Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6733/18.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: PLANO DE PAGAMENTOS
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP201909126733/18.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 181, FLS 87-98)
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, as questões a decidir estão intimamente ligadas ao pedido da providência em correlação com a respetiva causa de pedir. Não se confundem com factos, argumentos ou considerações tecidas pelas partes. O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão.
II - Para efeito de (não) homologação do Plano de pagamento --- no processo especial para acordo de pagamento, a que se referem os art.ºs 222º-A e seg.s do CIRE --- importando ponderar uma situação que, ao abrigo do plano, seja previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, na falta de acordo já anteriormente celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas e encontrando-se o devedor, previsivelmente, numa situação de insolvência, deve comparar-se a situação emergente do Plano com a que, provavelmente, iria resultar da declaração da insolvência, com a liquidação do património e a eventual exoneração do passivo restante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 6733/18.8T8VNG.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – J 2

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, residente na Rua …, .., 2.º piso, habitação ., ….-… Porto, veio, ao abrigo do disposto no art.º 222º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1], intentar o presente processo especial para acordo de pagamento.
Foi nomeado administrador judicial provisório[2].
Em 26.9.2018 o AJP juntou a lista provisória de credores que viria a ser impugnada por alguns deles, designadamente o Banco C…, S.A., a D…, S.A., o E…, S.A. e F….
Os credores G…, Unipessoal, Lda., H…, I…, J…, F…, K…, Unipessoal, Lda., L… e M… responderam às impugnações.
Por despacho de 11.12.2018, o tribunal decidiu as referidas impugnações, com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«a) Julgar procedentes as impugnações à lista provisória apresentada pelos credores Banco C…, SA e pelo E… quanto aos créditos reconhecidos aos reclamantes M…, L…, K…, Unipessoal, Lda., J…, I…, H… e G…, Unipessoal, Lda., não se reconhecendo a estes qualquer crédito.
b) Julgar parcialmente procedente a impugnação apresentada pelos credores Banco C…, SA e pelo E… quanto ao crédito reconhecido a F… e improcedente a impugnação apresentada pelo reclamante F…, reconhecendo-se ao mesmo um crédito no valor de €116.623,92
Concluídas as negociações o devedor apresentou Plano de pagamento, tendo votado tal plano 93,271% dos créditos.
A favor do mesmo pronunciaram-se os credores Autoridade Tributária (0,141%) e F… (56,780%).
Os credores Banco C…, E…, SA, N… e P…, SA votaram contra.
Os credores D… e O… não votaram.

O Banco C…, S.A., em 11.12.2018, propôs a não homologação do plano apresentado, alegando que a sua situação, decorrente da aprovação do plano, é menos favorável do que aquela em que interviria na ausência de qualquer acordo. Aduz, em suma, que o devedor propõe, em relação à generalidade dos credores, incluindo esse Banco, e com exceção do crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira, um perdão de 80% do capital em dívida e, bem assim, o perdão total de comissões, despesas e juros vencidos, sendo o capital amortizado em 10 anos. Com efeito, o devedor propõe-se pagar apenas 20% do valor de capital, em 10 anos, pagando € 341,85 por mês durante esse período (ao Banco caberia o pagamento mensal de € 68,36).
Acrescenta que o mesmo tem uma pensão de velhice no valor de € 2.304,63, é divorciado e não tem filhos menores, sendo proprietário de um veículo automóvel. Assim, caso fosse declarada a sua insolvência, o seu rendimento disponível seria, previsivelmente, fixado num salário mínimo nacional, pelo que o mesmo poderia ceder mensalmente € 1.704,63, e o Banco iria receber mensalmente € 323,88 (sendo o valor percentual do seu crédito de 19,97%), valor muito superior ao que receberá caso o plano seja aprovado. Ainda que o rendimento disponível do mesmo fosse fixado em 2 salários mínimos nacionais, o requerente receberia mais do que com a aprovação do plano.
Com a aprovação e homologação do acordo de pagamento apresentado pelo devedor, este apenas liquidará 20% do valor total dos créditos, ou seja € 42.464,90.

O E…, SA e N… requereram igualmente a não aprovação do plano em termos semelhantes ao que fez o Banco C….
*
O devedor defendeu a improcedência dos requerimentos apresentados pelos referidos credores, Banco C…, S.A, E…, S.A. e N…, insistindo pela homologação do acordo apresentado.
Foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, não homologo o plano de revitalização apresentado pelo requerente B….
Valor da causa: €30.000,01 – art. 301.º do C.I.R.E.
Custas pelo devedor, nos termos do artigo 222º-F, nº 9, do CIRE.
(…).»
*
Inconformado com a decisão, dela recorreu o requerente/devedor, tendo produzido alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«VII
A- Na al. l) da Fundamentação de Facto consta que está a ser descontado mensalmente ao devedor/recorrente o montante de € 768,21 o que é falso, pelo que se impugna, porque a penhora referida no art. 16º da p.i. Que o Tribunal teve em conta para dar esse facto como assente, refere apenas a penhora de que o recorrente foi notificado e que motivou o PEAP, sendo certo que a pendência deste teve como consequência legal a suspensão da execução em causa, não existindo descontos mensais da sua pensão após a admissão do PEAP, devendo por isso o facto em causa ser expurgado dessa menção, sugerindo-se a seguinte redacção:
– Sobre a pensão de velhice recebida pelo devedor pende actualmente uma penhora, suspensa após a admissão do PEAP.
B- Vem o presente recurso da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz de Comércio de Vila Nova de Gaia que não homologou o acordo de pagamento aprovado pela maioria dos credores.
A decisão vem fundamentada em que a situação dos credores do devedor/recorrente ao abrigo do acordo é previsivelmente menos favorável do que a que a que interviria na ausência de qualquer acordo, designadamente, caso venha a ser declarada a sua insolvência e concedido o benefício de exoneração do passivo restante, liquidando-se o seu património.
C- No presente processo especial para acordo de pagamento os credores aprovaram o Acordo de Pagamento apresentado pelo recorrente.
D- Os credores Banco C…, SA, E…, SA e N… requereram a não homologação do mesmo.
E- O credor N… não alega os pressupostos legitimadores da não homologação, limitando-se a referir que o acordo é inaceitável tendo em conta a pensão que o devedor aufere e aquilo que vai pagar.
Ora, não cumprindo o ónus previsto na norma, não poderá o tribunal apreciar oficiosamente a sua situação e tendo-o feito na douta sentença a quo excedeu pronúncia incorrendo na nulidade do art. 615º nº 1 al. d) in fine do CPCivil.
F- Já o credor E…, SA enuncia a lei e alega a probabilidade de receber mais se instaurasse uma acção declarativa / executiva ou insolvência do que no âmbito do PEAP aprovado, mas não demonstra essa alegação.
Portanto neste caso não estamos perante falta de alegação de factos, mas perante falta de demonstração de factos que também impede a apreciação pelo Tribunal da sua situação porque a alegação não basta para preencher a previsão legal que exige a demonstração plausível.
Assim ao apreciar a situação do E…, SA dando como provados factos que esta requerente da não homologação do Acordo de Pagamento não demonstrou o Tribunal incorre também em excesso de pronúncia, incorrendo na mesma nulidade do art. 615º nº 1 al. d) do CPCivil.
G- Enfim no caso do credor Banco C…, SA reconhecemos que no seu requerimento consta uma tentativa de demonstração de que a sua situação na ausência do acordo é menos favorável do que a que resulta dele.
A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo teve-os em conta na prolacção da decisão, mas não deu esses factos como provados no elenco constante da Fundamentação de Facto, pelo que ocorre também excesso de pronúncia o que equivale à nulidade do art. 615º nº 1 al. d) in fine do CPCivil.
H- A norma do art. 216º nº 1 al. a) do CIRE foi prevista pelo legislador para o processo de Insolvência, porque nesse caso na ausência de homologação do Plano de Insolvência segue-se inevitavelmente a liquidação do ativo do insolvente, pelo que pode bem comparar-se a situação decorrente do Plano e a situação que decorrerá da liquidação do ativo.
I- Não é o caso do PEAP porque não sendo homologado o Acordo o Administrador Judicial Provisório tem de emitir um parecer sobre se o devedor está ou não em situação de insolvência, e emitindo-o nesse sentido não se segue a declaração de insolvência antes devendo o devedor ser citado para deduzir oposição, sob pena de inconstitucionalidade.
J- E caso a insolvência não seja decretada o processo será encerrado passando o devedor a poder negociar livremente o pagamento das suas dívidas com os credores.
K- Por isso é falacioso colocar em alternativa, aprovação do acordo de pagamentos versus liquidação do património, porque a não homologação do acordo não implica necessariamente a liquidação do activo que sempre depende da insolvência do devedor, sendo certo que é manifestamente inconstitucional o decretamento da insolvência do devedor por requerimento do Administrador Judicial Provisório, sem que o mesmo seja citado para deduzir oposição.
L- Mas ainda que fosse declarada a insolvência, o que apenas se considera por mera hipótese académica, o credor não tem como saber se existirão novos credores que irão reclamar o seu crédito nos termos do nº8 do artigo 222º-G, nomeadamente aqueles que foram excluídos nos termos do douto despacho datado de 11-12-2018, uma vez que a decisão sobre as impugnações não tem força de caso julgado fora do estrito âmbito do PEAP- Acórdãos Tribunal da Relação do Porto datado de 29.02.2016 e do Supremo Tribunal de Justiça datado de 01.07.2014, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
M- E caso esses credores reclamem os seus créditos o que é provável que façam, porque o fizeram no PEAP e caso os seus créditos sejam reconhecidos (atente-se que a exclusão deles no PEAP deveu-se apenas à falta de prova dos factos integrantes dos seus créditos atenta as limitações existentes no PEAP quanto à prova por razões de celeridade que não acontece na insolvência), a percentagem do crédito deste não será com certeza a que foi tida como pressuposto no seu requerimento, até porque o valor desses créditos excluídos é de cerca de € 100.000,00.
N- O que significa que poderá não receber o valor que referiu e poderá até não estar numa situação menos favorável ao abrigo do presente plano.
O- Acresce que todos os credores são credores comuns, não havendo prioridade de qualquer deles no recebimento do seu crédito (não se está a considerar a Autoridade Tributária e Aduaneira tendo em conta o diminuto valor do seu crédito).
P- Sendo também certo que sendo deferida a exoneração do passivo restante é provável que tendo em conta os graves problemas de saúde do devedor referidos no artigo 8º da petição inicial e dando-se esses factos como provados na insolvência, lhe seja arbitrado um rendimento indisponível de três salários mínimos o que faria com que o montante a auferir pelo credor fosse bem inferior ao que lhe resulta da homologação do PEAP.
Q- O crédito resultante de portagens tem o valor de € 288,65, sendo inexpressivo e dele não teve o devedor conhecimento antes da notificação da lista de credores.
R- Dos factos dados como assentes não resulta que o devedor esteja em incumprimento generalizado de obrigações ao contrário do que consta da sentença.
S- A douta decisão a quo desaplicou o disposto nos artigos 222-F nº 5 e 216 nº 1 do CIRE.» (sic)
Pugnou, assim, pela revogação da sentença e pela homologação do Acordo de Pagamento.
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II.
Exceção feita para as questões que sejam do conhecimento oficioso, a matéria a decidir está delimitada pelas conclusões da apelação do recorrente/devedor, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).

Somos chamados a decidir as seguintes questões:
a) Nulidade da sentença, por excesso de pronúncia;
b) Erro de julgamento na decisão em matéria de facto;
c) A verificação dos pressupostos de homologação do acordo de pagamento e o caso concreto.
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III.
O tribunal a quo especificou como interessantes para a decisão e provados os seguintes factos[3]:
a) O Sr. AJP apresentou a fls. 46 e seguintes a lista provisória de credores cujo teor se dá por integralmente reproduzido reconhecendo provisoriamente créditos sobre o devedor no valor de €300.811,80.
b) O Banco C…, SA apresentou impugnação dessa lista a fls. 50 e seguintes.
c) O E…, SA apresentou impugnação dessa lista a fls. 70 e seguintes.
d) F… apresentou impugnação dessa lista a fls. 81 e seguintes.
e) Por decisão de fls. 129 e seguintes foram julgadas procedentes as impugnações apresentadas pelos credores Banco C…, SA e E…, SA quanto aos créditos reconhecidos a M…, L…, K…, Unipessoal, Lda., J…, I…, H… e G…, Unipessoal, Lda., não se reconhecendo aos mesmos qualquer crédito.
f) Mais foi decidido julgar parcialmente procedente a reclamação apresentada pelos credores Banco C…, SA e E…, SA quanto ao crédito reconhecido a F… e improcedente a impugnação apresentada pelo reclamante F…, reconhecendo-se ao mesmo um crédito no valor de €116.623,92.
g) Em consequência da decisão referida nas alíneas e) e f) os créditos reconhecidos sobre o devedor ascendem a €205.396,77.
h) O devedor apresentou a fls. 133 e seguintes o plano para acordo de pagamentos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
i) Nesse plano o devedor propõe-se pagar aos credores comuns 20% do valor actualmente em dívida, em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, a iniciar após o trânsito em julgado da sentença da homologação do plano e propõe-se pagar o crédito da autoridade tributária em 2 prestações mensais.
j) O devedor é divorciado e recebe mensalmente uma pensão de velhice no valor líquido de €2.304,63.
k) O mesmo é proprietário de um veículo automóvel de matrícula 62-41-NE.
l) Sobre a pensão de velhice recebida pelo devedor pende actualmente uma penhora, estando a ser descontada mensalmente a quantia de €768,21 de acordo com o documento de fls. 47 verso.
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IV.
a) Nulidade da sentença, por excesso de pronúncia
O devedor refere que o credor N… não alega os pressupostos legitimadores da não homologação, limitando-se a referir que o acordo é inaceitável tendo em conta a pensão que o devedor aufere e aquilo que vai pagar. Entende que, assim, não pode o tribunal apreciar, oficiosamente, a situação do devedor. Tendo-o feito na sentença em crise, o Ex.mo Juiz excedeu pronúncia incorrendo na nulidade prevista no art.º 615º, nº 1, al. d), in fine, do Código de Processo Civil (al. E) das conclusões das alegações).
Vejamos.
O nº 2 do art.º 22º-F do CIRE, aqui aplicável por se terem concluído as negociações com a aprovação não unânime de acordo de pagamentos, determina que, em prazo ali fixado, qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.° e 216.°, com as devidas adaptações.
Por se tratar de não homologação a pedido de interessados (no caso, credores), tem aqui aplicação o dito art.º 216º, nº 1, devendo o requerente demonstrar em termos plausíveis, e em alternativa, que:
«a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.»
Estaremos, pois, na perspetiva do recorrente, face ao incumprimento por parte do credor N… do requisito previsto no art.º 216º, nº 1, al. a), ou seja a falta de demonstração, em termos plausíveis, de uma situação enquadrável nesse dispositivo.
No seu requerimento, o credor expôs o seguinte:
«1. A par de ser gritante um devedor apresentar um plano com uma redução do capital em 80%, o Devedor, ainda assim, veio apresentar um Plano de Pagamentos que não se coaduna com a situação económica do mesmo, e claramente, não satisfaz o interesse dos Credores.
2. Aliás, com plano de pagamentos apresentado pelo Devedor, o aqui credor reclamante ficará numa situação mais desfavorável do que na ausência de qualquer plano.
3. Como vimos, o Devedor propõe um perdão de 80% do capital em dívida e, bem assim, o perdão total de comissões, despesas e juros vencidos, sendo o capital amortizado em 10 anos, o qual é inaceitável.
4. Conforme melhor consta dos autos e do Plano de Pagamento, o devedor é divorciado e não tem a seu cargo filhos menores e aufere mensalmente, a título de pensão por velhice, € 2.304,63.
5. No entanto, propõe-se a pagar, mensalmente, aos seus credores apenas o valor global de € 341,85, o que não se aceita e não se concede.
6. Termos em que se apresenta o voto desfavorável relativamente ao plano de pagamentos apresentado pelo devedor B…» (sic)

Não se conhece qualquer acordo extrajudicial anterior de regularização de dívidas, pelo que o credor indica outro fundamento para justificar a sua afirmação de que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a quer interviria na ausência de qualquer plano.
Não tendo que pressupor uma situação de insolvência do devedor, o credor concretiza o desfavor do plano para si com o facto de reduzir a obrigação de pagamento de capital em 80%, se prever um perdão total de comissões, despesas e juros vencidos e a faculdade de amortizar o capital sobrante em 10 anos. Considera que, nestes termos, o Plano não se coaduna com a sua situação económica, por o devedor ser divorciado, não ter a cargo filhos menores, beneficiar de uma pensão mensal de € 2.304,63, e se prever no Plano uma limitação de pagamento mensal aos credores ao valor de € 341,85.
Estas afirmações do credor indiciam uma possibilidade séria do devedor dispor de meios financeiros suficientes para pagar em tempo mais curto e em quantia superior as suas dívidas, não havendo necessidade de tamanha dilação de pagamentos e de tão substancial redução do valor dos créditos, prejudicando o interesse dos credores em geral, e do N… em particular. O Plano estará a favorecer o devedor em prejuízo dos credores; sem aquele Plano, ou com um plano mais equitativo, segundo um juízo de prognose, é previsível que aquele credor, assim como os demais, viessem a cobrar os seus créditos em melhores condições.
A norma não exige ao credor que faça uma prova irrefutável da situação de desfavor, mas que aponte para uma provável, previsível, relação de factos adequada a admitir seriamente que o plano, tal como está delineado, será provavelmente menos favorável ao credor do que a situação que intervirá na ausência desse Plano.
O credor N… pediu a não homologação do Plano de pagamento apresentado pelo devedor e fê-lo em termos enquadráveis no nº 1, al. a) do art.º 216º do CIRE, de tal modo que não é admissível afirmar que o tribunal a quo proferiu decisão de não homologação do Plano sem solicitação daquele credor interessado. O requerimento daquele credor poderia estar melhor concretizado, mas é adequado a viabilizar o conhecimento do tribunal nos termos ali expostos, sendo evidente que não houve conhecimento oficioso da questão.
Não ocorre a invocada nulidade.

Passa o recorrente a defender a existência de outra nulidade, também por excesso de pronúncia, que substantifica na não demonstração de factos alegados pelo credor E…, S.A., pelos quais se conclua que, caso instaurasse uma ação declarativa ou executiva, ou ainda caso se declarasse a insolvência do devedor, provavelmente receberia mais do seu crédito do que com o Plano gizado. O tribunal não alcançaria, assim, factos suficientes para decidir a questão.
A norma da al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil está em correlação com o art.º 608º, nº 2, do mesmo código. O juiz tem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Além dessas só aprecia e decide aquelas cujo conhecimento a lei lhe imponha ou permita (ex officio).
A nulidade invocada há de resultar da violação do referido dever.
Não confundamos questões com factos, argumentos, considerações ou mesmo observação pura da causa de pedir. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência em correlação com a respetiva causa de pedir[4]. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.[5] O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão.
Já Alberto dos Reis ensinava[6] que “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.
Os factos não constituem, pois, a questão cujo conhecimento fosse imposto ao tribunal, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam com vista a obter a sua procedência.
Não interessa aqui se o tribunal decidiu bem ou mal, mas apenas se a questão que o tribunal conheceu foi ou não foi suscitada pelo credor com causa de pedir e pedido.
Com toda a evidência, o tribunal conheceu de uma pretensão que o E…, S.A. suscitou com base em factos por ele também alegados.
Se o credor demonstrou ou não o que devia não é matéria de nulidade da, mas de (im)procedência da sua pretensão.
Não ocorre a nulidade invocada.

O apelante, mais uma vez, pede a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, desta última feita com o argumento de que, embora o credor Banco C…, S.A. faça no seu requerimento uma tentativa de demonstração de que a sua situação na ausência do acordo é menos favorável do que a que resulta dele, a Exma. Juiz levou-os em conta na prolação da decisão mas não deu esses factos como provados no elenco constante da fundamentação de facto.
O devedor não afirma que tais factos --- que não identifica --- não estão provados, mas apenas que não foram discriminados no lugar que lhes compete na sentença: o elenco dos factos provados.
O art.º 607º, nº 3, do Código de Processo Civil determina que o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Nos termos gerais do nº 4 do mesmo normativo processual civil, para além do dever do juiz declarar quais os factos que julga provados e não provados, deve tomar ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
O processo de insolvência tem caraterísticas próprias que justificam a sua especialidade, imperando nele o princípio do inquisitório, concedendo-se ao juiz até a possibilidade de fundamentar a sua decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes (art.º 11º do CIRE). O tribunal, na decisão, pode atender a factos incontroversos constantes do processo. Neste, não é uma suposta desarrumação da matéria de facto (não impugnada) que, só por si, pode justificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia que, como observámos já, está reservada para o tratamento jurídico e decisão de questões que não tenham sido invocadas pelas partes nem sejam do conhecimento oficioso. Reafirmamos a já citada expressão de Alberto dos Reis: “(…) o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.
O tribunal decidiu a questão trazida a Juízo pelo Banco C…, S.A. e nenhuma outra que tal credor não tivesse invocado.
Também não se verifica a nulidade.

Improcede a primeira questão do recurso.
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b) Erro de julgamento na decisão em matéria de facto
O apelante propõe a alteração do facto dado como provado sob a al. L) da sentença para o seguinte teor:
Sobre a pensão de velhice recebida pelo devedor pende actualmente uma penhora, suspensa após a admissão do PEAP.
Deste modo, pretende que se retire daquele ponto o valor da quantia objeto de desconto em função da penhora e a atualidade do próprio desconto por a execução ter sido suspensa após a admissão do PEAP[7].
Pois bem.
Por despacho proferido nestes autos, a 28.8.2018, foi recebido o processo especial para acordo de pagamento de B…, o devedor. Nesse mesmo despacho, além do mais decidido, considerou-se que aquela decisão tem os efeitos previstos no artigo 222º-E, nºs 1 e 2, do CIRE --- entre eles, a suspensão, quanto ao devedor, das ações em curso para cobrança de dívidas --- e ordenou-se a sua comunicação a todos os tribunais onde se encontrem pendentes processos contra o Requerente. Este, no seu requerimento inicial identificou a pendência de um processo com aquele fim, ao abrigo do art.º 222º-C, nº 3, al. b), do CIRE, com o nº 18590/17.7T8LSB. Nesse processo pende uma penhora de uma parte (€ 768,21) da pensão do devedor (cf. fl.s 7 verso[8]).
Como refere João Aveiro Pereira relativamente ao PER e em conformidade com o art.º 17º-E, nºs 1 e 6, do CIRE, “a lei impõe uma paragem na litigância entre as partes, proibindo novas acções contra o devedor e o andamento de outras que contra ele estejam pendentes” como “trégua processual”[9].
Por assim o determinar a lei e ter sido efetuada a devida comunicação há de razoavelmente admitir-se que a referida execução está suspensa.
Por conseguinte, assiste, em parte, razão ao recorrente, pelo que a al. L) dos factos provados passa a ter a seguinte teor:
L) Sobre a pensão de velhice recebida pelo devedor pende atualmente uma penhora, com desconto mensal da quantia de € 768,21, encontrando-se a execução suspensa desde a admissão do PEAP, por força do disposto no art.º 222º-E, nº 1, do CIRE.
Procede parcialmente esta questão.
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Dos autos resultam ainda os seguintes factos relevantes para a decisão a causa:
1. O Plano de pagamentos foi aprovado com votos representativos de 56,920% dos créditos emitidos;
2. O total de créditos reclamados e reconhecidos neste processo especial é de € 205.396,77;
3. O total de votos emitidos é representativo de 88,192% do capital (€ 181.144,40);
4. O total de votos favorável ao Plano é de 56,920% (€ 116.912,57);
5. O total de votos desfavorável ao Plano corresponde ao capital de € 64.231,83.
6. As abstenções são representativas do capital de € 24.252,37.
7. Votaram desfavoravelmente o Banco C…, S.A. (19,968%), o E…, S.A. (3,180%) e o Banco P…, S.A. (8,124%);
8. Abstiveram-se a N…, a D…, S.A. e a O…, S.A.
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c) A verificação dos pressupostos de homologação do acordo de pagamento e o caso concreto
Está, sobretudo, em causa a aplicação adaptada ao PEAP do art.º 216º do CIRE, ex vi art.º 222º-F, nºs 2 e 5, do mesmo código.
Pelo interesse que têm para o caso e pela qualidade da sua exposição, vamos seguir de perto as considerações gerais produzidas no acórdão da Relação de Évora de 22.2.2018[10].
O PEAP é o atual regime pré-insolvencial para devedores não empresários, introduzido com a alteração ao Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, que entrou em vigor no dia 1 de julho de 2017, que logo emerge da alteração ao nº 2 e do aditamento do nº 3 ao artigo 1.º, que o passou a prever.
Confrontando este regime agora estabelecido nos artigos 222.º-A a 222.º-J do CIRE com o Processo Especial de Revitalização (PER) introduzido pela alteração ao CIRE efetuada pela Lei n.º 16/2012, de 30 de abril, referido no n.º 2 do artigo 1.º e previsto nos respetivos art.ºs 17.º-A a 17.º-I, desde logo constatamos que aquele é praticamente decalcado deste, levando Menezes Leitão a afirmar «que o regime deste processo é totalmente moldado pelo já existente para o PER, pelo que se criou no CIRE uma duplicação absolutamente desnecessária, num código já muito defeituoso»[11].
Diz-nos aquele autor, «na sua versão inicial, o processo especial de revitalização poderia ser utilizado por qualquer devedor», mas, «em consequência da desnecessária restrição do processo especial de revitalização às empresas, viu-se obrigado a criar um novo processo de recuperação para as entidades sem natureza empresarial, denominado processo especial para acordo de pagamento (PEAP), totalmente moldado sobre o regime daquele, às vezes com reprodução quase integral dos preceitos relativos ao PER. (…) Melhor seria, por isso, ter deixado o processo de revitalização aplicar-se aos devedores não empresários, o que era aliás a doutrina maioritária, evitando assim uma desnecessária duplicação de processos».
A possibilidade de aplicação do PER às pessoas singulares havia dividido a jurisprudência, em particular a dos tribunais de Relação, tendo a 6.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, à qual são distribuídos os processos desta natureza, proferido sucessivos acórdãos[12] decidindo que «o PER não se aplica a pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, ou que exerçam atividade autónoma por conta própria»[13].
Ora, com a entrada em vigor da referida alteração ficou clarificada a pretensão do legislador no sentido de que também o devedor que não seja uma empresa, e se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, possa beneficiar de um mecanismo pré-insolvencial, estabelecendo negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento (art.º 222.º-A do CIRE).
Porém, «o elemento distintivo essencial entre o PER e o PEAP “não é só o facto de o PER se destinar a devedores empresários: é o facto de também pressupor a recuperabilidade destes, diversamente do que sucede no regime do PEAP”. Efectivamente, não se encontra neste artigo qualquer referência à susceptibilidade de recuperação, prevista no artigo 17.º-A, n.º 1, nem se prevê a aprovação de qualquer plano de recuperação, mas apenas de um acordo de pagamento»[14].
Continua o referido acórdão da Relação de Évora:
Assente, pelo cotejo entre os preceitos que regem sobre o PER e o PEAP que o principal elemento que os distingue é o de que a ideia de recuperação do devedor está ausente do PEAP, basta atentarmos na respetiva tramitação subsequente para concluirmos que, no mais, as impressivas semelhanças devem levar a que, os demais princípios àquele aplicáveis, e cuja densificação a doutrina e a jurisprudência têm vindo a efetuar, encontrem aqui acolhimento.
Deste modo, tratando-se, como já se afirmou, de um processo de pendor marcadamente extrajudicial, da tramitação legalmente traçada decorre que ao juiz está cometida também no PEAP a prática de escassos atos de entre os quais avulta a decisão sobre se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a homologação (artigo 222.º-F, n.º 5, do CIRE), aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE.
Não sendo, manifestamente, caso de aplicação do art.º 215º do CIRE --- recusa oficiosa de homologação do plano de pagamentos, com algum dos fundamentos ali previstos ---, nem da al. b) do nº 1 do art.º 216º do mesmo código, é, no essencial, a aplicação da al. a) deste mesmo número que se debate.
Dispõe aquele normativo na sua parte mais relevante para o caso presente:
1- O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:
a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) (…)
2-
3-
4- (…)”.
Não é o tratamento diferenciado e violação da regra de igualdade dos credores (discutida no citado acórdão da Relação de Évora) que aqui está em causa, mas a criação, através do Plano de pagamentos, de uma situação desfavor económico para os credores relativamente àquela em que se encontrariam na ausência de qualquer plano, como resulta propriamente do referido artigo, na parte que se transcreveu.
Na apelação, o devedor coloca dois cenários: um de não declaração de insolvência e o outro de declaração de insolvência.
Na primeira hipótese, de não declaração de insolvência, o devedor argumenta que poderá negociar livremente com os credores caso não seja homologado o Plano de pagamento, sendo falacioso comparar a situação criada pelo Plano delineado com a liquidação patrimonial que emerge de uma declaração de insolvência.
Estaria então o devedor, supostamente, numa situação que lhe permitiria cumprir as suas obrigações vencidas (art.º 3º, nº 1, a contrario, do CIRE)
Tem razão o apelante, mas não leva este cenário às últimas consequências. Tendo solvabilidade e podendo negociar livremente os pagamentos com os seus credores, mesmo afastando a possibilidade de todos poderem receber a totalidade dos seus créditos, num cenário de dificuldade alguns deles poderiam nada receber e outros poderiam receber a sua totalidade; poderiam coexistir pagamentos coercivos. Neste caso não pode ser excluída a hipótese de algum ou alguns dos credores que se opuseram à homologação do Plano de pagamentos --- Banco C…, E… e N… --- virem a receber a totalidade dos seus créditos ou, pelo menos, a obter um pagamento parcial superior ao que lhes é reconhecido no Plano, de apenas 20% do capital em dívida. Não é de excluir também que esses pagamentos fossem realizados em período de tempo bem mais curto do que aquele que o Plano prevê para o efeito (dez anos de prestações mensais sucessivas).
Em suma, não seria de afastar a previsibilidade de algum daqueles credores ficarem numa situação bem menos favorável com o Plano de pagamento do que aquela em que poderia vir a ficar caso não fosse de aprovar esse Plano nem de declarar a insolvência do devedor.
Não é esta, porém, a situação em que, face aos dados e factos colhidos no processo, com grande probabilidade, o devedor se encontra. Tendo por rendimento apenas uma pensão de velhice no valor mensal líquido de € 2.304,63 e não se lhe conhecendo mais do que a propriedade de um veículo automóvel usado, nada mais possui com que possa fazer face a um conjunto de dívidas reconhecidas que atingem o valor de € 205.396,77, sem prejuízo da existência de outros créditos eventualmente reconhecíveis em via processual própria.
Muito mais provavelmente do que o contrário, o devedor está numa efetiva situação de insolvência, ou seja, de impossibilidade de cumprir as suas obrigações face à discrepância existente entre o seu rendimento e as suas dívidas acumuladas e vencidas, o incumprimento e a inexistência de perspetiva para gerar mais riqueza. É inerente à ideia de cumprimento a realização atempada das obrigações, já que apenas dessa forma se satisfaz, na plenitude, o interesse do credor e se concretiza integralmente o plano vinculativo a que o devedor está adstrito. Por isso importa que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.[15]
O Administrador Judicial Provisório já emitiu o parecer a que alude o art.º 222º-G, nº 4, do CIRE, tendo-se pronunciado no sentido de que o devedor se encontra em “clara situação de insolvência” e explicita:
«1 – O devedor está em clara situação de insolvência, evidenciada nos seguintes factos:
1.1. – O devedor, desde há longo período tem a pensão de velhice penhorada, por dívidas, neste caso, provenientes do Credor “D…, S.A.”;
1.2. – De tal incumprimento resultou a instauração do competente processo executivo (Proc.º nº18590/17.7T8LSB – Juízo Execução do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juiz 9), tendo dado origem a uma penhora sobre a referida pensão, a que foi atribuída a refª PE/512/2017 – A.E. Q…;
1.3. – Verificando-se, assim que no ano de 2017, já havia incumprimento de pagamento;
1.4. – Resultando numa subtração à pensão mensal de €768,21, iniciada em 21.08.2018, até ao montante máximo de €18.544,25;
1.5. – Por outro lado, e atentas as reclamações de créditos que foram impugnados, não figurando portanto na Lista Provisória de Credores (artº 222º-D – nº2-CIRE), as dívidas vencidas totalizam €80.460,00, resultantes de créditos contraídos junto de particulares, que podem vir a ser exigidas em processos diferentes do atual;
1.6. – Numa análise mais objetiva, existem créditos com idades superiores (anos de 2014/2016), embora de reduzido valor, referentes a portagens não pagas, correspondentes a 2 viaturas;
1.7. – Num passado mais recente, verifica-se a denúncia de contrato de “A.L.D.”, em 04/06/2018, por falta de pagamento;
1.8. – Embora de baixo valor, existem dívidas de portagens, em cobrança coerciva, via A.T.A. do valor de €288,65 e de “O…, S.A., no valor de €95,72, em dívida desde 2014;» (sic)
O próprio devedor assume no seu requerimento inicial que a generalidade das suas dívidas estão vencidas e não pagas e que jamais as poderá pagar na sua atual situação financeira (cf. respetivo artigo 17º).
O Plano aprovado, por escassa maioria, prevê uma perda na ordem dos 80% para a grande maioria dos créditos, onde se incluem os créditos dos credores que votaram contra a sua homologação.
Com se refere na sentença recorrida, de acordo com esse plano, o credor Banco C…, S.A., titular de um crédito no valor de € 41.014,34, receberia um total de apenas € 8.202,90 que se completaria ao fim de 10 anos, recebendo anualmente € 820,29. O credor E…, S.A, titular de um crédito no valor de € 6.531,07, receberia um total de € 1.306,20 (em 10 anos), no valor mensal de € 130,62. O credor N…, titular de um crédito no valor de € 10.431,76, receberia um total de € 2.086,40 também em 10 anos, recebendo mensalmente € 208,64.
Neste segundo cenário, de insolvência do devedor, em que se coloca a questão da exoneração do passivo restante, a RMMG[16] funciona como ponto de partida para estabelecer os rendimentos que devem ser destinados à salvaguarda da sobrevivência do agregado familiar do devedor com um mínimo de dignidade, e não a estabelecer um valor que tenha de ser sempre garantido à custa de terceiros (os credores), independentemente das circunstâncias concretas.
É o mínimo de dignidade que se visa acautelar com o rendimento indisponível, nos termos do art.º 239º, nº 3, al. b), do CIRE.
O reconhecimento do princípio da dignidade humana exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna. Na mira da obtenção de um critério objetivo quanto ao montante desta exclusão, aquela norma prevê, como regra, um valor máximo, referindo-se a três vezes o salário mínimo nacional.
Quanto ao limite mínimo, como se expõe no acórdão da Relação do Porto de 12.6.2012[17], “(…) a técnica legislativa foi diversa, uma vez que em lugar de uma formulação objectiva como no limite máximo, se enveredou por um critério geral e abstracto (o sustento minimamente condigno do devedor e seu agregado familiar), a preencher pelo juiz em cada caso concreto, conforme as circunstâncias particulares do devedor. Estamos, deste modo, perante um conceito aberto, a objectivar face à singularidade que reveste a situação concreta de cada devedor/insolvente e que tem como subjacente o reconhecimento do princípio da dignidade humana assente na definição do montante que é indispensável a uma existência digna, o que deverá ser avaliado na peculiaridade do caso de cada devedor. Em suma, o juiz terá que efectuar um juízo de ponderação casuística relativamente ao montante a fixar. Deverá, contudo, entender-se que o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo. O salário mínimo nacional é assim o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade. (…)”.
A jurisprudência constitucional (cfr. Ac. do TC nº 177/2002, com força obrigatória geral, publicado in DR, 1ª Série-A, nº 150, de 02.07.2004, p. 5158), de que são reflexo as alterações introduzidas ao art.º 824.º do CPC pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08.03, é no sentido de que o salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna.
Só em casos excecionais e devidamente fundamentados pelo juiz, se poderá exceder o valor dos três salários mínimos, presumindo-se assim que aquele teto quantitativo representa o necessário e suficiente para garantir, com o mínimo de dignidade, a subsistência de um agregado familiar com filhos, nada obstando ao estabelecimento de um valor inferior se as condições familiares do devedor ficarem, com ele, minimamente garantidas. A RMMG, já de si, corresponde ao mínimo exigível de dignidade sem exclusão da possibilidade do titular ter encargos familiares, nomeadamente com descendentes menores. E não podemos olvidar, no processo de insolvência, a necessidade de tutelar, na medida do possível, o interesse dos credores. Aquela referência é, assim, por regra, o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade.
Sendo o sistema jurídico formado por um conjunto harmonioso de normas, a tutela do mínimo indispensável à sobrevivência condigna é tratada de modo semelhante nos institutos em que a questão se coloca, como acontece com as regras da impenhorabilidade no processo de execução, em particular dos vencimentos e salários (art.º 738º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Como se refere no preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE, o regime da exoneração do passivo restante pretende conjugar o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. Não é aceitável que nos afastemos do equilíbrio que deve ser estabelecido entre o princípio do ressarcimento dos credores e o princípio da sobrevivência condigna do devedor e seu agregado familiar.
De acordo com o acórdão da Relação do Porto proferido no processo nº 1423/10.2TBSTS-E.P1, “não seria legítimo que os credores tivessem que sofrer o prejuízo inerente à impossibilidade de satisfação dos créditos (por não ser possível utilizar, para esse efeito, uma larga fatia do rendimento do devedor), apenas para que o devedor pudesse continuar a usufruir de um determinado padrão de vida que tinha antes da insolvência (que até poderia ser muito elevado e que, eventualmente, até poderia corresponder a um padrão de vida muito acima das reais possibilidades do devedor)”.
Não é confiável nem sustentável a ideia deixada pelo devedor nas suas alegações de recurso de que, no caso de vir a beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante, lhe será atribuído um rendimento indisponível equivalente “a três salários mínimos”.
O devedor é divorciado e não tem pessoas a seu cargo, designadamente filhos. Nem no requerimento inicial concretiza qualquer despesa extraordinária relacionada com alguma doença de que padeça. Em caso de exoneração do passivo restante o mais provável é que se fixe o seu rendimento indisponível no equivalente ou próximo da RMMG, atualmente no valor de € 600,00 (Decreto-Lei n.º 117/2018, de 27 de dezembro).
Sendo a pensão mensal do devedor de € 2.304,63, seria adequado que entregasse ao fiduciário cerca de € 1.704,63 (€ 2.304,63 - € 600,00), além de um veículo a liquidar a favor dos credores. Ao fim de 5 anos (art.º 239º, nº 2, do CIRE) seriam contabilizados € 102.277,80, muito mais do que a quantia de € 41.464,90 de que, cumprindo o Plano, o devedor entregaria aos credores em 10 anos.
No Plano gizado e não homologado o devedor ficaria obrigado a dispor apenas de € 341,85 por mês para o conjunto de credores, quantia manifestamente inferior àquela de que iria dispor na insolvência numa situação de exoneração do passivo restante, o que revela bem o prejuízo que resulta para os credores com a homologação do Plano.
Não se olvida que na insolvência poderão ser reclamados outros créditos, não reconhecidos neste processo especial, mas é com os elementos de que o tribunal dispõe que deve decidir, e nada conduz à previsão de que serão reconhecidos valores tão elevados que deixariam os créditos aqui reconhecidos numa situação idêntica ou mais desvantajosa do que a prevista no Plano de pagamentos.
Em conclusão, tal como se decidiu na sentença recorrida, a situação do devedor ao abrigo do Plano de pagamentos é previsivelmente menos favorável aos credores, designadamente aos que se opuseram à sua homologação, do que a que interviria na ausência de qualquer plano, desde logo por ser provável que venha a ser declarado insolvente (art.º 222º-G do CIRE) e, mesmo com o benefício da exoneração do passivo restante, venha dispor de valores a favor dos credores superiores àqueles que o Plano prevê.
Decidiu bem o tribunal ao negar a homologação do Plano de pagamentos.
Improcede a apelação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Condena-se o recorrente nas custas da apelação, dado o seu decaimento (art.º 222º-F, nº 9, do CIRE e art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Porto, 12 de setembro de 2019
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante CIRE.
[2] Adiante AJP.
[3] Por transcrição.
[4] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58
[5] Acórdão da Relação de Coimbra de 21.3.2006, proc. 4294/05, in www.dgsi.pt.
[6] Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 145.
[7] Processo Especial para Acordo de Pagamento.
[8] E não 47 verso, como se refere na sentença.
[9] Ob. cit., pág. 37.
[10] Relatora Albertina Pedroso, Proc. 494/18.8T8STB-A.E1, in www.dgsi.pt.
[11] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 9.ª edição, Almedina 2017, págs. 58, 59 e 263.
[12] Cf. acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2016, proferido no processo n.º 381/16.4T8STR.E1.S1, no mesmo sentido em que se havia já pronunciado a mesma secção nos acórdãos proferidos em 12.04.2016, processo 531/15.8T8STR.E1.S1 e em 18-10-2016 no processo 65/16.3T8STR.E1.S1.
[13] No sentido de considerarem que o artigo 17.º-A do CIRE devia ser objeto de uma interpretação restritiva, na doutrina pronunciaram-se também Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, págs. 142 e 143, nota 8.
[14] Menezes Leitão, ob. cit., pág. 263, citando Ana Alves Leal/Cláudia Trindade, in RDS IX (2017), 1, pág. 80.
[15] L. Carvalho Fernandes e J. Labareda, CIRE anotado, Quid Juris 2009, pág. 70.
[16] Remuneração mensal mínima garantida.
[17] Proc. 51/12.2TBESP-E.P1, in www.dgsi.pt.