Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ABÍLIO COSTA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA PEDIDO INFUNDADO DEDUÇÃO | ||
Nº do Documento: | RP20140922446/13.4TBMCD.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/22/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | A dedução de pedido infundado de declaração de insolvência, ao abrigo do art.º 22.º do CIRE, deve ser feita em acção autónoma, por se reportar à responsabilidade extracontratual e extravasar a litigância de má fé. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº 446/13.4TBMCD.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto B…, LDA., intentou, em 4-12-2013, no Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros, por apenso ao processo nº130/13.9TBMCD.P1, pedido de indemnização ao abrigo do disposto no art. 22º do CIRE, contra C…, LDA. e D…, advogado. Pede a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 125.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a data da sentença até integral pagamento. Alega, essencialmente, que em Abril de 2013 a R. requereu a declaração de insolvência da A. – acção que correu termos sob o referido n.º 130/13.9TBMCD - apesar de ter conhecimento, bem como o Ilustre Mandatário que subscreveu a petição inicial, ora R., de que os factos alegados para fundamentar aquele pedido não correspondiam à realidade; tal pretensão foi julgada improcedente; com tal actuação causaram-lhe danos, designadamente, na imagem e bom nome. Distribuída a acção como processo comum de declaração, foi imediatamente proferida sentença que julgou a acção improcedente. Inconformada, a A. interpôs recurso. Conclui: - a recorrente apresentou, nos termos do disposto nos artigos 22.º do CIRE e 542.º e ss. do CPC, pedido de indemnização por prejuízos causados com a apresentação do pedido de declaração de insolvência, dirigindo o mesmo pedido aos autos de processo de insolvência n.º130/13.9TBMCD; - aquando do envio da peça processual para o Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros, a recorrente não criou um processo novo, antes juntou, por apenso, o pedido de indemnização ao processo de insolvência n.º 130/13.9TBMCD; - pelo Excelentíssimo Tribunal foi criada uma acção autónoma de indemnização, sob o número 446/13.4TBMCD; - no entanto, a recorrente pretendia, pretende e sempre pretendeu, apresentar, como apresentou, nos termos do disposto nos artigos 22.º do CIRE e 542.º e ss. do CPC, pedido de indemnização por prejuízos causados com a apresentação do pedido de declaração de insolvência, dirigindo o mesmo pedido aos autos de processo de insolvência n.º 130/13.9TBMCD, por apenso; - o que foi devidamente explicado na acção n.º 446/13.4TBMCD; - a recorrente sempre manifestou essa sua intenção em todas as peças processuais apresentadas no âmbito do processo de insolvência n.º 130/13.9TBMCD, e, até mesmo, na oposição apresentada; - foi com espanto e estupefacção que a recorrente viu surgir a acção n.º446/13.4TBMCD, pedindo, de imediato, esclarecimentos ao Excelentíssimo Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros; - a recorrente pretende apenas que o Tribunal aprecie os fundamentos alegados, por apenso na acção de insolvência n.º 130/13.9TBMCD, e tome as medidas adequadas a acautelar o bom-nome e imagem da recorrente. Não foram apresentadas contra-alegações. * Na sentença recorrida foi considerada a seguinte factualidade:* 1. Nos autos que correm termos neste Tribunal sob o n.º 130/13.9TBMCD, veio a ré requerer a declaração de insolvência da autora. 2. Nos autos indicados em 1, em 25/06/2013 foi proferida douta sentença, na qual se decidiu julgar improcedente a pretensão da ré, não sendo decretada a insolvência da autora. 3. Nos autos referidos em 1, em 15/10/2013 foi proferido Douto acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, no qual se julgou improcedente o recurso de apelação entretanto interposto pela ré, mantendo-se a decisão aludida em 2. 4. Até ao trânsito em julgado da decisão referida em 3, a autora não requereu a condenação dos réus como litigantes de má fé, nem peticionou a sua condenação ao abrigo do disposto no artigo 22.º do C.I.R.E. 5. O réu exerce a actividade de Advogado. 6. O réu subscreveu a petição inicial indicada em 1. * Questão a decidir:* - preclusão do direito invocado. * Entendeu-se na sentença recorrida que, tendo a A. deduzido a sua pretensão após o trânsito em julgado da acção nº130/13.9TBMCD.P1 – na qual foi julgado improcedente o pedido de declaração de insolvência da A. – precludiu o direito de formular o pedido de indemnização ao abrigo do disposto no art.22º do CIRE.* Vejamos. Dispõe-se naquele preceito legal: “A dedução de pedido infundado de declaração de insolvência, ou a indevida apresentação por parte do devedor, gera responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao devedor ou aos credores, mas apenas em caso de dolo”. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA entendem consagrar esta norma um regime especial, em sede de insolvência, relativamente à litigância de má fé. Assim, escrevem in CIRE anotado, I, 142: “…a grande especificidade deste artigo reside em excluir a responsabilidade em caso de mera culpa – mesmo grave – reservando-a para a situação em que tenha ocorrido dolo por parte do impulsionador da acção…”. Assim sendo, e atento o disposto no art.17º do CIRE, entendem dever tal direito ser exercido, nos termos previstos no art.456º, nº 1, do CPC de 1961 - hoje no art. 542º, nº1, do CPC – no próprio processo, excepto se tal direito não puder aí ser exercido – como acontece relativamente aos credores que apenas são chamados a intervir após a declaração de insolvência. Este entendimento, seguido na sentença recorrida, é igualmente sufragado nos ac.s da Relação de Coimbra, de 11-12-2012, e da Relação de Lisboa, de 20-4-2010, in www.dgsi.pt.. RITA FABIANA MOTA SOARES, in CDPrivado, 32, 79 e ss., e após analisar as posições defendidas, a propósito, por MENEZES CORDEIRO in Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, MENEZES LEITÃO in CIRE anotado, CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, ob. cit., PEDRO ALBUQUERQUE in Declaração da situação de insolvência, O Direito, 137º, III, e CARNEIRO DA FRADA in a Responsabilidade dos Administradores na Insolvência, ROA, ano 66, II, conclui, entre o mais, que: “O art.22º do CIRE deverá ser entendido como reportando-se à responsabilidade civil extracontratual, em nada condicionando a aplicação das normas relativas à litigância de má fé ou ao abuso de direito”. E assim sendo, estando em causa matéria que extravasa a má fé processual, “…a pretensão indemnizatória deveria ser feita valer em acção autónoma, por exceder o fim do processo de insolvência, não se conformando, por outro lado, à sua tramitação, onde, entre o demais, é acentuada a nota da urgência” – ob cit., 88. Concorda-se inteiramente com este entendimento. Na verdade, e antes de mais, não se encontram razões para, no domínio da insolvência, se afastar o regime regra da litigância de má fé, sendo menos exigente nos respectivos requisitos: enquanto no regime regra se abrangem as situações de dolo e negligência grave, no regime específico do art.22º do CIRE abranger-se-iam apenas as situações de dolo. Pelo contrário, consoante escreve CATARINA SERRA in O Novo Regime Português da Insolvência – Uma Introdução, 24: “…as consequências de uma eventual iniciativa injustificada não são de pouca monta, sobretudo quando se tem presente que, ainda hoje, a mera abertura do processo pode ser fonte de graves prejuízos para o bom nome, para a honra e para a credibilidade do devedor…”. Acresce que o ordenamento jurídico português consagra regime idêntico para outras situações próximas onde igualmente, ao lado da litigância de má fé, se prevêem situações de responsabilidade civil: cfr. os art.s 374º - responsabilidade do requerente nos procedimentos cautelares - e 858º – sanções do exequente – ambos do CPC. Situações em que os respectivos fundamentos não coincidem com os previstos para a litigância de má fé – cfr LEBRE DE FREITAS in CPC Anotado, 2º, 60, e 3º, 331. Em suma, enquanto nos art.s 542º e ss. do CPC se prevê a responsabilidade processual civil por litigância de má fé, aplicável ao processo de insolvência por força do disposto no art.17º do CIRE, no art.22º do CIRE prevê-se uma situação de responsabilidade civil extracontratual, por dedução de pedido infundado de declaração de insolvência. Voltando-nos, agora, para a situação em apreço, e não obstante a referência na petição inicial ao art.542º do CPC, resulta da mesma – cfr, designadamente, art.s 28º e ss. daquela peça processual - pretender a A. o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos alegadamente sofridos em consequência da dedução de pedido infundado de declaração de insolvência - isto sem prejuízo, naturalmente, dos poderes-deveres conferidos ao tribunal no sentido do seu eventual aperfeiçoamento. Devia, por isso, a A. deduzir tal pretensão em acção autónoma. Situação que - não obstante ter sido requerida a sua apensação ao processo onde foi requerida a declaração de insolvência da A. – os autos traduzem. Não se verificando, assim, a preclusão do direito invocado. Pelo que o recurso merece provimento. * Acorda-se, em face do exposto, e julgando procedente a apelação, em revogar a decisão recorrida.* Custas pela parte vencida a final. Porto, 22-09-2014 Abílio Costa Augusto de Carvalho José Eusébio Almeida |