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal, não sendo também admitida a prova por confissão, pois para tanto a lei exige certa prova documental (veja-se o artigo 354º, alínea a), do Código Civil). Importa sublinhar que as limitações à produção de prova testemunhal também se aplicam à prova por presunções judiciais, ex vi artigo 351º do Código Civil.
De igual modo, não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena (artigo 393º, nº 2, do Código Civil).
Porém, as regras dos nºs 1 e 2, do artigo 393º do Código Civil, não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento (artigo 393º, nº 3, do Código Civil).
Além disso, por força do nº 1, do artigo 394º do Código Civil, é inadmissível a prova testemunhal, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais[10] ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas, quer sejam posteriores.
Esta proibição de produção de prova testemunhal aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores, não sendo aplicável a terceiros (nºs 2 e 3, do artigo 394º do Código Civil).
A doutrina[11] e a jurisprudência[12] têm flexibilizado a previsão do nº 1, do artigo 394º, do Código Civil, admitindo a produção de prova testemunhal nos casos aí previstos, pelo menos sempre que exista um começo de prova por escrito.
No caso em apreço, o recorrente pretende, em primeiro lugar, provar por meio de prova pessoal que o contrato-promessa no qual foram outorgantes os autores e o recorrente, foi outorgado por este último em representação da sociedade comercial “F..., Lda.”.
Anote-se que nunca esta factualidade foi alegada nos articulados, nem foi incluída nos temas de prova, apenas tendo sido alegada a transmissão da posição contratual de quem prometeu comprar para a sociedade F..., matéria que também não foi incluída nos temas de prova e isso bastaria para determinar a improcedência da reapreciação desta matéria, porque exorbitante do objeto do processo.
Não obstante, sempre se dirá algo mais.
Salvo melhor opinião, com aquela pretensão, o recorrente pretende demonstrar que foi outro sujeito que se obrigou no contrato-promessa como promitente comprador[13], sem que no texto do contrato exista ou se colha um mínimo que indicie a possibilidade do aqui recorrente ter agido enquanto representante legal da aludida sociedade.
Na nossa perspetiva, o que o recorrente pretende provar com base em prova pessoal[14] é um facto contrário ao que resulta de um documento com força probatória plena, com total atropelo das exigências legais relativas à forma do negócio e ainda também das regras relativas à vinculação das sociedades comerciais (veja-se o artigo 260º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais).
Admitir a prova que o recorrente oferece para prova da referida factualidade é admitir a prova por prova pessoal de um facto que não se reveste da forma legalmente prescrita, ou seja, a vinculação da sociedade comercial “F..., Lda.”, na qualidade de promitente compradora e contra o que resulta de um documento particular cuja autenticidade formal não foi questionada pelas partes e sem que do mesmo documento resulte algum elemento que permita duvidar sobre a identidade da pessoa que se vinculou como promitente comprador.
Assim, por estas razões indefere-se a reapreciação do ponto 1 dos fundamentos de facto, com base na prova pessoal oferecida pelo recorrente, mantendo-se nesta parte intocada a decisão impugnada.
Apreciemos agora a impugnação do ponto 4 dos fundamentos de facto.
À semelhança da matéria vertida no ponto 1 dos fundamentos de facto, está em causa matéria de facto que o tribunal a quo logo considerou provada na fase do despacho saneador em face da prova documental autêntica oferecida pelas partes e bem assim do acordo das partes.
Ora, o ponto 4 dos fundamentos de facto está plenamente provado face ao que consta dos artigos 8º a 11º da contestação dos réus (folhas 73 e 74 destes autos), tanto mais que os factos que o recorrente pretende que sejam suprimidos da factualidade dada como provada pelo tribunal a quo, não são contrários ou adicionais ao documento autêntico que titulou a compra e venda, antes servem para interpretar o contexto do citado documento, sendo por isso operante a admissão dos réus contestantes (artigo 574º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Nos termos do disposto no artigo 607º, nº 4, aquando da fundamentação da sentença, o tribunal toma em consideração os factos que estão admitidos por acordo, sendo certo por outro lado, que a instrução apenas incide sobre a matéria carecida de prova (artigo 410º do Código de Processo Civil), não se incluindo nesta, como é óbvio, a que se acha até então já plenamente provada.
Assim, também no que respeita este fundamento de facto impugnado pelo recorrente, desta feita pelas razões que se acabam de enunciar, indefere-se a sua reapreciação, por estar plenamente provado e não questionar o recorrente o acordo das partes que determinou a decisão do tribunal recorrido.
Debrucemo-nos agora sobre o ponto 7 dos fundamentos de facto.
No ponto 7 dos fundamentos de facto foi dada como provada matéria objeto de um alegado acordo verbal, entre os outorgantes do contrato-promessa e relativa à forma de “pagamento” de parte do preço da prometida venda, pretendendo o recorrente que se dê como provado um acordo verbal similar e com idêntico alcance ao contido na matéria impugnada, mas com alteração da identidade do promitente comprador.
Nesta parte, está em causa a prova de uma estipulação verbal anterior à celebração do contrato-promessa e que tem um conteúdo adicional (a escolha do andar pelos promitentes vendedores) e até contrário relativamente a este último contrato (a não fixação de preço e a identidade da promitente compradora).
Recorde-se que no contrato promessa subscrito por autores e réu, relativamente a esta matéria está exarado nas cláusulas 3ª e 4ª do contrato-promessa o seguinte:
3ª O preço total da promessa de compra e venda é de Esc: 30.000.000$00 (Trinta milhões de escudos).
4ª Como sinal e início de pagamento os Primeiros já receberam, do Segundo Contraente a quantia de 10.000.000$00 (Dez milhões de escudos), que dão quitação, e a restante quantia, ou seja, Esc: 20.000.000$00 (Vinte milhões de escudos), será paga da seguinte forma: a) A quantia de Esc: 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), será paga em 18 de Setembro do corrente ano; b) A quantia de 8.000.000$00 (Oito milhões mil escudos), será paga em várias prestações, de valor e data que a seguir se indicam: Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; c) O Remanescente, ou seja, a quantia de Esc.: 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), será paga através da entrega pelo comprador aos vendedores de um apartamento de tipologia T-2, com lugar de garagem, ao qual é atribuído tal valor no prédio que irá ser construído, em regime de propriedade horizontal, sobre o terreno ora prometido vender, correspondente ao segundo andar, direito, no Bloco nº ..
Assim, no ponto de facto impugnado, contradiz o que consta do contrato, a alegada não fixação do valor à fração autónoma a permutar e completa-o a indicação de que caberia aos promitentes vendedores o direito de escolha da fração a permutar. Na proposta de resposta do recorrente, contraria o contrato-promessa subscrito por autores e réu a pretendida identidade do promitente comprador e o valor do apartamento a permutar, completando o mesmo contrato a atribuição do direito de escolha do bem a permutar aos promitentes vendedores.
A nosso ver, o segmento referente à atribuição do direito de escolha do apartamento a permutar, matéria sobre a qual as partes até convergem, constitui uma verdadeira cláusula verbal acessória anterior à celebração do contrato-promessa, não abrangida pelas razões determinantes da forma legal e, por isso válida.
Outro tanto não sucede, na nossa perspetiva, quando se pretende provar um acordo verbal anterior ao contrato-promessa celebrado com uma parte diferente da que figura neste contrato, pois, segundo cremos, está em causa a prova de uma cláusula contrária ao contrato-promessa, no que respeita à determinação das partes no mesmo. A nosso ver, esta cláusula, a ter existido, porque referente à identidade das partes num contrato formal, está abrangida pelas razões determinantes da forma legal e por isso é nula. E porque é nula, nulidade de conhecimento oficioso (artigo 286º do Código Civil), e se pretende que a mesma produza efeitos como se fora válida, não se chega a colocar o problema da sua prova por meio de testemunhas, já que esta última problemática apenas se coloca relativamente à prova de cláusulas válidas.
E que dizer quanto à questão do preço, mais propriamente, se bem lemos a resposta impugnada e bem entendemos a proposta do recorrente?
Recorde-se, que o Sr. Professor Vaz Serra, na obra que temos vindo a citar e a seguir[15], sustentava a validade da convenção verbal que, mesmo não havendo simulação, modificasse, para mais ou para menos, o preço declarado no documento.
Seguindo esta posição doutrinal, será válida esta cláusula verbal anterior à celebração do contrato-promessa.
Porém, superada a questão da validade das aludidas convenções verbais anteriores à celebração do negócio formal, coloca-se o problema das limitações probatórias à produção de prova testemunhal e por presunções, nos termos conjugados dos artigos 394º e 351º, ambos do Código Civil.
No caso em apreço, quer a resposta impugnada, quer a resposta proposta, na parte referente às cláusulas verbais anteriores à celebração do negócio, cuja validade se afirmou e com exceção daquela em que há prova plena decorrente do acordo das partes, assentam exclusivamente em prova testemunhal e, à semelhança do que se concluiu relativamente ao ponto 1º das respostas propostas pelo recorrente, há que concluir pelo indeferimento da reapreciação requerida pelo recorrente, porque legalmente vedada pelo nº 1, do artigo 394º do Código Civil e pela alteração oficiosa dos segmentos violadores das aludidas regras probatórias na resposta que foi dada pelo tribunal a quo.
Importa afirmar que esta conclusão não contende com a necessidade de interpretação das cláusulas contratuais, de acordo com as regras legais vigentes na matéria e especialmente das cláusulas 3ª e 4ª do contrato-promessa.
Assim, o ponto 7 dos fundamentos de facto passará a ter a seguinte redação:
- Autores e réu marido acordaram verbalmente, em momento anterior à formalização do contrato-promessa aludido em 1º, que caberia aos autores escolher o apartamento a construir no prédio prometido e que constituiria parte do preço do preço do contrato prometido.
Apreciemos agora os pontos 8 e 9 dos fundamentos de facto da sentença recorrida.
Nestes pontos de facto, afigura-se-nos que não está contida matéria sujeita às restrições probatórias dos artigos 393º e 394º do Código Civil, mas apenas a prova de circunstâncias envolventes da escritura pública celebrada em 28 de dezembro de 2007. Diferentemente seria o nosso juízo se acaso se pretendesse demonstrar, exclusivamente por via testemunhal, a entrega do apartamento tal como previsto no contrato-promessa, já que, nessa eventualidade, a nosso ver, o caso integrar-se-ia na previsão do artigo 395º do Código Civil.
No que respeita esta matéria, o próprio réu, no depoimento sinuoso que foi prestando na audiência final, referindo, sem convencer[16], que ainda hoje não sabia se o apartamento estava pronto, nunca negou o direito dos autores a haverem ainda o apartamento cuja permuta foi acordada no contrato-promessa e que no dia da celebração da escritura pública, estava-se à espera da efetivação da construção para que essa estipulação fosse cumprida.
A testemunha H..., filha dos autores, que não se eximiu a manifestar o interesse direto que em tempos teve na entrega do apartamento, pois necessitava dele para aí ir viver e ainda o interesse atual na defesa do património dos progenitores, descreveu detalhadamente as circunstâncias em que fez duas visitas a uma fração autónoma, que estava reservada, sita no segundo andar, parte de um prédio construído no imóvel que os autores haviam prometido vender ao réu F..., tendo as visitas partido de sugestão feita pelo réu D..., que para tanto a contactou telefonicamente.
K..., sócio e gerente da sociedade “G...”, que adquiriu à sociedade “F..., Lda.” o imóvel que os autores haviam prometido vender ao réu e posteriormente venderam a esta sociedade e que levou a cabo a construção na qual se inclui a fração autónoma que os autores reclamam dos réus nestes autos, admitiu que até à “rescisão” do contrato-promessa que havia celebrado com a sociedade “F..., Lda.”, manteve reservada uma fração autónoma, no segundo piso, salvo erro, a fim de ser entregue à sociedade em troca de uma loja que à mesma foi entregue a título de garantia e do pagamento de vinte e cinco mil euros, transação que nunca se chegou a concretizar em virtude da F... invocar dificuldades financeiras que a impediriam de proceder ao pagamento da aludida quantia.
N..., filho dos autores, no que respeita esta matéria, de relevante, apenas referiu ter visitado a fração cuja permuta havia sido prometida, na companhia da irmã e dos pais, quando ainda se achava em construção.
J..., nada referiu de relevante sobre esta matéria, apenas depondo quase exclusivamente sobre a questão de quem assumiu a qualidade de promitente comprador.
Finalmente, o autor B..., em declarações de parte, referiu que, a dada altura, a Sra. Notária que celebrou a escritura pública de 28 de dezembro de 2007, perguntou quando é que era entregue o apartamento, tendo o réu D... respondido que isso demoraria dois ou três anos, no máximo.
Assim, sopesando toda a prova pessoal que se acaba de resumir, na parte relevante para decisão da matéria em reapreciação, tendo ainda em atenção que a fração “I” ainda se acha inscrita a favor da sociedade “G...”, afigura-se-nos que as respostas impugnadas têm suficiente suporte probatório, razão pela qual improcede a pretensão do recorrente de que os pontos 8 e 9 dos fundamentos de facto sejam julgados não provados.
Apreciemos agora os pontos 10 e 11 dos fundamentos de facto e que respeitam, respetivamente, ao valor da fração autónoma cuja permuta foi prometida e ao valor locativo da mesma fração.
O recorrente insurge-se contra estas respostas em virtude de não ter sido produzida qualquer prova pericial que permita a formação de uma convicção positiva quanto à realidade desses factos.
É inegável que não foi produzida qualquer prova pericial sobre estes pontos de facto, como inegável que se trata de matéria sujeita à regra da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil). A própria prova pericial é uma prova sujeita à livre apreciação do julgador (artigo 389º do Código Civil).
No caso dos autos, o que tem especial relevo é o depoimento de K..., sócio e gerente da sociedade “G...”, que indicou de forma inequívoca o valor de mercado de uma fração autónoma como aquela cuja permuta foi prometida aos autores, situando-o na ordem dos noventa a cem mil euros. Este depoimento funda-se nos preços que foram obtidos pela “G...” nas transações das frações autónomas integrantes do imóvel construído no prédio que os autores prometeram vender ao réu e é por isso merecedor de especial credibilidade, bastando por si só para que se mantenha como provada a matéria vertida no ponto 10 dos fundamentos de facto.
No que respeita ao ponto 11 dos fundamentos de facto, a testemunha K..., embora frisando que não celebrava contratos de arrendamento, sempre foi referindo que o valor locativo da fração deveria corresponder, pelo menos e cinco por cento do valor da fração, o que, tendo em conta um valor de noventa mil euros, nos remete para um valor locativo anual de € 4.500,00, ou seja, € 375,00, mensais (€ 4.500,00: 12= € 375,00).
H..., no que respeita esta matéria, declarou que a renda de um apartamento similar àquele cuja entrega foi prometida a seus pais, atingiria uma renda, situada, no mínimo, entre duzentos e cinquenta e trezentos e tal euros.
Também a testemunha N... indicou que uma fração autónoma como aquela cuja entrega foi prometida aos autores, naquele local, seria arrendável por valores compreendidos entre € 350,00 e € 400,00.
Assim, relevando particularmente o depoimento de K... que apesar de não celebrar contratos de arrendamento revelou pela sua formação académica de gestor conhecimentos na matéria, afigura-se-nos que a resposta dada pelo tribunal a quo se deve manter.
Pelo que precede, conclui-se que a reapreciação requerida pelo recorrente improcede, apenas se alterando o ponto 7 dos fundamentos de factos pelas razões antes adiantadas.
3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida, na parte em que não foram afetados pelo que precede, acrescidos da alteração introduzida nesta instância ao ponto 7 dos aludidos fundamentos
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
Por contrato denominado “contrato promessa de compra e venda e recibo”, outorgado entre as partes em 15/11/1999, os autores (Primeiros Contraentes) obrigaram-se a vender ao réu marido (Segundo Contraente), casado com a ré mulher, ou a pessoa por ele a indicar, um prédio destinado a construção, designado “L..., sito no ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 25944 do Livro B.68 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 653º”.
3.2.1.2
Ficou também consignado nesse contrato, na cláusula 3ª, que o preço total da promessa era de 30.000,00$00.
3.2.1.3
Mais se consignou, na cláusula 4ª, como sinal e princípio de pagamento, a entrega da quantia de 10.000.000$00, de que os autores e promitente vendedores deram quitação, bem como foi acordado pagar a restante quantia de 20.000.00$00 nos termos ali consignados, em prestações o valor de 10.000.000$00 e o remanescente, ou seja, a quantia de 10.000.000$00, através de um apartamento de tipologia T2, com lugar de garagem … no prédio que irá ser construído, em regime de propriedade horizontal, sobre o terreno ora prometido vender, correspondente ao segundo andar direito, no Bloco nº ..
3.2.1.4
Em 28/12/2007, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde de M..., os autores, a pedido do réu, e no cumprimento do contrato, declararam vender à sociedade comercial «F..., Lda.,» NIPC ........., o prédio prometido, pelo preço de 200 mil euros.
3.2.1.5
Por notificação judicial avulsa efetuada em 15/01/2014, os réus foram notificados para «no prazo de 60 dias a contar do recebimento desta, procederem à entrega e transmissão do apartamento que constitui a parte do preço em falta do contrato-promessa celebrado em 15/11/1999, ou em alternativa, procederem ao pagamento da quantia de 90.000,00€, tudo aos requerentes; mais ficam notificados de que a obrigação se considera vencida no termo do indicado prazo, para todos os devidos e legais efeitos.».
3.2.1.6
Decorrido o prazo de 60 dias concedido na indicada notificação judicial avulsa os réus nada fizeram.
3.2.1.7
Autores e réu marido acordaram verbalmente, em momento anterior à formalização do contrato-promessa aludido em 1º [3.2.1.1], que caberia aos autores escolher o apartamento a construir no prédio prometido e que constituiria parte do preço do preço do contrato prometido.
3.2.1.8
Aquando da escritura aludida em 4º [3.2.1.4], foi assumido pelo réu marido perante os autores, que depois de construído o prédio, lhes seria de imediato transmitido o dito apartamento.
3.2.1.9
O réu marido informou os autores que o apartamento que lhes estava destinado estava pronto para lhes ser entregue, tendo os autores ido visitar o mesmo, que correspondia à fração autónoma - T2, de gaveto, com frente para sul e nascente e com lugar de garagem na cave - identificada com a letra “I” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., ..., ... em ..., Vila do Conde, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 859-I e inscrito na matriz urbana sob o artigo 1134º-I de ....
3.2.1.10
Um apartamento com aquela tipologia e localização, numa zona de praia como a de ..., tem no mercado imobiliário valor de, pelo menos, 90.000,00€.
3.2.1.11
Aquele apartamento, caso estivesse integrado no mercado de arrendamento, poderia render aos autores uma renda mensal não inferior a 350,00€.
3.2.1.12
O prédio aludido em 8º [3.2.1.8] foi construído por outra empresa, a G..., Lda., também de ..., com quem a sociedade F..., Lda. fez uma permuta, tal como resulta da inscrição no registo com Ap. 7 de 28/07/2008.
3.2.1.13
Encontrando-se hoje constituído em propriedade horizontal, registada em 28/07/2011, estando a fração em causa, com a letra I, inscrita em nome daquela mesma sociedade G....
3.2.2 Factos não provados
3.2.2.1
Que a ré mulher teve qualquer tipo de intervenção no negócio dos autos.
3.2.2.2
Que tivesse sido a sociedade F..., Lda., a assumir perante os autores qualquer tipo de obrigação, mormente a de entrega de uma fração.
4. Fundamentos de direito
4.1 Do recurso autónomo
4.1.1 Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre a cessão da posição contratual do réu para a sociedade F..., Lda
O recorrente imputa à decisão recorrida a nulidade por omissão de pronúncia[17] sobre a existência de uma cessão da sua posição contratual para a sociedade “F..., Lda.”, tal como foi invocada na contestação[18].
Na decisão recorrida, a este propósito escreveu-se o seguinte:
Defendem então os réus que já antes da celebração da escritura pública, os autores tinham consentido na transmissão da posição contratual assumida pelos réus no contrato-promessa, tanto assim foi que aceitaram que a escritura pública fosse celebrada à sociedade F..., Lda., pelo que, afirmam, ao operar-se a transmissão da posição contratual dos réus para a indicada sociedade nada mais poderá ser exigido aos réus por conta do referido contrato-promessa.
Vejamos pois.
No contrato promessa em causa nos autos foi logo convencionado que os autores prometem vender ao réu marido “ou a quem este indicar”.
Decorre da jurisprudência maioritária dos nossos tribunais superiores que constando do contrato promessa de compra e venda uma cláusula segundo a qual a escritura pública de venda (contrato-prometido) será feita ao promitente comprador, ou a pessoa por este a indicar, não configura o consentimento prévio de cessão de posição contratual do promitente comprador, porque o promitente comprador não se reservou o direito de indicar pessoa que o substituísse como tal, ou seja, como promitente-comprador, mas sim como comprador efectivo (cf., por ex., Ac. do STJ de 01/04/2008 e 27/11/2012; da Relação de Lisboa de 11/02/2010; da Relação de Coimbra de 24/02/2015; e da Relação de Guimarães de 22/02/2007 e 27/03/2012, todos disponíveis na dgsi.pt).
Equacionado a questão à luz do contrato para pessoa a nomear, a jurisprudência aponta no sentido de que nos contratos-promessa, como o dos autos, onde se insere a faculdade a que se reserva o promitente-comprador de designar outra pessoa que outorgue o contrato-prometido, não se identifica com o contrato para pessoa a nomear, pois tal apenas ocorre se, no contrato-promessa, o promitente-comprador se reserve a faculdade de designar outra pessoa para assumir a sua posição no contrato-promessa, como se com essa pessoa ele tenha sido celebrado. Apenas nestas circunstâncias a pessoa nomeada tem direito a pedir os direitos que envolvem o eventual incumprimento do contrato promessa.
A cláusula que aqui apreciamos, tão comum em contratos promessa, deve ser pois interpretada com o seu sentido objectivo, que tem, isto é, apenas e tão só, consentir que o promitente comprador indique um terceiro para com ele celebrar a escritura definitiva, sem lhe transmitir a sua posição no contrato-promessa, mas apenas no contrato prometido. Daqui decorre, naturalmente, que tal cláusula não permite a transmissão de direitos nem a assunção de obrigações próprios do contrato-promessa.
Ou seja, e em resumo, voltando aos autos, aquela cláusula não permitiria aos autores, exigir da ré sociedade F..., Lda., o que quer que seja por força de um alegado incumprimento do contrato promessa outorgado pelo réu marido. Os autores apenas assumiram o compromisso de vender ao réu, por um determinado preço, daí que o cumprimento da respectiva promessa, ou os direitos que envolvem o seu incumprimento, também só a este poderia ser exigido. É certo que no contrato em apreciação aceitaram obrigar-se a vender a pessoa diferente, como efectivamente veio a ocorrer. Mas essa obrigação refere-se a um contrato diferente e futuro, e que nada tem a ver com a promessa em si mesma.
Em face deste entendimento, impõe-se concluir que aos autores seria, e é, lícito, em face do contrato promessa que assumiram com o réu marido, exigir ao mesmo o integral cumprimento daquela promessa, ou seja, a entrega do apartamento em questão. Pois foi este, e não a sociedade F..., que tal obrigação assumiu para com aqueles.
E tal obrigação não se extinguiu com a celebração do contrato prometido, pois que, na data do mesmo, o réu marido aceitou que ficara ainda de entregar o dito apartamento.
Apenas o réu se vinculou com os autores, e só ele prometeu entregar a fracção em causa, numa primeira fase no contrato promessa realizado, numa segunda no dia da outorga da escritura definitiva, dia em que novamente o réu assumiu tal obrigação para com os autores.
Veja-se, por exemplo, neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11/02/2010, relatado por Neto Neves, disponível em www dgsi.pt, assim sumariado «1. Alicerçando o Autor o pedido de restituição de sinal pago pelo promitente comprador, que ao abrigo de cláusula do contrato-promessa o indicou como pessoa com quem a escritura deveria ser celebrada, no entendimento de que tal declaração configura uma cedência de direitos conferidos pelo contrato-promessa, é ele, nos termos da actual redacção do artigo 26º, nº 3 do Código de Processo Civil, e dados os termos em que configura a relação controvertida, parte legítima. 2. A cláusula aposta e subscrita apenas pelo promitente vendedor após o texto do contrato-promessa, em que se estabelece que a escritura seria celebrada em nome do promitente comprador ou de quem ele indicasse até 10 dias antes da escritura, não consente mais do que a possibilidade de o promitente vendedor se fazer substituir na escritura do contrato definitivo de compra e venda, não constituindo consentimento prévio de cessão de posição contratual do promitente comprador (artigo 424º do Código Civil), nem disposição contratual autorizando a reserva do direito de nomeação de um terceiro (contrato para pessoa a nomear – artigo 452º do mesmo Código). 3. Não adquirindo o terceiro nomeado para outorgar a escritura do contrato prometido os direitos nem assumindo as obrigações do promitente comprador que o indicou, não lhe é lícito exigir, em caso de não cumprimento do contrato-promessa, a restituição do sinal prestado por aquele outorgante nos termos do contrato-promessa»”.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[19]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas.
Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.
A nosso ver, como resulta do excerto da sentença recorrida, esta não enferma da patologia que o recorrente lhe imputa, bem pelo contrário.
De facto, no escasso quadro factual aduzido pelos contestantes, a sentença recorrida esmiuçou o que resultou da prova produzida e procedeu a um tratamento proficiente da questão da cessão da posição contratual. Na verdade, os contestantes não cuidaram de alegar os factos concretos integradores da invocada cessão da posição contratual, nomeadamente, quando, como e a que título foi esse negócio celebrado.
Além disso, a cessão da posição contratual de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel é um negócio formal (artigo 425º do Código Civil), razão pela qual sempre se impunha a exibição de documento que titulasse a invocada cessão da posição contratual de promitente comprador.
Se a análise da sentença recorrida acabou mais por incidir sobre a questão da cláusula para pessoa a nomear, isso resultou da já referida escassez factual necessária ao preenchimento da figura da cessão da posição contratual, escassez que é da responsabilidade dos contestantes, como se fundamentou antes.
Assim, pelo que precede, conclui-se que a sentença recorrida não enferma da nulidade por omissão de pronúncia que o recorrente lhe imputa.
4.1.2 Do erro na declaração por parte do promitente comprador
O recorrente, nas suas alegações e conclusões, prevenindo a eventualidade de não lograr provar que o contrato-promessa foi inicialmente celebrado com a sociedade “F..., Lda.”, na qualidade de promitente compradora, refere que no limite terá existido erro na declaração do promitente-comprador, uma vez que a vontade declarada não corresponde à vontade real do declarante (que era a sociedade “F..., Lda.”, representada por D..., ser a promitente compradora no negócio em causa), patologia que seria sanável nos termos do artigo 248º do Código Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
Esta questão do alegado erro na declaração surge pela primeira vez suscitada pelo recorrente nas suas alegações de recurso.
Ora, como é sabido, excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso, da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada, os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[20].
O erro na declaração não é uma questão que seja do conhecimento oficioso do tribunal.
Por isso, no que respeita este segmento das conclusões do recurso do recorrente, por constituir uma questão nova, este tribunal abstém-se de conhecer este fundamento do recurso.
4.1.3 Da repercussão da eventual alteração na decisão da matéria de facto na solução do caso
O recorrente, com base na alteração do ponto 7 dos fundamentos de facto da sentença recorrida, sustenta que nunca poderia ter sido condenado a pagar a quantia de noventa mil euros aos autores, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento, pois o valor do contrato-promessa celebrado foi de trinta mil contos, dos quais vinte mil contos já se encontram pagos, pelo que a condenação nunca poderia ser superior a dez mil contos, equivalentes a € 49.879,79.
A decisão recorrida fundamentou este segmento condenatório nos termos que seguem:
É certo que a partes assumiram na promessa que o valor total da mesma seria 150mil euros, sendo 100mil em numerário, e o remanescente, 50mil, com a entrega de um apartamento.
Mas, não esqueçamos, na escritura definitiva, o réu manteve a obrigação de entregar um apartamento. Não 50mil euros. Um apartamento, no prédio a construir.
Claramente o disse em julgamento e dúvidas não parecer sequer existir que toda a negociação das partes que o querido pelas mesmas gravitou sempre à volta do apartamento a entregar e nada mais.
Assim sendo, valendo aquele apartamento o valor de, pelo menos, 90mil euros, terá de ser esse o valor, em face do incumprimento em que incorreu, que o réu D... terá de entregar aos autores.
Cumpre apreciar e decidir.
No ponto 7º dos fundamentos de facto da sentença recorrida constava:
Autores e réu marido acordaram verbalmente, em momento anterior à formalização do contrato promessa aludido em 1º, que o preço a pagar pela prometida venda englobaria um apartamento – cujo valor a atribuir não foi acordado - a construir no prédio prometido, que os autores escolheriam”.
Por força da reapreciação da decisão da matéria de facto efetuada por esta instância, o ponto 7 dos aludidos fundamentos de facto passou a ter o seguinte conteúdo:
- Autores e réu marido acordaram verbalmente, em momento anterior à formalização do contrato-promessa aludido em 1º [3.2.1.1], que caberia aos autores escolher o apartamento a construir no prédio prometido e que constituiria parte do preço do preço do contrato prometido.
Significa isto, como pretende o recorrente, que a indemnização a pagar pelo recorrente aos recorridos, tem que se cingir ao valor de € 49.879,79, pois foi esse o valor atribuído à fração a permutar, no contrato-promessa?
Antes de mais, recordemos, uma vez mais, o teor das cláusulas contratuais pertinentes para dilucidação desta questão.
Nas cláusulas 3ª e 4ª do contrato-promessa ficou a constar o seguinte:
3ª O preço total da promessa de compra e venda é de Esc: 30.000.000$00 (Trinta milhões de escudos).
4ª Como sinal e início de pagamento os Primeiros já receberam, do Segundo Contraente a quantia de 10.000.000$00 (Dez milhões de escudos), que dão quitação, e a restante quantia, ou seja, Esc: 20.000.000$00 (Vinte milhões de escudos), será paga da seguinte forma: a) A quantia de Esc: 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), será paga em 18 de Setembro do corrente ano; b) A quantia de 8.000.000$00 (Oito milhões mil escudos), será paga em várias prestações, de valor e data que a seguir se indicam: Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; c) O Remanescente, ou seja, a quantia de Esc.: 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), será paga através da entrega pelo comprador aos vendedores de um apartamento de tipologia T-2, com lugar de garagem, ao qual é atribuído tal valor no prédio que irá ser construído, em regime de propriedade horizontal, sobre o terreno ora prometido vender, correspondente ao segundo andar, direito, no Bloco nº ..
A declaração negocial, tal como previsto no nº 1, do artigo 236º do Código Civil, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Importa ainda não esquecer que nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (nº 1, do artigo 238º do Código Civil).
Tendo em linha de mira os preceitos que se acabam de citar, que quiseram os outorgantes do contrato-promessa celebrado em 15 de novembro de 1999, com a terceira e a quarta cláusulas antes transcritas?
Pretenderam as partes que o valor a atribuir aos promitentes vendedores fosse em qualquer caso de trinta milhões de escudos ou, pelo contrário, a fixação desse valor tem caráter indicativo, na parte em que foi prometida a permuta da fração autónoma, para pagamento de parte do preço do contrato prometido?
Atente-se que quando se acordou na entrega de uma fração autónoma, com certas caraterísticas, para pagamento da parcela do preço em espécie, não se fixou o valor desse bem no montante de dez milhões de escudos, antes se lhe atribuiu esse valor, o que, na nossa pespetiva, não significa que a fração em causa tenha efetivamente esse valor.
De facto, a prestação a cargo do promitente comprador, para além dos vinte milhões de escudos a pagar em numerário, é a da entrega “de um apartamento de tipologia T-2, com lugar de garagem, ao qual é atribuído tal valor no prédio que irá ser construído, em regime de propriedade horizontal, sobre o terreno ora prometido vender, correspondente ao segundo andar, direito, no Bloco nº ..
Salvo melhor opinião, mediante esta cláusula, o promitente comprador obrigou-se a uma prestação de coisa, para pagamento de parte do preço do contrato prometido.
Por isso, o aludido valor tem caráter meramente indicativo, não sendo um elemento decisivo para a determinação do conteúdo da prestação do promitente comprador.
Esta interpretação da cláusula quarta do contrato-promessa é além disso a que conduz a um maior equilíbrio de prestações (artigo 237º do Código Civil), já que, à atualização do valor do solo prometido vender, corresponde também uma atualização do valor da fração autónoma cuja permuta foi prometida, sendo também a que mais se ajusta a esta modalidade contratual em que a troco da cedência do solo, o cedente fica com o direito a haver para si, para pagamento total ou parcial da cedência do solo, uma ou mais frações do edifício a construir no solo cedido.
Assim se compreende que na escritura pública de 28 de dezembro de 2007, quando o solo tinha um valor patrimonial de € 326 229,72, os outorgantes tenham declarado efetuar a venda por € 200.000,00[21] e aceitar a compra por tal preço e, não obstante isso, todos continuaram a entender que, além do preço em numerário, era devida aos promitentes vendedores a entrega da fração autónoma prometida no contrato-promessa.
Pelo exposto conclui-se que bem andou a decisão recorrida em condenar o recorrente ao pagamento do valor da fração autónoma não entregue e não do montante que lhe foi atribuído no contrato-promessa, assim funcionando a referida indemnização como dívida de valor e não como era pretendido pelo recorrente, como mera dívida pecuniária.
4.1.4 Do abuso do direito por parte dos autores
O recorrente afirma que os recorridos agem com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, já que nunca os recorridos rejeitaram durante as negociações que estavam a negociar com a sociedade “F..., Lda.”, pois que o recorrente sempre referiu que era esta a sociedade com quem aqueles estavam a negociar e de qual é sócio gerente, que todas as licenças, projetos e alvarás para a construção foram adquiridos pelo autor que os passou posteriormente para a dita sociedade e ainda que no momento da celebração da escritura pública, os recorridos não rejeitaram que estivessem a vender o referido terreno à sociedade “F..., Lda.”, pois que bem sabiam que era com esta que sempre negociaram. Pugna o recorrente que por força deste alegado abuso do direito dos recorridos, seja a sentença recorrida revogada e seja proferida decisão de absolvição do pedido a seu favor.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil é “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Na construção dogmática do venire contra factum proprium levada a cabo pelo Professor Baptista Machado[22] os pressupostos que desencadeiam o efeito jurídico próprio do instituto jurídico em apreço são:
a) uma situação objetiva de confiança, isto é, a confiança digna de tutela tem que assentar em algo de objetivo, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
b) um investimento de confiança e a irreversibilidade desse investimento;
c) a boa-fé da contraparte que confiou, pelo que a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esteja de boa-fé (por desconhecer a divergência entre a aparência criada e a situação ou intenção reais) e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.
Que dizer?
Em primeiro lugar, se acaso as coisas fossem como o recorrente as configura, nunca haveria por parte dos recorridos um abuso do direito, mas sim e antes uma falta de direito, pois que, promitente compradora seria a sociedade comercial “F..., Lda.” e não o ora recorrente.
Em segundo lugar, ainda que não houvesse o obstáculo inicial à aplicabilidade do instituto do abuso do direito que se acaba de assinalar, a maior parte da factualidade invocada pelo recorrente para firmar a invocação do abuso do direito não se provou, sendo que a mera aceitação de celebração da escritura pública de compra e venda com a sociedade “F..., Lda.” é por si só insuficiente para preencher os pressupostos do abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.
De facto, da factualidade provada nestes autos, não resulta, nomeadamente, que tenha sido criada uma situação objetiva de confiança e que tenha havido um investimento de confiança irreversível por parte do recorrente.
Assim, por quanto precede, conclui-se que também esta questão recursória improcede, improcedendo na totalidade o recurso autónomo, sem prejuízo da alteração do ponto 7 dos fundamentos de facto da sentença recorrida, pelas razões antes expostas.
4.2 Do recurso subordinado
4.2.1 Da confissão judicial espontânea da ré de que também outorgou o contrato-promessa em discussão nos autos
Os recorrentes subordinados pugnam pela revogação da sentença recorrida, na parte em que absolveu a ré do pedido, alegando para tanto que os réus confessaram na sua contestação ter celebrado com os autores o contrato-promessa objeto dos presentes autos, razão pela qual deve ser revogada a sentença recorrida, na parte em que absolveu do pedido a ré, sendo esta condenada em termos idênticos ao que recaíram sobre o réu.
Cumpre apreciar e decidir.
Em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto evidenciou-se que o contrato-promessa objeto destes autos é um negócio formal. Por isso, a admissão pelos réus na contestação de factos em contradição com a prova documental legalmente necessária para a comprovação da existência e validade do aludido contrato, é inoperante, por força do disposto no nº 2, do artigo 574º, do Código de Processo Civil.
Assim sucede no caso dos autos em que, ostensivamente, nem a ré é identificada como promitente compradora, nem sequer subscreveu o instrumento contratual ajuizado.
Se porventura aquela conduta processual dos réus nos articulados devesse ser juridicamente qualificada como uma confissão, posição jurídica de que discordamos, mas que é a seguida pelos recorrentes subordinados, o resultado não seria diferente, pois que, nessa eventualidade, sempre essa invocada confissão se deveria ter por insuficiente, nos termos previstos na alínea a), do artigo 354º do Código Civil[23].
Assim, face ao que se acaba de expor, conclui-se pela improcedência desta questão suscitada no recurso subordinado.
4.2.2 Do proveito comum
Os recorrentes subordinados pugnam pela revogação da sentença recorrida, na parte em que absolveu a ré do pedido, devendo antes ser condenada, pois que casada com o réu em comunhão de adquiridos, tendo este celebrado o contrato-promessa enquanto cônjuge administrador, com o consentimento da ré e no seu interesse, tendo assim sido concluído em proveito comum do casal.
Cumpre apreciar e decidir.
Esta questão do proveito comum do casal só agora em sede de alegações do recurso subordinado foi invocada pelos recorrentes subordinados.
Trata-se de matéria que não é de conhecimento oficioso, dependendo sempre da observância do oportuno ónus de alegação e da subsequente prova dos factos integrantes desta fonte de responsabilização de ambos os cônjuges.
Deste modo, à semelhança do que se deixou escrito a propósito da questão do recurso autónomo da alegada existência de erro na declaração, conclui-se que a questão do proveito comum do casal é uma questão nova, insuscetível de ser conhecida pela primeira vez em via de recurso.
Por isso, no que respeita este segmento das conclusões do recurso dos recorrentes subordinados, por constituir uma questão nova, este tribunal abstém-se de conhecer este fundamento do recurso.
Por tudo quanto se expôs conclui-se que, não obstante a alteração do ponto 7 dos fundamentos de facto da sentença recorrida, quer o recurso autónomo, quer o recurso subordinado improcedem, devendo ser confirmada a sentença recorrida.
As custas de cada um dos recursos são da responsabilidade dos respetivos recorrentes (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em, não obstante a alteração do ponto 7º dos fundamentos de facto da sentença recorrida, julgar totalmente improcedentes o recurso autónomo interposto por D... e o recurso subordinado interposto por B... e mulher C... e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 09 de novembro de 2016, nos segmentos impugnados.
Custas do recurso autónomo a cargo do recorrente e custas do recurso subordinado a cargo dos recorrente subordinados, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça dos recursos.
***
O presente acórdão compõe-se de trinta e cinco páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 03 de julho de 2017
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Posteriormente, com a implementação da última reforma da organização judiciária, os presentes autos foram remetidos à Instância Central, Secção Cível, da Póvoa de Varzim, da Comarca do Porto.
[3] Notificada mediante expediente eletrónico elaborado em 10 de novembro de 2016.
[4] Notificação judicial avulsa de D... e de E..., requerida por B... e C..., realizada em 13 de janeiro de 2014, pela Sra. Agente de Execução O..., tendo os requeridos sido notificados para no prazo de sessenta dias a contar da notificação procederem à entrega e transmissão do apartamento que constitui a parte do preço em falta do contrato-promessa celebrado em 15 de novembro de 1999, ou em alternativa, procederem ao pagamento da quantia de noventa mil euros, tudo aos requerentes, mais ficando os requeridos notificados de que a obrigação se considera vencida no termo do indicado prazo, para todos os devidos e legais efeitos. O texto da notificação judicial avulsa corresponde quase integralmente aos artigos 1º a 3º, 5º a 10º, 14º, 15º e 17º, todos da petição inicial, apenas não tendo aí correspondência os artigos 12º e 13º da notificação judicial avulsa, de pendor conclusivo e com o seguinte conteúdo: “Se os Requeridos não puderem, ou não quiserem proceder à entrega do apartamento, em alternativa, os Requerentes aceitam receber a quantia de 90.000,00€, correspondente ao valor que um apartamento com aquela tipologia e localização tem” (artigo 12º da notificação judicial avulsa); “Os Requerentes reputam suficiente e adequado o prazo de 60 dias para a efectivação da escritura ou entrega do referido valor, considerando vencida a obrigação no termo do indicado prazo, para os devidos efeitos legais” (artigo 13º da notificação judicial avulsa). Os restantes artigos desta notificação judicial avulsa têm o seguinte teor: “Por contrato-promessa de compra e venda outorgado entre as partes em 15/11/1999, os requerentes obrigaram-se a transmitir aos Réus e estes a adquirir, por si ou por pessoa a indicar, o seguinte prédio destinado a construção: - L..., sito no ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 25944 do Livro B.68 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 653º - Doc. nº 1. (artigo 1º); Requerentes e Requeridos tinham já então acordado verbalmente que o preço seria pago, uma parte em dinheiro (20.000.000$00, vinte mil contos, ora correspondentes a cerca de 100.000€) e outra parte através da entrega de um apartamento a construir no prédio prometido, que foi dado aos Requerentes escolher, tendo ficado acordado ser um apartamento do tipo t2, ao nível do segundo andar, de gaveto e com lugar de garagem, a saber, o segundo andar direito do Bloco .. (artigo 2º); Atenta a natureza mista do preço acordado, não chegaram a fixar o preço total para a venda, que apenas constou do contrato-promessa para facilitar ao Requerido a sua redacção. (artigo 3º);“Tal como consta do contrato, na cláusula 4ª, como sinal e princípio de pagamento, foi na data da sua outorga paga a quantia de 10.000.000$00, de que os Requerentes e promitente-vendedores deram quitação.” (artigo 4º); “Durante o ano seguinte e atento o bom relacionamento existente entre as partes (motivo pelo qual nem ficaram a constar as prestações do contrato-promessa) os restantes 10.000.000$00 do preço em dinheiro foram sendo entregues aos AA., em pagamentos parciais.” (artigo 5º); “Ficou então por pagar o restante preço, «através da entrega pelo promitente-comprador aos vendedores de um apartamento de tipologia T2, com lugar de garagem … no prédio que irá ser construído, em regime de propriedade horizontal, sobre o terreno ora prometido vender, correspondente ao segundo andar direito, no Bloco nº 1», conforme se obrigaram os Requeridos no contrato-promessa de que se juntou cópia como doc. nº 1. Entretanto,” (artigo 6º); “Em 28/12/2007, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde de M..., os Requerentes, a pedido dos Requeridos e no cumprimento do contrato, venderam à sociedade comercial do casal dos requeridos denominada «F..., Lda,» NIPC ........., o prédio prometido, tal como consta da cópia da escritura de que se junta como doc. nº 2” (artigo 7º); “Nessa escritura, que o Requerido marido organizou e por os Requrentes. nele confiarem, não foi feita a permuta (de bem futuro) que decorria do acordo de pagamento existente, tendo ficado acordado entre as partes que, depois de construído o prédio, lhes seria de imediato transmitido por estes o dito apartamento.” (artigo 8º); “Os Requerentes sabem que o apartamento está pronto há 3 anos, tendo-o já visitado e achado conforme.” (artigo 9º); “No entanto, os Requeridos, apesar de a tanto instados por diversas vezes, não transmitiram ainda a propriedade do mesmo aos Requerentes,” (artigo 10º); “O apartamento (T2 com lugar de garagem) que os Requeridos se obrigaram a entregar aos Requerentes é no prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., ..., ,... em ..., Vila do Conde, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 859 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 1134º-I de ....” (artigo 11º).
[5] Documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo, datado de 15 de novembro de 1999, subscrito por B... e C..., na qualidade de “primeiros contraentes” e D..., na qualidade de “segundo contraente”, com o seguinte teor: “PRIMEIROS CONTRAENTES: B... e esposa C..., (…), que intervêm como promitentes vendedores; e SEGUNDO CONTRAENTE: D..., casado com E..., (…), que intervém como promitente comprador. Entre os primeiros e o segundo contraente é ajustado o presente contrato, nos termos das clausulas seguintes: 1ª Os Primeiros Contraentes são donos e legítimos possuidora de um prédio, destinado a construção, designado por “L...”, com a área de quatro mil e quinhentos metros quadrados, sito no ..., a confrontar do norte com P..., do Sul e nascente com Caminho e do poente com Herdeiros de Q..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, descrito na conservatória do Registo Predial de Vila do Conde, sob o nº 25944, do Lº B-68, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 653. 2ª Pelo presente os Primeiros promete vender ao Segundo Contraente ou a pessoa por ele a indicar, que promete comprar, o prédio identificado na Cláusula anterior 3ª O preço total da promessa de compra e venda é de Esc: 30.000.000$00 (Trinta milhões de escudos). 4ª Como sinal e início de pagamento os Primeiros já receberam, do Segundo Contraente a quantia de 10.000.000$00 (Dez milhões de escudos), que dão quitação, e a restante quantia, ou seja, Esc: 20.000.000$00 (Vinte milhões de escudos), será paga da seguinte forma: a) A quantia de Esc: 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), será paga em 18 de Setembro do corrente ano; b) A quantia de 8.000.000$00 (Oito milhões mil escudos), será paga em várias prestações, de valor e data que a seguir se indicam: Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; Esc:………$00 em / / ; c) O Remanescente, ou seja, a quantia de Esc.: 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), será paga através da entrega pelo comprador aos vendedores de um apartamento de tipologia T-2, com lugar de garagem, ao qual é atribuído tal valor no prédio que irá ser construído, em regime de propriedade horizontal, sobre o terreno ora prometido vender, correspondente ao segundo andar, direito, no Bloco nº .. 5ª O prédio que ora se promete vender é livre de qualquer tipo de ónus ou encargos que possam incidir sobre o mesmo. 6ª Fica incumbido o Segundo Contraente de marcar a necessária escritura notarial de compra e venda, tendo contudo de notificar os Primeiros Contraentes do dia, hora e local onde se irá realizar, com a antecedência mínima de oitos dias, por carta registada com aviso de recepção. 7ª Sem prejuízo das demais penalidades consignadas na lei, o presente contrato é passível de execução específica nos termos dos artigos 442º e 830º do Código Civil. 8ª As partes acordam que para o julgamento de qualquer questão emergente deste contrato é competente o foro de Vila do Conde Por estarem os Contraentes de acordo com o conteúdo do presente contrato, vão assiná-lo e rubrica-lo.”
[6] Certidão de Escritura pública de compra e venda celebrada no dia 28 de dezembro de 2007, no Cartório Notarial de Vila do Conde, na presença da Sra. Notária M..., em que foram outorgantes, como primeiro outorgante, B... e mulher C... e como segundo outorgante “F..., Lda.”, representada pelo seu sócio gerente, D..., tendo o primeiro outorgante marido declarado: “Que, pela presente escritura e pelo preço de duzentos mil euros, que da representada do segundo outorgante, “F..., Lda”, já recebeu, a esta vende a parcela de terreno para construção urbana, sita no ..., da freguesia ..., deste concelho de Vila do Conde, descrita na respectiva Conservatória de Registo Predial sob o número zero zero oitocentos e cinquenta e nove da freguesia ..., registada a seu favor pela inscrição G-UM e inscrita no artigo 1 134 da respectiva matriz predial urbana, com o valor patrimonial de 326 229,72 €.” Por seu turno, o segundo outorgante declarou: “Que aceita, para a sociedade sua representada, este contrato nos termos exarados e que a referida parcela de terreno se destina a REVENDA.” Mais consta do mesmo documento que: “Declarou, sem seguida, a primeira outorgante mulher: Que dá a seu marido a necessária autorização para esta venda de um bem próprio dele. Declararam ainda os outorgantes, nas respectivas qualidades em que outorgam e sob sua inteira responsabilidade: Que, nos preliminares do presente contrato, não houve intervenção de qualquer mediador imobiliário.
[7] Está descrito sob o nº 859/20001020, na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde, freguesia ..., o prédio urbano, situado em ..., na Rua ..., ..., ... e ..., com a área total de 1320 m2, área coberta de 735 m2 e descoberta de 585 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo 1447, composto de edifício de cave, rés do chão e dois andares, terraços, piscina e jardins e com as seguintes frações autónomas: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, estando inscrita a aquisição desse imóvel, mediante permuta, por apresentação de 28 de julho de 2008, a favor de G..., LIMITADA, sendo sujeito passivo dessa aquisição F..., LIMITADA. A fração I tem a seguinte composição: Apartamento Nove – Habitação ao segundo andar frente com duas frentes (Sul, Nascente) e garagem simples fechada na cave designada por I-2 – R. ..., ... – Artº. P-1447 – I, incidindo sobre a mesma hipoteca voluntária constituída mediante apresentação de 05 de agosto de 2008, a favor da S..., SA, para garantia de abertura de crédito até ao montante de € 1.100.000,00, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal, despesas até ao montante de € 44.000,00, sendo o montante máximo assegurado de € 1.653.850,00 (este documento está repetido de folhas 175 a 178).
[8] Cópia da Caderneta Predial Urbana, da fração autónoma I, Tipo T2, com a área bruta privativa de 92,9 m2 e a área dependente de 24,6 m2, com o valor patrimonial fixado em 2014 no montante de € 79.990,18, fração autónoma do imóvel inscrito na matriz sob o artigo 1447, da freguesia ..., Concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 859, sito na Rua ..., nºs ..., ... e ..., no ..., inscrita a favor de G..., Lda.
[9] Os pontos 1 e 4 dos fundamentos de facto são matéria de facto que foi logo julgada provada na fase do despacho saneador, sem qualquer reclamação das partes. Não obstante isso, afigura-se-nos que esta condensação que o tribunal eventualmente efetue não forma caso julgado formal, entendendo-se que continua operante a doutrina que dimana do Assento nº 14/94, publicado na primeira série do Diário da República nº 230/94, de 04 de outubro de 1994. Na doutrina, sobre a mesma questão, ainda na vigência do anterior Código de Processo Civil, veja-se Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª edição revista e ampliada, Almedina 1999, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 154 e 155, ponto 12º.
[10] Esta limitação probatória incide sobre as estipulações verbais acessórias que se possam considerar válidas (vejam-se os artigos 221º e 222º, ambos do Código Civil e o Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, página 891, anotação IV; em sede de trabalhos preparatórios, já o Sr. Professor Vaz Serra fazia esta distinção, como se vê da leitura do que escreveu in Provas (Direito Probatório Material), separata do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 1962, páginas 534 e 535, nº 133).
[11] Vejam-se: Provas (Direito Probatório Material) separata do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 1962, Adriano Paes da Silva Vaz Serra, páginas 574 a 588, escrito produzido em sede de trabalhos preparatórios do atual Código Civil; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, páginas 891 e 892, anotações VII e VIII.
[12] Vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 22 de maio de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos no processo nº 82/04-6TCFUN-A.L1.S2; de 09 de julho de 2014, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Paulo Sá, no processo nº 28252/10.0T2SNT.L1.S1; de 15 de abril de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pires da Rosa, no processo nº 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1, todos acessíveis na base de dados da DGSI.
[13] Importa sublinhar que este objetivo probatório do recorrente não tem a ver com a existência de uma qualquer patologia negocial, como por exemplo uma simulação negocial, por interposição fictícia de pessoas, pois que, então, o caso seria enquadrável no nº 2, do artigo 394º, do Código Civil.
[14] Prova pessoal contraditória pois que é o próprio recorrente que começa por afirmar que o contrato-promessa não foi logo celebrado com a sociedade “F..., Lda.”, porque não existia então, referindo depois que se essa sociedade não existia em 1999, estava-se a fazer… Já o filho do réu afirma que a mesma sociedade existia, mas ainda estava no início e não tinha capital para assumir as obrigações decorrentes do contrato-promessa. A coroar toda esta incerteza, não existe nos autos sequer prova da matrícula da aludida sociedade que permita determinar de modo inequívoco a data da sua constituição.
[15] Veja-se Provas (Direito Probatório Material) separata do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 1962, Adriano Paes da Silva Vaz Serra, páginas 535 a 543. Esta posição é também seguida por Luís A. Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil II, 5ª edição revista e actualizada, Universidade Católica Portuguesa, página 300 e também no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, página 498, anotação 6.
[16] De facto, se o contrato-promessa celebrado entre a “F..., Lda.” e a G... para permuta da loja que esta sociedade entregou àquela para garantia da posterior entrega da fração e destinada ao cumprimento integral do contrato-promessa celebrado em 15 de novembro de 1999, foi resolvido por alegada perda de interesse em 2015, não é crível que este depoente não tivesse pelo menos então conhecimento do estado das obras. Acresce que o réu vive na localidade onde se situa o empreendimento e tendo interesse no andamento do mesmo, não é verosímil que não se inteirasse do estado das obras.
[17] O recorrente, não obstante imputar à sentença recorrida o vício de nulidade por omissão de pronúncia, invoca para suporte jurídico desta arguição a alínea c), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil, previsão que, como é bom de ver, respeita a outros diversos fundamentos de nulidade da sentença, enquadrando-se a omissão de pronúncia na alínea d), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil. Assim, tendo presente a liberdade de qualificação jurídica do tribunal (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), analisar-se-á a patologia invocada à luz desta penúltima previsão legal.
[18] Acerca desta questão, os réus contestantes dedicaram os artigos 13º a 15º da contestação, com o seguinte teor: “De facto, já antes da celebração da escritura pública, os AA. tinham consentido na transmissão da posição contratual assumida pelos RR. no contrato-promessa celebrado em 15 de Novembro de 1999” (artigo 13º da contestação); “Tanto assim foi, que os AA. aceitaram que a escritura pública fosse celebrada com a dita sociedade, e não com os RR.” (artigo 14º da contestação); “Pelo que, ao operar-se a transmissão da posição contratual dos RR. para a indicada sociedade F..., Lda. nada mais poderá ser exigido aos RR. por conta do referido contrato-promessa” (artigo 15º da contestação).
[19] Sobre esta questão veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora 2008, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, páginas 679 a 681. Não obstante os argumentos não sejam questões, do ponto de vista retórico e da força persuasiva da decisão, há interesse na sua análise e refutação.
[20] Sobre esta matéria vejam-se, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016-3ª edição, Almedina, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 97 a 99, anotação 5; Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina 2009, Fernando Amâncio Ferreira, páginas 153 a 158.
[21] Não se sabe se esta declaração, plenamente provada, corresponde ou não à verdade, não sendo de excluir que este valor tenha visado não suscitar dúvidas junto do fisco, face ao muito elevado valor patrimonial do prédio objeto da compra e venda.
[22] Veja-se, Tutela da Confiança e “Venire contra Factum Proprium” in João Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Iuridica, Braga 1991, páginas 415 a 419.
[23] A propósito leia-se “A Confissão no Direito Probatório”, 2ª edição, Coimbra Editora 2013, José Lebre de Freitas, páginas 175 e 176