Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2628/22.9T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: ASSOCIAÇÕES SINDICAIS
DIREITO DE AÇÃO
INTERESSES COLETIVOS
Nº do Documento: RP202304172628/22.9T8AVR.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A expressão “interesses coletivos” do nº 1 do art.º 5º do Código de Processo do Trabalho, assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular; o “interesse coletivo” não elimina, nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhe antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respetiva tutela por entidade distinta.
II - As associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita à violação de direitos individuais mas com caráter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 2628/22.9T8AVR.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro – J2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
O “Sindicato ...” (Autor) instaurou contra “Santa Casa da Misericórdia ...” (Ré), a presente ação, com processo comum, pedindo:
A) se declare que aos associados do Autor se aplica a Portaria de Regulamentação do Trabalho publicada no BTE n º 31, de 22/08/1985, a que sucedeu a publicada no BTE n.º 1.ª série, n.º 15, de 22/04/1996, sendo a Ré condenada neste reconhecimento;
B) se condene a Ré no pagamento aos associados do Autor das diuturnidades previstas na cláusula 21ª da(s) PRT a que se alude em A) já vencidas, e que se venham a apurar devidas, como discriminado em 40.º do articulado, tudo a liquidar em execução de sentença, e bem assim para o futuro nas vincendas;
C) se declare ilícita e violadora do princípio da irredutibilidade da retribuição a falta/cessação do pagamento das diuturnidades operado pela Ré aos associados do Autor, designadamente após a sua inscrição no Sindicato Autor;
D) se condene a Ré a pagar ao Autor, juros à taxa legal sobre as quantias peticionadas e devidas, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que tem associados a prestar trabalho para a Ré, mas esses trabalhadores têm direito a receber diuturnidades por aplicação das Portarias de Regulamentação do Trabalho (PRT) que regulam as condições de trabalho celebradas entre as instituições particulares de solidariedade social e os trabalhadores ao seu serviço, não tendo aplicação aos associados do Autor o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) subscrito pela Ré e FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros (publicado no BTE nº 47, de 22/12/2001) que aboliu o pagamento das diuturnidades aos trabalhadores por ela abrangidos, e a Ré em 2001 deixou de pagar aos seus trabalhadores associados do Autor tais diuturnidades.

Realizada «audiência de partes», frustrou-se a sua conciliação, pelo que foi a Ré notificada para poder contestar, apresentando, então, contestação, referindo apresentar reconvenção, na qual alegou, em resumo: (i) ser a petição inicial inepta; (ii) verificar-se a exceção perentória de remissão abdicativa em relação à associada do Autor AA; (iii) o ACT publicado em 2001 deu causa à cessação da aplicabilidade da Portaria de Regulamentação do Trabalho referida pelo Autor, sendo que em relação às trabalhadoras do Réu, BB, CC, DD, EE e FF, as mesmas inscreveram-se no Autor em datas posteriores à Portaria de Extensão nº 278/2010, pelo que se aplica o ACT de 2001; (iv) com o deixar de aplicar a PRT e aplicação do ACT de 2001 não foram diminuídas as retribuições das associadas do Autor; (v) nos contratos de trabalho celebrados com as associadas do Autor GG e FF ficou prevista a aplicação do ACT de 2001; (vi) o Autor litiga de má-fé.

O Autor apresentou resposta.

Foi facultada ao Autor a possibilidade de se pronunciar sobre a alegada ineptidão da petição inicial.

Foi fixado o valor da ação em € 30.000,01.
Foi dispensada a realização de «audiência prévia», sendo proferido despacho saneador apreciando a questão da ineptidão da petição inicial, concluindo ser a petição inicial apta ao seu fim[1], e conhecendo da exceção da ilegitimidade do Autor, julgando verificar-se a exceção da ilegitimidade do Autor, Sindicato ..., e, em consequência, foi absolvida a Ré, Santa Casa da Misericórdia ..., da instância.

Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o Autor interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
A) O tribunal a quo incorre numa errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.º n.º 1 e 2 alínea c) do CPT;
B) O Autor é uma associação sindical e a questão em causa nos presentes autos, trazida ao tribunal para decisão, é uma questão de direito coletivo na medida em que se discute a aplicação de um IRCT – PRT – e a desaplicação de um outro IRCT – CCT – pela Ré a associados do Autor;
C) Consequentemente o Autor é parte legítima à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CPT;
D) Ainda que assim se não entendesse, sempre o Recorrente seria parte legítima à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 2 alínea c) do CPT, pois a questão em causa – thema decidendum – causa de pedir e pedido respeitam à violação pela Ré com caráter de generalidade de direitos individuais de natureza idêntica de trabalhadores associados do Autor – na medida em que a Ré procedeu à absorção das diuturnidades pelos índices previstos na cláusula 58º do IRCT (ACT) publicado no BTE nº 47 de 22/12/2001 que passou a aplicar e à sua aplicação aos trabalhadores associados do Autor, sendo que, a Ré, teve por base a aplicação destes IRCT a todos os trabalhadores, alterando a forma de progressão na carreira, e que, por alturas de 2001 a Ré deixou de pagar aos seus trabalhadores associados do Autor, mormente aos supra identificados, diuturnidades – com declaração de autorização subscrita pelos trabalhadores;
E) A violação dos direitos individuais em apreço é igual (de idêntica natureza), abrange todos os trabalhadores associados do Autor, sendo, portanto, geral, conforme aliás consta da alegação/causa de pedir articulada na P.I.
F) a expressão com carácter de generalidade respeita à violação dos direitos em si mesma e não ao número de trabalhadores que a associação sindical representa na ação não sendo sequer exigível que se trate de uma maioria de representados (com autoria delegada ao sindicato).
G) O n.º 2 do art.º 5.º do CPT não exige nenhuma maioria/generalidade de trabalhadores representados pelo sindicato na propositura da ação. A letra da lei refere apenas “em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem”.
H) O que a alínea c) do n.º 2 do art.º 5.º do CPT pressupõe é que a violação tenha caráter de generalidade, o que sucede na questão em apreço.
Termina dizendo dever a decisão proferida pelo tribunal a quo ser revogada, e declarar-se que o Autor é parte legítima na presente ação e a mesma prosseguir, não se julgando verificada a exceção ilegitimidade do Autor.

A Ré apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
1.ª O Recorrente formula pedidos que não revestem a característica de direitos respeitantes a interesses coletivos que o recorrente represente.
2.ª O que está posto em causa na ação respeita a apenas oito trabalhadoras associadas do Recorrente.
3.ª Não pode, assim, considerar-se que se questiona a violação de direitos respeitantes à generalidade dos associados do Recorrente.
4.ª Litiga, em consequência, com manifesta falta de legitimidade processual;
5ª O douto tribunal “a quo” ao decidir no sentido da verificação da exceção de ilegitimidade do Recorrente fez correta aplicação quer do disposto nos art.ºs 278º, nº 1, alínea d), 576º, nos 1 e 2, 577º, alínea e) e 578º, quer do preceituado no art.º 5º, nºs 1 e 2, alínea c) do CPT.
Termina dizendo dever julgar-se a apelação improcedente e confirmar-se, na íntegra, a decisão do tribunal a quo de 20/01/2023.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, teve vista do processo, pronunciando-se no sentido de no caso estar vedada ao Ministério Público a possibilidade de emitir parecer, por inaplicabilidade do art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, por entender dizer o recurso respeito a questão eminentemente processual.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[3], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se o Autor tem legitimidade para impulsionar a presente ação.
*
Para apreciação da questão posta importa ter presente a factualidade contida no relatório que antecede, sendo ainda de ter presente o seguinte (que resulta da análise do processo):
− o Autor juntou com a petição inicial (doc. 3) “declaração” com o seguinte teor (estando manuscrita assinatura à frente de cada um dos 8 nomes):
Os trabalhadores abaixo identificados e subscritores, declaram, para todos os devidos e legais efeitos, que pretendem e concordam que o Sindicato ..., proponha ação contra a Santa Casa da Misericórdia ..., para condenação desta no pagamento aos trabalhadores das diuturnidades previstas no CCT Aplicável.
..., 5 de maio de 2022
Cientes do sentido e alcance do que acabam de declarar, assinam a presente,
BB
CC
GG
DD
AA
EE
HH
FF.
*
Passemos, então, ao exame da questão suscitada.
Sendo pacífico que o Sindicato Autor se trata de associação sindical a que se refere o art.º 5º do Código de Processo do Trabalho (cfr. art.º 442º do Código do Trabalho), tudo está em saber se na presente ação estão em causa «direitos respeitantes aos interesses coletivos que representa» [nº 1], ou se está em causa a «violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados» [nº 2, al. c)].
Tenhamos presente o teor do art.º 5º do Código de Processo do Trabalho (que tem como epígrafe «legitimidade de estruturas de representação coletiva dos trabalhadores e de associações de empregadores»):
1- As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam.
2- As associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de ação, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem:
a) nas ações respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra trabalhadores que pertençam aos corpos gerentes da associação sindical ou nesta exerçam qualquer cargo;
b) nas ações respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra os seus associados que sejam representantes eleitos dos trabalhadores;
c) nas ações respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados.
3- Para efeito do número anterior, presume-se a autorização do trabalhador a quem a associação sindical tenha comunicado por escrito a intenção de exercer o direito de ação em sua representação e substituição, com indicação do respetivo objeto, se o trabalhador nada declarar em contrário, por escrito, no prazo de 15 dias.
4- Verificando-se o exercício do direito de ação nos termos do n.º 2, o trabalhador só pode intervir no processo como assistente.
5- Nas ações em que estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores ou dos empregadores, as respetivas associações podem intervir como assistentes dos seus associados, desde que exista da parte dos interessados declaração escrita de aceitação da intervenção.
6- As estruturas de representação coletiva dos trabalhadores são parte legítima como autor nas ações em que estejam em causa a qualificação de informações como confidenciais ou a recusa de prestação de informação ou de realização de consultas por parte do empregador.
Como se vê, este art.º 5º contempla a possibilidade do sindicato assumir a defesa de interesses coletivos (nº 1), a representação e substituição de trabalhadores na defesa dos seus interesses individuais (nº 2), e a sua intervenção como assistente (nº 5).
Na apreciação de uma situação concreta, de modo a aferir se se enquadra nestas normas legais, teremos como pano de fundo, ou como critério aferidor, o concreto objeto do processo, constituído pelo pedido e causa de pedir.
E podemos desde já adiantar que não se vê, em tese, obstáculo a que o sindicato seja Autor em processo em que se discute em simultâneo interesses coletivos e interesses individuais violados com carácter de generalidade[4].
O tribunal a quo considerou haver ilegitimidade do lado ativo, mas, se bem percebemos, considerou-o em relação ao pedido formulado sob a alínea B) na petição inicial, como se a instância apenas pudesse existir com todos os pedidos ou não existir [talvez porque o Autor refere no artigo 8º da petição inicial que a questão do pagamento das diuturnidades consome a causa de pedir e o pedido], pois aquilo que escreveu foi o seguinte, que se sublinha para realçar o que se disse:
Com a instauração da presente ação, o Autor pede, para além do mais, a condenação da Ré a pagar às associadas identificadas no artigo 40º da petição inicial as diuturnidades previstas na cláusula 21ª das PRT publicadas nos BTE n.ºs 31 de 22/08/1985 e 1 de 22/04/1996, já vencidas, e que se venham a apurar serem devidas, tudo a liquidar em execução de sentença, e bem assim para o futuro nas vincendas.[5]
(…)
No caso dos autos e, atendendo à qualidade do Autor, existe norma específica no Código de Processo do Trabalho quanto à legitimidade processual daquele.
Com efeito, como resulta do artigo 5º, n.ºs1 e 2, al. c) deste último diploma legal, as associações sindicais têm legitimidade para exercer o direito de ação respeitante aos interesses coletivos dos seus associados, bem como à violação de direitos individuais, com carácter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos seus associados.
E nos termos do artigo 56º, n.º 1 da C.R.P. “compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que represente”. Tendo o direito de iniciar e intervir em processos judiciais quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei, tal como decorre do artigo 443º, n.º 1, al. d) do C.T..
É certo que no caso do artigo 5º, nº 2, al. c), do C.P.T. as associações sindicais substituem os trabalhadores, intervindo em defesa de um interesse alheio. Mas tal só poderá ocorrer quando esteja em causa “violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados”. Na verdade, tem de estar em causa ação em que se discuta tal violação respeitante a uma generalidade de trabalhadores.
Revertendo ao caso dos autos, o pedido formulado contende com interesses individuais de 8 trabalhadoras, associadas do Autor, solicitando o Autor o pagamento a estas das quantias que lhe sejam devidas, a título de diuturnidade, não concretizando cada uma delas, apenas, por referir que não tem acesso aos recibos de vencimento. Como tal, não se trata de interesses, cuja violação ocorra com carácter de generalidade, já que nos autos, o Autor representa tão somente aquelas 8 trabalhadoras.
Não basta, assim, ao Autor alegar que a situação relatada afeta pelo menos aquelas 8 trabalhadoras, indiciando que outras podem estar abrangidas.
Com efeito, a ação está configurada considerando os interesses daquelas 8 associadas, não se podendo considerar, assim, que a violação alegada respeita à generalidade dos associados do Autor. Nem nada foi alegado a este propósito.
Sumariando, refere o Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 19 de janeiro de 2018, que:
I- As associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representam bem como à violação de direitos individuais mas com carácter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados – art.º 5º, nºs 1 e 2, al. c), do CPT.
II- Se o Autor pede a condenação da Ré a pagar determinadas quantias aos seus cinco associados que representa, ao invés de peticionar o reconhecimento relativo a todos os trabalhadores seus associados, do direito a auferirem nas férias e subsídios de férias e de natal, as médias pagas a título de prestações complementares, não estamos perante qualquer interesse coletivo, um interesse que assuma uma dimensão qualitativa nova mas antes perante uma mera agregação de interesses individuais que não adquire perante eles um certo grau de abstração e autonomia.
III- Um sindicato goza da legitimidade prevista na al. c) do nº 2 do art.º 5º do CPT se exerceu o direito de ação perante a violação generalizada de direitos individuais de trabalhadores seus associados e de idêntica natureza, ou seja, que se reporte à generalidade do universo constituído pelos trabalhadores associados que se encontrem na mesma situação.”
(proferido no processo n.º 493/17.7T8LRA.C1, disponível in www.dgsi.pt).
À luz do acima exposto, tendo presente o modo como a ação foi proposta, não se encontra preenchido o requisito da “generalidade” que justifica a intervenção do sindicato como Autor, em substituição dos seus associados, carecendo este de legitimidade processual.
Começando por atentar no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo do Trabalho, importa saber o que são interesses coletivos que os sindicatos representam.
Como refere o acórdão desta Secção Social do TRP de 22/02/2021[6], esta norma legal deve ser interpretada de forma ampla, e não restritiva, por força do imperativo constitucional do art.º 56º, nº 1, da CRP [que dispõe que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem].
Acresce que não se pode esquecer a lei substantiva, no caso o art.º 443º, nº 1, al. d) do Código do Trabalho, que prescreve terem as associações sindicais, entre outros, o direito de iniciar e intervir em processos judiciais … quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei.
Ou seja, não se pode fazer uma interpretação do art.º 5º do Código de Processo do Trabalho que seja desconforme à CRP, mas também não poderá fazer-se uma interpretação que acabe por ficar em desarmonia com a lei substantiva.
Considerou o acórdão desta Secção Social do TRP acima referido (de 22/02/2021) que a expressão “interesses coletivos” do nº 1 do art.º 5º do Código de Processo do Trabalho, assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular; o “interesse coletivo” não elimina, nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhe antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respetiva tutela por entidade distinta.
Cita este acórdão os arestos do STJ de 22/04/2015 e de 14/10/2020[7], indo ao encontro do referido por João Reis[8], de que o interesse coletivo tem de assumir uma dimensão qualitativa nova, que não se reconduz a uma mera agregação ou justaposição de interesses individuais. É uma síntese formada pelo entrelaçamento de interesses individuais. É destes interesses que ele brota, não podendo deixar de fincar neles as suas raízes, mas adquire, perante eles, um certo grau de abstração e autonomia[9].
Refere João Reis[10] o acórdão do STJ de 24/02/1999[11], proferido em ação de condenação para reconhecimento da aplicação de um acordo de empresa intentada por um sindicato, no qual se refere « se bem que cada um dos trabalhadores representados pelo Autor… tenha o seu interesse (individual) em ver aplicar-se-lhe o referido Acordo de Empresa, que lhe proporcionaria melhores proventos …, não se podem oferecer dúvidas de que se está perante um “interesse coletivo, dado que a pluralidade de trabalhadores… se encontram “irmanados no mesmo interesse”, o de ver reconhecida a aplicação de um Acordo de Empresa, manifestamente mais favorável …», dizendo que nele o STJ negou, porém, a legitimidade ativa do sindicato, mas esclarecendo que tal aconteceu em face do art.º 6º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho/1981, mas que se fosse perante o atual art.º 5º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho teria sido reconhecida essa legitimidade ativa[12].
Ou seja, podemos assentar que nas situações em que se discute da aplicabilidade de um instrumento de regulamentação coletiva aos associados de um sindicato, estamos perante um interesse coletivo que o sindicato representa [13] [14].
Ora, o pedido formulado no caso sub judice pelo Autor sob a alínea A) foi, recorde-se, que se declare que aos associados do Autor se aplica a Portaria de Regulamentação do Trabalho publicada no BTE nº 31, de 22/08/1985, a que sucedeu a publicada no BTE nº 1.ª série, nº 15, de 22/04/1996, sendo a Ré condenada neste reconhecimento.
Em face do que já se disse, resulta cristalino que subjacente a este pedido está um interesse coletivo que o Autor representa (ainda que com repercussões individuais, no pagamento/não pagamento de diuturnidades), pois está em causa a apreciação da aplicação, ou não, de instrumento de regulamentação coletiva aos trabalhadores associados do Autor, ou, adaptando o dito no acórdão do STJ citado por João Reis (acima referido), dizemos que uma pluralidade de trabalhadores encontram-se “irmanados no mesmo interesse”, o de ver reconhecida a aplicação de um instrumento de regulamentação coletiva manifestamente mais favorável (prevendo o pagamento de diuturnidades).
Todavia, tal já não sucede em relação aos demais pedidos [os formulados sob as alíneas B), C) e D)], resultando claro da sua leitura não estar subjacente a eles um interesse coletivo que o Autor represente, antes se tratando de interesses individuais idênticos, assentes em questões de facto e de direito idênticas, e por isso suscetíveis de reunião num mesmo processo (por coligação dos interessados[15]), mas faltando a acima referida nova e diferente entidade como titular.
Com efeito, estes pedidos são, recordemos:
B) se condene a Ré no pagamento aos associados do Autor das diuturnidades previstas na cláusula 21ª da(s) PRT a que se alude em A) já vencidas, e que se venham a apurar devidas, como discriminado em 40º do articulado, tudo a liquidar em execução de sentença, e bem assim para o futuro nas vincendas;
C) se declare ilícita e violadora do princípio da irredutibilidade da retribuição a falta/cessação do pagamento das diuturnidades operado pela Ré aos associados do Autor, designadamente após a sua inscrição no Sindicato Autor;
D) se condene a Ré a pagar ao Autor[16], juros à taxa legal sobre as quantias peticionadas e devidas, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento.
Como se vê, estão em causa os interesses de cada uma das 8 trabalhadoras referenciadas no artigo 40º da petição inicial, ou melhor, o interesse individual de cada uma das trabalhadoras em receber as diuturnidades tendo presente a situação específica de cada uma (desde logo data de admissão de cada uma).
É que, o interesse coletivo que se referiu, não se confunde com os interesses individuais idênticos de um grupo/coletivo de trabalhadores[17].
Em relação a estes pedidos [os formulados sob as alíneas B), C) e D)] tudo está, então, e havendo autorização das associadas (cfr. declaração junta), em saber se tem aplicação a al. c) do nº 2 do art.º 5º do Código de Processo do Trabalho, ou dito de outra forma, e tendo presente que já se fez antever que estamos perante direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores associados do Autor, tudo está, então, em saber se estamos perante pedidos respeitantes à violação, com carácter de generalidade, desses direitos.
Vejamos, então, se no caso em apreço pode ter lugar a defesa coletiva de interesses individuais de associadas do Autor.
No acórdão desta Secção Social do TRP de 14/10/2013[18], escreveu-se que as associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita à violação de direitos individuais mas com caráter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados[19].
Como refere João Reis[20] são interesses que afetam ou podem afetar uma generalidade de trabalhadores, mas que não chegam a formar uma síntese nova, diferente da mera agregação de interesses individuais, pelo que não se pode falar ainda de um verdadeiro interesse coletivo. Esta categoria de interesses encontra tratamento … no art.º 5º, nº 2, al. c) do Código de Processo do Trabalho. E o fito do legislador terá sido, permitir ao sindicato a faculdade de agir, desde que autorizado pelos trabalhadores, em representação ou em substituição do trabalhador.
Ou seja, a violação de direitos terá que se reportar à generalidade do universo constituído pelos trabalhadores associados que se encontrem na mesma situação, pressupondo seja afetado um número alargado[21] [assim, se, por exemplo, a associação sindical tem 30 associados afetados pela violação de direitos, e apenas impulsiona a ação referindo-se a 8, não estaremos perante um conjunto vasto].
Regressando ao caso concreto, temos que o Autor no artigo 5º da petição inicial alega ter a prestar trabalho na Ré pelo menos os associados constantes da declaração junta como documento n.º 2.
Tal documento, trata-se de declaração da Delegação Regional ... do Autor, que menciona estarem ao serviço da Ré as seguintes associadas: (i) AA; (ii) II; (iii) BB; (iv) CC; (v) GG; (vi) DD; (vii) EE; (viii) HH; (ix) FF.
Depois, no artigo 7º da petição inicial, alega o Autor que pela declaração que se junta como documento nº 3 (já acima referida), pelo menos os trabalhadores ao serviço da Ré nela identificados declararam autorizar a propositura da ação; admitindo que no doc. nº 2 tenha havido lapso no nome da trabalhadora CC, não se escrevendo o primeiro nome, temos na declaração que constitui o doc. nº 3 oito das nove trabalhadoras que estão mencionadas na declaração que constitui o doc. nº 2 (apenas não consta a trabalhadora II).
A partir daí, na petição inicial são apenas mencionadas as oito trabalhadoras que subscreveram a declaração que constitui o doc. nº 3 (vejam-se os artigos 16º, 17º e 40º).
Ora, dizendo o Autor que são pelo menos aquelas as trabalhadoras a prestar trabalho para a Ré, mas desconhecendo-se o número efetivo de trabalhadores, não se poder dizer, tal como está configurada a ação, que estamos perante violação de direitos individuais que tenham caráter de generalidade.
Sendo assim, a conclusão que retiramos é que a decisão recorrida apenas merece censura em relação ao pedido formulado sob a alínea A) no final da petição inicial.
*
Quanto a custas, havendo procedência parcial do recurso (representando essa procedência 1/4), as custas do recurso ficam a cargo de ambas as partes na respetiva proporção (art.º 527º do Código de Processo Civil), que se fixa em ¼ para a Ré e ¾ (sem prejuízo de ser considerada a isenção invocada).
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pelo Autor, revogando a decisão recorrida quanto ao pedido formulado sob a alínea A) no final da petição inicial, devendo os autos prosseguir relativamente a ele (sem prejuízo de ser apreciada a aptidão da petição para o seu fim e/ou outras questões oportunas), e mantendo, no demais, a referida decisão.
Custas pela Recorrida e pelo Recorrente, na respetiva proporção, que se fixa em ¼ para a Ré e ¾, sendo a taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).
Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 17 de abril de 2023
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
__________________
[1] Considerando existir sim, uma alegação deficiente e insuficiente, suscetível de ser sanável, mediante o competente convite ao aperfeiçoamento, convite esse que não lhe irá ser dirigido atento o que infra se irá decidir (a decisão de absolvição da instância por ilegitimidade ativa).
[2] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[3] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[4] Vd. João Reis, “A Legitimidade do Sindicato no Processo – Algumas Notas”, in “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, coordenação de António Monteiro Fernandes, Almedina, 2004, pág. 388.
[5] Na petição inicial o Autor formula pedidos sob as alíneas A) a D) – que acima se transcreveram –, e o referido de forma expressa trata-se do pedido formulado na alínea B).
[6] Relatado pelo agora 2º adjunto, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 366/20.6T8PRT.P1.
[7] Consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 729/13.3TTVNG.P1.S1 e nº 1210/18.0T8LSB.L1.S1.
[8] Ibidem, pág. 386.
[9] Pode ver-se também o acórdão do STJ de 03/03/2016, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3704/12.1TTLSB.L1.S1.
[10] Ibidem, pág. 387.
[11] Publicado nos “Acórdãos Doutrinais do STA”, Ano XXXVIII, n.º 452-453, pág. 1155.
[12] Cfr., na pág. 387, a nota de rodapé 98.
[13] Note-se que o nº 3 do art.º 56º da CRP estabelece que compete às associações sindicais exercer o direito de contratação coletiva.
[14] No acórdão do TRL de 15/05/2019 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 19522/18.0T8LSB.L1-4) considerou-se estar em causa interesse coletivo nas situações que envolvam o incumprimento dos instrumentos de regulamentação coletiva e da lei, ainda que tal venha a ter repercussões individuais na retribuição de cada trabalhador, considerando haver legitimidade para o mesmo solicitar a condenação da Ré a pagar aos trabalhadores seus filiados o valor da retribuição que corresponda aos três primeiros dias de ausência, por incapacidade temporária para o trabalho por doença, em virtude da inexistência de qualquer regime de segurança social ou proteção na doença que os proteja durante esse período, e que tenham ocorrido desde a data de 08 de maio de 2015 (repare-se que no pedido não está individualizado qualquer valor devido aos trabalhadores, estando em causa a interpretação de cláusula de acordo de empresa, tendo sido considerado não haver legitimidade para pedir a condenação no pagamento a cada associado de sanção pecuniária compulsória e juros de mora).
[15] Como resulta ter acontecido em processos relativamente aos quais o Autor juntou cópias de decisões com a petição inicial (nenhum deles sendo impulsionado por Sindicato).
[16] Haverá lapso, e quereria o Autor dizer “aos associados do Autor”, tal como consta do pedido da alínea B).
[17] Como refere o acórdão do STJ de 22/06/2022 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 17663/20.3T8LSB.L1.S1), o artigo 5.º do Código do Processo de Trabalho distingue a representação pelo sindicato de interesses coletivos de outras situações em que o sindicato intervém em representação e substituição de trabalhadores que o autorizam a fazê-lo na defesa dos seus direitos individuais (vd. igualmente o acórdão do STJ de 26/01/2022, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 13702/20.6T8LSB.L1.S1).
[18] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 669/12.3TTBRG.P1.
[19] Reafirmado no acórdão do TRC de 19/01/2018, sendo a relatora a mesma (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 493/17.7T8LRA.C1).
[20] Ibidem, págs. 395/396.
[21] Vd. o acórdão do TRL de 30/01/2019, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 8491/18.7T8LSB.L1-4.