Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1545/18.1T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: DANO PATRIMONIAL FUTURO
FIXAÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RP202001131545/18.1T8PNF.P1
Data do Acordão: 01/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A determinação do dano patrimonial futuro, com base na afetação permanente e irreversível da capacidade funcional, com ou sem afetação total ou parcial da capacidade para o exercício da atividade habitual, não dispensa um ponto de partida mais ou menos seguro e que consiste no apuramento dos rendimentos que o lesado recebe na sua ocupação normal ou previsível e determinar qual o período futuro de vida (que não apenas ativa) que ainda teria.
II - A liquidação em momento ulterior à sentença é admissível, nos termos do disposto no art. 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, mas não preferível do que arbitrá-lo segundo o critério da equidade do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil, se for possível obter o valor do dano de modo mais justo, o que dependerá das circunstâncias do caso, tendo em consideração as possibilidades de ampliação da prova a realizar no âmbito da liquidação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1545/18.1T8PNF.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AUTOR: B…, casado, residente na Rua …, .., ….-… …, Marco de Canaveses
RÉ: C… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua …, .., apartado …., ….-… Porto.

Por via da presente ação declarativa, pretende o A. obter a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 114.460,00, como juros de mora desde a citação.
Para tanto alegou ter sido vítima de atropelamento por veículo seguro da Ré, tendo sofrido lesões físicas que demandaram internamento e determinaram sequelas físicas irreversíveis. Apesar de não se achar empregado, fazia trabalhos como pedreiro, recebendo mensalmente € 1.000,00, tendo perdido € 7.000,00, durante 7 meses em que teve incapacidade para o trabalho; por uma perda da capacidade de ganho de 9% e considerando aquele valor remuneratório e mais 30 anos de vida ativa, pretende € 40.000,00, e pelo esforço acrescido que tem de desenvolver para realizar as suas atividades profissional e pessoal, a quantia de € 15.000,00; pelas dores, sofrimentos e incómodos, uma compensação de € 50.000,00; € 60,00, pelas despesas médicas; € 600,00, de transportes para tratamentos; € 300,00, de refeições; € 1.500,00, pelos serviços de terceira pessoa, a mulher, que de si tratou, à razão de € 300,00, mensais.

Contestou a Ré, dizendo ter o A. sido tratado pelos seus serviços clínicos e considerado curado, sendo que o mesmo já anteriormente tinha sofrido acidente de trabalho no mesmo membro, com as mesmas sequelas que determinaram uma IPP de 9,9%. Ademais, o A. encontrava-se desempregado, não tendo documentado o recebimento de € 1.000,00, aos quais sempre haveria que descontar o recebido do ISS, não sendo crível tal recebimento quando, posteriormente, veio a ser admitido ao serviço de empresa por conta da qual recebia quase metade, i.é, € 600,00, mensais.
Mais impugna os demais valores e danos e o pagamento de € 1.500,00, à mulher do A.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença datada de 5.9.2019 a qual julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo-a do demais, condenou a Ré a pagar ao autor € 7.560,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos desde a data da citação da ré e até pagamento; condenou a ré a pagar ao autor uma quantia a liquidar em incidente posterior, a título de indemnização pelo dano patrimonial da perda de rendimento sofrido (obtido com os biscates que efetuava à data do sinistro), durante o período de 259 dias em que esteve totalmente impossibilitado de trabalhar; ainda condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 20.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vincendos desde a data da prolação da sentença e até integral e efetivo pagamento.
Foram os seguintes os factos aí dados como provados:
1. No dia 16 de julho de 2015, cerca das 17h00, ocorreu um atropelamento na Rua …, freguesia …, neste concelho e comarca, que consistiu no atropelamento do A. pelo veículo ligeiro de matrícula ..-..-TP, conduzido por D… e pertencente à sociedade “E… – Unipessoal, Lda.”.
2. Neste dia e hora, o veículo ..-..-TP encontrava-se parado na Rua …, imediatamente à saída do recinto destinado ao estaleiro de obras da sobredita “E…”.
3. E achava-se com a respetiva frente voltada para os lados do local onde a Rua … entronca na Rua ….
4. A citada Rua … forma ali uma subida bastante acentuada para quem sai do mencionado estaleiro e se dirige à Rua …, como era o caso do ..-..-TP.
5. Na ocasião, estava ao volante do veículo ..-..-TP o mencionado D….
6. Este último, a dada altura, resolveu retomar a marcha, em direção à Rua ….
7. Ao reiniciar a marcha, o referido condutor, seja por imperícia, seja por descuido, seja por distração, deixou descair o veículo.
8. Ou seja, a viatura ..-..-TP, em lugar de se por em marcha para a frente e no sentido ascendente, recuou bruscamente e rapidamente percorreu alguns metros em marcha atrás.
9. Nesse preciso momento em que o ..-..-TP recuou bruscamente, o A. passava, a pé, pela sua traseira.
10. Ao realizar a descrita manobra, em marcha atrás, o ..-..-TP acabou por atropelar o A..
11. O A. foi surpreendido pela inesperada manobra de recuo realizada pelo ..-..-TP, pelo que nada podia, nem pôde fazer para evitar o atropelamento.
12. O aludido D… era empregado da proprietária da viatura ..-..-TP, a sociedade E… – Unipessoal, Lda., ao serviço, sob as ordens e no interesse da qual conduzia o veículo, no exercício das tarefas de que a sua entidade patronal o incumbira.
13. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-..-TP havia sido transferida para a C… – Companhia de Seguros, S.A., ora R., através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……………, válido e em vigor na data do acidente.
14. Ao recuar, o veículo ..-..-TP embateu no A., provocando o seu desequilíbrio e queda e passou com a sua roda traseira por cima da perna e do pé direitos do A..
15. O A., logo após o atropelamento, foi conduzido ao Centro Hospitalar …, em Penafiel.
16. Deu entrada nos serviços de urgência do referido hospital, queixando-se de dores intensas no membro inferior direito.
17. Neste mesmo hospital foi submetido a vários exames, incluindo Rx, que revelaram traumatismo por esmagamento do pé e da perna direita, de que resultou fratura-luxação cominutiva da articulação da 1.ª cunha e do 1.º metatarso do referido pé.
18. O A. manteve-se internado no mesmo hospital, onde foi sujeito a intervenção cirúrgica com anestesia geral, consistente em fixação percutânea, com aplicação de dois fios K.
19. O A. permaneceu internado no mesmo hospital até 20/07/2015.
20. Nesta data, teve alta hospitalar para o domicílio, medicado com analgésicos e com indicação para prosseguir tratamentos, em regime de consulta externa, no serviço de ortopedia no mesmo hospital.
21. O A. passou a ser seguido e tratado pelos serviços clínicos da R. no Hospital F… em consultas de ortopedia.
22. Neste último Hospital, o A. foi submetido a uma nova cirurgia, em que foram extraídos os fios K, que lhe tinham sido colocados.
23. Posteriormente, os serviços clínicos da R. deram indicação para fazer tratamentos de MFR, tendo realizado cerca de 60 sessões.
24. O A. manteve-se em tratamentos nos serviços clínicos da R. até 1 de fevereiro de 2016, data em que lhe foi dada alta clínica definitiva.
25. Apesar desta alta, o A. não estava ainda em condições de retomar atividades pessoais e profissionais, o que somente veio a suceder a partir de 30/03/2016, data em que as lesões sofridas pelo A. atingiram a consolidação médico-legal e a fase sequelar.
26. Apesar de curado, o A., em resultado das lesões que sofreu no acidente, ficou a padecer de dores esporádicas e rigidez do tornozelo e pé direitos, tendo evidentes dificuldades em caminhar, principalmente em médias e longas distâncias.
27. Apresenta claudicação ligeira, mas facilmente visível.
28. O A. tem dificuldade em calçar e descalçar bota de biqueira de aço, cujo uso é imprescindível na sua actual profissão.
29. Tem médias dificuldades em subir e descer escadas e andaimes.
30. Por virtude das dores que o acometem esporadicamente relacionadas com esforços, o A. tem de recorrer de forma esporádica à toma de medicação anti-inflamatória, local e por via oral.
31. O A., para além da citada claudicação na marcha, apresenta atrofia da perna direita de 1 cm, por comparação com a contra-lateral (36 cm/37cm).
32. Tem dificuldades em saltar, correr e até andar depressa, em razão das dores que sente no membro inferior direito.
33. As descritas sequelas sofridas pelo A., ao nível ortopédico, implicam que ele se ache afectado de uma incapacidade permanente geral (IPG) de 6 pontos.
34. A referida incapacidade implica que o mesmo A. tenha de fazer esforços acrescidos no desempenho, quer das tarefas profissionais, quer no desempenho das atividades pessoais da sua vida diária e domésticas do dia-a-dia, o que se tornou mais difícil e cansativo.
35. O autor, em 17/10/1998, foi vítima de um outro acidente em que sofreu traumatismo do pé direito.
36. Depois da consolidação médico-legal das lesões sofridas no acidente referido no ponto anterior, o autor voltou a fazer marcha e caminhada de longas distâncias de forma regular.
37. Em virtude do acidente referido no anterior ponto 35., correu termos um processo pelo Tribunal de Trabalho de Penafiel, tendo como seguradora de acidentes de trabalho a Congénere “G…”, e nesse acidente foi atingido o mesmo membro do autor, tendo aí ficado com uma IPP de 9,7%.
38. O A. manteve, após o acidente sofrido em 17/10/1998, a tradição de, todos os anos, ir a pé a … e regressar a casa da mesma forma.
39. E assim sucedera em maio de 2015 (cerca de dois meses antes do acidente), tendo o A. saído da sua residência no dia 3, chegando a … no dia 5, iniciando a caminhada de regresso no dia 6 e chegando a casa no dia 9, percorrendo, pois, cerca de 500 km em apenas 6 dias, facto este que foi noticiado no jornal “H…” de Marco de Canaveses.
40. O A. nasceu em 18 de maio de 1970.
41. Tinha a atividade profissional habitual de pedreiro.
42. Apesar de se encontrar, na data do acidente, desempregado, fazia biscates para empresas de construção civil como pedreiro, com uma regularidade e rendimento monetário que, em concreto, não foi possível apurar.
43. Em virtude do atropelamento e lesões sofridas, o A. teve um período de repercussão temporária da actividade profissional total de 259 dias, período durante o qual esteve impossibilitado de realizar os referidos biscates.
44. Durante esse período de 259 dias, o A. deixou de auferir o rendimento monetário que retirava dos biscates que fazia, cujo montante em concreto não foi possível apurar.
45. Posteriormente a esse período, o A. foi admitido ao serviço da sociedade I…, Lda., com a categoria profissional de pedreiro e mediante a retribuição base mensal de € 600,00 x 14 meses, acrescida de subsídio de alimentação no valor mensal de € 80,50, tudo no total ilíquido de 680,50 (x12) e líquido de 612,61 (x12), ocupação que mantém atualmente.
46. O A. padeceu fortes dores, em virtude das lesões sofridas.
47. Sujeitou-se a prolongados e dolorosos tratamentos, que se prolongaram por um período de, pelo menos, 7 meses.
48. Foi submetido a duas intervenções cirúrgicas.
49. As dores que padeceu são quantificáveis num grau 4, numa escala crescente de 1 a 7, sofrendo os inerentes incómodos e privações.
50. Após o atropelamento e por um período de tempo em concreto não apurado, o A. necessitou do auxílio da sua mulher para o ajudar nas suas tarefas pessoais tais como despir, vestir, tratar da sua higiene diária e, ainda, para o acompanhar aos tratamentos, o que lhe causou transtornos e complexos.
51. Actualmente, o A. continua a sofrer esporadicamente de dores intensas no membro inferior direito e continua limitado funcionalmente de forma correspondente à incapacidade permanente geral (IPG) de 6 pontos.
52. As cicatrizes que o marcam e deformam implicam um prejuízo estético fixável no grau 2, considerando uma escala crescente de 1 a 7.
53. Sente complexos e vergonha pelo facto de claudicar na marcha.
54. O A. tem hoje tendência para isolar-se e mostra-se triste e ansioso.
55. Teve de abdicar da corrida e da caminhada de longo curso, que antes praticava regularmente, como atividade de manutenção física e de lazer, o que lhe causa grande desgosto.
56. E nunca mais conseguiu ir a pé a …, como era sua tradição, o que igualmente constitui causa de grande amargura.
57. Sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer graduável em, pelo menos, 2 numa escala de 1 a 5.
58. Em despesas médicas, gastou a quantia de € 60,00.

Os factos não provados são os seguintes:
1. Antes de iniciar a manobra descrita nos factos provados, o condutor do ..-..-TP não tivesse olhado para trás, nem se tivesse certificado se na traseira do veículo se encontrava alguma pessoa ou obstáculo.
2. Se o condutor do ..-..-TP tivesse olhado para a retaguarda – o que não fez – facilmente se teria apercebido da presença do A., a caminhar pela traseira da viatura.
3. Em consequência do atropelamento e lesões e sequelas sofridas, o autor tivesse ficado com diminuição acentuada da flexão plantar do tornozelo e menor grau da flexão dorsal, diminuição da eversão e inversão do tarso.
4. O autor tivesse recuperado plenamente das lesões sofridas com o acidente ocorrido em 17/10/1998.
5. O autor fosse muito requisitado nos biscates que fazia.
6. Na atividade biscates o autor auferisse o rendimento mensal médio de cerca de € 1.000,00.
7. Durante o apurado período de repercussão temporária da actividade profissional total, o autor tivesse deixado de auferir salários, num total de, pelo menos, € 7.000,00.
8. O período durante o qual o autor necessitou do auxílio da sua mulher se tivesse prolongado durante 5 meses.
9. Em transportes, para acorrer a tratamentos, o autor tivesse despendido quantia não inferior a € 600,00.
10. Em refeições tivesse despendido quantia não inferior a € 300,00.
11. Após a alta definitiva, o autor tivesse ficado curado do acidente sem qualquer desvalorização.

Desta sentença recorre o A. com vista à alteração dos valores indemnizatórios, com base nos argumentos que sintetiza nas seguintes conclusões:
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Contra-alegou a Ré pugnando pela manutenção do decidido, considerando ser de manter a indemnização fixada para os danos patrimoniais futuros, opondo-se à quantificação equitativa pela perda do rendimento de trabalho durante o período de incapacidade temporária.

Os autos correram Vistos.
Objeto do recurso, tendo em conta as alegações do recorrente:
Da fixação da indemnização pelo dano resultante da incapacidade definitiva de 6%.
Da fixação da indemnização pela perda de rendimento durante o período de incapacidade temporária.

Os factos com relevo para a decisão são os acima descritos e fixados na sentença de primeira instância.

Quanto aos fundamentos de direito:
Indemnização pelo dano resultante da incapacidade definitiva de 6%.
Neste tocante reproduzimos o raciocínio que expusemos no acórdão que relatámos a 7.10.2019 no processo 3657/14.1TBVNG.P2[1].
A determinação do dano patrimonial futuro, com base na afetação permanente e irreversível da capacidade funcional, com ou sem afetação total ou parcial da capacidade para o exercício da atividade habitual (com valores indemnizatórios reforçados neste último caso) foi objeto de acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) proferido pelo STJ, a 28.3.2019 (Proc. 1120/12.4TBPLT.G1.S1)[2]. Nesse aresto consignaram-se os seguintes princípios que aqui renovamos:
- A indemnização deste dano passa pela determinação de um capital produtor um rendimento que se venha a extinguir no final do período provável de vida ativa do lesado, suscetível de lhe garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
- A utilização de fórmulas abstratas ou critérios, como elemento auxiliar, tornam mais justas, atuais e minimamente discrepantes, as indemnizações.
- O recurso aos juízos de equidade é defensável como complemento para ajustar o montante encontrado à solução do caso concreto.
Por nós, sempre aceitámos que valorização deste dano e os critérios de fixação da respetiva indemnização não dispensam um ponto de partida mais ou menos seguro e que consiste no apuramento dos rendimentos que o lesado recebe na sua ocupação normal ou previsível e determinar qual o período futuro de vida (que não apenas ativa) que ainda teria.
Tradicionalmente, os tribunais têm-se socorrido de diversos critérios para o cômputo da indemnização por danos derivados da redução ou extinção da capacidade de ganho[3].
Já se utilizou um critério de capitalização do salário, através da atribuição de um capital cujo rendimento, calculado com base na taxa média e líquida de juros dos depósitos a prazo, fosse equivalente ao rendimento perdido.
Também é vulgar elaborar-se um cálculo baseado em tabelas financeiras, método que assenta em duas condicionantes, uma relativa à esperança de vida do lesado[4] (e não apenas à vida ativa como se acentua neste AUJ) e outra à taxa de juros líquida (que hoje não é superior a 1%, atenta a generalizada baixa das taxas de juro).
Por vezes utilizam-se regras do direito do trabalho usadas no cálculo das pensões por acidente de trabalho ou capital por remição.
Estes critérios não devem ser aplicados mecanicamente mas podem servir como orientação geral ou elemento operativo, no âmbito da tarefa da fixação da indemnização, sujeita à correção imposta pelos circunstancialismos da cada caso mas sempre tendo por pressuposto que a quantia a atribuir ao lesado o há-de ressarcir, durante a sua vida (a laboralmente útil e a posterior), da perda sofrida e mostrar-se esgotada no fim do período considerado.
Destarte, faremos, numa primeira fase, uma abordagem ao problema da fixação da indemnização relativa à perda da capacidade aquisitiva por meio de simples cálculo matemático (refira-se que a tendência em termos de direito comparado é a de fixar tão apriorística e rigorosamente quanto possível os elementos de cálculo deste tipo de indemnização, não só para possibilitar soluções de consenso extra-judicial mas também para evitar casos de injustiça relativa que resultam da diversidade de critérios que se adotam nos diferentes fóruns judiciários, tendência que, quanto a nós, será inteiramente de aplaudir de iure condendo).
Lançaremos mão da equação matemática já utilizada em arestos jurisprudenciais e que é a seguinte:
C = (1+ i)ⁿ – 1 x P
(1+I)ⁿ x i
Nesta equação C representa o capital a depositar logo no primeiro ano, P, a prestação a pagar anualmente e i, a taxa de juro que se fixa em 1%, atenta a baixa das taxas de juro, e n, o número de anos de vida que o sinistrado terá.
Consideraremos aqui uma esperança média de vida de 77 anos.
O A. nasceu a 18.5.70
À data da consolidação das lesões (30.3.2016) estava prestes a completar 46. Até aos 77 anos faltariam 31 anos.
Não se apurou o rendimento certo de que dispunha, mas a sentença de primeira instância laborou, e parece-nos que bem, com base no salário mínimo nacional (SMN).
Atentaremos no SMN vigente para 2016, uma vez que a fixação da incapacidade remonta a essa data e não à data do acidente (entre a data do acidente e a da consolidação das lesões o dano não é permanente, mas temporário).
Em 2016, o SMN era de € 530,00[5], pelo que se considera um rendimento anual de, pelo menos, € 7.420,00, e um deficit funcional de 6%, o que equivale a uma perda anual de € 445,20.
Assim, utilizando a fórmula que se propõe, teremos uma taxa de juro real líquida de 1% (1 + 0.01).

Logo, C= (1 + 0,1%)31- 1 x € 445,20
(1 + 0.1%)31 x 0.1%
C = € 13.582,79

Admitimos que os cálculos matemáticos não contemplam todas as vicissitudes da vida ativa, nomeadamente a possibilidade de progressão na carreira e, no caso, o facto já apurado de que o A. granjeou um trabalho remunerado acima do salário mínimo nacional.
Assim, afigura-se-nos equilibrado fixar a indemnização pelo deficit funcional ocorrido em € 15.000,00.

Da indemnização pela perda de rendimento durante o período de incapacidade temporária.
A sentença relegou para liquidação em incidente posterior o apuramento do dano patrimonial resultante do facto de o A. não ter efetuado biscates por 259 dias, tempo durante o qual esteve totalmente impossibilitado de trabalhar.
Tem-se entendido que o recurso ao expediente permitido pelo n.º 2 do art. 609.º CPC só deverá ocorrer quando se vislumbre como provável o alargamento da matéria fática que permita fundar mais objetivamente o cálculo determinante do quantitativo indemnizatório. Não assim quando se antolhe com o provável que, então como agora, haverá de lançar mão de bases equitativas que, partindo dos dados conhecidos, permita o apuramento de um quantitativo justo. Isto é, o tribunal condena no que se liquidar em execução posterior quando se convencer que será ainda possível quantificar o montante dos danos já apurados[6].
Tudo dependerá, por isso, das circunstâncias concretas que se antevejam.
Na situação que nos ocupa, sabendo-se apenas que o A., não estando à época do sinistro empregado com caráter fixo, mas efetuando biscates para empresas de construção civil como pedreiro, ignorando-se a regularidade e o rendimento certo, afigura-se-nos não ser razoável esperar maior alargamento da base factual a este respeito, atenta a falta de registos deste tipo de trabalhos e a remuneração variada que podem obter.
Sendo assim, não repugna aceitar remunerar os 259 dias de inactividade, aceitando-se o cálculo do recorrente que parte da quantia de € 500,00, mensais (próxima do SMN), o que perfaz € 4316,66.
Fixa-se, assim, a remuneração pelos dias de trabalho perdidos em € 4.316,66.

Dispositivo
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso e, mantendo a sentença recorrida em tudo quanto nela demais consta, revoga-se a mesma na parte em que condena a Ré a pagar ao A. a quantia de € 7.000,00, pela IPG, condenando-se a mesma pagar-lhe a quantia de € 15.000,00; mais se revoga a mesma sentença na parte em que condena a Ré a pagar ao A. no que se liquidar posteriormente quanto ao período de 259 dias em que esteve totalmente impossibilitado de trabalhar, condenando-se a mesma a pagar-lhe a tal título a quantia de € 4.316,66.
Custas por A. e Ré na proporção do decaimento.
ds

Porto, 13-01-2020
Fernanda Almeida
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro
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[1] Disponível em: http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/75109494ae15b47f802584b2005013dd?OpenDocument
[2] Decisão que considera exactamente ser o dano biológico um dano abrangente de prejuízos alargados incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.
[3] As tabelas de determinam o dano biológico constantes das Portarias 377/08, de 26.5, e 679/09, de 25.6, ficam aquém dos parâmetros jurisprudenciais, como é notado no AUJ.
[4] Que é hoje de 77, 78, para os homens, segundo INE.
[5] Cfr. https://www.pordata.pt/Portugal/Sal%C3%A1rio+m%C3%ADnimo+nacional-74
[6] Neste sentido, Ac. STJ, de 18.9.2018, Proc. 4174/16-0T8LRS.L1.S1 e (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, VOL. I, 2018, pág. 729.