Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2170/15.4T8OAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: LIQUIDAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
VALOR DA QUOTA
ACÇÃO DE AVALIAÇÃO
ANULABILIDADE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP201604182170/15.4T8OAZ-A.P1
Data do Acordão: 04/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 623, FLS.31-37)
Área Temática: .
Sumário: I - As deliberações de assembleia geral de sociedade comercial são passíveis de anulação.
II - A arguição de vício que gera a anulabilidade da deliberação assenta em vícios formais, mas também em violação de normas substantivas, como ocorre em relação à alegada desconformidade com as regras que definem a determinação do valor da quota.
III - A decisão a proferir no âmbito da ação a que se reporta o artigo 1068.º do Código de Processo Civil, pese embora a natureza desta ação, como processo de jurisdição voluntária, não deixa de contender com o teor da deliberação, na certeza de que o autor, através da mesma, pretende a obtenção de título que legitime a fixação de um valor superior àquele que foi deliberado pela assembleia geral da ré e desse modo obter título que legitime a reclamação do valor superior.
IV - Não sendo impugnada a deliberação no prazo de trinta dias previsto pelo artigo 59.º do Código das Sociedades Comerciais, opera a caducidade do direito, em prejuízo da ação antes referida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2170/15.4T8OAZ-A.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I. - As deliberações de assembleia geral de sociedade comercial são passíveis de anulação.
II. - A arguição de vício que gera a anulabilidade da deliberação assenta em vícios formais, mas também em violação de normas substantivas, como ocorre em relação à alegada desconformidade com as regras que definem a determinação do valor da quota.
III. - A decisão a proferir no âmbito da ação a que se reporta o artigo 1068.º do Código de Processo Civil, pese embora a natureza desta ação, como processo de jurisdição voluntária, não deixa de contender com o teor da deliberação, na certeza de que o autor, através da mesma, pretende a obtenção de título que legitime a fixação de um valor superior àquele que foi deliberado pela assembleia geral da ré e desse modo obter título que legitime a reclamação do valor superior.
IV - Não sendo impugnada a deliberação no prazo de trinta dias previsto pelo artigo 59.º do Código das Sociedades Comerciais, opera a caducidade do direito, em prejuízo da ação antes referida.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
B… instaurou ação especial de liquidação de participações sociais contra Sociedade Predial C…, Lda., ambos melhor identificados nos autos.
1.1 - O autor alega sumariamente que, tendo sido sócio-gerente da ré, foi excluído por decisão judicial e condenado a pagar-lhe indemnização; a ré, reunida em assembleia geral, deliberou por maioria, entre outras decisões, amortizar a sua quota, na sequência da citada decisão judicial e fixar o valor da contrapartida devida por essa amortização em € 135.000,00 e ainda declarar a compensação parcial entre este valor e o valor da indemnização devida à sociedade. O autor não concorda com o valor que foi atribuído à quota amortizada; considera que a sua quota, calculada nos termos previstos pelo artigo 242.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, por ausência de cláusula contratual que disponha de forma diversa, corresponde a um valor muito superior, salientando que o cálculo importaria, em primeira linha, o apuramento do valor dos ativos da sociedade no ano de 2006 e a dedução do passivo existente, sendo que o valor da sua participação deveria corresponder à quota-parte que lhe cabe no resultado da aludida subtração, atendendo à proporção da respetiva participação no capital social da sociedade que se considera, enunciando de seguida os factos que, no seu ponto de vista, justificam a atribuição de valor superior, evidenciando que o montante da contrapartida que lhe é devida pela amortização da quota – e reportando-se ao que resulta da deliberação da ré – é inferior ao valor real da mesma, em discordância com o que determina o artigo 235.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e o que resulta do disposto nos artigos 105.º, n.º 2, do mesmo diploma e no artigo 1021.º do Código Civil.
Termina pedindo que se determine a avaliação da quota amortizada, com a nomeação de perito que, no desempenho das suas funções, esclarecendo a identificação dos ativos da ré e a avaliação dos ativos identificados, proceda à fixação definitiva do valor da quota.
1.2 - A ré, na respetiva contestação, começa por invocar a exceção de caducidade do direito do autor, afirmando que este está a pôr em causa uma deliberação social tomada em assembleia geral que se realizou no dia 5 de Maio de 2014, aprovada por maioria, para a qual o autor foi convocado por carta registada com aviso de receção, mas optou por não comparecer, pelo que lhe foi remetida cópia da ata, que recebeu no dia 6 de maio de 2014; o autor deveria ter impugnado a deliberação no prazo previsto pelo artigo 59.º do Código das Sociedades Comerciais e não o fez, caducando o seu direito.
1.3 - O autor nada disse, ao ser notificado para exercer o contraditório em relação à exceção assim invocada, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
1.4 - Foi proferido despacho apreciando a exceção de caducidade invocada pela ré e que a julgou improcedente, argumentando nos seguintes termos (transcrição parcial):
«Estamos perante um processo especial de liquidação de participações sociais previsto pelo artigo 1068.º do CPC nos termos do qual: “1- Quando, em consequência de morte, exoneração ou exclusão de sócio, deva proceder-se, nos termos da lei, à avaliação judicial da respetiva participação social, o interessado requer que a ela se proceda.
Estamos perante um processo especial relativo ao exercício de direitos sociais e que, no caso em apreço, encontra o seu suporte substantivo no artigo 242.º, n.º 4 do CSC.
Sob a epígrafe “Exclusão Judicial de Sócio” (por contraposição à exclusão de sócio efetuada pela sociedade e regulada no artigo 241.º do CSC) o artigo 242.º prevê as situações em que a exclusão do sócio ocorre pela via judicial.
Essa exclusão ocorreu no âmbito de um processo instaurado pela ré e identificado pelo autor na petição inicial, processo que teve o seu início em 2006 e terminou com o Acórdão do STJ de 01 de Abril de 2014.
Nos termos previstos pelo artigo 242.º, n.º 3 do CSC a ré reuniu em assembleia geral e procedeu à amortização da quota do autor.
A discordância do autor prende-se com o valor que a ré considerou como a correta.
O autor não coloca em causa o processo de formação da deliberação nem a legalidade da mesma, motivo pelo qual não estão em discussão nestes autos fundamentos relativos à nulidade e/ou anulabilidade da deliberação social (regulados pelos artigos 56.º e 58.º do CSC).
A norma prevista pelo artigo 59.º do CSC, sob a epígrafe “Ação de anulação” prevê a forma de reação do sócio ou órgão de fiscalização da sociedade contra deliberações nulas e/ou anuláveis, prevendo um prazo – de caducidade – para a sua instauração – 30 dias.
Não é esse o caso em apreço, com da leitura da PI decorre.
Nessa conformidade, por não estarmos perante uma ação de anulação de deliberações sociais, improcede a exceção de caducidade invocada pela ré.»
2. - A requerida, não se conformando com a decisão proferida, veio interpor recurso, concluindo assim a respetiva motivação:
«1 - Pelas razões invocadas nas secções 2 a 10 das presentes alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidas, o autor tinha o ónus de impugnar, no prazo de trinta dias, a deliberação tomada na assembleia geral da ré, de 5 de Maio de 2014, onde foi deliberada a amortização da quota de que era titular e a fixação do valor da contrapartida a pagar pela amortização.
2. - Não o tendo feito, caducou o seu direito.
3. - E isto porquanto a deliberação social que determina a contrapartida da amortização de uma quota é uma deliberação anulável – ver Professor Coutinho de Abreu, citado no início das presentes alegações: “São então anuláveis, por exemplo, as deliberações que (…), determinem contrapartida de amortização de quota diversa da estabelecida no artigo 235.º, 1” e Evaristo Mendes, Deliberações que fixam o valor das participações sociais. Impugnação, in III Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Outubro de 2014, página 83 que defendem ser a anulabilidade o vício que pode inquinar este tipo de deliberações.
4. - Pelas razões invocadas nas secções 11 a 17 supra que aqui se dão por reproduzidas, o meio de reação adequado seria, por isso, a impugnação da deliberação tomada e aprovada, sem prejuízo de, se assim o autor entendesse, instaurar, em simultâneo, uma ação de liquidação de participações sociais contra a sociedade recorrente.
5. - O que não podia, também pelas razões e fundamentos que se invocaram nas secções 11 e 12 das presentes alegações e que aqui se dão por reproduzidas, era tê-lo feito mais de um ano depois de a deliberação ter sido aprovada: a discordância do autor/recorrido face à deliberação social, de 5 de Maio de 2014, tomada pela sociedade recorrente, deveria ter sido invocada no prazo de 30 dias previsto no artigo 59.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais e no mesmo prazo instaurada a presente ação.
6. - A curta duração deste prazo, face ao prazo previsto no artigo 287.º n.º 1 do Código Civil, que diz respeito ao regime geral da anulabilidade, deve-se à intenção do legislador de conferir a maior estabilidade possível à sociedade comercial.
7. - E compreende-se que assim seja porquanto o valor da contrapartida a pagar pela amortização da quota tem reflexos nos capitais próprios da sociedade e pode, inclusivamente, implicar a redução do capital (cf. artigo 237.º do CSC), ou seja, tem implicações perante todos quantos se relacionam com a sociedade e nomeadamente os seus credores.
8. - Para além disso, a urgência na determinação da contrapartida a pagar pela amortização da quota é também explicável atento o preceituado nos diferentes números do artigo 236.º do CSC.
9. - Está em causa a salvaguarda do princípio da intangibilidade do capital social.
10. - E é pelas mesmas razões que a própria sociedade dispunha do prazo de, apenas, 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, para deliberar a amortização da quota de que o autor era titular.
11. - A lei não tem “dois pesos e duas medidas”, consoante esteja em causa a sociedade ou o titular da quota amortizada.
12. - Os efeitos jurídicos da deliberação social, que passavam pela constituição de um direito de crédito na esfera jurídica do recorrido, tornaram-se, assim, em face da falta da impugnação da fixação da contrapartida a pagar pela quota de que era titular na sociedade recorrente, definitivos e inatacáveis.
13. - Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, alínea a), 59.º, n.º 2 e 242.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, e nos artigos 10.º, n.º 3, alínea a), 579.º, 595.º, n.º 1, alínea b) e 1068.º do Código de Processo Civil.»
Termina afirmando que, pelas razões aduzidas, deve ser revogado o despacho recorrido.
2.2 - Não houve resposta por parte do requerente.
3. - Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela recorrente definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui apreciar, o que, no caso dos autos, se traduz na seguinte questão:
Saber se opera a caducidade, invocada pela ré.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Importa considerar os seguintes factos que resultam dos articulados sumariamente enunciados no relatório que antecede e dos documentos que integram os autos:
O autor foi sócio-gerente da ré, titular de uma quota com o valor nominal de € 714,30 (setecentos e catorze euros e trinta cêntimos).
No Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira correu termos a ação com o n.º 8717/06.0TBVFR, instaurada por Sociedade Predial C…, Lda. (ré na presente ação), contra D… e B… (este, autor na presente ação) e contra outros réus, alegando comportamentos destes réus, D… e B…, enquanto sócios e gerentes da referida sociedade que qualifica como gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade.
Nessa ação foi proferida sentença que, na parte que aqui interessa, decidiu nos seguintes termos:
- Condenou D… e B…, aí réus, a pagar à Sociedade Predial C…, Lda., aí autora, o montante global de € 339.737,17, acrescido de juros moratórios, contados à taxa legal, sobre o capital de € 316.205,26, desde 1 de janeiro de 2007 até efetivo pagamento.
- Decretou a exclusão dos mesmos réus da qualidade de sócios da Sociedade Predial C…, Lda.
O Tribunal da Relação do Porto (por acórdão de 10 de setembro de 2013) e o Supremo Tribunal de Justiça (por acórdão de 1 de abril de 2014), julgando improcedentes os recursos interpostos, confirmaram a sentença proferida em primeira instância.
A ré, reunida em assembleia geral, em 5 de maio de 2014, na sequência do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, deliberou por maioria, entre outras decisões e na parte que aqui interessa (cf. teor da “ata n.º 51”, relativa a essa assembleia e cuja cópia faz fls. 62 e seguintes):
- Amortizar a quota do ora autor, B…, “no valor nominal de € 714,30, uma vez que a situação líquida ou capital próprio da sociedade permite garantir e assegurar o limite imposto pelo n.º 1 do artigo 236.º do Código das Sociedades Comerciais”.
- Fixar o valor da contrapartida devida pela amortização da quota de B… em € 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), “sem prejuízo de outro que venha a ser judicialmente fixado”.
- Declarar a compensação parcial entre este valor, bem como da importância de € 22.757,40 relativa a suprimentos de que é titular B…, e o valor do crédito da sociedade no montante de € 339.737,17, acrescida de juros moratórios civis calculados sobre o capital de € 316.205,25, desde 1 de janeiro de 2007 e que correspondiam a € 92.730,44 à data de 30 de abril de 2014.
A ré deliberou ainda, por unanimidade dos sócios presentes e representados (cf. teor da “ata n.º 51”, antes mencionada):
- Em face da amortização de quotas e nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 237.º do Código das Sociedades Comerciais, o aumento proporcional de cada uma das restantes quotas representativas do capital social.
O autor, convocado para esta assembleia geral, por carta registada com aviso de receção, que recebeu em 23 de abril de 2014, não compareceu.
No dia 6 de maio de 2014, o autor recebeu “cópia da ata n.º 51 referente à assembleia realizada em 5 de maio de 2014 da Sociedade Predial C…, Lda.”, contendo as deliberações aí aprovadas.
Na presente ação de liquidação de participações sociais, instaurada em 12 de maio de 2015, invocando o artigo 1068.º do Código de Processo Civil, o autor afirma não concordar com o valor de € 135.000,00 que foi atribuído à quota amortizada, pretendendo que a mesma, calculada nos termos previstos pelo artigo 242.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, por ausência de cláusula contratual que disponha de forma diversa, corresponde a um valor muito superior, pelas razões que enuncia, reportando-se ao valor dos ativos da sociedade no ano de 2006 e à dedução do passivo existente, pretendendo que evidenciam que “o montante da contrapartida devida ao A. pela amortização da sua quota é inferior ao valor real da mesma”, em discordância com o que determina o artigo 235.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e o que resulta do disposto nos artigos 105.º, n.º 2, do mesmo diploma e no artigo 1021.º do Código Civil. Termina pedindo a realização de uma avaliação da quota amortizada, com a nomeação de perito que, no desempenho das suas funções, esclarecendo a identificação dos ativos da ré e a avaliação dos ativos identificados, proceda à fixação definitiva do valor da quota.
2. A caducidade invocada pela ré/recorrente.
Na génese da presente ação está o disposto do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais que, quanto à exoneração e exclusão de sócios, no título relativo às sociedades por quotas e no capítulo das quotas, estabelece que pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes (n.º 1), sendo que, dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença de exclusão deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena de a exclusão ficar sem efeito (n.º 3); ainda nos termos da aludida norma, na falta de cláusula do contrato de sociedade em sentido diverso, o sócio excluído por sentença tem direito ao valor da sua quota, calculado com referência à data da proposição da ação e pago nos termos prescritos para a amortização de quotas (n.º 4), o que conduz ao disposto nos artigos 232.º e seguintes, com particular destaque para o artigo 235.º (contrapartida da amortização) – que, por sua vez, remete para o artigo 105.º do mesmo diploma e, por esta via, para o artigo 1021.º do Código Civil.
No cumprimento da exigência enunciada no n.º 3 do artigo 242.º e perante a decisão proferida no processo 8717/06.0TBVFR, acima referida e que decretou a exclusão de B… da qualidade de sócio da Sociedade Predial C…, Lda., esta sociedade procedeu à realização de assembleia geral para amortização da quota desse sócio, aí deliberando nos termos que se deixaram sumariamente mencionados, incluindo a amortização da quota e a determinação do respetivo valor. A omissão deste procedimento determinaria que a exclusão ficasse sem efeito.
As deliberações desta assembleia são passíveis de anulação, verificando-se qualquer um dos pressupostos enunciados no artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente, se violarem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade. «São então anuláveis, por exemplo, as deliberações que estabeleçam medida de partilha dos lucros não proporcional aos valores das participações sociais (cfr. art. 22º, 1), dispensem o consentimento da sociedade para a cessão de quotas a terceiros (cfr. arts. 228º, 1, 229º, 2), determinem contrapartida de amortização de quota diversa da estabelecida no art. 235.º, 1» – J. M. Coutinho de Abreu, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, volume 1, página 675, em anotação ao artigo 58.º.
A anulabilidade pode ser arguida por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente, sendo de trinta dias o prazo para a propositura da ação de anulação, contados a partir da data em que foi encerrada a assembleia geral (artigo 59.º do Código das Sociedades Comerciais). «Para promover a certeza jurídica, o prazo é bastante mais curto do que o do regime geral dos negócios jurídicos anuláveis (art. 287º do CCiv.)» – autor e obra antes citados, página 689.
A arguição de vício que gera a anulabilidade da deliberação assenta em vícios formais, mas também em violação de normas substantivas, como ocorre em relação à alegada desconformidade com as regras que definem a determinação do valor da quota.
A presente ação resulta da discordância do autor relativamente ao valor atribuído na deliberação da assembleia geral da ré, em 5 de maio de 2014, pretendendo o mesmo que na sua fixação não se respeitaram os critérios legais com referência à situação real da sociedade, em violação do disposto no artigo 235.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e das restantes normas para que remete.
Da amortização da quota, não sendo ela gratuita, nasce um direito de crédito do ex-sócio contra a sociedade e, perante a mora no cumprimento da obrigação da sociedade, pode o ex-sócio, agora credor, proceder à efetivação do seu crédito, recorrendo à execução nos termos gerais do direito – Raúl Ventura, “Sociedades por Quotas”, volume I, 2.ª edição, Almedina, página 729.
A execução pressupõe a aceitação do valor fixado para a amortização, obrigando a sociedade a efetuar o pagamento e, não sendo satisfeita a obrigação, legitimando o ex-sócio a diligenciar pelo pagamento coercivo.
Não aceitando o ex-sócio o valor atribuído para efeito de amortização da respetiva quota, é-lhe facultado a possibilidade de reagir, com recurso ao procedimento atualmente previsto no artigo 1068.º do Código de Processo Civil (artigo 1498.º na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho).
Este procedimento reporta-se a todas as situações em que esteja em causa a fixação judicial do valor de participações sociais, incluindo quando, em consequência de morte, exoneração ou exclusão de sócio, deva proceder-se, nos termos previstos na lei, à avaliação judicial da respetiva participação social e o interessado requeira que a ela se proceda.
Assim, pode o mesmo ocorrer como procedimento prévio a diferentes situações em que está em causa a liquidação de participações sociais, mas sem que tenha havido ou esteja em causa qualquer deliberação.
É diferente a situação dos autos, em que, na sequência da decisão que decretou a exclusão do autor da qualidade de sócio da ré Sociedade Predial C…, Lda., e dando cumprimento à exigência do artigo 242.º, n.ºs 3 e 4, do Código das Sociedades Comerciais, houve deliberação amortizando a quota e estabelecendo o respetivo valor, sujeita aos termos, nomeadamente, dos artigos 235.º e 105.º do mesmo diploma.
A instauração da presente ação, com a invocação da alegada desconformidade com o disposto no artigo 235.º do Código das Sociedades Comerciais, põe em causa a deliberação que, tendo-se determinado a amortização da quota, fixou a sua contrapartida.
Assim, a decisão a proferir no âmbito da ação a que se reporta o artigo 1068.º do Código de Processo Civil, pese embora a natureza desta ação, como processo de jurisdição voluntária, não deixa de contender com o teor da deliberação, na certeza de que o autor, através da mesma, pretende a obtenção de título que legitime a fixação de um valor superior àquele que foi deliberado pela assembleia geral da ré e desse modo obter título que legitime a reclamação do valor superior.
«Assente que a via de reação facultada pelo ordenamento jurídico ao titular da participação é a ação de avaliação desta, nos termos do artigo 1068.º do CPC, aplicável diretamente ou por força do artigo 1069.º, levanta-se uma segunda questão. Tal como no caso da anulabilidade, não há dúvida de que tem de haver um prazo para o sócio propor essa ação de avaliação e de que esse prazo deve ser curto. Na verdade, também aqui se torna necessário que o alcance da deliberação, com as consequências que lhe são inerentes, seja fixado em definitivo o mais rapidamente possível, não podendo deixar-se o assunto em suspenso por tempo indefinido. Mas que prazo? (….) quanto à segunda, admitir o prazo de um mês ou, pelo menos, um prazo razoável dessa ordem de grandeza; (…) considerar a deliberação automaticamente modificada, isto é, integrada com a decisão judicial.» – Evaristo Mendes, “Deliberações que fixam o valor das participações sociais. Impugnação”, III Congresso Direito das Sociedades em Revista, 2014, Almedina, páginas 83 e 84.
A presente ação tem implícita a impugnação da deliberação da assembleia geral da ré, por alegada violação das regras do artigo 235.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e das normas para que remete; e a decisão a proferir na mesma não deixa de ter relevância executiva, perante a exclusão judicial do sócio, a amortização da respetiva quota e a deliberação quanto ao seu valor – artigos 246.º, n.º 1, e 242.º, n.º 3, do mesmo diploma, permitindo ao autor optar, em imposição de cumprimento da obrigação de pagamento da contrapartida definitivamente fixada, pela exigência, por via judicial, da quantia correspondente à mencionada avaliação por via do processo de liquidação.
Entendimento diferente legitimava que o sócio exonerado, não impugnando a deliberação que decidiu amortizar a respetiva quota e definir o seu valor nos termos exigidos pelas disposições conjugadas dos artigos 242.º, 235.º, 105.º e 59.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, viesse a poder obter o mesmo efeito por via do procedimento do artigo 1068.º do Código de Processo Civil.
Ao autor, tendo entendido haver, relativamente à deliberação que fixou o valor da contrapartida devida pela amortização da quota de que era titular em € 135.000,00, violação da regra enunciada no artigo 235.º do Código das Sociedades Comerciais, era facultado que, nos trinta dias subsequentes à data em que foi encerrada a assembleia geral instaurasse o procedimento de anulação de tal deliberação por violação de disposições legais, com recurso concomitante ao procedimento do artigo 1068.º do Código de Processo Civil para a determinação do valor que entendia devido.
No caso em apreciação, com referência a deliberação em assembleia geral que teve lugar em 5 de maio de 2014, o autor apenas suscita o presente procedimento decorrido mais de um ano sobre a data em que teve lugar a assembleia, pretendendo que ocorreu violação da regra enunciada no artigo 235.º do Código das Sociedades Comerciais, sendo este fator de anulação da deliberação, subjacente à presente ação, fazendo operar a caducidade.
A caducidade, enquanto exceção perentória, determina a absolvição do pedido – artigo 576.º do Código de Processo Civil.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso interposto pela ré e, em consequência:
- Revogam a decisão recorrida.
- Julgando procedente a exceção de caducidade do direito invocado pelo autor, decidem, por esse motivo, absolver a ré do pedido.
Custas a cargo do autor.
*
Porto, 18 de abril de 2016.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes