Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7491/09.2TBMTS-D.P1
Nº Convencional: JTRP00043944
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO
CULPA
Nº do Documento: RP201005317491/09.2TBMTS-D.P1
Data do Acordão: 05/31/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I- A enumeração das causas de indeferimento liminar previstas no nº 1 do art. 238º do CIRE é taxativa (indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo).
II- Tendo-se provado que o requerente vendeu o veículo automóvel antes do requerimento, sem sequer alegar que com o produto da venda pagou dívidas, é suficiente para se mostrar preenchido o pressuposto previsto na alínea d) do art. 186º do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO Nº 7491/09.0TBMTS-D.P1.
Relator: Sousa Lameira (n.º 643)
Adjuntos: Dr. A. Eleutério (n.º )
Dr. Rafael Arranja (n.º )
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
A) No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, nos presentes autos de insolvência n.º 7491/09.0TBMTS-D, foi proferida (fls. 113 e ss) sentença (datada de 19.11.2009) que declarou a insolvência dos Requerentes B………….. e mulher C………., residentes na Rua ….., n.º …., na ……, Matosinhos.

B) Os Requerentes ao requererem a sua declaração de insolvência alegaram:
1- que o requerente marido esteve de baixa médica sem remuneração desde 30 de Junho de 2006 e até 29 de Julho de 2009, exercendo actualmente a actividade de cantoneiro pela qual aufere o vencimento mensal de € 450.00, sendo este o único rendimento do agregado familiar. Mais;
2- que a requerente mulher está actualmente desempregada;
3- que teve a exploração de um estabelecimento comercial;
4- que devido à recessão económica e à baixa do requerente marido começaram a ter dificuldades em cumprir as suas obrigações vindo a ser instaurada contra a Requerente mulher "uma acção de despejo do estabelecimento comercial" tendo a mesma sido condenada a pagar a quantia de € 13.500,00;
5- que os seus débitos atingem o montante de € 27,873,35, estando absolutamente incapacitados da saldar as suas dívidas porquanto não têm bens, vivendo em casa arrendada, sendo a renda, no valor de € 340,00, paga com a ajuda de familiares.
C) Os Requerentes haviam igualmente formulado pedido de exoneração do passivo restante, alegando, para além do mencionado em B), que:
1- Nos termos do disposto no artigo 235 do CIRE «se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste…»
2- Os requisitos para o deferimento dessa exoneração são os contemplados no artigo 238 n.º 1 do CIRE, a contrario;
3- No caso sub iudice, estão verificados os requisitos de que depende o deferimento da exoneração do passivo restante, porquanto;
4- Requer-se a V. Ex.ª se digne a conceder aos Requerentes a exoneração do passivo restante e para os efeitos previstos no artigo 235 n.º 1 do CIRE.

B) Realizada a assembleia de apreciação do relatório a que alude o art. 156º do CIRE, incluindo para os fins do n.º 4 do art. 236º do mesmo Código, apenas o credor D…………. se pronunciou pelo indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante.
No relatório a que se refere o art. 155º do CIRE, a Sra. Administradora da insolvência emitiu parecer favorável à exoneração do passivo restante.

D) Posteriormente, em 02.02.2010, fls. 119 e ss, foi proferido o despacho recorrido que decidiu:
«Pelo exposto indefiro liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante».

D) Apelaram os Requerentes B………….. e mulher C…………. nos termos de fls. 3 e ss, formulando as seguintes conclusões:
1ª- O despacho recorrido padece de falta de fundamentação.
2ª- O Tribunal a quo profere uma vaga conclusão quando se circunscreve ao caso concreto, não dissecando os requisitos do artº 238º aplicados in casu.
3ª- Deveria o Tribunal ter justificado o preenchimento do pressuposto da al. d) do nº 2 do artº 186º.
4ª- Primeiro teria de ter fundamentando a aplicabilidade do artº 238º CIRE ao caso concreto e, só depois, fundamentar a aplicabilidade do artº 186º CIRE.
5ª- Deste modo, o Tribunal a quo violou os artºs 205º, nº 1 da CRP, artº 158º e artº 659º, nº 2 do CPC.
6ª- Deveria ter sido ordenada pelo Tribunal a quo uma cabal produção de prova para depois decidir sobre a concessão do pedido de exoneração do passivo restante
7ª- Deve-se apreciar, no caso concreto, sobre a verificação ou não dos requisitos de que dependem a concessão daquele benefício.
8ª- Tal não se verificou.
9ª- A venda do veículo, por sí só, não preenche os requisitos para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo.
10ª- O Tribunal a quo presumiu que os Recorrentes beneficiaram do produto da venda, tendo, por isso, um actuação culposa.
11ª- A presunção pode ser elidida mediante prova em contrário.
12ª- Os Recorrentes teriam de ter tido oportunidade para tal, o que não foi o caso.
13ª- O automóvel pertencia – como sempre pertenceu – à filha dos Recorrentes, que decidiu vendê-lo e, consequente, fazer sua o produto de tal venda.
14ª- O Tribunal não deu a possibilidade aos Recorrentes de se pronunciarem sobre a venda do veículo, não cumprindo o exercício do direito ao contraditório, nos termos do artº 3º, nº 3 do Código de Processo Civil.
15ª- A Sr.ª Administradora de Insolvência mesmo tendo conhecimento da venda do veículo, apresentou o seu parecer favoravelmente à decisão de deferimento da exoneração do passivo.
16ª- A Sr.ª Administradora de Insolvência não coloca em causa qualquer comportamento culposo por parte dos Recorrentes.
17ª- O que reiterou na Assembleia de Credores.
18ª- Tal parecer não é vinculativo para o juiz mas é significativo.
19ª- O bem móvel nunca pertenceu verdadeiramente aos Recorrentes, pelo que não fazia parte do seu património.
20ª- Não existe elementos nos autos que nos possa levar a concluir que, com a venda do veículo tenham os Recorrentes pretendido dissipar o seu património ou prejudicar os credores.
21ª- Por tudo isto, o despacho em crise não pode manter-se, sendo necessário que o Tribunal recorrido reavalie os pressupostos da concessão ou recusa da exoneração, com recurso à produção de prova.
Concluem pedindo a procedência do presente recurso, e, em consequência se ordene que o Tribunal a quo proceda a uma reavaliação dos requisitos, procedendo à respectiva produção de prova.
E) Não foram apresentadas contra alegações.

II – FACTUALIDADE PROVADA
Encontram-se provados os seguintes factos:
1- O requerente marido exerce a actividade de cantoneiro auferindo uma remuneração mensal de € 450,00.
2- A requerente mulher encontra-se desempregada.
3- Os requerentes vivem em casa arrendada.
4- A R. mulher foi condenada, por sentença proferida em 29 de Maio de 2009, a pagar a E………….. a quantia de € 13.500,00.
5- O requerente marido declarou ter vendido, em 13 de Julho de 2009 o veículo automóvel marca Renault, matrícula ..-..-GJ.
6- O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Dispõe o art. 235º. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que "Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo".
Conforme se refere no preâmbulo do referido diploma "o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertaram de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência é agora também acolhido entre nós, através do regime da "exoneração do passivo restante".
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
Para o devedor ter acesso a tal beneficio e ser deferido o pedido, impõe a lei certos requisitos e procedimentos fixados nos art.s 236º, 237º e 238º do Código em apreço.
Se o pedido de exoneração não for liminarmente indeferido, o juiz profere um despacho inicial que determine que o devedor fica obrigado à cessão do seu rendimento disponível ao fiduciário durante o período da cessão, ou seja durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo (art. 239 nºs 1 e 2).
Nos termos das sucessivas alíneas do art. 238º. os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante são os seguintes:
a) a apresentação fora de prazo;
b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.
No caso em apreço, parece-nos manifesto que os elementos que constam dos autos não permitem concluir pela verificação dos fundamentos de indeferimento liminar previstos na mencionada norma, com excepção da al. e).
Nos termos do artigo 186°, nº 1 do CIRE a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. O n° 2 do normativo em apreço enumera as situações em que a insolvência se considera sempre culposa, sendo o devedor uma pessoa colectiva.
No caso dos autos, sendo os insolventes pessoas singulares, a insolvência dolosa só poderá fundar-se no facto de aqueles terem disposto dos seus bens com intenção de criarem ou agravarem a situação de insolvência e desde que os actos de disposição tenham ocorrido nos três anos anteriores ao inicio do processo de insolvência.
Os presentes autos de insolvência deram entrada neste tribunal em 13 de Novembro de 2009. Após a condenação da requerente mulher no pagamento da quantia de € 13.500,00 o requerente marido vendeu o automóvel que constituía, à data da venda, o seu único património, facto que, em nosso entender, preenche, por si só, o pressuposto da al. d) do nº 2 do art. 186º do C.I.R.E. e do qual decorre a existência de culpa da sua parte no agravamento da situação de insolvência, não podendo, assim, beneficiar da exoneração do passivo restante.
Pelo exposto indefiro liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante».

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO
Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 n.º 3 do Código de Processo Civil.
A) As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª- Verifica-se o vício da falta de fundamentação do despacho recorrido?
2ª- Deveria ter sido ordenada pelo Tribunal a quo a produção de prova para depois se decidir sobre a concessão do pedido de exoneração do passivo restante?
3ª- Não se verificam os pressupostos necessários para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante?

B) Vejamos a primeira questão: Verifica-se o vício da falta de fundamentação do despacho recorrido?
Defendem os recorrentes que a decisão recorrida não analisou os requisitos do artº 238º aplicados in casu e que deveria o Tribunal ter justificado o preenchimento do pressuposto da al. d) do nº 2 do artº 186º, pelo que violou os artºs 205º, nº 1 da CRP, artº 158º e artº 659º, nº 2 do CPC.
Não lhes assiste razão.
O despacho recorrido, que se encontra transcrito supra II-6, depois de explicar de forma sucinta o instituto da «exoneração do passivo restante» e de dissecar os casos em que o devedor tem acesso a tal beneficio, enuncia os fundamentos do indeferimento liminar (transcreve o preceito legal – artigo 238 do CIRE), para concluir que «no caso em apreço, parece-nos manifesto que os elementos que constam dos autos não permitem concluir pela verificação dos fundamentos de indeferimento liminar previstos na mencionada norma, com excepção da al. e)».
De seguida explica claramente porque razão entende que se mostra preenchida a al. d) do n.º 2 do artigo 186 do CIRE.
A decisão recorrida encontra-se manifestamente bem fundamentada, em obediência aos princípios legais aplicáveis, designadamente aqueles que os Recorrentes entendem terem sido violados.
É essencial em qualquer decisão o modo e a forma como os factos (provados e não provados) e o direito se encontram fundamentados, ou seja ao modo como o Sr. Juiz motivou as respostas dadas à matéria de facto, ao modo como fundamentou a sua convicção e a razão da aplicação de certa norma.
Ninguém coloca em questão que os juízes têm o dever de fundamentar de motivar as suas decisões para que possam ser controladas por aqueles a quem se destinam.
Os Juízes têm o dever de fundamentar devidamente as suas decisões que não sejam de mero expediente.
Esse princípio está consagrado não só na Lei Fundamental (artigo 205 da CRP) mas também em diversos preceitos do CPC, de que é exemplo o citado artigo 158 do CPC.
O julgador deve indicar as razões que o levaram a decidir em determinado sentido.
Este dever de fundamentar as decisões tem a virtualidade de permitir o controle externo das mesmas, permitindo que as partes, principais destinatários daquelas e os cidadãos em geral sejam convencidos da bondade e da certeza de tais decisões.
No despacho recorrido o Mmº Juiz a quo fundamenta a sua posição, explica porque motivo o pedido formulado pelos recorrentes deve ser liminarmente indeferido.
Pode não se concordar com o decidido, mas isso não significa falta de fundamentação.
Como se disse, o despacho em análise referiu quais os factos que se deveriam ter como assentes (e que não se encontram colocados em crise) e que serviram de suporte à sua decisão mas também as razões que foram decisivas para que o julgador decidisse no sentido apontado.
O Juiz deve ser meticuloso – mas não complicativo – na análise das questões que se lhe deparam e na prolação dos competentes despachos, mas não se deve alargar em considerações de pormenor, sem interesse para a decisão, e que lhe retirem o tempo disponível para decidir questões mais complexas.
Numa época em que urge combater as pendências processuais acumuladas, sem prejuízo de um justo equilíbrio entre a qualidade e a celeridade, pede-se aos Juízes, mais do que nunca, a adopção de métodos de trabalho que possam corresponder, em termos de eficiência e eficácia, às necessidades de uma justiça mais pronta, embora sempre com salvaguarda do cumprimento da lei e do acautelar dos direitos e garantias dos cidadãos.
A boa administração da justiça, a sua imagem perante o povo, em nome de quem é prestada, a sua eficácia, dependem em larga medida da eficiência que os juízes imprimem ao serviço que têm de assegurar, não podendo os juízes deixar de ter sempre em atenção o comando do artigo 20º da Constituição, nomeadamente do seu nº 4 que estatui que «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
Deste modo, tendo sempre presente que se pretende uma justiça em tempo razoável, pois uma justiça lenta não é justiça, constituindo mesmo em certas situações verdadeiros casos de denegação de justiça, não devem nem podem os juizes perder-se com excessos de erudição, quando não de academismo, que resultam muitas vezes em prejuízo do cumprimento dos prazos processuais ou na dilação das decisões e arrastamento dos processos.
O juiz terá de ter a consciência de que se lhe impõe a resolução atempada dos problemas que as partes lhe levam e que a sua decisão deverá resolver efectivamente os problemas colocados.
As decisões judiciais terão que ser proferidas em prazo razoável. Uma justiça que não é célere não é justa.
Em obediência aos princípios legais, designadamente aos invocados pelos Recorrentes, as decisões devem ser fundamentadas e a decisão recorrida está devidamente fundamentada, sendo facilmente compreendido o caminho lógico seguido pelo julgador.
O Mmº Juiz a quo fundamentou, motivou, a sua decisão, nada havendo a censurar neste ponto.

C) Resolvida a primeira questão vejamos a segunda: Deveria ter sido ordenada pelo Tribunal a quo a produção de prova para depois se decidir sobre a concessão do pedido de exoneração do passivo restante?
Os recorrentes alegam, em sede de recurso, que deveria ter sido ordenada pelo Tribunal a quo uma cabal produção de prova para depois decidir sobre a concessão do pedido de exoneração do passivo restante.
Importa desde já salientar que o Tribunal deve ordenar que seja produzida prova sobre factos alegados nos articulados, na fase anterior á decisão recorrida e nunca sobre factos que apenas são alegados em sede de recurso.
Invocam os Recorrentes que «o automóvel pertencia – como sempre pertenceu – à filha dos Recorrentes, que decidiu vendê-lo e, consequente, fazer sua o produto de tal venda».
Trata-se de um facto que nunca foi alegado (veja-se o requerimento inicial apresentado pelos Recorrentes) pelo que não poderia o Tribunal ponderar que fosse produzida prova sobre esse facto não alegado, não se vislumbrando, por isso que não tenha sido cumprido o «exercício do direito ao contraditório, nos termos do artº 3º, nº 3 do Código de Processo Civil».
De igual modo alegam, que «o bem móvel nunca pertenceu verdadeiramente aos Recorrentes, pelo que não fazia parte do seu património». Todavia, também este facto nunca foi invocado anteriormente e, apenas em sede recurso os Recorrentes a ele fazem apelo.
Não tendo sido anteriormente alegado pelos Recorrentes (pelo menos nos autos nada consta a esse respeito) não poderia o Tribunal ordenar que fosse produzida prova sobre um facto que desconhecia.
Deste modo entendemos que nenhuma irregularidade foi praticada, não se vislumbrando razões para que o Tribunal ordenasse a produção de prova (sobre que factos?) nem se mostra que tenha sido violado o disposto no artigo 3 n.º 3 do CPC, uma vez que se foram os Recorrentes quem declararam ter vendido o automóvel não se impunha que o tribunal os notificasse para explicarem as razões ou os motivos da venda.
Os Recorrentes, se assim o entendessem, quando declararam ter vendido o veículo podiam ter fornecido todas as explicações (verdadeiras ou não) que, agora, vieram alegar em sede de recurso.
Por tudo isto não se vislumbra a prática de qualquer irregularidade, pelo que se impõe a improcedência desta questão.

D) Resta decidir a última questão: Não se verificam os pressupostos necessários para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante?
Analisemos

1- A questão nuclear do presente recurso centra-se em saber se se mostram preenchidos os pressupostos exigidos pelo art. 238º, nº 1, al. e), do CIRE, que fundamentou o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, formulado pelos Requerentes.
O que é a Exoneração do Passivo Restante?
Relembramos aqui o que já escrevemos sobre este assunto no Acórdão desta Relação de 15.07.2009, disponível in www.dgsi.pt, sob o n.º convencional JTRP00042817:
«Vejamos os normativos legais que regulam esta matéria.
No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março, e que entrou em vigor em 15.09.2004, Sob o TÍTULO XII - Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares - CAPÍTULO I - Exoneração do passivo restante, o artigo 235.º dispõe que « se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo ».
«O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição de pedido apresentado no período intermédio», n.º 1 do artigo 236.º, do CIRE.
Acrescenta o n.º 3 deste normativo, que «do requerimento consta expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes»».
Dispõe a alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º, do CIRE - Indeferimento liminar - que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se «Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º».
«Estamos perante um instituto que não tem correspondência no anterior CPEREF (Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo DL nº 132/93, de 23/04, cuja última redacção foi dada pelo DL nº 315/98, de 20/10).
Trata-se de um instituto novo que o anterior regime de falência não previa.
***
2- Ao longo das diversas épocas históricas e fruto do desenvolvimento do comércio e do crédito que lhe anda sempre associado, foi sentida, cada vez com maior acuidade a necessidade de acautelar os direitos dos credores através de um instituto próprio – a falência.
Não é este o momento e o lugar próprio para uma análise da evolução histórica do instituto da Falência (cfr. para essa análise, Vasco Gama Lobo Xavier, in Polis, 2º Vol. Pag. 1363 e ss), pelo que apenas se dirá que, tradicionalmente, a Falência se apresentava com uma faceta repressiva (do devedor) e uma outra destinada à «satisfação patrimonial dos credores (as quais vieram essencialmente a consistir numa execução colectiva dos bens do devedor, dito concursal, regulada de modo a assegurar a par conditio creditorum» Autor e cit. pág. 1363.
Esta concepção ou «ideia, simplista de que a falência opunha dois sujeitos ou dois grupos de sujeitos: os credores, a quem se devia pagar, e o falido, que se devia punir» (Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, 3ª ed. pág. 15), a visão da “falência-liquidação” foi sendo ultrapassada e, em nome de outros interesses, designadamente públicos foi ganhando força a ideia da recuperação da empresa.
Esta nova concepção foi amplamente alcançada com o CPEREF de 1993, passando a Recuperação a ser o primado.
Através do Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Agosto, que aprovou o CIRE (Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas), veio a acabar com o primado da Recuperação da Empresa.
«O domínio da falência e insolvência sofre de novo um grande abalo. …..Dá-se agora uma viragem radical. A prioridade passa a ser substantiva: e a recuperação passa a ser um enxerto subordinado e eventual no desenrolar da relação», José de Oliveira Ascensão, Insolvência: Efeitos Sobre os Negócios em Curso, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, págs. 105 e 106.
***
3- O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, (artigo 1º do CIRE).
Podemos ler no Preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, (pontos 3 e 6) que “O objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores….
A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais.
(…) é sempre a vontade dos credores a que comanda todo o processo. (…). A primazia que efectivamente existe, não é demais reiterá-lo, é a da vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral”.
Decorre do teor do preâmbulo que o novo Código de Insolvência entrega o poder de decisão aos credores e de certo modo regressa à ideia original do processo de falência (insolvência) como um meio para liquidar o património e simultaneamente satisfazer, pela forma mais eficiente possível, os direitos dos credores.
Paralelamente a este princípio fundamental e orientador de todo o diploma encontra-se uma outra ideia e filosofia que permite aos insolventes, pessoas singulares, em certas circunstâncias, libertarem-se das suas dívidas e recomeçarem ex novo a sua vida económica.
Nas palavras do preâmbulo «o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante», (Preâmbulo ponto 45).
***
4- O regime da «exoneração do passivo restante» prevê um benefício a conceder aos insolventes «constituindo uma medida de protecção do devedor, que se pode traduzir tanto num perdão de poucas como de elevadas quantias e montantes, exonerando-os dos seus débitos e que, por parte dos credores, se traduz numa perda correspondente», Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09-01-2006, Relator Desembargador Pinto Ferreira, in www.dgsi.pt (JTRP00038663); ainda no mesmo sentido Acs. desta Relação de 23/10/2008, proc. 0835723, de 05/11/2007, proc. 0754986 e de 09/01/2006, proc. 0556158, todos publicados in www.dgsi.pt/jtrp, da Rel. de Lisboa de 13/02/2007, proc. 8767/2006-7, in www.dgsi.pt/jtrl e da Rel. de Évora de 31/05/2007, proc. 174/07-3, in www.dgsi.pt/jtre; no mesmo sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, 2008, pg. 777 e segs. e Assunção Cristas, in “Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante”, Themis, 2005, pgs. 165 e segs, todos citados no Acórdão da Relação do Porto de 09.12.2008, Relator Desembargador Pinto dos Santos, in www.dgsi.pt (JTRP00041990).
Através do figura da exoneração do passivo restante permite-se ao devedor, em certas circunstâncias, que ao fim de 5 anos (período durante o qual o devedor/insolvente terá de ceder parte do seu rendimento aos credores através de um fiduciário), veja extintas as suas dívidas não satisfeitas (ou totalmente satisfeitas) pela liquidação da massa insolvente (ou através daquela cessão do rendimento), libertando-se, assim, do encargo de as pagar no futuro.
A exoneração do passivo restante «traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente. Daí falar-se de passivo restante”, L. A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. II, p. 183 e segs..
Nas mesmas águas navega Menezes Leitão, para quem a exoneração do passivo restante consiste na possibilidade dos devedores se exonerarem «dos créditos sobre a insolvência que não sejam integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste», visando conceder ao devedor um fresh start, «permitindo-lhe recomeçar de novo a sua actividade, sem o peso da insolvência anterior» (C.I.R.E. Anotado, 3ª ed. 2006, pág. 220).
Para este Autor a exoneração do passivo restante surge como subsidiário ao plano de insolvência e tem como contrapartida a cessão do rendimento disponível do devedor, aut. e op. cit. págs. 237 e ss.
Podemos deste modo afirmar, tal como o faz Catarina Serra, que o objectivo final deste instituto «é, pois, a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que “aprendida a lição”, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica.» in, O novo regime português da insolvência – Uma introdução, Coimbra, Almedina, 2008 (3ª edição), págs. 102 e 103.
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5- Mas se o regime da exoneração do passivo restante tem aquela finalidade a verdade é que aquele beneficio não pode nem deve ser concedido de forma discricionária ou arbitrária, nem pode ser concedido indiscriminadamente.
Para que este regime possa e deva ser atribuído torna-se necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um «comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência», aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objectivos «passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta», Ac. da R.P. de 09-01-2006, supra citado e Assunção Cristas, Novo Direito da Insolvência, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Ed. Especial, pág. 264.
Ponderando que, a exoneração do passivo restante se traduz, fundamentalmente, numa «medida de protecção ao devedor que seja pessoa singular, que tenha pautado a sua conduta passada pela correcção, transparência e boa fé nas relações, e que durante um período de prova, venha a revelar idêntica conduta», Ac. R. Porto de 18.06.2009, Relator José Ferraz, in www.dgsi.pt (JTRP00042719) havendo sem sombra de dúvidas um tratamento mais favorável destes devedores relativamente aos demais insolventes (refira-se, a propósito, que o instituto de exoneração do passivo restante não esqueceu por completo os interesses dos credores, uma vez que impôs apertados requisitos para a sua admissão), necessário se torna a verificação dos requisitos legalmente previstos para a sua concessão.
Efectivamente o incidente da exoneração do passivo restante não pode reduzir-se a um «instrumento oportunística e habilidosamente empregue unicamente com o objectivo de se libertarem os devedores de avultadas dívidas, sem qualquer propósito mesmo de alcançar o seu regresso à actividade económica, no fundo o interesse social perseguido» e «sem que se divise sequer, mesmo em termos verosímeis, o almejado retorno à actividade económica do beneficiário dado que a este título nenhuma comprovação lhe é exigível», Ac. da Relação de Coimbra, de 17/12/2008, in ITIJ/net, proc. 1975/07.4TBFIG.C1», Ac. cit..
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6- Feito este sobrevoo pelo instituto da exoneração do passivo restante é tempo de descermos ao caso concreto.
O despacho recorrido indeferiu liminarmente o pedido formulado pelos Requerentes de exoneração do passivo restante, por entender que se verificava a situação prevista no artigo 238 n.º 1 al. e) do CIRE.
Como se viu supra 1, este normativo prevê as diversas situações ou hipóteses em que o pedido de exoneração do passivo restante deve ser indeferido liminarmente.
Para que o pedido de exoneração do passivo restante não seja liminarmente indeferido é necessário que não ocorra nenhuma das causas previstas no artigo 238 em apreço.
Estamos perante uma enumeração taxativa.
Efectivamente as causas que impedem a admissão liminar daquele pedido são taxativas {por exemplo, «a oposição dos credores ao deferimento do pedido de exoneração do passivo restante não é fundamento legal para o indeferimento desse pedido», Ac. R. Porto de 23.10.2008, Relator Desembargador Ana Paula Lobo, in www.dgsi.pt, (JTRP00041838); «os casos de indeferimento estão taxativamente fixados no art. 238º e a circunstância de ter ocorrido encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente não é obstáculo a que seja analisado o pedido de exoneração do passivo restante», Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05.11.2007, Relator Desembargador Pinto Ferreira, in www.dgsi.pt (JTRP00040727); em igual sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 12-05-2009, Relator Desembargador Henrique Araújo, in www.dgsi.pt (JTRP00042626); «a inexistência de rendimento disponível no momento em que é proferido o “despacho inicial” previsto no artigo 239 do CIRE, não constitui fundamento só por si, para se indeferir o pedido de exoneração do passivo restante», Ac. Relação do Porto de 18.06.2009, Relator Desembargador José Ferraz, in www.dgsi.pt (JTRP00042719)}.
Pensamos ser também este o entendimento de Carvalho Fernandes e João Labareda, acentuam que as alíneas do art. 238º n.º 1, embora pela negativa, enumeram os requisitos a que deve sujeitar-se a verificação das condições de exoneração, in C.I.R.E. Anotado, vol. II, pág. 190.
Como refere Carvalho Fernandes «com este ponto de partida, não resulta questionável, que a referida inadmissibilidade é justificada em todas as situações descritas naquele preceito. Assim, entendida a norma a contrario, a ausência dessas situações constitui requisito de admissibilidade da exoneração» Luís Alberto Carvalho Fernandes, “La exoneración del pasivo restante en la insolvencia de las personas naturales en el derecho portugués”, in: Revista de Derecho Concursal y Paraconcursal, cit, pág 380.
Dúvidas parecem não restar em como a enumeração das causas de indeferimento liminar previstas no n.º 1 do artigo 238 do CIRE é taxativa.

7- Importa, antes de analisarmos em concreto a norma fundamento do indeferimento, impõe-se referir que, face ao estatuído nos artigos 236 a 239 do CIRE, a admissão do pedido de exoneração do passivo restante depende de se mostrarem verificados certos requisitos.
Perante o disposto no n.º 3 do artigo 236 do CIRE, no requerimento do insolvente deve constar «expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes».
Mas não basta esta alegação, uma vez que é necessário, para a admissão do pedido de exoneração do passivo restante, que não se mostrem verificados alguns dos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 238 do CIRE, «todos de natureza substantiva reportados a comportamentos do devedor que justificam a sua não concessão, com excepção do mencionado na alínea a) – apresentação do pedido fora de prazo -, motivadores do indeferimento liminar», Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-12-2008, Relator Desembargador Gregório Silva Jesus, in www.dgsi.pt, no mesmo sentido Ac. R. Porto de 09-12-2008, Relator Desembargador Guerra Banha, in www.dgsi.pt (JTRP00042003) e Carvalho Fernandes e João Labareda, op. cit. págs 187 e ss, e, para uma análise das situações previstas nas alíneas do art.º 238.º do CIRE, cfr. Luís Alberto Carvalho Fernandes, op., cit, pág 381 e 382.

8- Como se afirmou o despacho recorrido entende que se encontra preenchida a alínea e) deste preceito.
Os recorrentes sustentam entendimento contrário, (já vimos que quanto à produção de prova que deveria ser ordenada pelo Tribunal não lhes assiste razão), defendendo que «a venda do veículo, por si só, não preenche os requisitos para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo».
Estipula a referida al. e), que o pedido de exoneração será indeferido liminarmente se “Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º”.
Assim, para ser negado o pedido de exoneração do passivo restante, com fundamento nesta alínea, necessário se torna os autos nos demonstrem, nos indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor – ou seja dos Requerentes/recorrentes – na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º”.
Dispõe o artigo 186.º do CIRE, sob o título - Insolvência culposa -:
1- A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2- Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º
Na decisão recorrida entendeu-se que se mostram preenchidos os requisitos exigidos pela alínea d) citada, ou seja, que os Requerentes dispuseram dos bens «em proveito pessoal ou de terceiros».
Será que tendo-se provado que requerente marido vendeu, em 13 de Julho de 2009, ou seja após a condenação da Ré mulher no pagamento da quantia de € 13.500,00 (essa condenação é datada de 29 de Maio de 2009) o veículo automóvel (único bem que se mostra reconhecido como património dos recorrentes) é suficiente para se mostrar preenchido o pressuposto previsto na citada al. d) do artigo 186 do CIRE?
Afigura-se-nos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Da conduta dos Requerentes, traduzida nos factos provados, resulta, com clareza, que se verifica a existência de culpa da sua parte no agravamento da situação de insolvência, não podendo os ora recorrentes beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante.
Outra não pode ser a conclusão a retirar dos factos. Os recorrentes, face à condenação da Ré mulher no pagamento da quantia de 13.500 euros que fazem? Vendem o veículo automóvel que possuíam.
Importa ter em atenção que os requerentes nem sequer alegam que com o produto da venda pagaram outras dívidas ou procuraram atenuar aquela dívida resultante daquela condenação.
Aos Requerentes, competia alegar que utilizaram o produto resultante daquela venda para atenuar a sua situação económica e que com essa venda não agravaram a sua situação financeira.
Mas nada disto foi alegado pelos Requerentes que só agora em sede de recurso vieram alegar que o veículo não era sua propriedade mas de uma filha.
Dos factos provados – e só a estes nos podemos atender – resulta com suficiente clareza que a conduta dos Requerentes preenche os requisitos previstos na al. d) do artigo 186 do CIRE pelo que igualmente se mostram preenchidos os pressupostos necessários e exigidos pelo artigo 238 al. e) do CIRE, nada havendo, por isso, a censurar na decisão recorrida ao indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos Requerentes/recorrentes.
Deste modo, entendemos que neste incidente de exoneração do passivo restante bem andou a decisão recorrida ao não ter proferido o despacho inicial e ter indeferido liminarmente o pedido formulado pelos Requerentes, pois que para ser admissível a prolação do despacho inicial é necessário que devedor preencha determinados requisitos dos quais se possa aferir da sua boa conduta, desde logo que «tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência», Assunção Cristas, Novo Direito da Insolvência, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Ed. especial, pág.170, o que manifestamente não foi o caso dos Requerentes que, face à condenação da Ré mulher no pagamento de certa quantia de imediato vendem um bem do seu património, não liquidando com o produto dessa venda aquela, ou outra, dívida.
Em suma, entendemos que se mostram preenchidos todos os pressupostos previstos na al. e) do n.º 1 do artigo 238 do CIRE, pelo que bem andou a decisão recorrida em ter indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos Recorrentes.
Assim, impõe-se a improcedência desta questão e, consequentemente a improcedência do presente recurso.

VI – Decisão
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.

Porto, 2010/05/31
José António Sousa Lameira
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranjo