Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1256/19.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
NULIDADE DA CLÁUSULA
ACIDENTE PESSOAL
DOLO
CONDUTA NEGLIGENTE
Nº do Documento: RP202110071256/19.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Um denominado “perito” de uma seguradora é uma mera testemunha cuja perceção é, em regra, indireta e possui um interesse maior ou menor na decisão da causa.
II - Num contrato de seguro de acidentes pessoais, que expressamente incluiu a actividade não profissional nas condições particulares, deve ser considerada nula uma cláusula que “esvazie o objecto do contrato”, limitando a indemnização à actividade profissional.
III - Para que um acidente pessoal possa ser qualificado como doloso é necessário que a conduta e o resultado concreto tenham sido visados pelo lesado, não sendo suficiente a mera possibilidade de determinada conduta causar aquele dano.
IV - O padrão valorativo da diligência deve ser o de uma pessoa (em igualdade de género) com um comportamento razoável, determinado por uma valoração social, e tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto.
V. Não se deve qualificar como conduta negligente grave o acto do segurado que, no decurso de um incêndio que ameaça a sua casa, opta por se dirigir na direção de um carro de bombeiros situado a curta distância, quando as chamas se situam apenas de um dos lados e com 1 metro de altura, mesmo que ele tenha vindo a falecer nesse local.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º N .º 1256/19.0T8PNF.P1

Sumário:
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1. Relatório
A Autora, B…, na qualidade de cabeça de casal da herança de C… instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra a Ré, “D… – Companhia de Seguros, S.A.”, peticionando a sua condenação a pagar-lhe, enquanto cabeça de casal, o montante de €51.500,00, sendo €50.000,00 a título do dano morte e €1.500,00 pelas despesas de funeral por acidente, acrescido de juros contados desde a data da participação do sinistro até efetivo e integral pagamento; a quantia de €10.000,00, a título de danos morais sofridos com a insistente exclusão de responsabilidade por parte da Ré.
Alega, em síntese, que a 30 de setembro de 2017, em hora não concretamente determinada, começou a deflagrar um incêndio nas imediações da habitação e terreno do falecido C….
Ao tentar procurar auxílio e controlar as chamas, de forma a proteger a sua propriedade, o C… foi apanhado pelo fogo, o que levou à sua morte por carbonização.
O falecido tinha celebrado com a Ré um contrato de seguro do ramo acidente pessoais, que abrangia o risco de morte.
A morte daquele ocorreu devido a causa súbita, externa, violenta e alheia à vontade do tomador do seguro, da pessoa segura e do beneficiário.
A Ré, veio contestar dizendo que o comportamento do segurado não foi um acontecimento de caráter súbito, externo e imprevisível, foi uma ação voluntária de combate a um incêndio em que o falecido caminhou em direção ao fogo – foi uma conduta voluntária, que envolveu ação, esforço físico do sinistrado para se colocar na situação em que ocorreu a sua morte.
O ISSS, IP deduziu pedido de reembolso que, após ampliação, atinge €8.076,61, sendo de €1.263,96, a título de subsídio de morte e de €6.812,65 a título de pensões de sobrevivência.
A Ré, na contestação ao pedido de reembolso, refere que o mesmo deve improceder já que a Ré é demandada na presente ação por força do contrato de seguro de acidentes pessoais, titulado pela apólice nº ………., mas não em termos de contrato de seguro de acidentes de trabalho ou de responsabilidade civil aquiliana ou pelo risco.
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Por despacho proferido a fls. 76, foi admitida a intervenção principal provocada dos filhos do falecido e da Autora, E… e de F… como seus associados.
Foi saneado o processo e após instrução e julgamento proferida decisão que condenou a ré a pagar a quantia de €51.500,00, sendo €50.000,00 a título do dano morte e €1.500,00 pelas despesas de funeral por acidente, acrescido dos juros legais, desde a citação até integral pagamento. b) absolver a Ré do restante pedido deduzido pela Autora e Intervenientes. c) absolver a Ré do pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social I.P.
Inconformada veio esta recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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2.2. A apelante D…, apresentou, as suas conclusões, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos seguintes termos:
1. Considera que os factos nºs 8 e 9 não devem ser considerados provados com base nas considerações da prova testemunhal que indica (conclusões 1 a 18) Além disso:
“19 - Concatenando esta prova testemunhal com a prova documental existente, temos que a redacção deste ponto 9 do elenco dos factos provados tem que passar a ser a seguinte: 9 – O falecido introduziu-se no interior do povoamento florestal e caminhou, sem nada na mão, em direção ao incêndio, sendo que na parte ainda visível junto do caminho, as chamas tinham cerca de um metro de altura.
20 – Realidade que, para além deste depoimento, também o documento nº 3 da PI – Auto de Notícia da GNR – em que expressamente se diz o seguinte: “num total de 51 elementos com 15 meios envolvidos para uma área ardida de 2 hectares” … “apareceu uma senhora bastante aflita dizendo que o seu pai ainda antes da chegada dos bombeiros ao local caminhou na direcção do incêndio introduzindo-se no interior do povoamento florestal até não mais ser visto” determina.
21 – Tal como o RELATÓRIO DE OCORRÊNCIA junto na sessão de julgamento pela testemunha G…, comandante dos bombeiros, denominado em que se diz claramente o seguinte: “No teatro de operações verificou-se um incêndio florestal que se desenvolvia com muita intensidade consumindo mato e eucaliptos”
22 - Aqui chegados, com as pretendidas alterações dos pontos da matéria de facto que se vem de assinalar, baseadas na única prova credível produzida quanto ao circunstancialismo do evento temos que tudo demonstra que foi o falecido C… o único responsável pela sua própria morte.
23 - Resultou única e exclusivamente de um acto claro da sua vontade, de uma acção deliberada por si tomada e não de qualquer acidente e sem que para tal concorressem qualquer estado de necessidade desculpante como ir buscar auxílio ou um hipotético carro de bombeiros (como se, caso o mesmo efectivamente existisse, estivesse disponível e operacional e o falecido o soubesse utilizar….)
24 – Ou seja, são plenamente actuantes ambas as cláusulas de exclusão invocadas pela Apelante consagradas nas alíneas b) e g) do ponto 4.1 do Art. 2º. das Condições Gerais de fls. l , em que se diz:
4. EXCLUSÕES APLICÁVEIS A TODAS AS COBERTURAS 4.1. Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as
seguintes situações: (…) b) Ações ou omissões dolosas ou grosseiramente negligentes praticadas pela Pessoa Segura, Tomador do Seguro ou Beneficiários, bem como por aqueles pelos quais sejam civilmente responsáveis; (…) g) Ações ou omissões que envolvam perigo iminente para a integridade física ou saúde da Pessoa Segura, que não sejam justificados pelo exercício da profissão;
25 - Entrar pelo povoamento florestal em chamas adentro, entrar ou.caminhar em direção ao fogo, como se tem que ter por apurado, é uma ação dolosa ou, no mínimo, grosseiramente negligente.
26 - É, além disso, uma acção que acarreta um perigo eminente para a integridade física e saúde de quem a pratica, como sucedeu ao infeliz C…, sem que se haja apurado qualquer afazer profissional do mesmo que a justificasse – pelo contrário, o que se apurou e foi alegado era que se tratava de um mero particular a tentar defender a sua propriedade.
27 – O que determina que, respeitando o clausulado contratual, deve a Apelante ser absolvida de todos os pedidos.
28 – Mas, mesmo que se entendesse que não se deve alterar a decisão da matéria de facto como proposto, ainda assim, dizia-se, deve a Apelante ser absolvida, pois que antes sequer de equacionarmos a questão da aplicabilidade das cláusulas de exclusão cabe aferir se estamos ou não perante um evento enquadrável nas garantias da apólice contratada.
29 – E, salvo o devido respeito, não estamos. A Apelante responde apenas por ter contratado um seguro de acidentes pessoais.
30 - Nas Condições Gerais de tal seguro constam expressamente os seguintes dizeres: ARTIGO 1º DEFINIÇÕES Neste seguro entende-se por: Acidente: O acontecimento de caráter súbito, externo e imprevisível para o Tomador do Seguro, Pessoa Segura e Beneficiário, que cause à Pessoa Segura lesões corporais, invalidez permanente, incapacidade temporária ou morte, verificadas clinicamente.
31 – Num quadro em que está a deflagrar um incêndio nas imediações da habitação e terreno do falecido, este, por vontade própria e antes da chegada dos bombeiros, sair da sua casa e dirigir-se a uma serração e, para o efeito, introduzir-se no interior do povoamento florestal e caminhar, sem nada na mão, em direção à serração quando o fogo deflagrava do lado esquerdo do caminho, atento o sentido de marcha do falecido, quando as chamas tinham cerca de um metro de altura vindo a falecer por ser apanhado pelo fogo não é um acontecimento súbito nem externo e muito menos imprevisível para o sinistrado.
32 - Trata-se de uma acção perfeitamente pré-determinada, que envolveu esforço físico e mental a executar, nada tendo de eventual, ocasional e muito menos de imprevisível.
33 - Pelo que, e à luz dos critérios do contrato, não estamos sequer perante um acidente, pelo que não é o mesmo nem as suas garantias acionáveis – o que é imposto pela adequada exegese de tais dizeres contratuais e pela consideração do significado usual, corrente de acidente - algo de imprevisto, uma ocorrência inesperada, um acontecimento negativo inesperado, que provoca danos, prejuízos, feridos ou mortos (cfr. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/acidente [consultado em 14-12-2020].
34 – O que, de resto, a própria Apelada aceita (e como não) ao invocar nos Arts. 38º e 39º da Douta PI, analisando a Cláusula 1ª das condições Gerais à luz dos ensinamentos de José Vasques, que “O conceito de acidente (…) parece dever constituir-se a partir dos seus elementos integradores, isto é: a lesão há-de consubstanciar-se na invalidez (parcial ou total) ou na morte, e resultar de um evento involuntário, externo, violento e súbito.”
35 – O oposto do que se verificou nos autos, em que houve um comportamento doloso, voluntário, de entrar num incêndio, num povoamento florestal em chamas ao que se deu por provado para ir buscar equipamentos ou meios de auxílio para ajudar a combater o incendio, caso tal se tornasse necessário.
36 – Tal implicou uma férrea decisão e execução da mesma – numa acção prolongada em que o falecido caminhou largas dezenas de metros por um caminho através do qual penetrou no povoamento florestal em que decorria o incêndio.
37 – Mesmo que se entendesse não alterar a decisão da matéria de facto, uma adequada interpretação das cláusulas contratuais de exclusão impõe que sejam operantes no caso dos autos as alíneas b) e g) do ponto 4.1 do Art. 2º das Condições Gerais -
38 – É que, o comportamento do sinistrado – que no caso será apenas o seguinte: está a deflagrar um incêndio nas imediações da habitação e terreno de uma pessoa, a mesma, por vontade própria e antes da chegada dos bombeiros, sair da sua casa e dirigir-se a uma serração (para ir buscar equipamento ou auxílio) e, para o efeito, introduzir-se no interior do povoamento florestal e caminhar, sem nada na mão, em direção à serração quando o fogo deflagrava do lado esquerdo do caminho, atento o sentido de marcha do falecido, quando as chamas tinham cerca de um metro de altura vindo a falecer por ser apanhado pelo fogo é uma actuação que se tem que considerar preencher claramente as previsões das alíneas b) e g) do ponto 4.1 do artigo 2º das Condições Gerais da Apólice Contratada.
39 - Tal actuação é, à luz de quaisquer critérios, perfeitamente dolosa ou, no mínimo, de uma negligência grosseira, consubstanciadora de uma temeridade a todos os títulos censurável e injustificável – preenchendo a hipótese da alínea b) de tal cláusula.
40 - E, além disso, sempre estaremos perante uma acção que envolveu (como infelizmente se verificou) gravíssimo e eminente perigo para a integridade física ou saúde da Pessoa Segura (O falecido C…) acção esta que, manifestamente não foi justificados pelo exercício da profissão, (agiu, como alegado pelos AA., com vista a defender a sua propriedade, como mero particular que era) assim se preenchendo a hipótese da alínea g) de tal cláusula contratual.
41 - Ao decidir diferentemente, a Mma. Juiz a quo interpretou erradamente e com isso violou as normas contratuais supra referidas bem como os Arts. 238º, 406º e 762º CCiv.
42 - Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Apelante de todos os pedidos formulados”.
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2.2. A autora e intervenientes contra-alegaram, cujo restante teor se dá por reproduzido e se sumariam, nos seguintes termos:
3. As alegações da Ré são manifestamente infundadas.
4. A Ré entende que deveria ser tido relevado o depoimento da testemunha H…. (…), a referida testemunha é perito averiguador, contratado pela Ré em junho de 2020 (quando o sinistro ocorreu em setembro de 2017), que não falou com ninguém sobre o sinistro – nem com GNR’s, nem com Bombeiros, nem com jornalista alguma – absolutamente ninguém!
6. O seu testemunho reduziu-se a afirmar que viu um vídeo na internet onde uma jornalista da … supostamente entrevista um sujeito que diz ser Presidente da Junta de Freguesia (mas que a testemunha nem isso sabe) e que este afirma que a vítima esteve a falar com o 2º Comandante dos Bombeiros antes do sinistro.
7. Facto perentoriamente desmentido pelo 2º Comandante G… que foi ouvido como testemunha e que afirmou que não falou com a vítima no dia do sinistro. (…)
15. A testemunha I… afirmou que o fogo estava “fraco” e deflagrava do lado esquerdo do caminho e que quando a vítima atravessou o caminho não existiam bombeiros no local (…)
24. Ficou provado que o incêndio tinha pequenas proporções quando a vítima se deslocou em direção da serração das abelheiras em busca de auxílio (carro dos bombeiros particular) e que o mesmo deflagrava apenas do lado esquerdo desse mesmo caminho.
25. Inexiste negligência grosseira da parte do sinistro e, muito menos dolo no seu comportamento.
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3. Questões a decidir
1. determinar se a matéria de facto deve, ou não, ser alterada.
2. Apurar depois, se nos termos contratuais a indemnização pode ser excluída e, se a conduta do lesado pode ser considerada como uma conduta dolosa ou como negligência grosseira e assim ser excluída a indemnização.
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4. Da alteração dos factos provados
Pretende a apelante que os seguintes factos sejam considerados não provados
Facto nº 8 - O falecido, por vontade própria e antes da chegada dos bombeiros, saiu da sua casa e dirigiu-se a uma serração que tinha um carro de bombeiros, a fim de procurar auxílio no combate ao incêndio e defender a sua propriedade do incêndio, caso tal viesse a ser necessário.
Facto nº 9 - Para o efeito, introduziu-se no interior do povoamento florestal e caminhou, sem nada na mão, em direção à serração quando o fogo deflagrava do lado esquerdo do caminho, atento o sentido de marcha do falecido, quando as chamas tinham cerca de um metro de altura.

Para tal baseia-se, em suma, no depoimento da testemunha H…, que é perito averiguador da J….
Ora, desde logo importa frisar que a credibilidade da prova testemunhal depende de uma séria de factores, dos quais, no caso concreto, relevam:
a) a parcialidade ou interesse na decisão da causa e;
b) o conhecimento direto ou indirecto dos factos relatados.
Como é evidente, a testemunha em causa é perito apenas de nome, não podendo o seu depoimento ser qualificado como prova pericial, já que neste caso não abarca qualquer conhecimento científico[1], nem foi determinada de uma forma processual relevante (art. 474 e segs do CPC)[2].
Depois, a sua ligação a uma das partes é importante, na medida em que aufere uma remuneração a qual a longo prazo irá depender da utilidade dos seus serviços prestados neste e noutros eventos. Logo, é seguro que essa testemunha tem interesse na decisão da causa no sentido favorável a uma das partes.
Por fim, essa testemunha nada viu directamente mas limitou-se a reproduzir depoimentos indirectos que terá ouvido. Ou seja, estamos aqui pela perceção duplamente indirecta (ouviu um relato de um terceiro sobre um evento que outro terceiro lhe terá relatado).[3]
Por isso, o juízo sobre a fiabilidade ou credibilidade sobre essa testemunha é escasso ou irrelevante, já que a prova testemunhal visa o conhecimento direto sobre os factos que seja adquirido pelo próprio, através dos sentidos, relatando o que viu, o que ouviu, e o que cognitivamente directamente adquiriu[4].
Ou seja, no caso presente a razão de ciência dessa testemunha é limitada e escassa (cfr. por exemplo o art. 521º, do CPC).
A sua isenção e credibilidade acompanha essa razão de ciência, tanto mais que pretende descrever uma realidade que foi negada pelo interveniente directo dessa conversa que a negou.
Pelo que, teremos de concluir que bem andou o tribunal a quo ao não dar relevância a esse depoimento testemunhal, interessado, de ouvir dizer, e que é contrariado por outra testemunha aparentemente desinteressada no desfecho da causa (bombeiro), que esteve no local e que nega essa realidade.
Acresce que conforme salienta Lebre de Freitas[5] que “não está excluída a inquirição da «testemunha de ouvir dizer», mas o depoimento daquela de quem ouviu o relato dos factos a provar tem maior valor probatório”.
Logo, não tem qualquer razão a apelante nesta parte da sua argumentação, já que é inteiramente correcta a conclusão do tribunal a quo que compartilhamos, confirmados e fazemos nossa, pois, “as declarações do perito averiguador, (…) basearam-se em prova indireta e de cariz duvidoso”.
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Depois, pretende a apelante a alteração da restante factualidade com base no depoimento da testemunha I….
Ora, essa testemunha é vizinha da vítima e estava no local.
Logo, a mesma parece ser credível quer quanto à percepção da realidade que relata, como isenta em relação à decisão da causa.
E esta testemunha relata que viu nesse dia a vítima, num caminho junto de casa dele e este “estava a ir em direção ao fogo também em direção à dele (minuto 2.44) , (…), e da serração, sem levar “mangueiras e baldes”, incêndio que “não estava assim por aí além”. Na segunda parte esclarece que ficou lá cerca de (meia hora a 45 m), sem ter receio e fugir (pergunta do tribunal), e que quando chegaram os bombeiros já estava “maior um bocadinho”. (No minuto 7 da segunda parte) esclarece que o lesado esteve um bocado na casa dele, e depois seguiu e que ISSO NA ALTURA NÃO ERA PERIGOSO”.
Ou seja, afinal parece que só uma “inteligente”, mas pouco verídica seleção do depoimento poderia usar esta testemunha para comprovar precisamente o contrário, daquilo que ela relatou.
Depois, alega-se que “os depoimentos das testemunhas I…, comandante dos bombeiros, e de k…, militar da GNR” também não comprovam essa realidade.
Terá a ré seguradora razão, mas o tribunal a quo, deu apenas relevância parcial a esses depoimentos, nomeadamente o do comandante de bombeiros que disse que “ nenhuma habitação esteve em risco”, e que o corpo foi encontrado mais próximo da serração do que da casa.
Logo, esses depoimentos confirmam a realidade provada constante dos factos nºs 8 e 9.
Por fim, os documentos citados: Auto de Notícia da GNR e RELATÓRIO DE OCORRÊNCIA, descrevem relatos de terceiro, inteiramente compatíveis com o relato dessa testemunha que ao minuto 14, da segunda inquirição reitera, a uma pergunta do tribunal “não achei que estivesse em perigo, teria feito o mesmo, o fogo não era nada de especial (min. 17)”.
Improcede, pois, nessa medida o fundamento para alteração da matéria de facto, já que nenhum meio de prova permite censurar mas sim manter, aderir e elogiar o juízo probatório efectuado pelo tribunal a quo.
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5. Motivação decisão facto
1 - A Autora e seus filhos, E… e de F…, são herdeira da herança aberta por óbito de C…, nascido a 13/03/1955, e falecido a 30/09/2017.
2 - Em 20/03/2012, o falecido C… subscreveu com a Ré um contrato de seguro no ramo Acidentes Pessoais Individual, titulado pela apólice nº AP ……...
3 - Nos termos desse contrato de seguro, a Ré garantiu a cobertura dos danos em caso de acidentes pessoais individuais do segurado, nomeadamente: - Morte ou Invalidez permanente por acidente, com o capital seguro de €50.000,00; - Despesas de funeral por acidente, com o capital seguro de €1.500,00.
4 - O prémio de seguro sempre foi pontualmente pago.
5 - A 30 de setembro de 2017, o falecido C… almoçou na companhia dos seus familiares no restaurante que é “negócio de família” sito na freguesia de …, concelho de Paços de Ferreira.
6 - O sinistrado ausentou-se do referido restaurante por volta das 13 horas e deslocou-se para a sua casa.
7 - Nesse dia, em hora não concretamente apurada, mas depois das 13 horas, começou a deflagrar um incêndio nas imediações da habitação e terreno do falecido.
8 - O falecido, por vontade própria e antes da chegada dos bombeiros, saiu da sua casa e dirigiu-se a uma serração que tinha um carro de bombeiros, a fim de procurar auxílio no combate ao incêndio e defender a sua propriedade do incêndio, caso tal viesse a ser necessário.
9 - Para o efeito, introduziu-se no interior do povoamento florestal e caminhou, sem nada na mão, em direção à serração quando o fogo deflagrava do lado esquerdo do caminho, atento o sentido de marcha do falecido, quando as chamas tinham cerca de um metro de altura.
10 - O falecido foi apanhado pelo fogo, o que levou à sua morte por carbonização.
11 - No combate ao incêndio florestal estiveram os bombeiros Voluntários de …, auxiliados pelos Bombeiros Voluntários de … e …, CMA de …, GIPS de … e a GNR de … que encontraram o corpo carbonizado do C… no interior do povoamento florestal.
12 - O incêndio consumiu uma área de 2 hectares sem nunca ter havido habitações em perigo.
13 - O “Instituto da Segurança Social, I.P.” pagou à Autora a quantia de €1.263,96, a título de subsídio de morte e a título de pensões de sobrevivência a quantia de €6.812,65.
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6. Motivação jurídica
Estamos perante um acordo denominado como seguro de acidentes pessoais, pelo qual a ré assumiu o ónus de indemnizar o autor no caso de ocorrência de um acidente.
Existe assim um seguro de acidentes pessoais que tem por objecto a reparação, seja em forma de indemnização ou renda, seja em forma de assistência médica, dos danos sofridos pelo segurado na sua pessoa em virtude de acidente.
Acresce que o contrato de seguro é um negócio formal, que se rege pelas condições e cláusulas da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições legais.
Acordo esse que tem a natureza de um contrato de adesão, que se caracteriza por um dos outorgantes (segurado) não ter qualquer intervenção na preparação das respectivas cláusulas gerais, limitando-se a aceitar o texto que o outro contraente (segurador) oferece como produto acabado. Neste tipo de contrato, o aderente é livre de aceitar ou não aquelas cláusulas, mas querendo subscrevê-lo é obrigado a aceitá-las (artigo 1º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro).
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Pretende a apelante, em primeiro lugar, que não deve ser condenada no pagamento de qualquer indemnização com base na cláusula 4.1. G) das condições particulares que dispõe: g) Ações ou omissões que envolvam perigo iminente para a integridade física ou saúde da Pessoa Segura, que não sejam justificados pelo exercício da profissão;
A questão, por certo, foi invocada por mero lapso.
Na verdade, o contrato de seguro celebrado entre as partes denomina-se “Acidentes Pessoais Individual”, e dispõe na condição nº1 que “1. O seguro garante a cobertura dos riscos identificados nas Condições Particulares verificados no exercício da atividade profissional, da atividade extraprofissional ou de ambas, conforme também indicado nas referidas Condições Particulares.
E na cláusula Particular aplicável foi mencionado que: “Fica convencionado que as garantias são válidas no âmbito da actividade Profissional e Extra-Profissional da Pessoa Segura”. (nosso sublinhado).
Logo, por mera aplicação da literalidade das condições é evidente que a pretensa restrição do risco ao exercício da profissão violaria o âmbito do risco do seguro convencionado pelas partes. Portanto é no mínimo estranho que os serviços jurídicos da ré venham agora negar aquilo que os serviços comerciais e contabilísticos afirmaram quando fizerem seu o prémio.
Depois, se necessário fosse essa cláusula, interpretada dessa forma, sempre violaria os princípios da boa fé.
Basta dizer que situações semelhantes já foram analisadas entre nós, sendo consensual, no âmbito das clausulas contratuais gerais que:
Por um lado, viola o art. art. 18º, 1, b), desse diploma a cláusula que «excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais causados na esfera da contraparte ou de terceiros»[6].
Depois, tendo em conta o objecto do seguro e os riscos cobertos na apólice, também é nula toda a cláusula que “ esvazie o objecto do contrato[7] ”, isto é, essa cláusula sempre seria nula e contrária à boa fé, porque limitaria de tal forma a obrigação contratual da seguradora, transformando o risco por si assumido de todo e qualquer acidente pessoal para, apenas e só, um acidente profissional, frustrando assim o interesse e a finalidade da parte.
A seguradora denominou o contrato como de acidentes pessoais, estabeleceu que este inclui todos os riscos profissionais ou pessoais e depois, numa cláusula obscura, conseguiria limitar o risco assumido à conduta profissional.
É claro, simples e seguro que não pode ser.
As cláusulas contratuais gerais não permitem violar as regras básicas de boa fé e dizer uma coisa nas condições gerais e o seu oposto numa cláusula contratual geral, nem por exemplo, receber remuneração para um risco e afinal excluir qualquer indemnização quando este surge.
Por isso, essa interpretação sempre seria sancionada com a nulidade dessa cláusula G), ao abrigo dos arts. 15º e 16º, do DL 446/85[8].
Porque, “Há, como que uma presunção jure de jure de que não actua de boa fé aquele que, iludindo a confiança depositada pela contraparte contratual, elegeu determinada cláusula da qual objectivamente para si resulta vantagem injustificável, tendo em conta os interesses dos contraentes”[9].
Logo, é manifesto que o seguro dos autos é aplicável ao risco extra-profissional do lesado/segurado.
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2. Da exclusão por força do enquadramento a título de dolo ou negligência grosseira.
A cláusula 4.1. b) dispõe que são excluídas: “Ações ou omissões dolosas ou grosseiramente negligentes praticadas pela Pessoa Segura, Tomador do Seguro ou Beneficiários, bem como por aqueles pelos quais sejam civilmente responsáveis”.
Pretende a apelante que a conduta do lesado se integra na mesma.
Salvo o devido respeito sem razão.
A conduta para ser qualificada como dolosa tem de ser voluntária, em todo a sua realização incluindo a previsão e adesão ou conformação com o resultado. O dolo é saber e querer algo e atuar em conformidade.
Ou seja, neste caso teria a seguradora de demonstrar que o lesado quis ou previu possível atingir o resultado (morte) através da sua colocação em perigo no combate a um incêndio. Ora, como é evidente o suicídio é, felizmente raro entre nós, e essa forma de morte através de incêndios florestais ainda mais rara.
Ou seja, o acidente doloso é aquele que foi causado e provocado intencionalmente pelo beneficiário[10]
In casu, nada, absolutamente nada, permite comprovar essa realidade.
Se dúvidas houver bastará citar apenas dois arestos que analisaram situações semelhantes.
O Ac da RP 17.9.09 (AMARAL FERREIRA), nº 4651/04.6TBVFR.P1 decidiu que “Em contrato de seguro do ramo acidentes pessoais, o carácter involuntário do evento que consubstancia o sinistro não pretende excluir os actos voluntários, mas apenas os intencionais, devendo considerar-se cobertas as lesões que se produzam como consequência imprevista de actos voluntários”.
Depois, o Ac do STJ de 21.4.09, n.º 449/09 -6.ª Secção (Fonseca Ramos) afirma também que “A causa exterior estranha à vontade da pessoa segura”, para efeitos daquela cláusula da apólice, não é apenas um evento produtor de lesões instantâneas, violento e súbito que causa dano imediato e inevitável, [como seria o facto de alguém caminhando na via pública ser subitamente atropelado ou lesionado pela queda de um muro ou atacado fisicamente] pode ser um conjunto de circunstâncias, próximas no tempo e sequenciais em relação a um evento estranho à vontade do segurado, fortuito, anormal e súbito, como é o colapso do corpo humano, se esse colapso não tiver como causa doença preexistente ou predisposição para o evento”.
Por isso, no caso presente não está alegado ou demonstrado que o resultado do evento tenha sido dolosamente provocado.
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3. Da negligência grosseira
A negligência é a desconformidade entre um dever de atuação e previsão, ou se quisermos um dever de cuidado, face à concreta actuação do sujeito.
Este dever de diligência consiste, no fundo, no grau de esforço exigível a alguém para que execute determinada obrigação, cumpra um dever, ou adopte um determinado comportamento.
Nessa medida a negligência na omissão na omissão da diligência que era exigível ao agente, o qual pode assumir várias formas, em função da intensidade ou grau da ilicitude ou da culpa.
Assim segundo a nossa doutrina[11] , a negligência pode ser classificada como:
a) “culpa leve”, que é a negligência em que não incorreria um bonus pater famílias;
b) culpa levíssima, que é a diligência em que só não versaria um homem excecionalmente zeloso;
c) negligência grosseira, que será a violação temerária ou grave e muito ponderoso dos mais elementares deveres de precaução.
De notar, porém que em termos civis este último conceito possui escassa relevância, já que este é mais operativo no âmbito penal[12] e laboral.
Procurando algum apoio sistemático, vemos que neste último, ordenamento nos termos do art.º 14º, nº1, al. B), da lei dos acidentes de trabalho (Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro), o evento danoso não dá direito a reparação quando o acidente “provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”.
O n.º 3, da mesma norma dispõe: “Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”.
Ou seja, aplicando por analogia esse preceito legal, seria necessário que o comportamento do lesado possa ser qualificado como a violação, em elevado grau, do mais elementar dever de precaução.
Mas qual o padrão pelo qual devemos valorar o comportamento do segurado.
No nosso ordenamento esse padrão está previsto no art. 487, do CC, “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.
Este padrão valorativo consiste na utilização de um padrão de normalidade, fazendo apelo a uma pessoa razoável e prudente colocada na situação concreta.
Segundo Antunes Varela[13] , a figura do bom pai de família, utilizada como padrão da diligência exigível do comum das pessoas, é um conceito simbólico destinado a cobrir a atuação em todos os setores da sua vida de relação.
Mas, desde logo, esse padrão efetue uma comparação da situação concreta de tal modo que seja relevante e fundamental a situação de normalidade ou de emergência perante a qual a pessoa se deparou.
Com efeito, uma coisa é a valoração de uma situação na qual o sujeito teve tempo para aferir as opções de conduta de forma fria e racional e outra, uma situação de incêndio no qual a sua casa e haveres estão ameaçadas de perda total por essa calamidade de forma súbita e inesperada.
É evidente que o grau de exigência é distinto e que essa concreta situação de alarme tem de ser valorada.
Note-se aliás que, por exemplo o regime legal do seguro de incêndio, consagrou uma norma imperativa, nos termos da qual “1 - A cobertura do risco de incêndio compreende os danos causados por acção do incêndio, ainda que tenha havido negligência do segurado ou de pessoa por quem este seja responsável”[14]. Ou seja esta norma concede relevância à situação especifica derivada da eclosão de um incêndio considerando que nessas situações o grau do dever de cuidado é menos acentuado.
Em segundo lugar, esse padrão valorativo tem evoluído por forma a consagrar, por um lado, uma linguagem neutra respeitadora das questões de género[15] e, por outro, aproximando o seu conceito do parâmetro anglo saxónico da pessoa prudente e razoável.
Nestes termos, a pessoa razoável será qualquer ser humano com um comportamento razoável, determinado por uma valoração social, e tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto.
Ou seja, esse padrão valorativo é uma medida: a) normal/habitual, b) mas que seja socialmente adequada c) e tenha em conta todas as circunstâncias do caso concreto.
Usando este padrão valorativo parece ser simples concluir que a conduta do segurado da ré é negligente mas está muito longe de se poder considerar grosseira ou muito grave.
Senão vejamos
In casu, sabemos que o comportamento do lesado é o descrito nos factos nsº 8) e 9):
“8 - O falecido, por vontade própria e antes da chegada dos bombeiros, saiu da sua casa e dirigiu-se a uma serração que tinha um carro de bombeiros, a fim de procurar auxílio no combate ao incêndio e defender a sua propriedade do incêndio, caso tal viesse a ser necessário.
9 - Para o efeito, introduziu-se no interior do povoamento florestal e caminhou, sem nada na mão, em direção à serração quando o fogo deflagrava do lado esquerdo do caminho, atento o sentido de marcha do falecido, quando as chamas tinham cerca de um metro de altura”.
Ou seja:
a) As circunstâncias concretas do caso permitem concluir pela existência de uma situação de emergência que ameaçava a casa de família do segurado; Logo temos de ter em conta a falta de tempo para refletir e o perigo eminente para bens relevantes que atenuam o grau de exigência do dever de cuidado;
b) depois, o grau de perigo, no momento em que este decidiu intervir ainda se situava num patamar médio, seja pela dimensão do fogo (1 metro de altura) e pela sua localização (apenas de um dos lados do caminho); O que permitem diminuir o risco da conduta adoptada e por isso o seu grau de justificação social;
C) Em terceiro lugar, temos que o segurado dirigiu-se na direção de um carro de bombeiros, sendo pois, que esse talvez fosse até para uma pessoa razoável e normalmente prudente o local mais seguro nas proximidades.
Tendo em conta esses elementos e a situação concreta, é seguro, por isso, que não podemos imputar ao segurado a violação do mais elementar dever de cuidado, nem muito menos considerar que a sua conduta foi temerária e pôs em causa de forma grosseira o seu dever de cuidado.
Com efeito, fazendo nossas as palavras do Ac do STJ de 13.12.2007 nº 07S3655 (Sousa Peixoto), a propósito de um evento laboral: “a negligência grosseira corresponde à falta grave e indesculpável, ou seja, à chamada culpa grave que consiste na omissão dos deveres de cuidado que só uma pessoa especialmente negligente, descuidada e incauta deixaria de observar”.
Ora, no caso presente não se pode qualificar nesses termos a conduta de um lesado que, no meio de um fogo florestal, que ameaça a sua casa, opta por se dirigir em direção de um carro de bombeiros situado a curto distância.
Improcede, pois, a questão suscitada.
*
6. Deliberação
Pelo exposto, este tribunal julga o presente recurso improcedente por provados e, por via disso, confirma integralmente o teor da decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante na proporção do seu decaimento.

Porto em 7.10.2021
Paulo Duarte Teixeira
Deolinda Varão
Freitas Vieira
______________________________________
[1] o conhecimento científico caracteriza-se pela utilização de método científico, cfr. JOÃO HENRIQUE GOMES DE SOUSA, A “PERÍCIA” TÉCNICA OU CIENTÍFICA REVISITADA NUMA VISÃO PRÁTICO-JUDICIAL, Julgar nº 15, 2011, pág. 27 e segs.
[2] Se, a pessoa em causa não prestou juramento nem efetuou a diligência de forma processualmente válida não pode ser considerada como perito, mas testemunha ou consultor técnico. Cfr. na jurisdição criminal Ac. do STJ de 18.06.2009 (Proc. n.º 1248/07.2PAALM.S1) (Fernando Fróis): ”O juízo técnico-científico que, nos termos do art. 163.º do CPP, é subtraído à apreciação do julgador é o que foi recolhido segundo as regras do art. 151.º e ss. do mesmo diploma legal. O tribunal não se encontra vinculado aos exames/pareceres médicos emitidos fora do âmbito daqueles normativos, pois os relatórios médicos assim emitidos não consubstanciam uma verdadeira prova pericial, mas antes e apenas prova documental, podendo, por isso, ser livremente apreciados e valorados pelo tribunal”.
[3] Reproduzindo as alegações a testemunha terá dito: “De acordo com a informação que recolhi, é referido por um jornalista da … que teve em contacto com o Presidente da junta de freguesia, não me lembro do nome, e que me transmitiu que a vítima tinha estado a falar com o 2.º Comandante dos bombeiros voluntários”.
[4] Cfr. Ac da RG de 11.7.2017, nº 3388/15.5T8BRG.G1 (ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA).
[5] In Introdução ao processo civil, 1996, pág. 156.
[6] Ac do STJ de 16.6.2020, 6791/18.5T8PRT.P1.S1 (Ricardo Costa).
[7] Ac. do STJ de 24/1/2018, nº 534/15.2T8VCT.G1.S1 (GRAÇA AMARAL).
[8] Ac do STJ de 10.12.19, nº 634/13.3TVPRT.P1.S1 (HELDER ALMEIDA).
[9] José Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, DL N.º 446/85 – Anotado, Recolha Jurisprudencial, pág. 171 e segs.
[10] Nestes termos os Acs do STJ de 8/12/2008 (Pº 08P3852); de 7/5/2009 (Pº 09A0512); e de 6/7/2011 (Pº 3126/07.6TVPRT.P1.S1).
[11] Manuel de Andrade, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 342.
[12] O Código Penal Português distingue a negligência simples da negligência grosseira. A negligência simples está definida, no artigo 15º, mas a negligência grosseira surge mencionada em artigos dispersos na Parte Especial, sem apresentar qualquer conteúdo definitório. Por causa dessa omissão discute-se se a valoração da negligência grosseira incide apenas no tipo de ilícito (um desvalor mais grave na violação dos deveres de cuidado), no tipo de culpa (atendendo a uma culpa qualificada), ou em ambos. Na doutrina portuguesa, parece ser consensual, no sentido de considerar a negligência grosseira como uma violação mais intensa dos deveres de cuidado (tipo de ilícito) e uma ―atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal (tipo de culpa), cfr. entre outros, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao CP, Tomo I, p. 184; e Helena Moniz, Agravação pelo resultado? Coimbra Editora, 2009, p. 668. De notar que, segundo HANS-HEINRICH JESCHEK (In Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Comares, Granada, 4º edição (tradução castelhana), pág. 526 e segs.). Deve ser aplicável “o dever geral de cuidado decorre da norma geral do § 276 I, nº2, do BGB que define a conduta negligente como aquela de quem não observa o cuidado exigível no tráfego”. Essa operação implica, em primeiro lugar que o agente tenha um cuidado interno, definido como conhecer o perigo para o bem jurídico protegido e valorá-lo devidamente. Em segundo lugar, depois de ter consciência desse perigo o agente deveria adoptar uma medida de cuidado externo que consiste na adopção do comportamento apropriado a evitar a produção do resultado típico.
[13] “Das Obrigações Em Geral”, 5º edição, vol. 1, 575.
[14] Art 150º, do Decreto-Lei n.º 72/2008.
[15] Em Agosto de 2014 no ordenamento francês foi abandonada a referencia ao bom pai de família, através da lei nº 2014-837 de 4 Agosto, denominada “lei para a igualdade real entre homens e mulheres”.