Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
309/14.6TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP20180613309/14.6TBVFR.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 136, FLS 275-293)
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito de um contrato de arrendamento celebrado em 1974, à comunicação do senhorio da sua pretensão em actualizar a renda e passar o contrato para o regime do NRAU, pode o arrendatário invocar ter 65 ou mais anos de idade ou ter um rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), desta forma podendo limitar os efeitos por aquele pretendidos, nos termos previstos no art.º 35.º e 36.º do NRAU.
II - O arrendatário tem o ónus de fazer a prova dos factos que alega nos prazos previstos no art.º 32.º n.º 2 do NRAU e 19.º-A do Decreto-Lei n.º 158/2006 de 8 de Agosto, competindo-lhe designadamente diligenciar junto da autoridade tributária pela emissão do comprovativo do RABC do seu agregado familiar.
III - A cominação prevista no art.º 32.º n.º 4 do NRAU do arrendatário não poder prevalecer-se das circunstâncias que alega se não fizer acompanhar a sua resposta ao senhorio dos documentos que as comprovem, circunscreve-se ao facto do mesmo ter 65 ou mais anos de idade ou deficiência. Ao distinguir as duas situações, não retirando os mesmos efeitos da falta de prova pelo arrendatário da sua situação económica, daqueles que retira da falta de prova da sua idade ou incapacidade, o legislador terá considerado o diferente grau de dificuldade burocrática na obtenção dos documentos necessários pelo arrendatário.
IV - A jurisprudência do Tribunal Constitucional, destacando-se o juízo de inconstitucionalidade feito no Acórdão 277/2016 publicado em 14/06/2016 na II série do DR n.º 112/2016, vai no sentido de que é excessivamente severo e desproporcionado fazer associar ao incumprimento do ónus da prova que compete ao inquilino, as consequências graves que para ele resultam de não poder beneficiar do regime excepcional legalmente previsto nos art.º 35.º e 36.º do NRAU, por não ter enviado atempadamente ao senhorio os documentos comprovativos dos factos impeditivos que invocou, quando os mesmos se verificam efectivamente.
V - O art.º 19.º-A do Decreto-Lei 158/2006 ao prever que caso o arrendatário não envie ao senhorio o documento comprovativo do seu RABC no prazo de 60 dias a contar da liquidação do seu IRS de 2012, não possa prevalecer-se de tal regime excepcional, para além de desproporcionada pela gravidade dos efeitos que prevê em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, contradizendo, não obstante tratar-se de uma norma transitória, o regime geral do art.º 32.º do NRAU.
VI - Se o arrendatário logo invoca na resposta ao senhorio que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA enviando o comprovativo de ter solicitado às Finanças a emissão do documento para a sua prova, não ficam precludidos os direitos que lhe são atribuídos pelo art.º 35.º do NRAU, não obstante o mesmo não tenha feito prova desse facto perante o senhorio no prazo legalmente previsto, circunstância que apenas pode determinar que venha a ter que indemnizar o senhorio pelos prejuízos culposamente causados, nos termos do art.º 19.º-A n.º 5 e n.º 6 do Decreto-Lei 158/2006.
VII - A condenação de uma parte como litigante de má fé, nos termos do art.º 542.º n.º 1 e n.º 2 al. b) do C.P.C. exige um seu comportamento doloso ou pelo menos gravemente negligente dirigido à alteração da verdade dos factos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 309/14.6TBVFR.P1
Apelação em processo comum e especial

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
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Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Vem B..., intentar a presente acção declarativa com processo comum contra C... e mulher D..., pedindo a resolução do contrato de arrendamento com eles celebrado e a condenação do R. a entregar o locado livre de pessoas e bens, bem como a pagar o valor correspondente à renda em dobro, por cada mês de atraso na entrega do imóvel e a reconhecer que o montante da renda devido desde 01.04.2013 é de € 122,17 e que, naquela data, o seu contrato passou a ser de prazo certo pelo período de 5 anos; mais requer a condenação do R. a pagar-lhe os montantes das rendas vencidas e vincendas e não pagas que, na data da petição inicial, perfazem o total de € 1.046,70 [10 meses x (€ 122,17 – 17,50] e a pagar € 733,02 (€ 122,17 x 6 meses) a título de indemnização, nos termos previstos no artigo 19.º-A n.ºs 5 e 6 do Decreto-Lei n.º 266-C/2012.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que celebrou um contrato verbal com o R. no dia 1 de Janeiro de 1974, tendo a renda, até 1 de Abril de 2013 sido no valor de € 17,50. A 21 de Janeiro de 2013 desencadeou o processo de actualização da renda, nos termos do art.º 30.º e seguintes do NRAU, na versão aprovada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, tendo proposto o valor de € 250,00. Nos termos do disposto no art.º 31.º n.º 3 al. b) do NRAU, o R. e a respectiva esposa responderam separadamente a 21 de Fevereiro de 2013, dizendo que não concordavam com o valor da renda proposta, contrapondo o montante de € 43,00, bem como que a esposa do réu teria idade igual ou superior a 65 anos, juntando cópia do respectivo Bilhete de Identidade, e que no ano de 2012 o RABC do agregado familiar do Réu foi inferior a 5 RMNA, juntando comprovativo de ter requerido à Administração Tributária a emissão de documento comprovativo de tal facto. Em 28 de Fevereiro de 2013 remeteu outra carta ao R., nos termos do disposto no art.º 33.º, n.º 5, al. b) do NRAU, onde esclareceu que apenas este é arrendatário, pelo que a referência à idade da sua esposa era irrelevante e que aguardava pelo comprovativo deste ter solicitado junto do Serviço de Finanças a declaração do RABC do ano de 2012. Passados vários meses sem nada receber por parte do R., remeteu, a 7 de Novembro de 2013, nova carta ao réu onde conclui que o valor da renda actualizada passa a assumir o montante de € 122,17 o qual terá de ser pago a partir do dia 1 de Janeiro de 2014, assim como o montante mensal de € 183,26 (a título de renda e retroactivos) nos meses de Janeiro de 2014 a Março de 2015, € 147,85 a partir do mês de Maio, acrescido do montante de € 733,02 a título de indemnização. O R. respondeu à referida carta, no qual reitera que o respectivo RBAC ainda não foi fornecido pelas Finanças, não podendo, nos termos legais, o senhorio actualizar a renda até que as Finanças emitam a declaração com o RABC do agregado familiar daquele, o que ainda não se verificou.
Devidamente citados os RR. vieram contestar, concluindo pela improcedência da acção pela verificação de excepções que impedem a actualização da renda, procedendo também ao depósito a que aludem os art.º 1041 e 1048.º do C.Civil para o caso de ser outro o entendimento do tribunal. Para a hipótese da acção vir a proceder os RR. deduzem reconvenção pedindo a condenação da A. no pagamento de € 22.000,00 resultante das benfeitorias por eles realizadas no imóvel, com a anuência e mediante prévia comunicação a esta.
Alegam, em síntese, que sempre pagaram pontualmente a renda e que apenas em 7 de Novembro de 2013 é que a A. lhes deu conhecimento da contraproposta para aumento da renda, no montante de € 122,17, pelo que antes dessa data não poderiam proceder a qualquer actualização por ausência da respectiva proposta. Não obstante, procederam ao depósito da quantia de € 785,02 à ordem da A. do diferencial entre a renda efectivamente paga e a pretendida. Sem embargo, defendem que não estão verificados ao pressupostos legais para a actualização da renda, porquanto o documento junto pela Autora na primeira carta que lhes enviou corresponde a um «print» com uma mera actualização e não a uma avaliação fiscal do imóvel como o deveria ser, omitindo igualmente o coeficiente de conservação de tal imóvel, como exige o art. 38.º e segs. do CIMI e demais legislação do NRAU. Aduzem também que a situação de carência económica obsta à actualização da renda, tendo solicitado para o efeito ao Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira 2 uma declaração onde se constasse o rendimento anual bruto corrigido (RBAC) do seu agregado familiar, dando conhecimento à A. das diligências efectuadas junto da referida entidade no sentido desta emitir tal declaração, da qual resulta que o referido RABC é inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais. Além do mais, tendo ambos os arrendatários mais de 65 anos de idade o contrato só ficaria submetido ao NRAU mediante acordo das partes, o que não ocorreu.
A A. deduziu réplica onde reafirma que apenas o R. marido interveio no contrato de arrendamento, assumindo exclusivamente a posição de arrendatário. No entanto, a R. mulher respondeu à carta remetida ao R. marido nos termos previstos no art. 30.º do NRAU, razão pela qual a referida irregularidade se encontra sanada. Mantém o entendimento expresso de que não existe qualquer irregularidade que coloque em causa o procedimento de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e de actualização da renda, enfatizando que cabia ao R. remeter-lhe o comprovativo do RABC do seu agregado dentro do respectivo prazo de validade, o qual terminou em 3 de Maio de 2013 sem que o R. tenha enviado o documento em causa, o que significa que não se pode prevalecer do regime previsto para o arrendatário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMN (cfr. parte final do n.º 2 do art. 19.º-A do Decreto-Lei n.º 266- A/2012, de 31 de Dezembro), invocando assim em seu abono o regime de cálculo estatuído no art. 35.º, n.ºs, al.s a) e b) do NRAU “ex vi” 33.º, n.º 5, al. b) do mesmo diploma). Conclui que o total em dívida é de € 1.989,06, e, como tal, o montante depositado não faz caducar o direito de resolução da A. Alega, ainda, que os Réus/Reconvintes nunca comunicaram a realização de obras no locado, estando, além do mais, o pedido reconvencional destituído de razoabilidade e de qualquer fundamento legal, constituindo igualmente tal pretensão um abuso do direito. Conclui solicitando a ampliação da causa de pedir e do pedido, bem como a condenação dos Réus/Reconvintes como litigantes de má-fé.
Observado o direito ao contraditório, procedeu-se à realização de audiência prévia, na qual se admitiu o pedido reconvencional e decidiu julgar inadmissível a ampliação da causa de pedir e do pedido. Enunciou-se o objecto do litígio e os temas da prova.
Procedeu-se à realização do julgamento, com observância do formalismo legal.
Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR. do pedido contra eles formulado e do pedido de condenação como litigantes de má fé, considerando prejudicada a apreciação do pedido reconvencional.
É com esta decisão que a A. não se conformam e dela vem interpor recurso, pugnando pela revogação da sentença proferida e substituição por outra que julgue a acção procedente e condene os RR. no pedido, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I - Do Objecto e da Delimitação do Recurso
A recorrente intentou acção de despejo contra os réus, ora recorridos, peticionando, em súmula, a resolução do contrato de arrendamento celebrado em 1974.
Na essência, impunha-se aferir se a actualização extraordinária das rendas levada a cabo respeitou os requisitos legais e, em caso afirmativo, apurar o valor actualizado da renda e a data a partir da qual esta se mostra exigível.
II - Da Impugnação da Decisão relativa à Matéria de Direito
1. A sentença de que se recorre padece de um erro de julgamento da matéria de direito.
2. “A 21.01.2013, a autora desencadeou o processo de actualização extraordinária da renda, nos termos dos artigos 30.º e seguintes do NRAU…”,
3. Os réus responderam que no ano de 2012 o RABC do seu agregado familiar foi inferior a 5 RMNA,
4. Nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do NRAU, os réus juntaram com a referida missiva o comprovativo de terem requerido à Administração Tributária a emissão de documento comprovativo de que o seu RABC foi inferior a 5 RMNA.
5. Na realidade, estabelece a mencionada disposição legal (na versão aprovada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08), que “o arrendatário que não disponha, à data da sua resposta, do documento referido no número anterior [comprovativo do RABC do seu agregado familiar] faz acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção.”
6. Ora, da declaração emitida pela Autoridade Tributária (AT) a 07.02.2013 deflui, a pedido dos réus o seguinte: “A presente declaração tem a validade de 90 dias, devendo ser requerida nova emissão de documento comprovativo do RABC do agregado familiar, dentro deste prazo.”.
7. Ou seja, cabia ao réu marido, na qualidade de arrendatário, ter solicitado à AT novamente a emissão do comprovativo do RABC do seu agregado familiar até 08.05.2013.
8. Acontece, porém, que, o réu marido não solicitou à AT a emissão do comprovativo do RABC do seu agregado familiar até ao dia 08.05.2013 (ou seja, dentro do prazo de validade da declaração emitida pela AT a 07.02.2013), pelo que desse facto resulta o incumprimento do disposto no artigo 32.º, n.os 1 e 2 do NRAU, levando a que o réu não pudesse prevalecer-se do regime previsto para o arrendatário que invocasse e comprovasse que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA,
9. Interpretado devidamente o artigo 32.º, n.os 1 e 2 do NRAU, resultaria a transição do contrato de arrendamento em que o réu é parte para o NRAU.
10. Deduziu o Tribunal a quo que o réu só teve acesso ao comprovativo do RABC do seu agregado familiar inferior a 5 RMNA a 20.11.2013 por causa imputável à AT.
11. Todavia, tal conclusão é contraditória com o facto de que o réu só nessa data voltou a solicitar a emissão do referido comprovativo, pelo que deveria o Tribunal ter imputado aquele atraso ao réu.
12. Acresce que do artigo 19.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de Agosto (na redação atribuída pelo Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31.12), aplicável à situação em apreço devido ao estatuído no n.º 9 do mesmo artigo), resulta que, tendo o arrendatário invocado que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA, terá aquele que remeter “obrigatoriamente ao senhorio o documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sob pena de não poder prevalecer-se do regime previsto para o arrendatário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA.”
13. Decorrendo dos autos que a nota de liquidação do IRS referente a 2012 foi enviada ao réu a 02.08.2013, a sua notificação foi feita a 05.08.2013,
14. O que significa que o réu tinha de ter enviado à autora o comprovativo do RABC do seu agregado familiar, o mais tardar, até ao dia 03.10.2013.
15. Porém, o réu não solicitou à AT a emissão do RABC do seu agregado familiar, nem até 08.05.2013 (dentro do prazo de 90 dias a contar da emissão do comprovativo do pedido do RABC do agregado familiar solicitado a 07.02.2013), nem sequer até 03.10.2013 (até 60 dias após a notificação da liquidação do IRS do seu agregado familiar referente ao ano de 2012).
16. Do artigo 3.º, n.º 2, da Portaria 226/2013, decorre que, se, aquando do pedido do RABC for possível emitir o comprovativo, o mesmo é imediatamente emitido e, não sendo possível, é emitido comprovativo de que aquela declaração foi requerida.
17. Assim, bem se vê que o réu só não obteve a declaração do seu RABC em tempo porque não a solicitou – e não por facto imputável à AT.
18. Desta maneira, o Tribunal a quo violou os normativos supra referidos, devendo os mesmos ser interpretados de molde a imputar a responsabilidade pela entrega tardia do RABC ao réu.
19. Por outro lado, pode ainda ler-se na sentença de que se recorre o seguinte:
“E resulta, ainda, de forma taxativa, que os comprovativos de que o pedido de emissão da declaração da qual consta o valor do RABC do agregado familiar do arrendatário foi solicitado, emitidos antes da entrada em vigor da referida portaria, ou seja anteriores a 15 de Julho de 2013, mantêm a sua validade (cfr. art. 5.º, n.º 2, da Portaria em análise). O que, aliás, se compreende porque os atrasos na emissão do certificado não podem ser imputados ao arrendatário, pois como foi largamente noticiado, os serviços de finanças nacionais não estavam preparados para dar resposta em tempo útil a tantos pedidos, o que certamente motivou a mencionada alteração legislativa.”.
No entanto, a manutenção da validade pressupõe que o comprovativo do pedido do RABC fosse válido aquando da entrada em vigor da Portaria (a 15.07.2013 – cfr. artigo 7.º da Portaria 226/2012),
20. O que não acontecia com o comprovativo do pedido do RABC formulado pelo réu a 07.02.2013, o qual havia já caducado a 08.05.2013.
21. Acresce que a alteração legislativa introduzida pela Portaria n.º 226/2013 não teve qualquer relação com a alegada incapacidade da AT de “dar resposta em tempo útil a tantos pedidos…”.
22. A alteração legislativa resulta, tão-somente, do facto de o legislador se ter apercebido que a AT apenas conseguiria emitir os comprovativos do RABC depois de liquidado o IRS do respetivo arrendatário referente ao ano de 2012 e, bem assim, da necessidade de criar sanções para os arrendatários que, como se previa, se veriam tentados a incumprir a obrigação de enviar aos senhorios o comprovativo do seu RABC.
23. Resulta da sentença ainda o seguinte:
“Assim sendo, o Réu aquando da sua resposta à carta da Autora de Fevereiro de 2012 não juntou o documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, porque não dispunha desse documento. Todavia, fê-lo acompanhar do comprovativo de o ter requerido, o qual só veio a ser emitido, pela competente Autoridade Tributária, no dia 20 de Novembro de 2013, nada indiciando – porque não foi alegado - que o Réu não tenha entregado à Autora tal declaração nos quinze dias que se seguiram à sua emissão.”.
24. Dos factos assentes resulta provado que, com a carta remetida à autora a 20.11.2013, “o réu não juntou nenhum documento”, pelo que foram os réus que não lograram provar que entregaram à autora o comprovativo do RABC.
25. Tanto assim que a autora só tomou conhecimento do comprovativo do RABC quando foi notificada da contestação, daí que seja desprovido de fundamento que o Tribunal a quo refira que nada indicia que o réu não tenha entregue à autora o comprovativo do RABC nos 15 dias posteriores à sua emissão...
26. Sendo, assim, é manifesto que o contrato de arrendamento transitou para o NRAU a 01.04.2013 e que a renda foi extraordinariamente atualizada para a quantia de € 122,17 a partir da referida data, o que determina a procedência de todos os pedidos formulados pela autora.
27. O percurso interpretativo do Tribunal a quo não poderia ter conduzido a destino diferente, pelo que também por esta via se pretende a alteração da decisão.
III - Da (Não Condenação em) Litigância de Má-Fé
28. Quanto ao pedido de litigância de má fé, limita-se o Tribunal a quo a referir que, “no caso em análise não se vislumbra nenhum comportamento por parte dos Réus/Reconvintes passível de constituir litigância de má-fé, pelo que os mesmos serão absolvidos do referido pedido.”,
29. Para além de a decisão padecer de nulidade por falta de fundamentação factual, o Tribunal a quo andou mal ao ter entendido no sentido de que o réu não litiga de má-fé.
30. Como deflui da motivação supra, é claro que os réus deturpam a data de emissão/envio do comprovativo do RABC; que tinham os dois 65 anos quando na correspondência referem que apenas a ré mulher os tinha completado; e que é falso que haviam comunicado à autora que iam fazer obras e o respetivo custo.
31. Assim, como é manifesto, o Tribunal a quo andou mal ao ter decidido no sentido de que os réus não litigaram com má-fé, pelo que a decisão de que se recorre deverá ser revogada, também nesta parte.
IV - Da Impugnação da Matéria de Facto
32. Como nos é dito pelo STJ, “Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.” – aresto proferido a 31-05-2016, sob o n.º 1184/10.5TTMTS.P1.S1, e relatado por Ana Luísa Geraldes.
33. Assim, considera a recorrente que o Tribunal a quo julgou, incorrectamente, alguns dos factos dados como provados, designadamente, sob os pontos 17, 18, 19.
34. A respeito dos factos não provados, estabeleceu o Tribunal a quo que não resultaram provados outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente os apontados na motivação sob as alíneas a), b) e c).
35. Todavia, nada sendo dito expressamente pelo Tribunal a quo, considera a autora que terá querido aquele consignar que os réus não comunicaram previamente as obras referidas em 17, nem ao primitivo senhorio, nem o respectivo custo, nem qualquer destes referiu que aquando de uma eventual cessação do contrato, as liquidaria a título de benfeitorias.
36. Daqui se conclui por uma contradição entre a matéria dada como provada sob o ponto 17 e o dado como não provado sob a alínea a).
37. Acrescente-se: como foi claro ao longo do julgamento, nem sequer houve qualquer tipo de contacto com a autora até ao momento em que esta acompanhou o fiscal das Finanças ao locado, em 2012 – bastando ver o que consta da assentada.
38. Quanto ao valor de que as obras que o Tribunal a quo considerou teriam um valor de € 12.072,37, acrescidos de IVA, deveria o Tribunal a quo ter percecionado que, prante os depoimentos prestados pelos réus, estes teriam gasto praticamente todo esse valor naquele período de cerca de 3 anos e meio entre o início do contrato e o falecimento do primitivo senhorio.
39. Porém, é irrazoável que pudesse uma enormidade daquelas ter sido gasto por quem não a tinha... até porque assim teriam gasto na casa um valor que teria dado para destruir e construir todo o bairro!!!
40. Do vindo de expor resulta não se poder dar credibilidade a depoimentos manifestamente deturpadores de qualquer factualidade minimamente congruente com a realidade.
Com esta decisão, o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 19.º e 19.º-A do Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de Agosto, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31 de Dezembro e o artigo 32.º, n.º 2, do NRAU, os quais deverão ser interpretados nos termos supra expostos.
Para além do mais, os pontos da matéria de facto supra apontados e postos em crise impõem, através do cotejo dos diversos depoimentos, que tenham de ser dados como não provadas, essencialmente, as ideias de que a recorrente – por si ou pelos seus antecessores – anuiu em qualquer consentimento para execução de obras e de que os recorridos teriam gasto um valor superior a € 12.000,00 na execução daquelas no período compreendido entre 1975 e 1978, equivalente a bem mais do que € 300.000,00 em moeda corrente.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da matéria da facto;
- da resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda actualizada;
- da litigância de má fé dos RR.
III. Fundamentos de Facto
- da impugnação da matéria da facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância, de que refere discordar quanto aos pontos 17, 18 e 19 tidos como provados e quanto ao teor das al. a), b) e c) considerados não provados.
Destina-se esta matéria de facto a suportar o pedido reconvencional formulado pelos RR. no sentido do pagamento pela A. das benfeitorias alegadamente por si realizadas no locado, reportando-se os factos em causa precisamente à realização destas, à anuência do anterior senhorio e da A. para a sua realização e ao seu valor.
Tratando-se de matéria de facto apenas relevante para a apreciação do pedido reconvencional e sendo este dependente da procedência do pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pela A., relega-se a sua apreciação para momento posterior ao conhecimento das questões que se referem à apreciação este pedido principal.
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São os seguintes os factos considerados provados pelo tribunal de 1ª instância:
1. A autora é proprietária do imóvel sito na Rua ..., .., 1.º andar, direito, ....-... ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 1860-B, da freguesia ....
2. Por acordo verbal celebrado no dia 01.01.1974, o réu tomou de arrendamento o locado supra identificado.
3. A renda, até 01.04.2013, assumiu o valor de € 17,50.
4. A 21.01.2013, a autora desencadeou o processo de actualização extraordinária da renda, nos termos dos artigos 30.º e seguintes do NRAU, na versão aprovada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, tendo proposto, por carta registada na referida data (nos termos do artigo 30.º do NRAU) que a renda passasse a assumir o valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) e que o contrato passasse a ser com prazo certo, pelo período de 2 anos.
5. Nos termos do disposto no artigo 31.º n.º 3 alínea b) do NRAU, o réu e a sua esposa responderam, separadamente, à autora a 21.02.2013, dizendo que não concordavam com o valor de renda proposto, contrapropondo o montante de € 43,00.
6. Referiram também que a esposa do réu tem idade igual ou superior a 65 anos, juntando cópia do Bilhete de Identidade da mesma.
7. Alegam ainda que no ano de 2012 o RABC do agregado familiar do réu foi inferior a 5 RMNA, juntando o comprovativo de ter requerido à Administração Tributária a emissão de documento comprovativo de tal facto.
8. Consta do documento emitido pela Administração Tributária, datado de 07.02.2013, além do mais, que “a presente declaração tem a validade de 90 dias, devendo ser requerida nova emissão de documento comprovativo do valor do RABC do agregado familiar dentro deste prazo”.
9. Neste seguimento, por carta remetida ao réu nos termos do disposto no artigo 33.º n.º 5 alínea b) do NRAU, a qual foi recebida a 28.02.2013, a autora esclareceu o réu de que apenas este é arrendatário, pelo que a referência à idade da sua esposa era irrelevante.
10. Referiu ainda que, tendo o réu alegado que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA e tendo junto comprovativo de ter solicitado ao Serviço de Finanças a declaração do referido RABC durante o ano de 2012, que aguardaria a remessa do documento que viesse a ser emitido pelo referido Serviço para que, nessa altura:
a) Se aferisse se o contrato transitaria para o NRAU ou se essa transição ocorreria apenas no prazo de 5 anos a contar do dia 22.02.2013 (data em que recebemos a sua carta de resposta); e
b) Se actualizasse a renda nos termos do disposto no artigo 35.º n.º 2 do NRAU, actualização essa que teria efeitos retroactivos.
11. A autora enviou cópia da mencionada carta à esposa do réu.
12. A 07.11.2013 a autora remeteu nova carta ao réu, da qual resulta o seguinte:
Por carta remetida a V.ª Ex.ª a 21.01.2013, desencadeamos o procedimento destinado à transição do contrato para o NRAU e à actualização da renda. Em resposta à referida missiva, veio V.ª Ex.ª informar que se oponha à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, bem como ao valor da renda proposto, tendo ainda invocado, para os devidos efeitos, que o rendimento do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA.
Neste seguimento, por carta que lhe foi enviada a 27.02.2013, comunicámos que, tendo V.ª Ex.ª alegado que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA e tendo junto comprovativo de ter solicitado ao Serviço de Finanças a declaração do referido RABC durante o ano de 2012, aguardaremos que nos remeta
o documento que vier a ser emitido pelo Serviço de Finanças para que, nessa altura, possamos aferir se o contrato transita já para o NRAU ou se essa transição ocorrerá apenas no prazo de 5 anos a contar do dia 22.02.2013 (data em que recebemos a sua carta de resposta); e actualizar a renda nos termos do disposto no artigo 35.º n.º 2 do NRAU, actualização essa que terá efeitos retroactivos.
Acontece que, mediante informação prestada pela Administração Tributária, tomámos conhecimento de que V.ª Ex.ª foi notificado da liquidação da seu IRS no passado mês Julho.
A este propósito, estabelece o artigo 19.º-A n.º 1 do Decreto-Lei 266-C/2012, de 31 de Dezembro, que “durante o ano de 2012, o arrendatário pode, na resposta a
que se refere o artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, comunicar ao senhorio, para efeitos de invocação de que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, que o agregado familiar, a RMNA e os fatores de correção do RAB relevantes para o apuramento do RABC são os existentes no ano de 2012.”, disposição esta aplicável aos arrendatários que invocarem, durante o ano de 2013, que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA, como acontece no seu caso (cfr. n.º 9 da mencionada disposição legal).
Por outro lado, determina o n.º 2 do artigo 19.º-A do referido Decreto-Lei que, “no caso previsto no número anterior, o arrendatário remete obrigatoriamente ao senhorio o documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sob pena de não poder prevalecer-se do regime previsto para o arrendatário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA.”
Assim, considerando que V.ª Ex.ª foi notificado da nota de liquidação do seu IRS há mais de 60 dias e que, entretanto, não nos remeteu o comprovativo do RABC do seu agregado familiar, significa que, nos termos do invocado artigo 19.º-A n.º 2, deixou de poder de se prevalecer do regime excepcional previsto no artigo 35.º n.º 1 alínea c) do NRAU.
Nesta medida, resta-nos comunicar-lhe a transição do contrato para o NRAU, considerando-se o mesmo celebrado com prazo certo pelo prazo de 5 anos (cfr. artigo 33.º n.º 5 alínea b) do NRAU), e proceder à actualização da renda de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 35.º (cfr. artigo 19.º-A n.º 3 alínea b) do Decreto-Lei supra identificado). Assim, o valor da renda actualizada passa a assumir o montante de € 122,17 (€ 21.990,00 / 12 / 15), o qual terá de ser pago a partir do próximo dia 01.01.2014.
Acresce que, uma vez que a carta em que V.ª Ex.ª invoca que o seu RABC é inferior a 5 RMNA foi remetida a 21.02.2013, significa que a nossa constituinte tem direito a recuperar o aumento que seria devido desde o dia 01.04.2013 (cfr. Artigo 19-A n.º 3).
Consequentemente, atendendo que tem pago a quantia de € 17,50 por conta da renda, é devido a título de retroactivos o montante de € 942,03 [9 meses x (€ 122,17 - € 17,50)], o qual se admite que seja pago de forma faseada, mediante a liquidação da quantia mensal correspondente a metade do valor mensal da renda actualizada, ou seja, € 61,09.
Assim, nos meses de Janeiro de 2014 a Março de 2015 terá V.ª Ex.ª que pagar mensalmente o montante de € 183,26 (sendo € 122,17 a título de renda e € 61,09 a título de retroactivos), verificando-se que no mês de Abril de 2015 terá de pagar o valor de € 147,85 (concluindo, por esta via, o pagamento dos retroactivos) e a partir do mês de Maio será devido somente o valor da renda actualizada (tudo isto sem prejuízo dos montantes que entretanto venham a ser devidos nos termos da actualização prevista no artigo 1077.º do Código Civil e 24.º do NRAU).
Finalmente, de acordo com o disposto no artigo 19.º-A n.º 5 do Decreto-Lei 266-C/2012, o arrendatário responde pelos danos que culposamente causar ao senhorio se não remeter, ao mesmo, o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar relativo a 2012 no prazo previsto no n.º 2, determinando o n.º 6 do mesmo artigo que “o valor da indemnização não pode ser inferior a seis meses de renda, calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.”
Perante tal, é ainda devida à nossa constituinte o pagamento do montante de 733,02 (€ 122,17 x 6 meses) a título de indemnização, montante este que solicitamos que seja pago até ao dia 01.01.2014.
13. Foi, ainda, remetida à esposa do réu cópia da mencionada carta.
14. Em resposta àquela carta, veio o réu remeter nova carta à autora, registada a 20.11.2013, da qual decorre o seguinte: “(…) oportuna e tempestivamente, requeri ao competente serviço de finanças emitissem tal declaração comprovativa relativa ao RABC, conforme dei nota a V. Exas. No entanto, a mesma ainda não me foi passada, e, nos termos legais, os comprovativos emitidos antes de 15 de Julho (o qual remeti a V. Exa), mantém a sua validade.
Na prática, para beneficiarem deste regime de exceção, os inquilinos eram obrigados a comprovar que o seu agregado auferia um RABC inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), mas a verdade é que, até aqui, apenas era possível juntar o comprovativo do pedido desta declaração às Finanças, uma vez não existir um modelo próprio para o efeito.
Efectivamente, o cálculo do RABC é feito pelas Finanças, a partir da informação que lhe é fornecida pelas declarações de IRS das pessoas em causa. No entanto, RABC e IRS são coisas distintas, e reitero que o meu RABC ainda não me foi fornecido pelas Finanças.
De qualquer forma, e para que dúvidas não subsistam, procedi novamente ao pedido, e nesta data, uma vez que já estão definidos os modelos próprios de tal requisição.
Igualmente informo mais uma vez, e nos termos legais que, quando o inquilino invoca carência económica, o senhorio não pode actualizar a renda até que as Finanças emitam a declaração com o RABC do agregado familiar daquele, o que reitero, ainda não se verificou.
A indemnização pretendida por V. Exa. só seria devida se não se vier a comprovar tal situação.
Assim sendo, a renda vigorará pelo período de cinco anos, findo o qual o é que poderá ser actualizada por vossa iniciativa.”
15. Com a dita carta, o réu não juntou nenhum documento.
16. A renda na importância de € 17,50 sempre foi paga tempestivamente pelos RR., sendo ultimamente através de transferência Bancária.
17. Os RR., com a anuência do primitivo senhorio e da A., foram sempre quem, a expensas suas, levaram a cabo a obras no locado, concretamente as seguintes:
• Colocação de telhado novo e respectiva armação;
• Colocação de alcatifas, portas e janelas em alumínio lacado;
• Pinturas no exterior e no interior da habitação;
• Colocação de caleiras, canos e estores.
• Colocação de tijoleira, azulejos na cozinha e também no quarto de banho e escadarias;
• Construção de fogão de sala (na cozinha)
• Pagamento dos ramais de água à F... e toda a demais instalação inerente;
• Instalação de águas quente e fria no interior e exterior da habitação.
18. Os RR., a expensas suas, procederam à reconstrução de um anexo e coberto (aido) no exterior do locado.
19. As obras enunciadas em 17 e 18 foram avaliadas em € 12.072,37, acrescido de IVA, sendo discriminadas da seguinte forma:
1. Obras no interior
1.1. Execução da cobertura em madeira de eucalipto e fornecimento e colocação de telhas cerâmicas, incluindo caleiras nos alçados principal e poente e inerentes tubos de queda em PVC, com as dimensões de 7,20mx70, no valor total de € 4.200;
1.2. Execução da cobertura do anexo e coberto em chapa metálica, tipo ERFI, no valor total de € 687,12;
1.3. Execução de pavimento em pedra irregular de mármore (passeio/acesso pedonal à habitação/escadaria), no total de € 189,12;
1.4. Execução do revestimento, em material cerâmico, da escadaria e patamar, no alçado posterior, no total de € 133,92;
1.5. Execução do revestimento, em material cerâmico, das paredes da escadaria e patamar, no alçado posterior, no total de € 85,35;
1.6. Pintura das paredes exteriores da habitação, incluindo beirais, com tinta plástica e duas demãos, no montante global de € 343,04;
1.7. Execução do ramal de abastecimento de água, em PPR, com o diâmetro de 32mm, numa extensão de 22 metros, no total de € 165,00;
1.8. Fornecimento e colocação de sete janelas exteriores, em alumínio lacado branco, com vidro simples, nos vãos de todos os compartimentos, no total de € 850,00;
1.9. Fornecimento e colocação de duas portas exteriores, em alumínio lacado branco, nos acessos da sala e cozinha, no total de € 528,00;
1.10. Fornecimento ecolocação de seis estores plásticos, em lâminas, brancos, nos vãos de iluminação (janelas), no total de € 236,60.
2 – Obras no Interior
2.1. Pintura de paredes interiores, com tinta plástica e em duas demãos, no valor de € 808,08;
2.2. Pintura de tectos interiores, com tinta plástica e em duas demãos, no total de € 274,56;
2.3. Revestimento de paredes interiores (cozinha e banho) em material cerâmico, no total de € 690,00;
2.4. Revestimento de tecto do quarto principal em placagem de material plástico ornamentado, no total de € 198,00;
2.5. Revestimento de paredes interiores, em placagem de cortiça, no quarto principal, no total de € 448,11;
2.6. Revestimento de pavimentos em material cerâmico, na cozinha e banho, no total de € 295,40;
2.7. Revestimento de pavimentos, em alcatifa, nos quartos, sala e corredor, no total de € 356,92;
2.8. Fornecimento e instalação dos equipamentos sanitários (sanita, lavatório e duche), no total de € 160,00;
2.9. Execução de tubagens, em inox, da rede de abastecimento de água e inerente rede de saneamento, no total de € 400,00;
2.10 Construção de um “fogão de sala” na cozinha, em tijolo cerâmico maciço, no total de € 550,00.
3. Anexo + Coberto
3.1. Pintura de paredes interiores, com tinta plástica e em duas demãos, no valor global de € 233,10;
3.2. Revestimento de paredes interiores em material cerâmico, no total de € 94,65;
3.3. Revestimento de pavimentos, em material cerâmico, do anexo e coberto, no valor total de € 144,60.
20. Os Réus depositaram na “E...” no dia 3 de Março de 2014 à ordem do Tribunal e a favor da Autora a quantia global de € 785,02, sendo a quantia de € 523,35, correspondente ao somatório do valor das rendas reclamadas na carta recebida em Novembro de 2013 e referentes aos meses de Novembro de 2013 a Março de 2014, acrescida da indemnização de € 261,67.
21. Em 7 de Fevereiro de 2013 o Réu marido solicitou ao Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira 2 uma declaração onde se constatasse qual o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar, esclarecendo que tal informação destinar-se ia à sua senhoria e para efeitos dos arts. 35.º e 36.º do NRAU.
22. O Réu marido requereu em 20/11/2013 novamente à AT tal documento.
23. Em 20 de Novembro de 2013 a Autoridade Tributária emite uma certidão, na qual declara que, no ano fiscal de 2012, o valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do agregado familiar dos Réus é de € 4.245,22 (Inferior a 5 Retribuições Mínimas Nacionais Anuais – RMNA -, pelo que se enquadra na protecção prevista na alínea a) do n.º 4 do art. 31.º e no art. 35.º ou no n.º 7 do art. 36, da Lei n.º 6/2006, de 22 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela
Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto).
24. Os Réus têm no locado a sua residência permanente há mais de quarenta anos.
IV. Razões de Direito
- da resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda actualizada
A Recorrente vem insurgir-se contra a sentença proferida, por entender que o R. não diligenciou como lhe competia por obter a declaração do RABC, que a partir de dada altura só dele estava dependente, não tendo por isso cumprido o disposto no art.º 32.º n.º 2 do NRAU o que determina que não possa socorrer-se de tal excepção para se opor à actualização extraordinária da renda e à passagem do contrato para o novo regime.
Entendeu a sentença sob recurso que não pode concluir-se que o prazo previsto na aludida norma tenha sido ultrapassado por facto imputável ao R., por o mesmo só ter obtido tal comprovativo da Autoridade Tributária a 20/11/2013.
O novo regime do arrendamento urbano (NRAU) consta da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, que tem vindo sofrer diversas alterações, não tendo o legislador deixado de estabelecer as normas transitórias aplicáveis aos contratos de arrendamento celebrados em momento anterior à sua vigência.
Pretendeu o legislador logo em 2006 com a introdução do NRAU, fazer face às rendas baixas praticadas nos contratos mais antigos, por considerar que de tal facto decorria a principal razão da degradação dos imóveis nos centros urbanos. Lê-se na Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano: “Com efeito, tem sido o congelamento das rendas que tem impossibilitado a renovação e requalificação urbana (…). Em relação aos contratos de arrendamento anteriores a 1990 e relativamente aos arrendamentos comerciais anteriores a 1995, trata-se de uma reforma que visa permitir ao proprietário a valorização do seu património e ao inquilino viver numa habitação condigna.
Com a Lei 31/2012 de 14 de Agosto, o legislador veio introduzir alterações significativas ao NRAU, continuando a prever a possibilidade dos senhorios nos contratos mais antigos procederem à actualização das rendas, ainda que observando os limites nela estabelecidos destinados à protecção dos arrendatários, designadamente dos mais velhos ou em situação económica e financeira mais débil, não sendo alheia a importância que foi dada às negociações e possibilidade de acordo das partes, quer na definição da renda actualizada, quer na transição dos contratos de arrendamento mais antigos para o novo regime.
O art.º 1.º da Lei 31/2012 dispõe quanto ao seu objecto:
“A presente lei aprova medidas destinadas a dinamizar o mercado de arrendamento urbano, nomeadamente:
a) Alterando o regime substantivo da locação, designadamente conferindo maior liberdade às partes na estipulação das regras relativas à duração dos contratos de arrendamento;
b) Alterando o regime transitório dos contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, reforçando a negociação entre as partes e facilitando a transição dos referidos contratos para o novo regime, num curto espaço de tempo;
c) Criando um procedimento especial de despejo do local arrendado que permita a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento.”
Relativamente às normas transitórias, matéria que é a relevante para a situação em presença, importa ter em conta o disposto art.º 27.º do NRAU que com respeito aos contratos com fins habitacionais celebrados antes da vigência do Decreto-Lei 321-B/90 de 15 de Outubro (RAU), dispõe que aos mesmos se aplicam as normas previstas nesse capítulo, onde se inserem os art.º 30.º a 37.º que definem as regras a observar quando o senhorio pretenda usar da faculdade de actualizar a renda e de fazer transitar o contrato de arrendamento para o regime do NRAU.
Estando em causa nos presentes autos um contrato de arrendamento para habitação celebrado em 1974, é nestas normas que vem definida a forma e os limites em que pode ter lugar a actualização da renda e a passagem do contrato de arrendamento para o NRAU e às quais importa atender em primeiro lugar, a fim de se avaliarem os efeitos da actuação da senhoria, quer na actualização da renda do locado, pressuposto do pedido de resolução do contrato de arrendamento que formula, quer na passagem do contrato em questão para o NRAU.
O art.º 30.º do NRAU confere ao senhorio a iniciativa de despoletar a actualização da renda e a passagem do contrato de arrendamento para o regime do NRAU, comunicando-o ao arrendatário com os elementos previstos nesse artigo, o que é condição de eficácia da comunicação.
A esta comunicação deve o arrendatário responder no prazo e nos termos previstos no art.º 31.º, sob pena de, nada dizendo, o seu silêncio valer como aceitação da proposta do senhorio, conforme dispõe o n.º 9 deste artigo. Nas várias opções que que o arrendatário tem ao seu dispor para reagir à comunicação do senhorio destaca-se, em face da questão que se coloca nos presentes autos, a previsão do n.º 4, de acordo com a qual o arrendatário pode invocar perante o senhorio ter 65 ou mais anos de idade ou ter um rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), desta forma podendo limitar os efeitos por aquele pretendidos, nos termos previstos no art.º 35.º e 36.º
De acordo com o art.º 35.º n.º 1, se o arrendatário invoca e faz prova de que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA só havendo acordo das partes é que o contrato passa para o NRAU; na falta de acordo tal transição só ocorre passados 5 anos, podendo contudo a renda ser actualizada nos termos previstos no n.º 2 do art.º 35.º.
Já o art.º 36.º refere-se à invocação e prova pelo arrendatário de que tem idade igual ou superior 65 anos o que, na falta de acordo, obsta à transição do contrato para o NRAU, o que pode ser cumulado com a circunstância de ter também um RABC inferior a 5 RMNA, prevendo-se no n.º 7 que nesse caso a actualização da renda tenha lugar nos termos previstos no art.º 35.º n.º 2.
Estas duas circunstâncias, embora com efeitos diferentes quanto à repercussão que têm na pretensão do senhorio da passagem do contrato para o regime do NRAU, que na falta de acordo é diferida para mais tarde no primeiro caso e inviabilizada no segundo, podem ser invocadas pelo arrendatário em conjunto ou separadamente.
O art.º 32.º vem impor que o arrendatário faça prova junto do senhorio das circunstâncias que alega, dispondo:
“1-O arrendatário que invoque a circunstância prevista na alínea a) do nº 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar.
2-O arrendatário que não disponha, à data da sua resposta, do documento comprovativo referido no número anterior faz acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção.
3-O RABC refere-se ao ano civil anterior ao da comunicação.
4-O arrendatário que invoque as circunstâncias previstas na alínea b) do nº 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta, conforme os casos de documento comprovativo de ter completado 65 anos ou de documento comprovativo da deficiência alegada, sob pena de não poder prevalecer-se das referidas circunstâncias.”
Considerando que na situação em presença foi invocado pelo arrendatário que o seu RABC é inferior a 5 RMNA, importa ainda ter em conta para a apreciação do caso, a regulamentação do Decreto-Lei n.º 158/2006 de 8 de Agosto, diploma que vem aprovar os regimes de determinação do rendimento anual bruto corrigido e a atribuição do subsídio de renda, designadamente o seu art.º 19.º-A, aditado pelo Decreto-Lei n.º 266-C/2012 de 31 de Dezembro, que se transcreve para melhor compreensão:
Artigo 19.º-A Disposições transitórias:
1 - Durante o ano de 2012, o arrendatário pode, na resposta a que se refere o artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, comunicar ao senhorio, para efeitos de invocação de que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, que o agregado familiar, a RMNA e os fatores de correção do RAB relevantes para o apuramento do RABC são os existentes no ano de 2012.
2 - No caso previsto no número anterior, o arrendatário remete obrigatoriamente ao senhorio o documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sob pena de não poder prevalecer-se do regime previsto para o arrendatário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA.
3 - Quando for atualizada, a renda é devida no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação do senhorio com o respetivo valor, havendo lugar à recuperação do aumento do valor da renda que seria devido desde o 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo senhorio, da comunicação feita nos termos do n.º 1, sendo tal valor calculado:
a) De acordo com os critérios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, quando o RABC do agregado familiar do arrendatário for inferior a cinco RMNA;
b) De acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, nos demais casos.
4 - O montante a pagar a título de recuperação do aumento do valor da renda calculado nos termos do número anterior não pode ultrapassar, em cada mês, um valor superior a metade do valor mensal da renda atualizada, salvo acordo entre as partes ou quando se verifique a cessação do contrato, importando esta última situação o vencimento imediato de todo o valor em dívida.
5 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4, o arrendatário responde pelos danos que culposamente causar ao senhorio nos seguintes casos:
a) Se não remeter, ao senhorio, o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar relativo a 2012 no prazo previsto no n.º 2;
b) Se o RABC do seu agregado familiar relativo a 2012 for superior em mais de 20% a cinco RMNA.
6 - Nos casos previstos no número anterior, o valor da indemnização não pode ser inferior a seis meses de renda, calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
7 - As sanções previstas na parte final do n.º 2 e na alínea a) do n.º 5 não se aplicam nos casos em que a falta de remessa, ao senhorio, do documento comprovativo do qual conste o valor do RABC, no prazo aí previsto, não seja imputável ao arrendatário.
8 - Quando o ano civil relevante for o de 2012, o RABC é apurado tendo em consideração a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou de quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, estabelecida pelo artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.
9 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, ao arrendatário que, durante o ano de 2013, invocar que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, enquanto o serviço de finanças competente não puder emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo ao ano de 2012.
10 - Quando o ano civil relevante for o de 2013 ou outro ano posterior em que vigore a suspensão do pagamento do subsídio de férias ou de quaisquer prestações correspondentes ao 13.º mês, como medida excecional de estabilidade orçamental no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira, o RABC relativo ao ano civil relevante nos termos do artigo anterior é apurado tendo em consideração a referida suspensão.”
Tendo presente o regime legal enunciado sumariamente, importa passar ao caso concreto, verificando-se que o R. em 21/02/2013 respondeu à pretensão da A. de actualização da renda e transição do contrato para o NRAU, manifestando o seu desacordo com o valor da renda por ela proposta, mais referindo ter a sua esposa 65 anos de idade e que o seu RABC no ano de 2012 foi inferior a 5 RMNA.
Juntou com a sua resposta documento comprovativo de ter requerido à autoridade tributária a emissão de documento que atestasse este último facto. Deste documento emitido pela autoridade tributária consta a sua validade por 90 dias e que deve ser requerida nova emissão de documento comprovativo do valor do RABC dentro de tal prazo.
A A. veio responder ao R. referindo quanto a esta última questão que aguardaria a remessa do documento solicitado às Finanças para aferir do momento da transição do contrato para o NRAU e do valor da actualização da renda.
Em 07/11/2013 a A. envia nova carta ao R. onde alega que o mesmo não pode socorrer-se do regime excepcional que invocou, pelo facto de não lhe ter remetido comprovativo do RABC apesar de já notificado da liquidação do IRS, não tendo observado o prazo de 60 dias previsto no art.º 19.º- A do Decreto Lei 266-C/2012 de 31 de Dezembro. Mais lhe comunica a transição do contrato para o NRAU considerando o mesmo celebrado pelo prazo certo de 5 anos e procede à actualização da renda para o valor de € 122,17.
Em nova resposta enviada à A. a 20/11/2013 o R. alega que não lhe foi entregue pelas Finanças o documento comprovativo que solicitou, mais referindo que efectuou novamente a tal pedido, tendo em 20/11/2013 a autoridade tributária emitido certidão que declara que no ano de 2012 o RABC do agregado familiar do R. é de € 4.245,22 inferior a 5 retribuições mínimas nacionais, enquadrando-se na protecção legal do art.º 31.º n.º 4.
Os factos revelam que o R. começou por responder à carta da senhoria em Fevereiro de 2013, revelando o seu desacordo com a pretensão por esta manifestada e invocando ter um RABC inferior a 5 RMNA, juntando para o efeito documento comprovativo de ter solicitado às Finanças a certificação de tal facto. Constata-se porém que, se até aí o R. fez tudo bem, cumprindo os ónus que lhe são impostos pela lei, a partir daí nada mais fez no sentido de diligenciar pela obtenção do documento em falta, até ser interpelado por nova carta da senhoria enviada em Novembro de 2013.
Se é verdade que os serviços de Finanças ainda não lhe tinham entregue o documento, que apenas foi emitido a 20 de Novembro de 2013, também é verdade que o R. não voltou a diligenciar pela sua obtenção, não obstante ter sido notificado da liquidação do seu IRS em Agosto de 2013 estando por isso pelo menos a partir daí a autoridade tributária em condições de emitir a declaração, e não podendo deixar de saber, conforme constava do documento inicial, que deveria formular novo pedido de decorridos 90 dias caso a certificação ainda não lhe tivesse sido entregue, constatando-se ainda que o documento lhe foi fornecido pelas Finanças assim que o mesmo diligenciou de novo para esse efeito em 20 de Novembro.
Não podemos assim acompanhar o entendimento do tribunal a quo sobre esta questão, quando conclui que o atraso na emissão do documento comprovativo do RABC não é imputável ao R.
Cabendo ao R. o ónus de comprovar perante o senhorio os factos que invocou, estava o mesmo obrigado a agir de forma diligente na obtenção de tal documento e estar atento aos prazos, tendo a sua conduta omissiva e negligente, determinado o incumprimento dos prazos legais para o efeito, sendo forçoso reconhecer que tal documento podia e devia por ele ter sido obtido em momento anterior.
Conclui-se por isso que o R. podia ter obtido o documento em falta pelo menos no prazo de 60 dias após ser notificado da liquidação do seu IRS, caso tivesse diligenciado novamente junto das Finanças pela sua obtenção, o que também o próprio serviço de finanças o instou a fazer passados 90 dias quando em Fevereiro emitiu o documento referente ao pedido de emissão do comprovativo, sendo-lhe por isso imputável o atraso na obtenção de tal documento, por só o ter pedido de novo depois de ter recebido em Novembro a carta que lhe foi enviada pela A. com a comunicação da renda actualizada e indicação da transição do contrato para o NRAU, pelo facto de não ter comprovado o facto que invocou.
Revelando os factos que o R. não cumpriu os prazos previstos no art.º 32.º n.º 2 do NRAU e 19.º-A do Decreto-Lei n.º 158/2006 de 8 de Agosto para fazer a prova junto da senhoria de que o seu RABC era inferior a 5 RMNA, importa então avaliar quais as consequências que daí resultam para o contrato em questão, em face da comunicação da A. de Novembro de 2013, nomeadamente se, como pretende a mesma, o R. não pode beneficiar do regime legal excepcional que está associado àquela circunstância invocada.
A questão põe-se ao nível da avaliação da preclusão do arrendatário em poder valer-se das circunstâncias excepcionais previstas na lei, caso não as demonstre documentalmente ao senhorio no prazo estabelecido, tal como acontece com a apresentação dos elementos de prova no processo civil, como definido no respectivo Código de Processo Civil.
Na ponderação desta matéria não podemos deixar de ter em conta o que tem vindo a ser a jurisprudência do Tribunal Constitucional, do que se destaca o Acórdão 277/2016 publicado em 14/06/2016 na II série do DR n.º 112/2016, que julgou inconstitucional a norma extraída dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção.
O entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional sobre esta matéria no acórdão referido, é no sentido de que é excessivamente severo e desproporcionado fazer associar ao incumprimento do ónus da prova que compete ao inquilino, as consequências graves que para ele resultam de não poder beneficiar do regime excepcional legalmente previsto, por não ter enviado atempadamente ao senhorio os documentos comprovativos dos factos impeditivos que invocou, quando os mesmos se verificam efectivamente.
Considera-se útil a transcrição de alguns excertos deste Acórdão do Tribunal Constitucional, para melhor compreensão deste entendimento:
“Fica, deste modo, patenteada a importância que, quer o valor do RABC, quer a idade ou o grau de incapacidade do arrendatário têm para a salvaguarda do seu interesse na estabilidade e continuidade do seu direito à habitação anteriormente consolidado na base de um arrendamento celebrado ao abrigo do regime vinculístico e, consequentemente, para a sua autonomia pessoal - interesses esses com expresso reconhecimento constitucional (cf. os artigos 65.º, n.º 3, e 72.º, n.º 1, da Constituição). Assim, e de acordo com a conformação legal da intenção de tutelar as expectativas jurídicas criadas com base no citado regime, perante a opção do senhorio de iniciar o procedimento de transição para o NRAU de tal arrendamento, a proteção daqueles interesses depende da oponibilidade ao senhorio das mencionadas circunstâncias pessoais do arrendatário.
O regime legal dos artigos 30.º e seguintes do NRAU que prevê a troca de comunicações entre o senhorio e o arrendatário em vista da transição para o novo regime prossegue o objetivo precípuo de uma rápida definição do estatuto do contrato. Nesse sentido, compreende-se a imposição de diversos ónus ao arrendatário que seja confrontado com a intenção do senhorio de submeter o contrato ao NRAU e de atualizar a renda comunicada nos termos do artigo 30.º: (…)
A questão que se coloca é a de saber se, atentas as consequências gravosas para os interesses em causa do arrendatário - como, sublinhe-se, o direito à habitação e a proteção à terceira idade (respetivamente, artigo 65.º e artigo 72.º, ambos da Constituição) - e, bem assim, o caráter duradouro e objetivo das situações a comprovar documentalmente (idade, incapacidade e rendimentos anuais brutos), não será excessiva esta aplicação do princípio da preclusão (…)
E, na verdade, a proibição do excesso (ou a proporcionalidade em sentido amplo) tem vindo a ser reconhecido como princípio geral de limitação do poder público, pertinente para sindicar atuações públicas que interfiram, por exemplo, com direitos económicos, sociais e culturais. Tal aponta decisivamente para uma base normativo-constitucional daquele princípio que seja o mais abrangente possível. Nesse sentido, o Acórdão n.º 187/2001, afirmou que «[r]elativamente às restrições a direitos, liberdades e garantias, a exigência de proporcionalidade resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República. Mas o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito. Impõem-se, na realidade, limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projetada ação aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas». (…)
In casu está em causa a aplicação do princípio da preclusão, de origem processual, à possibilidade de o arrendatário, não obstante as ter invocado oportunamente, se prevalecer de certas situações preexistentes, que têm natureza objetiva - porque verificáveis por terceiros e conhecidas das autoridades públicas - e duradoura. É o caso, nomeadamente, do seu rendimento anual bruto, da sua idade ou da sua incapacidade: não sendo tais situações comprovadas documentalmente no momento da resposta a que se refere o artigo 31.º do NRAU, o arrendatário deixa de poder beneficiar do regime substantivo associado à verificação de tais situações, impedindo ou diferindo a transição para o NRAU do seu arrendamento e limitando e condicionando a atualização do valor das rendas. A preclusão em apreço ocorre, não no quadro de um processo judicial, mas de um procedimento negocial desencadeado pelo senhorio e sem que este se encontre vinculado a advertir o arrendatário para as consequências da inobservância daquele ónus de comprovação. Por isso mesmo, devem valer aqui, ainda com mais razão, as exigências que este Tribunal tem vindo a formular a propósito do processo. Com referência ao processo civil, o Acórdão n.º 620/2013 afirmou o seguinte: «Apesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreendente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos (vide, neste sentido, Lopes do Rego, em "Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil", em "Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa", pág. 839 e seg.).» (…)
Uma vez comunicada ao senhorio a idade ou a incapacidade do arrendatário ou o seu rendimento anual bruto, aquele - que até pode ter conhecimento pessoal desses dados (ao menos quanto à idade e à incapacidade, tal até será a situação mais provável, de acordo com a experiência comum) - fica a saber que a sua intenção de fazer transitar o arrendamento para o NRAU, a menos que as alegações do arrendatário sejam falsas, está comprometida ou limitada. Mas nada impediria que, até ao momento em que tais circunstâncias pessoais do arrendatário fossem por este devidamente comprovadas, a transição prosseguisse sob condição. Agindo de boa fé, como é dever de todas as partes contratuais, o arrendatário também tem interesse numa rápida clarificação da situação. O mais tardar, no âmbito do procedimento especial de despejo referido nos artigos 15.º e seguintes do NRAU, a veracidade das alegações do arrendatário teria de ser comprovada, sem prejuízo do dever de compensação de eventuais danos causados pela demora na comprovação daquelas situações objetivas. (…)
A solução consubstanciada na norma objeto do presente recurso revela-se, além disso, desproporcionadamente onerosa para o arrendatário, por comparação com os benefícios que a mesma traz para o senhorio e para o interesse comum. Aliás, estes não seriam excessivamente lesados caso tal norma não vigorasse. Com efeito, o senhorio não perde nem o seu direito a promover a transição para o NRAU nem o direito a eventuais compensações devidas pela demora na efetivação dessa mesma transição. Já o arrendatário que reúna as condições que alega - RABC inferior a cinco RMNA e idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade superior a 60 % - sem as comprovar no momento devido e que até à comunicação da intenção do senhorio de fazer transitar o seu contrato de arrendamento para o NRAU gozava de um direito consolidado ao locado com uma certa renda, fica, por força de tal norma, numa situação muito precária, já que o seu direito à habitação no locado e a garantia de uma renda ajustada ao seu rendimento ficam dependentes da boa vontade do senhorio.”
Não obstante este entendimento do Tribunal Constitucional, se se atentar devidamente na redacção do art.º 32.º n.º 4 do NRAU verifica-se que a cominação aí prevista no sentido do arrendatário não poder prevalecer-se das circunstâncias que alega se não fizer acompanhar a sua resposta ao senhorio dos documentos que as comprovem, se circunscreve ao facto do mesmo ter 65 ou mais anos de idade ou deficiência, sendo deixada de fora a situação da comprovação do RABC.
Na situação em presença, está apenas em causa a alegação pelo arrendatário da sua condição económica e do valor do seu RABC. Embora tenha sido alegado pelo arrendatário, na resposta enviada à senhoria, que a sua mulher tinha 65 anos de idade, não se apurou que a mesma também fosse arrendatária, sendo o regime de excepção legalmente previsto dirigido às condições do arrendatário e não se estendendo pela sua excepcionalidade a outros elementos do agregado familiar. Por outro lado, a circunstância do R. ter entretanto cumprido os 65 anos de idade, como alega na presente acção, também não assume relevância, uma vez que o que importa ponderar são as circunstâncias existentes à data da recepção da comunicação do senhorio, que no caso foi em Janeiro de 2013.
Ao distinguir no art.º 32.º do NRAU as duas situações, não retirando os mesmos efeitos da falta de prova pelo arrendatário da sua situação económica, daqueles que retira da falta de prova da sua idade ou incapacidade, prevendo neste artigo apenas quanto a estas circunstâncias que o arrendatário que não cumpra o envio atempado do documento comprovativo não possa socorrer-se das mesmas, o legislador terá considerado o diferente grau de dificuldade burocrática na obtenção dos documentos necessários pelo arrendatário.
É verdade que o já mencionado art.º 19.º-A do Decreto-Lei 158/2006, aplicável ao caso por força do seu n.º 9.º, prevê que caso o arrendatário não envie ao senhorio o documento comprovativo do seu RABC no prazo de 60 dias a contar da liquidação do seu IRS de 2102, não possa prevalecer-se de tal regime excepcional. Contudo esta norma apresenta-se, para além de desproporcionada pela gravidade dos efeitos que prevê em conformidade com a mencionada jurisprudência do Tribunal Constitucional, em contradição com o art.º 32.º do NRAU que distingue as duas situações.
Tal como entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/10/2016 no proc. 1046-14.7TJLSB.L1-6 in. www.dgsi.pt: “Tal cominação prevista no nº2 do artigo 19º-A, porém – para além de ser contraditória com a do regime geral do artigo 32º nºs 1 e 2 do NRAU, apesar de respeitar aos primeiros anos de vigência de vigência do NRAU, com as dificuldades acrescidas para o arrendatário – é também contraditória com a penalização prevista nos nºs 5 e 6 do mesmo artigo 19º-A. Para ultrapassar a contradição entre o nº2 e os nºs 5 e 6 do artigo 19º-A, deverá então interpretar-se restritivamente o primeiro, no sentido de que o arrendatário que, fora do prazo legal, venha a comprovar que o seu RABC do ano de 2012 foi inferior a 5 RMNA, deverá beneficiar do regime do artigo 35º nº1 do NRAU, sem que o senhorio possa denunciar livremente o contrato durante 5 anos, podendo ainda invocar os limites do aumento de renda que constam na alínea c) do nº2 do mesmo artigo, mas sujeitando-se, neste último caso, a pagar ao senhorio a indemnização prevista nos nºs 5 e 6 (cfr neste sentido Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano anotado, 3ª edição, páginas 147 a 149).”
Prevendo-se no n.º 5 e 6.º do referido art.º 19.º-A que o arrendatário é responsável pelos prejuízos que venha culposamente a causar ao senhorio com a omissão da remessa do documento comprovativo do valor do RABC relativo a 2012 no prazo de 60 dias previsto no n.º 2, serão estas as consequências do seu incumprimento, sendo excessivamente gravoso e desproporcionado fazer acrescer a estes efeitos a circunstância do mesmo não se poder prevalecer do regime excepcional do art.º 35.º do NRAU, o que terá de se desconsiderar quando objectivamente se verifique que está em condições de dele poder beneficiar, não estando tal cominação sequer prevista no art.º 32.º n.º 2 do NRAU para esta situação como está para a situação da idade e incapacidade.
Tal art.º 19.º-A corresponde aliás a um regime transitório, pelo que seria estranho admitir-se que este pudesse vir ser mais gravoso do que o regime geral previsto no art.º 32.º do NRAU que contradiz.
Tendo ficado provado que o RABC do agregado familiar do R. em 2012 foi inferior a 5 RMNA, considera-se não terem ficados precludidos os direitos que lhe são atribuídos pelo art.º 35.º do NRAU, não obstante o mesmo não tenha feito prova desse facto perante o senhorio no prazo legalmente previsto, circunstância que apenas pode determinar que venha a ter que indemnizar o senhorio pelos prejuízos causados, de acordo com o referido.
Nestes termos, a actualização da renda para o valor de € 122,17 e a passagem imediata do contrato para o regime do NRAU que foi comunicada pela senhoria ao R. em Novembro de 2017 fica prejudicada em face das limitações previstas no mencionado art.º 35.º do NRAU, não podendo consequentemente dizer-se que está em falta o pagamento das rendas devidas susceptível de poder sustentar a pretendida resolução do contrato de arrendamento.
Ainda que por diferentes fundamentos dos considerados na sentença sob recurso, mantém-se a decisão nela proferida.
A improcedência do recurso nesta parte, determina que fique prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional e consequentemente o conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto apenas com ele relacionada.
- da litigância de má fé dos RR.
Discorda a Recorrente da decisão do tribunal a quo que entendeu não condenar os RR. como litigantes de má fé invocando a sua falta de fundamentação e reiterando que os RR. deturparam os factos.
A este respeito, a sentença recorrida após enunciar o regime legal da litigância de má fé e interpretar as normas que a regulam, pronunciou-se nos seguintes termos:
“Em suma, a má-fé pressupõe essencialmente uma intenção de alterar a verdade dos factos e não a mera circunstância de a parte não ter provado os factos constitutivos do direito que alega. Logo, se o Tribunal conclui apenas pela falta de razão da parte numa acção esta situação não poderá ser considerada como sinónimo de má-fé, se nada nos autos inculcar, de uma forma clara e sem margem para dúvidas, que aquela teve uma tomada de posição incorrecta em termos processuais.
No caso em análise não se vislumbra nenhum comportamento por parte dos Réus/Reconvintes passível de constituir litigância de má-fé, pelo que os mesmos serão absolvidos do referido pedido.”
Quanto à invocada nulidade da decisão sobre a litigância de má fé por falta de fundamentação, é patente que a mesma não se verifica.
O art.º 615.º n.º 1 do C.P.C. estabelece que a sentença é nula quando, entre outras situações: b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta alínea b) surge na sequência do dever de fundamentação que se impõe ao juiz, nos termos do art.º 154.º do C.P.C., e reporta-se à ausência de fundamentação de facto e de direito que suportam a decisão. As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação.
Tem vindo a ser entendido, de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação é cominada com tal nulidade, que não se basta com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, vd. neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/07/2008, no proc. 08A2179, in. www.dgsi.pt.
No caso, a decisão recorrida, embora de uma forma que não pode deixar de reconhecer-se como algo genérica na parte em que se reporta à subsunção dos factos ao direito referindo-se ao comportamento dos RR. no processo, está fundamentada, embora os elementos de facto que são levados em conta, não sejam individualizados especificadamente, bem como são invocadas as normas jurídicas aplicáveis, com indicação dos artigos do Código de Processo Civil que são considerados na decisão e a interpretação que é dada aos mesmos não se verificando por isso a violação do art.º 154.º do C.P.C.
Regista-se aliás que genérico foi também o pedido formulado pela A. de condenação dos RR. como litigantes de má fé apresentado na sua réplica, no sentido em que a mesma não concretiza sequer a norma que considera aplicável, ao comportamento dos RR., designadamente não se referindo a qualquer das alíneas do art.º 542.º n.º 2 do C.P.C., nem conclui pelo caracter doloso ou gravemente negligente, de tal comportamento.
Não há por isso nulidade da decisão por falta de fundamentação.
Vejamos então se pode dizer-se que os RR. litigam de má fé, invocando a A. que os mesmos faltam à verdade quando dizem que lhe enviaram a 20/11/2013 o comprovativo do RABC, quando ficou provado que não foi enviado, quando referem que invocaram que tinham 65 anos, quando tal foi invocado apenas quanto à R. mulher, verificando-se ainda que não comunicaram previamente à A. a realização de obras no locado, contrariamente ao que alegam.
O exercício dos direitos de acção e de defesa em juízo têm como corolário a existência de deveres de conduta para as partes que os exercem.
O art.º 542.º n.º 1 do C.P.C. dispõe que: “Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.” Acrescenta o n.º 2 deste artigo que: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
O acesso ao direito é constitucionalmente protegido e vem consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Por seu turno o art.º 2.º do C.P.C., vem fazer eco de tal princípio, com a epígrafe “garantia de acesso aos tribunais” que no seu nº 1 dispõe: “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito a obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie com a força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo.” A necessidade do contraditório prevista no art.º 3.º dá à parte contra quem é intentado o processo, a garantia de que a ele é chamada para deduzir oposição
Contudo, estes direitos têm como corolário a existência de deveres de conduta para as partes que exercem o direito a propor uma acção ou o direito de defesa, podendo falar-se de abuso de direito quando a parte deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
O instituto da litigância de má fé pretende levar as partes a cumprirem tais deveres, sancionando quem não o faça, na prossecução do que não pode deixar de considerar-se uma boa administração da justiça.
A litigância de má fé pode levar à aplicação de duas sanções autónomas: multa e indemnização à parte contrária se tal for requerido pela parte, conforme dispõe o art.º 542.º n.º 1 do C.P.C., mais se prevendo no n.º 2 deste artigo que a litigância de má fé deve ser sancionada não só quando a mesma é dolosa, mas também quando revela negligência grave.
A al. b) do n.º 2 do art.º 542.º como já se viu, refere-se à alteração da verdade dos factos pela parte ou omissão de factos relevantes para a decisão, norma que se supõe ser aquela a que a A. entende ser subsumível a conduta dos RR.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/01/2011, in. www.dgsi.pt diz-nos sobre este conceito de alterar a verdade dos factos que este significa que: “a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é (…) estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo porque ela pugnara.
Não é pelo facto de não terem ficado provados os factos que a parte alegou que pode dizer-se que litigou de má fé sendo que esta também não se confunde com a improcedência da acção.
Passando ao caso concreto, quanto ao envio do comprovativo do RABC à A. em 20/11/2013 é um facto alegado pelos RR. no art.º 31.º e 32.º da sua contestação, tendo porém resultado provado que com a carta que enviaram à A. nessa data não foi junto qualquer documento. Se se atentar no teor de tal carta, cuja cópia está junta aos autos e conforme consta do ponto 14 dos factos provados, nela o R. refere que o documento em questão não lhe foi ainda fornecido pela finanças e que procedeu nessa mesma data à formulação de novo pedido de emissão- isto mesmo é também referido pelo RR. no art.º 30.º da contestação.
Quanto a este facto, regista-se também que efectivamente aquele documento certificativo foi emitido pelas Finanças precisamente no dia 20/11/2013, conforme resultou provado e consta do documento também junto aos autos.
Não podendo deixar de reconhecer-se alguma contradição entre aqueles factos alegados e o que veio a resultar provado, quanto ao envio de um documento com aquela carta, afigura-se que a mesma resulta, por um lado, de uma alegação feita na contestação mais confusa e pouco clara quanto, e por outro lado da circunstância do certificado do RABC ter sido emitido pelas Finanças nesse mesmo dia 20/11 em que foi enviada a carta aos RR.
Do mesmo modo que os RR. alegam que enviaram tal documento, alegam também que na carta que enviaram à A. a informaram que tinham feito novo pedido nas Finanças para a emissão do documento em falta, o que é totalmente contraditório com aquele facto.
Considera-se por isso que a alegação em causa se apresenta como contraditória com outros factos também alegados, o que impede que se diga que houve uma negligência grave ou que com a mesma os RR. quiseram dolosamente alterar a verdade dos factos, como é exigência da condenação da litigância de má fé.
Já quanto à situação dos RR. terem referido no art.º 36.º da contestação que invocaram e provaram que tinham mais de 65 anos, importa ter em conta que se é verdade que na resposta que enviaram à A. em Fevereiro o factor da idade foi invocado apenas em relação à R. mulher, verifica-se que na carta que enviaram à A. em Novembro, cuja cópia foi junta aos autos pela A. com a petição inicial, já invocam que ambos têm mais de 65 anos. Naquele art.º 36.º da contestação os RR. não localizam no tempo a invocação em causa, nem a reportam à primeira resposta, não podendo por isso dizer-se que alteraram a verdade dos factos com tal alegação.
Finalmente quanto à questão da comunicação das obras realizadas no locado à A. constata-se que tal facto foi tido como não provado na decisão de facto, na al. a) dos factos não provados.
Contudo, como já se referiu a circunstância da parte não lograr fazer a prova do factos que alega não permite concluir que alterou a verdade dos factos, ainda para mais de forma dolosa ou gravemente negligente.
Em conclusão, não pode dizer-se que o comportamento dos RR. no processo foi dirigido de forma dolosa ou gravemente negligente à alteração da verdade dos factos, que os mesmos fizeram um uso manifestamente reprovável dos meios processuais deduzindo oposição cuja falta de fundamento não ignoravam ou que usaram o seu direito de defesa de forma arbitrária e por meio de falsidades, em desrespeito da função jurisdicional, não merecendo nesta parte censura a decisão recorrida que não considerou preenchidos os requisitos legais da litigância de má fé.
IV. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto pela A. totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, ainda que por fundamentos diferentes.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Porto, 13 de Junho de 2018
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva