Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA DECLARAÇÕES DA PARTE CONTRATAÇÃO A TERMO MOTIVO JUSTIFICATIVO ABUSO DO DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RP202306058541/20.7T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇAO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Não se verifica a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando a sentença não aborda oficiosamente a exceção perentório de abuso de direito, pois o que se passa é que o tribunal conhece das questões que lhe foram postas, fazendo o enquadramento jurídico que entendeu ser adequado, estando implícito, ao não ter falado em abuso de direito, que não detetou o mesmo, não se podendo dizer que deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar. II - Nada obsta a que a convicção do tribunal se baseie nas declarações da parte, e até apenas nelas; ponto é que estas sejam prestadas de forma séria e credível e o tribunal de forma clara explicite as razões do seu convencimento, isto é, que em face das circunstâncias concretas em que são prestadas, sem esquecer o natural interesse que tenham no desfecho do processo, mereçam credibilidade ao tribunal. III - Uma necessidade temporária para contratação a termo não pode ser justificada com expressões vagas e genéricas, tendo que o contrato assim celebrado ser considerado sem termo. IV - Não se pode falar em abuso de direito por parte da Autora (que seria na modalidade de “venire contra factum proprium”), que propõe ação solicitando o reconhecimento e pagamento daquilo que entendeu ter tutela legal, tendo por base a nulidade de cláusula que estipulou termo certo no contrato, porque antes de lhe ser comunicada a caducidade do contrato ter dito que compreendia a necessidade de diminuição do número de trabalhadores, não implicando essa compreensão da situação de facto a aceitação da conformidade do contrato ao direito. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de apelação n.º 8541/20.7T8VNG.P1 Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – J1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO AA (Autora) instaurou contra “Centro de Diagnóstico Médico, Dr. A..., Lda.” (Ré) a presente ação, com processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: a) €2.709,00, a título de indemnização por despedimento ilícito; b) €3.000,00, a título de indemnização por danos morais; c) €1.923,75, a título dos créditos laborais; d) juros de mora, à taxa legal sobre as quantias anteriores, desde 30/09/2020 até efetivo e integral pagamento; e) as retribuições que, à razão de €645,00 por mês, deixe de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da presente ação até ao transido em julgado da sentença, a liquidar em execução de sentença. Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que celebrou contrato de trabalho com a Ré em 21/09/2017, para iniciar em 01/10/2017, nele se prevendo vigorar pelo período de 1 ano, renovando-se, na falta de declaração das partes em contrário, no seu termo por igual período; por carta registada com aviso de receção a Ré comunicou à Autora a caducidade do contrato em 30/09/2020; sucede que a Autora já vinha prestando trabalho à Ré, como “assistente de consultório”, desde inícios de 2017, primeiro a tempo parcial e depois, de março a setembro de 2017, a tempo inteiro, ainda que emitindo “recibos verdes” por solicitação da Ré; a comunicação de caducidade só ocorreu porque a autora estaca de “baixa médica”; a Ré, ao não permitir que a Autora prestasse trabalho a partir de 30/09/2020, consumou a cessação unilateral do contrato de trabalho. Realizada «audiência de partes», frustrou-se a sua conciliação, donde ser a Ré notificada para poder contestar, o que fez, apresentou contestação na qual impugnou o alegado pela Autora, dizendo, em resumo, que antes de ser celebrado contrato de trabalho a termo certo vigorou contrato de prestação de serviços, tendo aquele caducado; terminou dizendo dever a ação ser julgada totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré integralmente do pedido. Foi proferido despacho a convidar a Autora a apresentar articulado complementar à petição inicial, o que a mesma fez e, depois de exercido o contraditório pela Ré, foi: − fixado o valor da ação em €7.632,75; − proferido despacho saneador, afirmando a validade e regularidade da instância, − dispensada a realização de audiência prévia bem como dispensada a prolação de despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas de prova. Realizada «audiência de discussão e julgamento», foi proferida sentença decidindo condenar a Ré a pagar à Autora: − a título de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação a quantia €1.923,75, acrescida de juros de mora já vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa de 4% ao ano; − a título de indemnização pelo despedimento ilícito a quantia de €1.096,50 e a título de indemnização por danos morais a quantia de €1.000,00, sendo que no que toca aos juros moratórios sobre estas quantias, nos termos do art.º 805º, nº 3, 1.ª parte, do Código Civil, os mesmos serão devidos apenas após o trânsito em julgado desta decisão, por se estar perante obrigações ilíquidas, que apenas se tornam líquidas nesse momento e sem que a sua iliquidez seja de imputar ao devedor, pelo que não há mora enquanto o crédito se não tornar líquido; − todas as retribuições que a trabalhadora deixou de auferir desde o despedimento, em 30/09/2020, até ao trânsito em julgado desta decisão, mas a que devem deduzir-se: (i) as importâncias que a trabalhadora aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; (ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação; (iii) o subsídio de desemprego eventualmente atribuído à trabalhadora, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social; absolvendo a Ré do demais pedido. Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]: A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos autos em epígrafe mencionados que, muito sinteticamente, declarou ilícito o despedimento da Autora e condenou a Ré no pagamento de €2.257,50 (dois mil duzentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos) a título de indemnização por esse facto (reduzido a €1.096,50 devido ao pagamento já efetuado pela Ré à Autora), no pagamento da quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) por conta de crédito de horas para formação contínua, retribuição de férias e subsídio de férias referente a 2019 (no valor de €1.290,00) e proporcionais de férias atinentes ao serviço prestado em 2020 (no valor de €483,75). Condenou ainda a Ré no pagamento à Autora da quantia de €1.000,00 (mil euros) a título de danos não patrimoniais bem como no pagamento de todas as retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da Decisão; B) A Decisão, ora posta em crise, revela-se materialmente injusta e não tem sustentação na prova produzida nestes autos, sendo certo que dos factos considerados provados e não provados não é possível atingir as conclusões declaradas na Sentença e pelo menos dois destes últimos não encontram qualquer respaldo na prova efetivamente produzida, o que não pode evidentemente manter-se. C) O vertente recurso visa assim a reapreciação da prova gravada, com a consequente alteração dos factos elencados como provados e não provados na douta Sentença em crise e, de outra sorte, a reapreciação da aplicação do Direito aos factos provados, que no modesto entendimento da Recorrente e sem embargo de todo o respeito que lhe merece opinião divergente, não foi corretamente efetuado na douta Sentença recorrida, constituindo fundamento específico de recorribilidade a violação, designadamente, do disposto nos artos 140º/2, alínea f), art.º 141º/1, alínea e) e nº 3, e art.º 147º/1, alínea a), todos do Código do Trabalho vigente. D) QUANTO À MATÉRIA DE FACTO – OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS: Analisada a totalidade da prova produzida constata-se nenhuma censura merecer a prova dos factos correspondentes aos números 1 a 49, inclusive, considerados provados na douta Sentença sob escrutínio, e, bem assim, os factos considerados não provados e identificados com os números 1 a 10, 12 a 15 e 17, todos inclusive, da fundamentação de facto, o que equivale a dizer que considera a Recorrente que os factos considerados não provados e vertidos nos números 11 e 16, foram incorretamente julgados face ao manancial probatório que ressalta dos autos, entendendo que a prova produzida impõe que os mesmos sejam considerados provados, com as consequências legais. E) FACTO CONSIDERADO NÃO PROVADO nº 11 – A Ré tenha mantido contactos pessoais com a Autora, em 10/09/2020, em 06/10/2020 e 14/10/2020 e, em todas essas datas, foi-lhe transmitida a necessidade de redução de recursos humanos, o que a Autora compreendeu e aceitou, nunca tendo manifestado qualquer sinal de desacordo ou de espanto em relação a essa decisão – Sobre as componentes deste facto considerado não provado na douta Sentença em crise depuseram o Representante legal da Ré, em sede de declarações de parte, e a própria Autora, conforme a transcrição parcial das suas declarações que constam do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidas e integradas. F) Entende a Recorrente que tais declarações impunham considerar provado este facto que acabou por ser considerado não provado porquanto o Representante legal da Recorrente expôs, de forma coerente, circunstanciada e precisa, que promoveu vários contactos telefónicos com a Autora, designadamente em 10/09/2020, 06/10/2020 e 14/10/2020, no sentido de acompanhar a evolução do seu estado de saúde e convalescença e igualmente para a informar da necessidade de redução de recursos humanos face à circunstância de se encontrar iminente a segunda vaga de pandemia, com o inevitável e notório decréscimo brutal de atividade, e de terem deixado de subsistir os fundamentos do termo aposto no contrato e que motivaram a contratação e que a Autora, quando informada dessa necessidade de redução dos recursos humanos, nunca manifestou qualquer sinal de desacordo ou surpresa, tendo aceitado e compreendido essa decisão. G) A Autora reconheceu espontaneamente terem ocorrido vários contactos por parte da Recorrente, inteirando-se da sua recuperação, e que lhe tinha sido transmitido nesses contactos que existia uma necessidade de redução de recursos humanos, reconhecendo igualmente, de forma expressa, que não tinha apresentado qualquer objeção e que lhe foi entregue uma carta de recomendação, a seu pedido. H) Tudo isto impunha ao Tribunal a quo que valorasse decisivamente as declarações que foram prestadas de forma rigorosa, enquadrada e espontânea e reprimisse, de outra sorte, quer as meras convicções pessoais preconcebidas quer, fundamentalmente, as declarações oferecidas na sequência de inúmeras questões que fizeram a Autora intuir que porventura as suas respostas originais não serviam a sua pretensão, até porque, compaginadas as declarações quer do Representante legal da Ré quer da Autora não subsistem dúvidas razoáveis quanto à existência de vários contactos telefónicos entre ambos, que todos reconhecem, que o Representante legal da Ré transmitiu à Autora a necessidade de redução de recursos humanos face à iminência da segunda vaga da pandemia, o que ambos igualmente reconhecem, e que, pelo menos, a Autora não teve qualquer reação a tal comunicação, compreendendo a necessidade da Ré, aceitando-a ao ponto de solicitar uma carta de recomendação, que lhe foi reconhecidamente entregue, para prosseguir a sua atividade laboral num outro local. I) A Autora reconheceu expressamente, em registo confessório, que não manifestou qualquer desacordo ou espanto com a decisão, porque a compreendeu (o que, refira-se, não podia ser de outro modo porquanto qualquer pessoa sabia, por constituir facto notório, que a pandemia estava no auge e que novos confinamentos estavam a caminho, como inevitavelmente veio a suceder) e aceitou (basta atentar na conduta por si assumida, de solicitação e posterior aceitação da carta de recomendação), algo que, de resto, colocou a Ré, atento o critério de pessoa de média instrução e diligência, no perfeito convencimento de que a Autora nenhuma ilegalidade vislumbrava no contrato e correspondente decisão de não renovação contratual, perante a sua conformação face à comunicação telefónica que lhe foi efetuada. J) Donde, a prova que ressalta destes autos impunha ao Tribunal a quo, bem diversamente ao que acabou declarado na douta Sentença recorrida, que considerasse provado este facto elencado sob o nº 11 dos factos não provados, pelo que se pugna com todas as consequências legalmente previstas, mais concretamente devendo ser considerado provado este facto da matéria de facto, o que se requer seja subidamente declarado. K) FACTO CONSIDERADO NÃO PROVADO nº 16 – Quando a Autora foi contratada, a oferta de serviços em Vila Nova de Gaia tinha sofrido redução por encerramento parcial de atividade de outra clínica, o que determinou acréscimo de serviços para a sociedade Ré – Sobre as componentes deste facto, considerado não provado na douta Sentença ora sob escrutínio, depôs o Representante legal da Ré, o que fez de forma circunstanciada e espontânea, não sendo tais declarações contrariadas por qualquer outra prova produzida e, ademais, confirmadas pelas Testemunhas BB, CC e DD, que esclareceram o modo como eram geridos os picos de afluência da Ré, que forçava a alguma flexibilidade na composição de horários dos trabalhadores e na forma como era gerido o quadro de recursos humanos, particularmente numa altura absolutamente anómala como consabidamente foi o hiato temporal durante o qual a pandemia se instalou a nível nacional e mundial. L) Resultou claro dos depoimentos oferecidos por várias Testemunhas que, por um lado, existia interesse da Ré na contratação pontual de prestadores de serviços para acorrer aos picos de afluência e acréscimo pontual da atividade (que esporadicamente eram igualmente contratados por contrato a termo certo quando existiam necessidades mais prementes e individualizadas de recursos humanos) e que, por outro, muitos dos Trabalhadores não pretendiam a celebração de contratos sem termo (aliás, alguns nem sequer aceitavam a celebração de um contrato a termo pois pretendiam manter-se como prestadores de serviços, o que lhes garantia liberdade plena na conformação dos seus horários e disponibilidades). M) A Ré é uma clínica que se dedica à realização de exames complementares de diagnóstico médico e análises clínicas, sendo procurada por Utentes que são maioritariamente portadores de prescrições do Serviço Nacional de Saúde, sendo certo que a circunstância de ter ocorrido uma diminuição de oferta na zona geográfica em que se encontra estabelecida (num caso devido a gestão impreparada e no outro por ter deixado de realizar determinados exames) implica a consequência necessária e inevitável de acréscimo da sua atividade, o que constitui facto notório, a que acresce ter sido tal factualidade aflorada pelas Testemunhas BB, CC e DD, sendo certo, de todo o modo, que as declarações do Representante legal da Ré foram absolutamente esclarecedoras, por sobejamente concretizadas e circunstanciadas. N) Donde, a prova que ressalta destes autos impunha ao Tribunal a quo, bem diversamente ao que acabou declarado na douta Sentença recorrida, que considerasse provado este facto elencado sob o nº 16 dos factos não provados, pelo que se pugna com todas as consequências legalmente previstas, mais concretamente devendo ser considerado provado este facto da matéria de facto, o que se requer seja subidamente declarado. O) QUANTO À APLICAÇÃO DO DIREITO À MATÉRIA DE FACTO PROVADA – DA NULIDADE DO TERMO RESOLUTIVO APOSTO NO CONTRATO DE TRABALHO – Resultou provado (Cfr. Pontos 1 e 2 dos factos provados) que a Autora e Ré acordaram, por contrato escrito datado de 21 de setembro de 2017, que a primeira passaria a exercer, a partir de 01 de outubro desse mesmo ano, sob as ordens, direção e fiscalização da segunda, as funções inerentes à categoria profissional de Assistente de Consultório – nível 1 e todas as demais funções que dentro das suas aptidões e competência estivessem relacionadas com tal categoria profissional, mediante retribuição mensal de €560,00 (sendo de €645,00 à data de cessação do contrato), e que este vigorava pelo período de um ano, renovando-se no seu termo por igual período, na ausência de declaração das partes em contrário, mais tendo resultado provado (Cfr. Ponto 3 dos factos provados) que a cláusula quinta, alínea c), do referido contrato tem o seguinte teor: “O presente contrato a termo certo é celebrado nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, sendo a contratação justificada para suprir absentismo temporário de recursos humanos por período prolongado e no acréscimo pontual na procura e realização de exames complementares de diagnóstico, que advém sobretudo do Sistema Nacional de Saúde”. P) Na douta Sentença em crise foi declarada a nulidade da cláusula de termo resolutivo aposta no contrato ajuizado, por força do estatuído no art.º 147º, nº 1, alínea a) do Código do Trabalho, com a consequência inevitável de ser considerado o contrato celebrado ab initio por tempo indeterminado e ilícito o despedimento promovido pela ora Recorrente, não se conformando a Recorrente com tal declarado entendimento, considerando que ocorreu na Sentença recorrido errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 147º, nº 1, alínea a) do Código do Trabalho, como infra explanará. Q) Importa desde logo afastar um dos casos académicos de nulidade do termo – a simples e seca reprodução de uma das alíneas dos números 2 ou 4 do artigo 140.º do atual Código do Trabalho – o que manifestamente não sucede in casu. R) Importa igualmente ter presente que o termo justificativo não pode ser tão vago e indefinido que impeça o trabalhador e, depois, a ACT e o Tribunal de Trabalho, de compreender e fiscalizar, devida e efetivamente, as razões em que se radica a necessidade de firmar um tal contrato e a exigência legal de concretização do termo justificativo não reclama que o empregador escreva e descreva o motivo explicativo com o máximo de detalhe ou pormenor que, materialmente, lhe for possível, bastando-lhe fazê-lo de maneira a que se ache suficientemente definida e percetível a situação de facto real e concreta que reclama a celebração do contrato de trabalho a termo certo em questão, possibilitando, dessa forma, a um qualquer declaratário colocado na mesma posição do trabalhador, a exata e objetiva compreensão do motivo invocado pela entidade patronal. S) A fronteira entre a licitude ou ilicitude do motivo justificador da aposição do termo certo passa exatamente pela existência ou inexistência de uma realidade factual concreta e verdadeira a que aquele necessariamente se tem de referir e à inerente possibilidade ou impossibilidade de acompanhamento e controlo pelo trabalhador e, depois, pela inspeção do trabalho e pelos tribunais do foro laboral, daquela correspondência e conformidade. T) É referido na Sentença em crise que existe uma contradição insanável e intrínseca dos termos utilizados no termo justificativo porquanto, segundo o que aí se defende, “Aquilo que é temporário, por natureza, não pode acontecer por períodos prolongados”, conclusão que não é verdadeira e somente pode alcançar-se por confusão terminológica e semântica visto que a definição dos conceitos “temporário” e “prolongado” remete para a seguinte densificação: “Que só dura um certo tempo; provisório, transitório”; “Algo que se estende no tempo = demorado”. U) Basta atentar em situações empíricas clássicas para se perceber que, por mero exemplo, a gravidez é um estado temporário e que se prolonga no tempo, ou, de diversa ótica, uma doença como a COVID-19 (cujo impacto ainda lateja na memória de todos) é um estado temporário que se prolonga no tempo. Isto somente para dizer que inexiste qualquer contradição insanável entre os termos “temporário” e “prolongado”, como apontado na douta Sentença recorrida. V) Veja-se igualmente que, contrariamente ao defendido na Sentença em crise, a expressão “absentismo temporário…por período prolongado” não remete necessariamente para “faltas ocasionais ao trabalho” mas sim a faltas ao trabalho que, previsivelmente, se estenderão no tempo, como a convalescença de uma intervenção cirúrgica, por exemplo, ou sujeitas a maior reiteração. A própria data de celebração do contrato (final de setembro e portanto na antecâmara do período crítico de afluência de clínicas como a Ré, que é o Inverno) indica incontroversamente que a Ré pretendia reforçar os seus recursos humanos por ser previsível, por um lado, o aumento exponencial do absentismo laboral no período de maior incidência de doenças respiratórias e contagiosas, e, por outro lado, porque se avizinhava o período crítico em termos de afluência previsível de Utentes. W) A expressão “…acréscimo pontual na procura e realização de exames complementares de diagnóstico, que advém sobretudo do Sistema Nacional de Saúde” não surge como insindicável nem reverte para conceitos vagos, genéricos e abstratos, bem pelo contrário pois, apenas deste pequeno trecho do termo justificativo, é possível retirar imediatamente o que provoca o acréscimo de trabalho (acréscimo pontual da procura e realização de exames complementares de diagnóstico), qual a entidade jurídica que provoca maioritariamente esse acréscimo pontual (o SNS) e a data em que tal se verificou (correspondente à data de celebração do contrato e sua vigência posterior). X) A circunstância de ter diminuído a oferta, e consequentemente a concorrência, na área geográfica onde se encontra instalada a Ré, constitui igualmente justificação para o acréscimo excecional e previsível da atividade da empresa que, embora não expressamente declarado no termo justificativo (embora coberto pela expressão “sobretudo”), corresponde à realidade factual que se verificou no contexto da celebração do contrato. Y) Com toda a franqueza, não se percebe como pode deixar de considerar-se que esta descrição de motivos e fundamentos não reflete “um pedaço da vida real”, cuja veracidade não é possível apurar ou confirmar até porque um determinado termo/motivo justificativo é, até por natureza e definição, algo que assenta em critérios de probabilidade e não de certeza absoluta, pois quando uma entidade empregadora prevê a necessidade de contratação de recursos humanos para corresponder a necessidades que não são permanentes da empresa, nunca sabe (não pode saber), as concretas encomendas que irá receber e até, muitas vezes, o período previsível em que as mesmas serão realizadas em contraponto com a sua normal atividade. Z) In casu, concorreram para a celebração do contrato a termo várias circunstâncias coincidentes – o previsível aumento de absentismo laboral e aumento excecional da atividade, ambos devido ao período sazonal que se avizinhava, e a diminuição da oferta e concorrência na zona geográfica de atividade – todas demonstradas nos autos. AA) O motivo justificativo não somente permitiu a sua fiscalização pela Trabalhadora (que conhecia perfeitamente este enquadramento factual até porque já prestava serviços há alguns meses à Ré), por qualquer entidade fiscalizadora como pelo Tribunal porquanto a prova produzida permite perfeitamente recriar esse “pedaço da vida real” exigido na Sentença recorrida e a própria Autora nunca colocou em causa a realidade transmitida no termo justificativo, nem podia porque não poderia alegar desconhecimento de uma realidade em que se movia quotidianamente. BB) O que equivale a dizer, na esteira do que vem de expor-se e sem necessidade de mais desenvolvidas considerações perante a meridiana clareza do ora defendido pela Recorrente, que o termo justificativo tem concretização suficiente e é verdadeiro, encontrando guarida no disposto no art.º 140º/2, alínea f) do Código do Trabalho e cumprindo as estipulações do art.º 141º/1, alínea e) e nº 3, do mesmo corpo de Leis, pelo que se pugna com todas as consequências legais. CC ) Ocorrendo, na douta Sentença recorrida, incorreta interpretação do disposto no art.º 140º/2, alínea f), art.º 141º/1, alínea e) e nº 3, e do art.º 147º, nº 1, alínea a), todos do Código do Trabalho vigente, e sua consequente violação, o que impõe a sua revogação e substituição por outra que declare lícito o despedimento ajuizado, o que se requer na plenitude das consequências legais. DD) SEM PRESCINDIR – DO ABUSO DO DIREITO – A existência ou não de abuso do direito afere-se a partir de três conceitos essenciais: (i) a boa-fé; (ii) os bons costumes; e (iii) o fim social ou económico do direito; porém, o exercício do direito só é abusivo quando o excesso cometido for manifesto. EE) Uma das modalidades que pode revestir o abuso de Direito encontra guarida no instituto jurídico denominado “venire contra factum proprium”, esta vertente do abuso de Direito inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adota uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes atuara. FF) Dos factos considerados provados nestes autos (a que acrescem os factos considerados não provados elencados sob os números 11 e 16 cuja alteração se requereu supra) goteja uma realidade factual demonstrada que não consente a condenação da Ré em indemnização pelo despedimento considerado ilícito, na arbitrada quantia a título de danos morais nem no pagamento de todas as retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento (com as competentes deduções fixadas na Sentença) até ao trânsito em julgado da Decisão. GG) Isto porque flui dos factos provados nestes autos que a realidade factual transposta para o motivo justificativo do contrato corresponde à realidade e surge com um grau de concretização que permite a sua sindicância quer pelo Trabalhador quer por Autoridade Pública (Cfr. Factos provados nº 1 a 3 e factos não provados nº 11 e 16, cuja alteração é aqui requerida). Realidade que a Autora conhecia porque já prestava serviços à Ré antes da celebração do contrato ajuizado (Cfr. Facto provado nº 7), tendo compreendido e aceitado a decisão de não renovação do seu contrato (Cfr. Facto não provado nº 11, cuja alteração foi requerida), que lhe foi comunicada antes sequer da formalização (Cfr. Facto provado nº 39), tendo inclusivamente solicitado à Ré uma carta de recomendação, que esta lhe entregou (Cfr. Facto provado nº 40). HH) A Ré agiu sempre com imaculada boa-fé, resultando patente da prova produzida que é uma entidade empregadora respeitadora dos direitos dos seus trabalhadores, que os acarinha e premeia em função do seu mérito, mesmo tendo presente a inconstância dos seus períodos de maior afluência e atividade, o que redunda na conclusão de que a realidade subjacente à celebração do contrato é verdadeira e corresponde a um acréscimo excecional da atividade pelos motivos plasmados no termo e que resultaram demonstrados nestes autos. II) A Ré celebrou um contrato de trabalho a termo com a Autora perfeitamente convencida da licitude e regularidade do seu comportamento, na mais transparente boa-fé e a Autora aceitou a celebração do contrato por saber que os fundamentos plasmados no motivo justificativo eram verdadeiros – razão pela qual nunca os colocou em crise, o que surge reforçado por ser perfeitamente conhecedora da realidade da atividade da Ré por já lhe prestar serviços. JJ) Quando lhe foi comunicada a intenção de não renovação contratual – fazendo sentido sublinhar que tal sucedeu em plena pandemia, um evento inusitado e com consequências demonstradamente devastadoras para o tecido empresarial português – a Autora compreendeu a decisão, aceitando-a de forma tão plena e natural como espontâneo foi o seu pedido de disponibilização de uma carta de recomendação, revelando-se fundamental referir que a Autora foi comprovadamente informada (Cfr. Facto provado nº 39) pela Ré, antes da formalização dessa intenção, de que iria receber uma comunicação de não renovação do contrato, nada tendo objetado à Ré, que permaneceu convicta de que, tanto para a Autora como para si, era absolutamente clara a legalidade do contrato e forma da sua cessação. KK) Face a estas múltiplas condutas dos Intervenientes processuais dúvidas não restarão que a Ré estava perfeitamente convencida da licitude do seu comportamento, o mesmo sucedendo com a Autora, o que é concretizado em toda a sua atuação perante a Ré, desde a ausência de uma mínima objeção até ao pedido de uma carta de recomendação, com o corolário de ter a Autora, inclusivamente, aceitado o pagamento dos seus créditos laborais, quantia que recebeu e integrou no seu património. LL) Neste enquadramento factual, a determinação da Autora de instaurar um processo judicial contra a Ré com vista à declaração de ilicitude do despedimento e inevitáveis consequências legais, a que acresce pedido indemnizatório por danos morais, surge como arredada e contrária a todo o comportamento por si anteriormente assumido. MM) Existe uma boa-fé subjetiva e assente em elementos razoáveis por parte da Ré – que promoveu a celebração do contrato a termo numa altura de acréscimo excecional da sua atividade, ainda para mais com uma pessoa que conhecia a realidade subjacente à celebração do contrato por ter prestado serviços à Ré. NN) Existiu, incontroversamente, um investimento de confiança porquanto, por um lado, o contrato foi renovado na vigência da relação laboral e, por outro, mesmo quando a Ré informou previamente a Autora da sua intenção de comunicar a não renovação do vínculo contratual a Autora nem uma palavra lhe transmitiu que indiciasse que considerava nula a cláusula contendo o motivo justificativo e ilegal a forma de cessação contratual, o que reforçou a convicção da Ré quanto à licitude da sua atuação, agora posta em crise (e com consequências patrimoniais relevantíssimas) pelo novel comportamento da Autora. OO) E este convencimento da Ré foi manifestamente provocado pela Autora, com reiteradas e evidentes manifestações, que se prolongaram mesmo após a cessação contratual. PP) Pretender, como pretende a Autora e perante o que ficou exposto, ver declarado ilícito o despedimento, com as competentes consequências legais, e ademais ser indemnizada por danos morais decorrentes da cessação contratual nestas concretas circunstâncias, contrariando o factum proprium gerador da confiança criada na Confiante, apresentando-se esta com toda a boa-fé, face à completa ausência de manifestação da Autora de que consideraria o motivo justificativo e forma de cessação contratual ilegais, com consequências irreversíveis para a Ré, que nessa convicção promoveu a cessação contratual nos termos aplicáveis à contratação a termo o que jamais teria feito se sequer suspeitasse que a Autora não estava vinculada ao comportamento sempre por si assumido, constitui exuberante abuso de Direito, previsto no art.º 334º do Código Civil e na modalidade de “venire contra factum proprium”, algo que o Direito não permite nem os princípios toleram, até porque, não fosse o comportamento reiterado da Autora, poderia a Ré optar por fazer cessar o vinculo laboral com outros trabalhadores ou então promover a cessação contratual de outra forma, que nunca seria considerada ilícita. QQ) Sendo a questão do abuso de Direito de conhecimento oficioso do Tribunal a quo, demonstrando-se os seus pressupostos verificados, como in casu nitidamente sucede, forçaria a prova produzida a que o Tribunal recorrido se pronunciasse sobre esta matéria, por fulcral na decisão de mérito da causa decidenda, sob pena de incorrer a douta Sentença sob escrutínio na nulidade plasmada no art.º 615º, nº 1, al. d) e nº 4, do C.P.C., como efetivamente incorreu, nulidade que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. RR) Ocorrendo igualmente, como consequência lógica do vindo de expor, violação do art.º 334º do Código Civil na douta Sentença em crise, que impõe não somente que a mesma não se mantenha, devendo ser revogada, pelo que se pugna, mas similarmente que seja declarado pelo Tribunal superior que a Autora, ainda que sob as vestes de exercício legítimo de um direito, atua nestes autos com abuso de Direito, paralisando o efeito jurídico pretendido obter pelo abusador, por contrário à ordem jurídica vigente, o que redundará na improcedência da pretensão da Autora, o que se requer com todas as consequências de Lei. Termina dizendo dever o recurso ter provimento e em consequência: A) Ser declarados como provados os factos considerados não provados na Sentença recorrida e elencados sob os números 11 e 16 da matéria de facto considerada não provada, com as consequências legais; B) Ser declarado que o termo justificativo tem concretização suficiente e é verdadeiro, encontrando guarida no disposto no art.º 140º/2, alínea f) do Código do Trabalho e cumprindo as estipulações do art.º 141º/1, alínea e) e nº 3, do mesmo corpo de Leis, e, em sequência, que ocorreu, na douta Sentença recorrida, incorreta interpretação do disposto nos art.º 140º/2, alínea f), art.º 141º/1, alínea e) e nº 3, e do art.º 147º, nº 1, alínea a), todos do Código do Trabalho vigente, e sua consequente violação, o que impõe a sua revogação e substituição por outra que declare lícito o despedimento ajuizado, o que se requer na plenitude das consequências legais; C) SEM PRESCINDIR, deve ser declarada a invocada nulidade de omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do art.º 615º, nº 1, al. d) e nº 4, do C.P.C., por se encontrarem verificados os pressupostos de aplicabilidade do instituto de abuso de Direito, plasmado no art.º 334º do Código Civil, que foi assim e igualmente violado, por ser matéria de conhecimento oficioso sobre a qual o Tribunal a quo não poderia deixar de pronunciar-se face à prova produzida, e, em consequência, ser revogada a douta Sentença recorrida e substituída por outra em que seja declarado pelo Tribunal superior que a Autora, ainda que sob as vestes de exercício legítimo de um direito, atua nestes autos com abuso de Direito, paralisando o efeito jurídico pretendido obter pelo abusador, por contrário à ordem jurídica vigente, o que redundará na improcedência da pretensão da Autora, o que se requer com todas as consequências de Lei. A Autora apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem: A) O recurso interposto pela Ré, aqui Recorrente, incide quer sobre matéria de facto, quer sobre matéria de direito. B) No que à matéria de facto concerne, entende a Recorrente que o tribunal a quo deveria ter dado como provado, ao contrário do que considerou na sentença agora recorrida, a factualidade vertida nos pontos 11 e 16. C) Sucede que, e tal como decidido pelo tribunal a quo, diga-se que nesta matéria concreta sem qualquer reparo, a decisão de não provada era a única possível de ser tomada. D) Desde logo, a Recorrente não invocou factos suficientemente concretos, nos pontos 11 e 16, que permitissem ao juiz formar a sua convicção aquando da inquirição das testemunhas, até porque na ausência de factos circunstanciados e delimitados no tempo, espaço, hora, tornou-se impossível as testemunhas pronunciarem-se de forma objetiva, não permitindo uma prova cabal para formar a convicção do Tribunal. E) Ora, os depoimentos prestados, quando muito, poderiam gerar dúvida sobre a motivação da contratação da Autora a termo e da compreensão por parte desta desses motivos, porém, o ónus da prova impendia sobre a Ré, pelo que na dúvida sempre os factos alegados teriam de ser dados como não provados – artigo 342º e 346º do C. Civil. F) Todavia, e independentemente do resultado da prova dos quesitos já mencionados, sempre a ação procederia pela via da não justificação do termo, face às exigências substanciais do art.º 140º e as exigências formais do art.º 141º do CT. G) Pretendeu a Ré, através da sua Contestação justificar as razões, os motivos concretos que estiveram na base da contratação da Autora, aqui Recorrida, através de um contrato de trabalho a termo, quando o deveria ter feito no momento da celebração do contrato. H) Se atentarmos à alínea c) da cláusula quinta do contrato de trabalho a termo certo, celebrado com a Autora e aqui Recorrida, a justificação apresentada, conforme exigência legal prevista na alínea f) do nº 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, diz o seguinte e que se passa a transcrever “… a contratação justificada para suprir o absentismo temporário de recursos humanos por período prolongado e no acréscimo pontual na procura e realização de exames complementares de diagnósticos, que advém sobretudo do Sistema Nacional de Saúde”. I) Ora, o normativo legal 141º nº 1 al. e) e nº 3 do Código do Trabalho, exige que os contratos a termo contenham a menção expressa de factos concretos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. J) Trata-se de uma formalidade “ad substantiam”, ou seja, exigível para a validade do próprio contrato, como contrato a termo, como resulta dos artigos 147º, nº 1, alínea c) do C. do Trabalho e tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência. K) No caso em apreço, com facilidade se conclui que a “justificação” apresentada não invoca factos concretos, antes conceitos vagos, abstratos, indeterminados, sem localização temporal, enfim, conceitos que permitem simplesmente justificar o injustificável. L) Atentemos, a título de exemplo, em algumas das expressões: “suprir absentismo” – de quem?, quantos trabalhadores estariam ausentes? Por quanto tempo? M) Depois até se verifica uma contradição “suprir absentismo temporário de recursos humanos por período prolongado”, afinal em que ficamos, temporário ou prolongado? E se sabiam que seria prolongado também sabiam quais eram os recursos humanos em falta. Prolongado a que corresponde? 6 meses, um ano, 3 anos, 5 anos? N) “acréscimo pontual na procura de exames e a diagnósticos que advém sobretudo do Serviço Nacional de Saúde” – em concreto que exames foram e diagnósticos, até porque isso implica convenções celebradas entre o SNS e as clínicas particulares. Em que consistiu esse acréscimo pontual? O) Ou seja, nunca se esteve em causa perante uma situação excecional de acréscimo temporário de trabalho, antes estamos perante o modus operandi de uma entidade empregadora que como todas as testemunhas relataram, inclusive, as da Recorrente, sempre os contratos iniciais apresentados pela empresa são a termo. P) E tanto assim é que a Autora, manteve o seu vínculo contratual com um contrato a termo que se foi renovando, até 2020, e sempre com a mesma justificação (sem que se alterasse uma virgula). Q) Nulo o termo do contrato, este passou a contrato sem termo, pelo que a cessação unilateral por parte da Ré, em 30/09/2020, traduziu-se num despedimento ilícito, já que não precedido de procedimento disciplinar ou fundado em justa causa – artigo 381º do C. Trabalho. R) Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, procedendo o pedido principal da ação. S) Por último, mas não menos importante, compreendemos o estado de desespero da Recorrente e a necessidade de disparar, agora, em todas as frentes, vindo acusar a Autora de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. T) E sem grandes delongas, afirmar que a Autora, trabalhadora, nunca teve a oportunidade de negociar os termos contratuais que assinou, o contrato foi-lhe apresentado com o clausulado para, caso pretendesse continuar a trabalhar (antes estava a recibos verdes), teria de assinar o documento em si. U) Muito menos a trabalhadora teria a obrigação de conhecer os motivos que levam a Recorrente, à época entidade empregadora a celebrar um contrato a termo ou sem termo, se os motivos são verdadeiros ou falsos e, muito menos, se estão apresentados conforme a lei o exige. V) A mera compreensão do clausulado pela Autora não implica que esta abdique de qualquer direito emergente do mesmo, apenas pretendendo fazer valer os seus direitos laborais com a presente demanda, e foi o que fez. W) O direito à segurança no emprego tem tutela constitucional (art.º 53º da CRP), não se verificando, in casu, qualquer atitude da Autora que exceda manifestamente os limites imposto pela boa-fé ou pelo fim económico ou social do direito que faz valer, como pressupõe o instituto do abuso de direito previsto no art.º 334º do Cód. Civil, pelo que terá de improceder. Termina dizendo dever o recurso improceder, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, sendo referido, quanto à nulidade da sentença, invocada pela Recorrente, o seguinte: Suscita a Recorrente a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia. Efetivamente, tem razão a Recorrente ao alegar que o instituto do abuso de direito, nas suas diferentes modalidades é de conhecimento oficioso. No caso concreto não se pronunciou o Tribunal oficiosamente sobre o mesmo precisamente porque, naturalmente, não vislumbrou a respetiva existência. Desta forma não tem qualquer razão a Recorrente ao invocar a aludida omissão de pronúncia. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, sendo referido, essencialmente, o seguinte: 1. O Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente que deveriam ser declarados como provados os factos considerados não provados na Sentença recorrida e elencados sob os números 11 e 16 da matéria de facto considerada não provada, com as consequências legais. Porém dos elementos referidos entende, salvo melhor opinião, que não assiste razão ao Réu, devendo confirmar-se a douta sentença recorrida. 2. A questão principal é a de saber se as razões invocadas para a justificação da celebração do contrato a termo são suficientes e satisfazem os requisitos legais. Salvo melhor opinião entende-se que não, como se considerou. Na verdade, dizer-se que “o presente contrato de trabalho a termo certo é celebrado nos termos da alínea f) do n.º 2 do art.º 140º do Código do Trabalho, sendo a contratação justificada para suprir absentismo temporário de recursos humanos por período prolongado e no acréscimo pontual na procura e realização de exames complementares de diagnósticos, que advém sobretudo do Sistema Nacional de Saúde”, é uma justificação genérica que se adapta a vários contratos e a momentos temporais diferentes. Não vem referido ou identificado qualquer trabalhador que esteja a faltar nem porque razão é temporário o absentismo. 3. Assim, em consequência, entende-se, também, que a conduta da Autora não constitui abuso de direito. Está esta, antes, a exercer um direito que lhe é devido, e que lhe assiste. Não há elementos no processo que indiciem que a Autora tenha acordado com o Réu o fim do contrato e as quantias a que tinha direito. Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. Cumpre apreciar e decidir. * FUNDAMENTAÇÃOConforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada [2], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso. Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[3] é saber se: ● a sentença recorrida é nula nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil (omissão de pronúncia)? ● houve erro de julgamento na matéria de facto ao serem dados como não provados os pontos 11. e 16.? ● o contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré cessou por caducidade? ** Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem: 1. Autora e Ré acordaram, por contrato escrito datado de 21 de setembro de 2017, que a primeira passaria a exercer a partir de 01 de outubro desse mesmo ano, sob as ordens, direção e fiscalização da segunda, as funções inerentes à categoria profissional de Assistente de Consultório – nível 1 e todas as demais funções que dentro das suas aptidões e competência estivessem relacionadas com tal categoria profissional, mediante a retribuição mensal de €560,00 (sendo €645,00 à data da cessação do contrato). 2. Segundo a cláusula quinta do Contrato, este vigorava pelo período de um ano, renovando-se no seu termo por igual período, na falta de declaração das partes em contrário. 3. A cláusula quinta, alínea c), do referido contrato tem o seguinte teor: “… c) O presente contrato a termo certo é celebrado nos termos da al. f) do n.º 2 do artigo 140.º do Código de Trabalho, sendo a contratação justificada para suprir o absentismo temporário de recursos humanos por período prolongado e no acréscimo pontual na procura e realização de exames complementares de diagnósticos, que advém sobretudo do Sistema Nacional de Saúde”. 4. A Ré enviou à Autora uma carta, datada de 10/09/2020, com o seguinte teor: “… Vimos, por este meio comunicar a V. Exa que, nos termos do nº 1 do art.º 344.º do Código de Trabalho, o contrato de trabalho entre nós celebrado em 21/09/2017 e com início em 01/10/2017, caducará no próximo dia 30 de setembro de 2020, data a partir da qual deixará de estar vinculada ao mesmo e prestar-nos o seu trabalho. Com efeito, cessaram os fundamentos que levaram à contratação de V. Exa a termo certo, designadamente e até pelo decréscimo acentuado do volume de trabalho resultante da pandemia de Covid-19 que implica forte restruturação do nosso quadro de recursos humanos, razões que motivam esta nossa intenção de não renovação do contrato que pela presente comunicamos. …” 5. O contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré definia a retribuição mensal a auferir, na sua cláusula segunda (€ 560,00 em 2017), o local de prestação de trabalho na cláusula terceira (na sede da empresa), o horário a ser praticado pela autora na cláusula quarta (40 horas semanais, de segunda a sexta-feira das 08h30 às 12h30 e entre as 14h30 e as 18h30 e Sábado, entre as 8h00 e as 12h00). 6. Na alínea b) da cláusula quarta previa-se que que o horário era ajustado semanalmente de acordo com a agenda e necessidades da Ré, sendo que a Autora, expressamente, o aceitava. 7. A Autora, desde o início de 2017, vinha desempenhando, para a Ré, as mesmas funções que desempenhava por via do contrato referido em 1., atendendo o telefone, servindo de rececionista e algumas vezes até de datilógrafa, executando os relatórios dos exames efetuados pelos médicos. 8. Em horários definidos pela Ré, depois de apurada a disponibilidade da Autora para o efeito. 9. Entre 01/10/2017 e 30/09/2020, a Autora, regular e diariamente, exerceu no estabelecimento da Ré essas mesmas funções. 10. A Ré procedeu ao pagamento à Autora das seguintes verbas mensais: ◦ em janeiro de 2017, € ‘300,00; ◦ em fevereiro de 2017, €640,00; ◦ em março de 2017, €660,00; ◦ em abril de 2017, €640,00; ◦ em maio de 2017, €620,00; ◦ em junho de 2017, €660,00; ◦ em julho de 2017, €800,00; ◦ em agosto de 2017, €760,00; ◦ em setembro de 2017, €760,00. 11. Para o pagamento dessas quantias a autora emitia recibos os verdes solicitados pela Ré. 12. Até ao início de 2017, a Autora conciliava o serviço que prestava à Ré com um emprego que tinha num Centro Comercial. 13. A partir do mês março de 2017, a Autora passou apenas a desempenhar as funções descritas em 7. para a Ré, continuando a emitir os referidos recibos verdes. 14. A Autora sempre desempenhou as suas funções nas instalações da Ré, sitas à Avenida ..., em Vila Nova de Gaia, onde funciona o Centro de Diagnóstico Médico. 15. Obedecendo às ordens que lhe eram dadas por EE e da Diretora Técnica Dra. FF e utilizando, nessas funções, o telefone, computador, secretária e consumíveis propriedade da Ré. 16. Praticando o horário de trabalho estipulado, previamente e semanalmente, pelas suas chefias, designadamente pela referida EE, a quem incumbia fazer o planeamento de funções e distribuição de horários pelos colaboradores, cujo serviço era organizado em turnos. 17. Na sequência da cessação do contrato de trabalho, a Ré pagou à Autora as seguintes verbas: a) Remuneração mensal no valor de €645,00; b) Retribuição proporcional subsídio de Natal no valor de €482,87; c) Retribuição subsídio de férias, no valor de €482,87; d) Indemnização por cessação do contrato, no valor de €1.161,00; e) Hora Trabalho, no valor de €61,40. 18. Em 12/08/2020 a Autora ficou em situação de incapacidade temporária para o trabalho, por gravidez de risco. 19. Em 10/09/2020 encontrava-se publicado, no sítio da internet, um anúncio para “assistente de consultório” na Ré, constando: “Detalhes da oferta F/M - Assistente de Consultório na área de diagnóstico médico; - Tempo parcial; - Vila Nova de Gaia”. 20. No seguimento deste anúncio, a Ré veio a admitir pelo menos duas funcionárias, a recibos verdes, obedecendo a ordens e diretrizes transmitidas pela Ré. 21. Antes de enviar à Autora a missiva referida em 4., a Ré tinha adquirido equipamentos, para iniciar a realização de exames de pneumologia, quer a nível particular, quer a nível do SNS. 22. Quando recebeu a carta referida em 4., em virtude de ter sido obrigada a uma interrupção da gravidez por problemas no desenvolvimento do feto, a Autora encontrava-se ansiosa e nervosa, chorando com frequência, tinha dificuldade em dormir, isolava-se e evitava conviver até com a sua própria família, tendo necessitado de assistência médica e medicamentosa. 23. Depois de saber que a Ré não iria renovar o contrato de trabalho com ela celebrado, a Autora ficou mais ansiosa e nervosa, agravando-se a situação descrita em 22. 24. A Ré continua a realizar exames a pedido do SNS até aos das de hoje. 25. No ano de 2020 não foi ministrada à Autora formação. 26. A Ré tem uma atividade irregular, dependendo da disponibilidade dos médicos, que prestam serviços noutras entidades, das marcações dos utentes e das sucessivas variações de movimento de exames. 27. Durante o período em que a Autora foi trabalhadora da Ré, esta sempre teve ao seu serviço pessoas que desempenhavam as mesmas funções que a Autora, mediante a emissão de recibos verdes. 28. No período da manhã a Ré tem mais trabalhado, necessitando do serviço das pessoas que com ela têm contrato de trabalho e daquelas que emitem recibos verdes, o que já não acontece, no período da tarde. 29. A Ré define e comunica os horários às pessoas que com ela trabalham e colaboram com cerca de uma semana de antecedência. 30. A Ré recorre aos serviços de pessoas que emitem recibos verdes conforme o movimento previsto e de acordo com a disponibilidade daqueles. 31. A Ré explica a estas pessoas que não têm obrigação de aceitarem outros serviços e quaisquer outros horários e que a relação contratual estabelecida com as mesmas depende da respetiva disponibilidade e das necessidades da Ré. 32. Em 2017, a Autora foi solicitando que lhe fossem atribuídos mais horários, o que levou a Ré a propor-lhe a celebração do contrato referido em 1. 33. As quantias referidas em 10. traduziam o número de horas que a Autora prestava à Ré as funções referidas em 7. e segundo o preço/hora previamente acordado. 34. A Autora exercia atividade de entretenimento infantil em eventos, aos fins de semana, o que era do conhecimento da Ré. 35. A Autora, em data não concretamente apurada, informou o representante legal da Ré que se encontrava grávida e que a sua gravidez era de risco. 36. Em data não concretamente apurada, o companheiro da Autora informou o representante legal da Ré, telefonicamente, de que tinha ocorrido o aborto e que a Autora iria permanecer de baixa até 31/08/2020. 37. O representante legal da Ré manteve contacto telefónico com a Autora, no sentido de se inteirar do seu estado de saúde. 38. No final do mês de agosto de 2020, a Autora comunicou à Ré, telefonicamente, que iria permanecer de baixa mais 15 dias. 39. Antes do envio da carta referida em 4., o legal represente da Ré, através de telefone, disse à Autora que em virtude da redução da sua atividade, por via da pandemia de Covid-19 a Ré teria de reduzir o número de trabalhadores. 40. A Autora solicitou à Ré uma carta de recomendação, que esta lhe entregou. 41. A Autora e o legal representante da Ré sempre se relacionaram de forma cordial. 42. Com o anúncio referido em 19., pretendia a Ré contratar pessoas que prestassem serviços mediante a emissão de recibo verde, em virtude da perspetiva da segunda vaga da pandemia e a eventual necessidade de substituir temporariamente trabalhadores que fossem infetados pela Covid-19 ou obrigados a isolamento profilático. 43. A Ré teve necessidade de substituir vários trabalhadores que necessitavam de faltar por estarem infetados com Covid-19 ou em isolamento profilático. 44. Os exames de pneumologia referidos em 21. são efetuados durante apenas um período por semana, tendo realizados por técnica de cardiopneumologia, sem necessidade de assistente de consultório. 45. A percentagem de trabalhadores do sexo feminino da Ré é de cerca de 85%. 46. Ao longo dos anos algumas trabalhadoras passaram por processos de gravidez, continuando a trabalhar na Ré, tendo cumprido o tempo de gravidez, as respetivas baixas médicas, e utilizado o direito aos tempos de apoio aos filhos. 47. Quando uma trabalhadora da Ré que exerce funções na área de exames médicos de radiologia engravidou, a Ré colocou-a a efetuar outro tipo de funções, mantendo aquela a respetiva categoria profissional e remuneração. 48. Uma trabalhadora assistente de consultório da Ré, com gravidez de risco, esteve em casa vários meses durante a gravidez e posteriormente ao nascimento do filho, que precisou de atenção redobrada ao nível de saúde, continuando a fazer parte dos quadros de pessoal da Ré. 49. A Ré não pagou à Autora a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 01/01/2020, nem a retribuição de férias proporcional ao tempo se serviço prestado no ano de 2020. E foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos, que igualmente se reproduzem: 1. Pelas funções exercidas pela Autora, entre fevereiro e final de setembro de 2017, a Ré pagava à Autora, com caráter regular, mensalmente, para além das quantias que incluíam o vencimento, quantias atinentes a subsídios de férias, subsídio de Natal e horas extras, distribuindo tais verbas nos referidos recibos. 2. De março a setembro de 2017, a Autora trabalhou para a Ré 40 horas semanais. 3. A comunicação de caducidade do contrato referida em 4., ocorreu na sequência da incapacidade temporária para o trabalho de que a Autora se viu afetada desde 12/08/2020, por gravidez de risco. 4. Não corresponde à verdade que tenha ocorrido um “decréscimo acentuado do volume de trabalho decorrente da pandemia de Covid-19”, como alegava a Ré na comunicação de caducidade. 5. A Ré, na altura em que enviou à Autora a carta mencionada em 4. tinha passado a efetuar exames imunológicos ao COVID-19, tendo um volume de serviço idêntico, até maior do que aquele verificado em 2017. 6. A Autora tenha procedido conforme o referido em 13. a pedido da Ré. 7. As funcionárias referidas em 20. encontram-se a trabalhar na Ré ate à presente data, efetuando todo o trabalho que a autora fazia, cumprindo horário imposto pelas chefias. 8. A Autora tivesse percebido que estava a ser discriminada em função do sexo e pelo facto de se encontrar de licença em virtude da condição da gravidez que teve e cuja recuperação se impunha ao seu organismo. 9. A Ré desconhecia, em absoluto, a existência de outras atividades da Autora. 10. Aquando do referido em 34. foram tomadas todas as providências necessárias à proteção da Autora (conclusivo). 11. A Ré tenha mantido contactos pessoais com a Autora, em 10/09/2020, em 06/10/2020 e em 14/10/2020 e, em todas essas datas, foi-lhe transmitida a necessidade de redução de recursos humanos, o que a Autora compreendeu e aceitou, nunca tendo manifestado qualquer sinal de desacordo ou de espanto em relação a essa decisão. 12. A Ré deu formação a prestadores de serviços para os manter preparados com vista à emergência de necessitar dos seus trabalhos. 13. A Ré sempre possibilitou que as suas trabalhadoras grávidas beneficiassem da assistência dos médicos que nela prestam serviços, as mais das vezes sem qualquer encargo. 14. Na situação descrita em 46. foi contratada trabalhadora de substituição e não prestadores de serviços, assumindo a Ré o acréscimo de encargos. 15. Nos contactos telefónicos que manteve com o legal representante da Ré, a Autora sempre lhe transmitiu que estava a recuperar bem e de forma consistente. 16. Quando a Autora foi contratada, a oferta de serviços em Vila Nova de Gaia tinha sofrido redução por encerramento parcial de atividade de outra clínica, o que determinou acréscimo de serviços para a sociedade Ré. 17. Durante um período de cerca de 18 meses houve um forte incremento da atividade da Ré que, entretanto, veio a decair por virtude da entrada em atividade de outra clínica de dimensões superiores às da Ré. ** Da nulidade da sentença:Alega a Recorrente, invocando o disposto no art.º 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil[4], que forçaria a prova produzida a que o Tribunal recorrido se pronunciasse sobre esta matéria [abuso de direito], por fulcral na decisão de mérito da causa decidenda, sob pena de incorrer a douta Sentença sob escrutínio na nulidade plasmada no art.º 615º, nº 1, al. d) e nº 4, do C.P.C., como efetivamente incorreu. De acordo com a disposição legal citada [art.º 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil] é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. A nulidade verificar-se-á, pois, no que ora importa, se a sentença deixar de se pronunciar sobre questão(ões) que devesse apreciar, vício esse que tem a ver diretamente com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no art.º 608º, nº 2 do Código de Processo Civil[5]. In casu, o que se passa é que a Recorrente em recurso [em contestação nada alegara nesse sentido] vem dizer que o comportamento da Autora configura abuso de direito, e o tribunal a quo deveria ter conhecido dessa questão, pois é de conhecimento oficioso. Ora, o que está em causa é a discordância da Recorrente com o decidido em 1ª instância, traduzindo-se a situação em que a Recorrente entende que do ponto de vista jurídico a questão merecia um enquadramento que levaria a que o pedido da Autora não tivesse procedência [por se verificar exceção perentória, facto impeditivo do direito da Autora], devendo ter tido lugar a absolvição do pedido em vez de condenação da Ré, e o tribunal a quo não fez esse enquadramento. Ou seja, o tribunal a quo conheceu as questões que lhe foram postas, fazendo o enquadramento jurídico que entendeu ser adequado, estando implícito, ao não ter falado em abuso de direito, que não detetou o mesmo [note-se que, como matéria de exceção perentória, cabe à Ré demonstrar os respetivos pressupostos], não se podendo dizer que deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar. Assim, não se confundindo o pretenso erro no enquadramento jurídico com a nulidade por omissão de pronúncia, concluímos que não se verifica a apontada nulidade. * Do erro de julgamento sobre matéria de facto:Sustenta a Recorrente que foram incorretamente julgados os pontos 11. e 16. dos factos não provados. A Recorrida, por sua vez, sustenta que a prova produzida não permite dar como provados esses factos, dizendo que se trata de factos de tal modo vagos que não permitem uma prova cabal. Vamos começar por enquadrar os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre matéria de facto para se perceber os termos em que o tribunal ad quem aprecia essa impugnação. Vejamos então. No caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso). No entanto, ainda que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos estabelecidos pelo legislador, o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo[6]. É que, embora não se trate de um novo julgamento, tendo presente o disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, vem-se entendendo que o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto (porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece)[7]. Daí referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se), ou seja, não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida. Assim, a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção[8]. Em conformidade, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo. Com efeito, o art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, o seguinte: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (tem que haver indicação clara dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento); b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (tem que fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa); e c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quanto ao ónus referido na alínea b), manda o legislador (nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil) que se observe o seguinte: a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. Feitas estas considerações, vejamos a impugnação apresentada pela Recorrente (seguindo a ordem que a mesma seguiu), tendo presente que é pacífico que a apreciação a fazer é da questão posta, de saber se houve erro de julgamento sobre a matéria de facto, sem que haja o dever de responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado pela parte recorrente[9]. ● do ponto 11. dos factos não provados: O tribunal a quo referiu, na motivação da decisão sobre matéria de facto, que não logrou a Ré provar, de forma suficiente e clara, da factualidade vertida em 11. a 17.. Entende a Recorrente que as declarações de parte do legal representante da Ré [GG] e as declarações/depoimento de parte da Autora[10] impõem que se considere provado este ponto, citando excertos dos mesmos, que transcreveu. Antes de avançar para a análise em concreto, importa referir que não se subscreve o entendimento do tribunal a quo de que as declarações de parte careçam, para ser valoradas, de suficiente confirmação noutros meios de prova. É que, a generalidade das provas produzidas na audiência de julgamento está sujeita à livre apreciação do tribunal, sendo esse o caso da prova por declarações de parte/depoimento de parte que não possa valer como confissão –art.º 361º do Código Civil e art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil. Com efeito, dispõe o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária (consiste numa conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e circunstâncias que os envolvem)[11]. Estando a parte impedida de depor como testemunha (art.º 496º do Código de Processo Civil), prevê o legislador a possibilidade de prestar declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto (assim o diz o nº 1 do art.º 466º do Código de Processo Civil). É que a parte não deixa de ser uma “testemunha” da ocorrência dos factos, pois presenciou-os direta e pessoalmente, tendo uma perceção sensorial da ocorrência dos factos. Se vigora o princípio da livre apreciação da prova, e se objetivo da produção da prova é alcançar o conhecimento acerca da veracidade dos factos em causa (art.º 341º do Código Civil), não parece que se possa valorar logo a pessoa que depõe e depois o depoimento, e assim desprezar sem mais a prova por declarações de parte. Na verdade, afirmar, perentória e inequivocamente, que as declarações das partes não poderem fundar, de per si e só por si, um facto constitutivo do direito do depoente, sem qualquer outra explicação, violaria a liberdade valorativa que decorre do citado nº 3 do artigo 466º do Código de Processo Civil. Nessa medida, não existe na nossa ordem jurídica nenhum preceito legal que determine ser insuficiente a prova sobre determinado facto (seja ele favorável ou desfavorável à parte) que resulte unicamente do depoimento de parte não confessório ou das declarações de parte, nada obstando a que a convicção do tribunal se forme até exclusivamente neles[12]. Ponto é que, não obstante ser a parte (com manifesto interesse num determinado desfecho do processo), o seu depoimento ou declarações sejam credíveis [tendo o julgador na apreciação crítica do depoimento/declarações em consideração que se trata da parte (tal como acontece com as testemunhas: as mesmas podem ter proximidade à parte ou interesse na causa, o que o julgador tem presente na apreciação crítica dos depoimentos, sendo por essa razão que o legislador consagra o interrogatório preliminar a cargo do juiz – os designados costumes – no nº 1 do art.º 513º do Código de Processo Civil)]. Às declarações de parte aplica-se o regime do depoimento de parte, com as necessárias adaptações – art.º 466º, nº 2 do Código de Processo Civil –, e, como se escreveu no acórdão do TRL de 29/04/2014[13], serão livremente apreciadas pelo tribunal na parte em que não constituam confissão (art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil), e revelam especial utilidade para a decisão quando versem sobre factos que ocorreram entre as partes, sem a presença de terceiros intervenientes. Tais declarações devem ser encaradas como qualquer outro momento de recolha de prova, à qual assistem os advogados das partes com plena liberdade ao nível do exercício do contraditório, não se justificando um tratamento diverso, designadamente daquele que têm os depoimentos de parte oficiosamente determinados pelo Tribunal já em sede de julgamento. Nele se escreveu ainda que o novo meio de prova por declarações de parte instituído no Código de Processo Civil de 2013 veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte ainda que sem carácter confessório e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade. Ou seja, o legislador colocou as declarações de parte a par de outros meios de prova (como a prova testemunhal), o que quer dizer que não é de afastar ab initio a possibilidade de valoração das declarações de parte, mesmo que não existem outros meios de prova a corroborar as mesmas [a exigir-se sempre, em abstrato, a confirmação por outros meios de prova estar-se-ia, diga-se, a negar as declarações de parte como meio de prova, sujeito à livre apreciação do tribunal, como consagrado pelo legislador, desvirtuando-se o espírito do legislador ao prever a prestação dessas declarações], impondo-se sim que seja observada uma especial cautela na sua apreciação por ser, por natureza, um depoimento interessado. Note-se que na prática muitas testemunhas não são isentas, estando em inúmeras situações próximas de alguma das partes[14]. Em conclusão, afastamo-nos dos arestos citados na decisão recorrida, e diz-se o seguinte: nada obsta a que a convicção do tribunal se baseie nas declarações da parte, e até apenas nelas; ponto é que estas sejam prestadas de forma séria e credível e o tribunal de forma clara explicite as razões do seu convencimento, isto é, que em face das circunstâncias concretas em que são prestadas, sem esquecer o natural interesse que tenham no desfecho do processo, mereçam credibilidade ao tribunal. Ou, como se disse no acórdão do TRG de 02/05/2016[15], a credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspetiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respetivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade. Posto isto, vejamos se se impõe alterar o decidido em 1ª instância como defende a Recorrente. O ponto em análise, o ponto 11. dos factos não provados, tem o seguinte teor, recordemos (adaptando-se a redação para ganhar cariz afirmativo): 11. A Ré manteve contactos pessoais com a Autora, em 10/09/2020, em 06/10/2020 e em 14/10/2020 e, em todas essas datas, foi-lhe transmitida a necessidade de redução de recursos humanos, o que a Autora compreendeu e aceitou, nunca tendo manifestado qualquer sinal de desacordo ou de espanto em relação a essa decisão. Este ponto teve por base o alegado no artigo 31º da contestação da Ré, tendo ficado em ata (da sessão de julgamento de 08/09/2022) lavrada assentada com o seguinte teor: relativamente ao ponto 31, confirmou que a Ré lhe passou uma carta de recomendação e que sempre se relacionou com o legal representante da Ré de forma cordial. Importa ainda ter presente que está provado que o representante legal da Ré manteve contacto telefónico com a Autora, no sentido de se inteirar do seu estado de saúde, e que nesses contactos telefónicos referiu à Autora que, em virtude da redução da sua atividade, por via da pandemia de Covid-19, a Ré teria que reduzir o número de trabalhadores [pontos 37. e 39. dos factos provados]. Sendo assim, aquilo que está agora em causa é saber: 1) por um lado, se deve ficar provado que os contactos mais que telefónicos foram presenciais [assim se deve entender os “contactos pessoais” referidos no ponto 11. dos factos não provados, pois já está provado que houve contacto telefónico], e se foram nas datas indicadas [10/09/2020, 06/10/2020 e 14/10/2020], e, 2) por outro lado, se a Autora “compreendeu e aceitou” o que lhe foi transmitido conforme consta do ponto 39. dos factos provados [de que a Ré teria que reduzir o número de trabalhadores], nunca tendo manifestado qualquer sinal de desacordo ou de espanto em relação à decisão de redução dos recursos humanos. Quanto ao referido sob o número 1), da audição dos depoimentos/declarações de parte, no Citius Media Studio, tendo por referência os excertos citados, não se comprova que os contactos fossem pessoais, e não existe referência espontânea a datas, donde não se poder dar como assente esta parte. No entanto, sendo claro que houve mais que um contacto telefónico, para que não haja dúvidas na interpretação do ponto 37. dos factos provados [o sentido é de que houve contacto, não necessariamente um], altera-se a redação do mesmo de modo a que passe a constar o plural. Quanto ao referido sob o número 2), da mesma audição, retira-se sem dúvida que a Autora compreendeu a decisão de reduzir o número de trabalhadores, mas não se forma convicção de que houvesse uma aceitação pela Autora, designadamente de que essa redução passasse pela não continuação do seu contrato, muito menos que aceitasse que a Lei permitisse a cessação do seu contrato da forma que veio a ocorrer, não se impondo dar como provado que nunca tendo manifestado qualquer sinal de desacordo ou de espanto em relação à decisão de redução dos recursos humanos. Em conformidade com o exposto, não se adita qualquer ponto aos factos provados, mas altera-se a redação dos pontos 37. e 39. dos factos provados, de modo a ficar expresso que houve mais que um contacto telefónico e que a Autora compreendeu que houvesse redução do número de trabalhadores (no geral)[16], passando a mesma a ser a seguinte: 37. O representante legal da Ré manteve contactos telefónicos com a Autora, no sentido de se inteirar do seu estado de saúde. 39. Antes do envio da carta referida em 4., o legal represente da Ré, através de telefone, disse à Autora que em virtude da redução da sua atividade, por via da pandemia de Covid-19, a Ré teria de reduzir o número de trabalhadores, redução essa que a Autora compreendeu. ● do ponto 16. dos factos não provados: É o seguinte o seu teor, recordemos: 16. Quando a Autora foi contratada, a oferta de serviços em Vila Nova de Gaia tinha sofrido redução por encerramento parcial de atividade de outra clínica, o que determinou acréscimo de serviços para a sociedade Ré. O tribunal a quo referiu, na motivação da decisão sobre matéria de facto, que não logrou a Ré provar, de forma suficiente e clara, da factualidade vertida em 11. a 17., salientando-se que os pontos 16. e 17. apenas foram confirmados pelo legal representante da Ré, chamando-se aqui à colação o que acima se mencionou quanto às declarações de parte [17]. Entende a Recorrente que as declarações do legal representante da Ré foram “absolutamente esclarecedoras”, impondo que se considere provado este ponto, citando excertos do mesmo, que transcreveu. A Recorrente refere que essas declarações foram confirmadas pelas testemunhas BB, CC e DD, mas, em relação a esses depoimentos não indica qualquer excerto, ou seja, não cumpre o ónus estabelecido no art.º 640º do Código de Processo Civil, acima referido, donde não se considerar a referência a esses depoimentos. Este ponto tem por base o alegado no artigo 53º da contestação da Ré, nada ficando a constar da assentada lavrada em ata (da sessão de julgamento de 08/09/2022). Ora, assim como o teor deste ponto é vago na referência, por um lado à redução de serviços em Vila Nova de Gaia (não estando concretizado desde logo em que se traduz o encerramento parcial de atividade de outra clínica), e por outro lado ao acréscimo de serviços para a Ré, também as declarações de parte do legal representante são vagas, não nos levando a formar convicção diferente da formada em 1ª instância, não obstante o diferente entendimento na valoração das declarações de parte que acima se espelhou. Sendo assim, sem necessidade de considerações mais desenvolvias, não se adita este ponto aos factos provados, improcedendo o recurso nesta parte. * Da forma de cessação do contrato de trabalho:O tribunal a quo decidiu o seguinte: − não se provou que a relação contratual que vigorou entre Autora e Ré antes de 21/09/2017 revestisse a natureza de contrato de trabalho; − em 21/09/2017 foi celebrado entre ambas contrato de trabalho, no qual foi aposto termo resolutivo, sendo nula cláusula relativa ao termo resolutivo, donde se considerar o contrato como por tempo indeterminado; − sendo o contrato por tempo indeterminado, configura-se um despedimento ilícito. A Recorrente discorda do entendimento de que a cláusula que prevê termo certo para o contrato seja nula, pelo que importa aferir do acerto do decidido. O tribunal a quo, para decidir pela nulidade da cláusula, escreveu o seguinte (que se destaca): … para que um contrato de trabalho a termo seja válido não basta a remissão para os termos da lei para satisfazer a exigência legal da indicação do motivo justificativo, sendo indispensável a indicação concreta da factualidade real que motiva a necessidade de tal contratação, pelo que a justificação do termo aposto no contrato de trabalho em causa na parte “O presente contrato a termo certo é celebrado nos termos da al. f) do n.º 2 do artigo 140º do Código de Trabalho” é totalmente inócua, não consubstanciando, em si, qualquer justificação válida. (…) Finalmente, cumpre reiterar que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do n.º 2 do art.º 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato. Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. Ora, pergunta-se: tal motivo justificativo obedece ao prescrito na lei, maxime nas alíneas e) e f) do nº 2 do artigo 140º e alínea e) do nº 1 e nº 3, estes do artigo 141º? Em face do que se expôs até ao momento parece-nos que não. “Suprir absentismo temporário… por períodos prolongados” contém uma contradição insanável e intrínseca nos seus próprios termos. Isto porque por “absentismo temporário” nos remete para uma situação de “faltas ocasionais ao trabalho”, o que é incompatível com o período prolongado. Por outras palavas, aquilo que é temporário, por natureza, não pode acontecer por períodos prolongados. Se porventura a Ré procurasse concretizar, especificar ou densificar todos estes conceitos vagos genéricos e abstratos, traduzindo-os em factos materiais, concretos, simples, plasmando um pedaço da vida real, eventualmente, poder-se-ia concluir pela verificação de justificação para a aposição do termo. Tal como o fez, tal verificação mostra-se impossível. Quanto à segunda parte, que refere o “acréscimo pontual da procura de exames”, da mesma forma, não se pode considerar que contenha justificação para que a contratação da Autora vise satisfazer a necessidade temporária traduzida no “acréscimo excecional” da respetiva atividade. Com efeito, o que está clausulado é aplicável indistintamente a toda a qualquer atividade inserida numa economia de mercado, que visa a obtenção de lucro e o incremento da dimensão dessa atividade, não se podendo justificar a contratação de um trabalhador para satisfazer o que, afinal, constitui o objeto do pacto social da Ré. Falta demonstrar, desde logo, que o “alegado acréscimo” tenha natureza pontual, o que careceria de alegação das razões concretas que lhe estariam subjacentes. Em suma, a justificação constante do contrato é demasiado vaga e genérica, pois não identifica as razões do acréscimo excecional (sendo facto notório que as exigências e insuficiências do SNS são constantes e se vêm eternizando) e a razão por que as mesmas são tidas como excecionais e transitórias. Aquele carácter vago e genérico não permite, por isso, estabelecer o nexo de causalidade entre o motivo invocado e o termo estipulado nem, tão pouco, a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou. Sabendo-se que a contratação a termo apenas visa responder a situações pontuais da entidade patronal, não podendo servir para satisfazer necessidades permanentes ou duradoiras do empregador por via da celebração de contrato a termo, a contratação da Autora não se deveu a qualquer dos motivos previstos no art.º 140º que justificasse legalmente a realização daquele contrato a termo. Como é sabido, o legislador consagra os contratos de trabalho de duração indeterminada como a forma comum da relação laboral, admitindo a celebração de contrato a termo como excecional nos seus contornos restritivos e exigências formais, assumindo o compromisso possível entre o “direito à segurança no emprego” (cfr. art.º 53º da Constituição da República Portuguesa) e o “princípio da liberdade contratual” (cfr. art.º 405º do Código Civil), tendo sido razões de natureza económica, social e de política de emprego que induziram o legislador a consagrar essa possibilidade de vinculação precária. Nessa medida, se o contrato de trabalho não se encontra sujeito a forma – art.º 110º do Código do Trabalho –, o contrato de trabalho a termo já está sujeito à forma escrita – art.º 141º, nº 1 do Código do Trabalho –, tratando-se aqui de um requisito necessário para demonstração de que as partes não quiseram celebrar um contrato de duração indeterminada mas antes quiseram celebrar um vínculo especial, com termo. O art.º 140º do Código do Trabalho estabelece os motivos justificativos da aposição de termo resolutivo no contrato de trabalho, só podendo ser celebrado contrato de trabalho a termo para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período necessário à satisfação dessas necessidades. Pode dizer-se que o legislador restringe a celebração de contrato de trabalho a termo resolutivo às situações de existência de razões objetivas para tal, o que significa, alargando a visão à atividade da empresa no seu todo, que o legislador não pretende que o quadro de trabalhadores efetivos (contratados por tempo indeterminado) seja subdimensionado e “completado” com contratações com termo certo de modo a permitir a flutuação do quadro de trabalhadores, ou seja, não pretende situações em que a empresa, desde logo sabendo que esse quadro é insuficiente para prover à satisfação integral das suas necessidades normais de mão-de-obra, se socorra da contratação a termo com invocação formal de motivo admissível mas que em termos funcionais satisfaça necessidades permanentes. Na medida do exposto, o escrito deve conter, entre o mais, expressamente a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, sendo que esta última indicação deve ser feita por menção expressa dos factos que o integram, estabelecendo-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado – art.º 141º, nº 1, al. e) e nº 3 do Código do Trabalho. Quer isto dizer que só podem ser considerados como justificação os fundamentos de facto que constem do texto contratual, mais propriamente da cláusula relativa à estipulação do termo, não aqueles fundamentos que posteriormente venham a ser demonstrados (em juízo). Da mera apreciação formal da redação da cláusula contratual respetiva tem que transparecer o nexo de causalidade entre o motivo invocado e a duração do contrato de trabalho[18]. Ou seja, a necessidade de fundamentação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo constitui formalidade ad substanciam[19]. O art.º 140º, nº 5 do Código do Trabalho estabelece que a prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo (mas constantes do contrato nos termos expostos) cabe ao empregador. O contrato em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao motivo justificativo considera-se sem termo – art.º 147º, nº 1, al. c), parte final, do Código do Trabalho. Deste modo, tem sido entendimento pacífico na jurisprudência que no contrato de trabalho a termo se têm que mencionar com clareza e concretamente as circunstâncias que o justificam (dentro do possível segundo o legislador), sob pena de o contrato se ter que considerar sem termo[20]. Sendo pacífico o acabado de expor, tudo está em saber se no caso concreto foi observado esse regime consagrado pelo legislador, mas, como acima se expôs, a partir da análise do contrato escrito e não tendo em conta factos alegados no processo para poderem ser demonstrados em julgamento. In casu, está em causa a cláusula quinta do contrato, mais propriamente a sua alínea c) que, depois de na alínea a) estar previsto vigorar pelo prazo de 1 ano, dispõe o seguinte [cfr. ponto 3. dos factos provados]: c) O presente contrato a termo certo é celebrado nos termos da al. f) do nº 2 do artigo 140.º do Código de Trabalho, sendo a contratação justificada para suprir o absentismo temporário de recursos humanos por período prolongado e no acréscimo pontual na procura e realização de exames complementares de diagnósticos, que advém sobretudo do Sistema Nacional de Saúde. Como se vê, está invocada a alínea f) do nº 2 do art.º 140º do Código do Trabalho, que estipula que se considera, nomeadamente e entre outras, necessidade temporária da empresa o acréscimo excecional de atividade da empresa. Como escreve Susana Sousa Machado[21], os contratos previstos na situação da alínea f) do nº 2 do art.º 140º do Código do Trabalho, correspondem, geralmente, a trabalhos inseridos no âmbito da atividade habitual da empresa mas que, por motivos excecionais ou condições cíclicas potencialmente relacionadas com certas épocas do ano, excedem o volume normal (por exemplo uma encomenda que ultrapassa os níveis normais e habituais da produção da empresa), mas também podem assumir um carácter ocasional no seio da atividade da empresa. Tendo presente o que acima se expôs, tendo que nos centrar no contrato escrito, mais propriamente na cláusula que prevê o termo certo, a questão a decidir coloca-se nos seguintes termos: importa aferir se a estipulação no contrato de que a sua celebração visa suprir o absentismo temporário de recursos humanos por período prolongado e no acréscimo pontual na procura e realização de exames complementares de diagnósticos, que advém sobretudo do Sistema Nacional de Saúde, consubstancia a concretização de um acréscimo excecional da atividade da empresa. Ora, referir absentismo temporário de recursos humanos é vago e genérico, não esclarecendo o contrato [realça-se que não havia que complementar o escrito com prova em julgamento] que absentismo é esse (qual o motivo) e quais são os recursos humanos em absentismo (com nomes e categoria profissional), assim como vago e genérico é referir acréscimo pontual na procura e realização de exames complementares de diagnósticos, que advém sobretudo do Sistema Nacional de Saúde, não esclarecendo que exames complementares de diagnóstico são esses, e não quantifica esse acréscimo. E sem essas concretizações naturalmente não se pode dizer haver uma necessidade temporária. De resto, esse “acréscimo pontual” poderá até nem ser nada mais do que aquilo que está espelhado no ponto 26. dos factos provados, isto é, que a Ré apresenta uma atividade irregular, o que, mesmo sem estar concretizada, não pode justificar, como se deixou expresso supra, que o quadro de trabalhadores contratados por tempo indeterminado seja subdimensionado e “completado” com contratações com termo certo de modo a permitir a flutuação do quadro de trabalhadores. Note-se que a celebração do contrato de trabalho surgiu na sequência de solicitação para ser cumprido um horário regular, sem prévia consulta de disponibilidade da Autora [é o que se depreende dos pontos 8. e 32. dos factos provados]. Depois, não se pode deixar de dizer que, ao invocar a Ré, para fazer cessar o contrato de trabalho, a situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19 [ponto 4., e também 39., dos factos provados], situação que mesmo situando-nos em setembro de 2020 se apresentava como excecional, parece denotar que afinal a justificação da Autora teve fundamento no serviço que normalmente existia, e não fora uma situação excecional manter-se-ia. De qualquer modo, acompanhamos a sentença recorrida ao concluir que não se pode ter por justificada a contratação temporária da Autora. Aqui chegados pergunta-se se se configura uma situação de abuso de direito, como alega a Recorrente. Esta questão foi apenas suscitada em recurso, e os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu[22]. No entanto, o tribunal já poderá apreciar essas questões (não suscitadas/abordadas em 1ª instância), desde que sejam de conhecimento oficioso – como é o caso do abuso de direito[23] –, se forem relativas ao segmento decisório sob reapreciação e, naturalmente, o processo contiver os elementos imprescindíveis para o efeito[24]. Estando, in casu, o contraditório exercido [uma vez que a questão foi suscitada em recurso, e houve resposta], apreciemos, então, se estamos perante situação de abuso de direito. Dispõe o art.º 334º do Código Civil: é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. No Código do Trabalho, dispõe o art.º 126º no nº 1 que o empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações. A questão traduz-se em sancionar condutas que, embora legitimadas pelo exercício de direitos, se apresentem, todavia como disfuncionais, isto é contrárias aos valores fundamentais do sistema. Quanto à sua aplicação, é certo que o abuso de direito é uma figura muito abstrata, desde logo porque ligada ao conceito de direito, também ele abstrato, mas a conclusão pelo exercício abusivo de um direito deriva da ponderação pontual de casos concretos à luz de normas e princípios jurídicos, e logo na definição da figura o legislador recorre a vários princípios informadores, como a boa-fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito que quer exercer. Como princípio de atuação, a boa-fé significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros, e como estado ou situação de espírito traduz-se no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude, resultando de tal estado consequências favoráveis para o sujeito do comportamento[25]. Como se escreve no acórdão desta Secção Social do TRP de 08/05/2023[26], o abuso de direito, consumado por atuação que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, não é exclusivo do direito substantivo, podendo também resultar no exercício do direito de ação, numa perspetiva da atuação processual, nomeadamente, pelo recurso a juízo através de ações ou procedimentos cautelares. O Direito é chamado a intervir neste âmbito, na medida em que da violação da confiança por parte de um dos intervenientes resulte ou possa resultar em danos para o outro interveniente. Protege-se a confiança deste último impedindo que os riscos ou os ónus inerentes à primeira conduta do outro interveniente sejam lançados sobre aquele que confiou. Em regra não se exige culpa, apenas se exigindo que o agente estivesse em condições de agir de outra maneira, designadamente de conhecer e de impedir a aparência criada, usando o cuidado normal, que devesse e pudesse conhecer que ao adotar a conduta que cria a confiança, se priva para o futuro de parte da sua liberdade de decisão pessoal. Ilícita ou ilegítima apenas será, mais tarde, a tentativa de escapar à vinculação ligada à primeira conduta. Tem como pressuposto a existência de uma situação objetiva de confiança: a confiança digna de tutela tem de radicar em algo objetivo, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura. A conduta tem de se considerar causal em relação à criação de confiança, ou seja, tem de ser reveladora da intenção do agente se considerar vinculado a certa atitude no futuro. Reclama ainda um investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento: a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada. Para que se verifique uma situação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o investimento dessa contraparte, é preciso que tenha sido feito apenas com base nessa confiança, caso contrário não se justifica a aplicação do princípio da proteção da confiança. Por último, é exigida a boa-fé da contraparte que confiou: nos casos em que a intenção aparente do responsável pela confiança diverge da sua intenção real, a confiança do terceiro ou da contraparte só merece proteção jurídica quando esteja de boa-fé (por desconhecer dessa divergência) e tenha agido com o cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico. A alegação da Recorrente centra-se na violação por parte da Autora da proibição de “venire contra factum proprium”, que impede uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente, como concretização da cláusula geral da boa-fé. Com efeito, argumenta a Recorrente, em síntese, que a Autora criou em si a confiança de que não consideraria ilegal, por um lado o motivo justificativo do termo aposto no contrato, e por outro lado a forma de cessação do contrato, tendo sido por isso (por nisso ter confiado) que promoveu a cessação contratual nos termos aplicáveis à contratação a termo o que jamais teria feito se sequer suspeitasse que a Autora não estava vinculada ao comportamento sempre por si assumido. Pergunta-se se a Autora excedeu os limites impostos pela boa-fé ao demandar a Ré, depois de esta lhe comunicar a caducidade do contrato no termo aposto, invocando a Autora nulidade da cláusula que previu termo certo, com consequente despedimento ilícito. Ora, o facto de a Autora, antes do envio da carta, ter referido, em telefonema do legal representante da Ré, que compreendia a necessidade de redução do número de trabalhadores [ponto 39. dos factos provados], não permite de todo dizer que a Autora se vinculasse com a validade da contratação a termo e com a aceitação de que o seu contrato cessasse por caducidade, estando apenas em causa a compreensão, em termos factuais, que a situação epidemiológica acima referida conduziu a diminuição do número de trabalhadores necessários, sendo natural que a Autora, que não consta ser detentora de conhecimentos jurídicos, se fosse informar e confirmasse que em termos jurídicos a cláusula analisada supra padecia de nulidade, e como tal não podia o contrato cessar pela forma que a Ré seguiu [saber se a situação epidemiológica fundamentaria alguma forma lícita de cessação do contrato de trabalho é questão que não nos ocupa, porque não pode, na apreciação deste recurso]. Assim, a Autora com a propositura da ação veio solicitar o reconhecimento e pagamento daquilo que entendeu ter tutela legal, não impondo o legislador que antes informasse a Ré desse propósito. Em suma, os factos provados não permitem falar de qualquer abuso de direito por parte da Autora (que seria na modalidade de “venire contra factum proprium”). * Quanto a custas, havendo improcedência do recurso (a alteração na decisão sobre a matéria de facto não implicou procedência da pretensão da Recorrente), as custas do mesmo ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil).*** DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em decidir o seguinte: A) Alterar a redação dos pontos 37. e 39. dos factos provados de modo que passa a mesma a ser a seguinte: 37. O representante legal da Ré manteve contactos telefónicos com a Autora, no sentido de se inteirar do seu estado de saúde. 39. Antes do envio da carta referida em 4., o legal represente da Ré, através de telefone, disse à Autora que em virtude da redução da sua atividade, por via da pandemia de Covid-19, a Ré teria de reduzir o número de trabalhadores, redução essa que a Autora compreendeu. B) manter, no mais, o decidido em 1ª instância. Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP). Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP). Notifique e registe. (texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente) Porto, 05 de junho de 2023 António Luís Carvalhão Paula Leal de Carvalho Rui Penha ________ [1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico. [2] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”). [3] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho). [4] Aplicável por via do disposto nos artos 1º, nº 2, al. a) e 77º do Código de Processo do Trabalho. [5] O qual dispõe o seguinte: O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. [6] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 292/293. [7] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286. [8] É que, de outra forma, ocorreria uma inversão da posição dos intervenientes no processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão. [9] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 116. [10] A Autora prestou depoimento de parte e declarações de parte [cfr. despacho de 15/09/2021], enquanto o legal representante da Ré prestou declarações de parte [requeridas na última sessão de julgamento]. [11] Vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347. [12] O que, de resto, acontece mesmo em processo penal, onde vigoram outros princípios, como seja o da presunção da inocência (cfr. por exemplo acórdão do TRC de 17/05/2017, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 430/15.3PAPNI.C1). [13] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 211/12.6TVLSB.L1-7. [14] Porque aquilo que uma testemunha afirma pode ou não estar de acordo com a realidade, diz Alberto Augusto Vicente Ruço (in “Prova e Formação da Convicção do Juiz2, Almedina/Colectânea de Jurisprudência, pág. 267) que quando o juiz dispõe apenas de prova testemunhal, tem mais dificuldades em discernir os factos afirmados que efetivamente correspondem à realidade. [15] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 2745/15.1T8VNF-A.G1. [16] Mas sem haver necessidade de alterar a redação do ponto 11. dos factos não provados porquanto o “compreendeu” aí constante reporta-se em exclusivo a “contactos pessoais”, e apenas se consigna por referência a “contactos telefónicos”. [17] Sendo que aquilo que o tribunal a quo “acima” mencionou quanto às declarações de parte foi o seguinte, que se reproduz: “Cumpre referir que como vem sendo entendido de forma consistente pela jurisprudência que se crê maioritária, e que se subscreve, «as declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos» - acórdão T.Rév., 17/01/2019, P. 800/17.2T8STRE.E1, www.dgsi.pt. Nos termos do disposto no art.º 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil as declarações prestadas pelas partes são apreciadas livremente pelo Tribunal, salvo se constituírem confissão. «Esta liberdade de valoração, todavia, nada nos diz sobre os concretos parâmetros de valoração das declarações de parte nem sobre a função da mesma como meio de prova no processo. «Assim, a doutrina e a jurisprudência vêm assumindo várias posições no que tange à função e valoração das declarações de parte que são aglutináveis em três teses essenciais, das quais nos dá conta o acórdão da Relação de Lisboa de 26.04.2017: i) tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; ii) tese do princípio de prova; iii) tese da autossuficiência das declarações de parte. «A tese do princípio de prova, que se nos afigura mais curial, defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, só por si, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova. «Na doutrina, Carolina Henriques Martins ("Declarações de Parte", Universidade de Coimbra, 2015, pp. 58) pronuncia-se assim: "É que não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto do litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado…”. Como consta do acórdão do T.RPt., 24/09/2018, P. 1636/14.8TBVLG.P1, www.dgsi.pt, citando Fernando Pereira Rodrigues (Os meios de prova em Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, 2016, pp. 72] «[…] também é suposto que a parte ao requerer a prestação das suas declarações não seja apenas para confirmar o que já narrou nos articulados através do seu mandatário. Seria inútil a repetição do que já é do conhecimento do Tribunal. Por isso, estarão sobretudo em causa factos instrumentas ou complementares dos alegados de que a parte tenha tido conhecimento direto ou em que interveio pessoalmente e que se mostrem com interesse para a descoberta da verdade”. [18] Vd. Luís Miguel Monteiro e Pedro Romano Martinez, em anotação ao art.º 131º do Código do Trabalho na redação anterior à Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, mas que mantém atualidade com a atual redação do art.º 141º do Código do Trabalho (in “Código do Trabalho – anotado”, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 5ª ed., pág. 311). [19] Vd., por exemplo, o acórdão desta Secção Social do TRP de 29/09/2008 e, por mais recente, o acórdão do TRG de 26/09/2019, ambos consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 0842881 e 6419/18.3T8VNF.G1 respetivamente. [20] Cfr., por exemplo, o acórdão do STJ de 14/01/2004, in CJ/STJ, tomo 1, pág. 249. [21] In “Contrato de Trabalho a Termo – a transposição da Diretiva 1999/70/CE para o Ordenamento Jurídico Português: (In)compatibilidades”, Coimbra Editora - 2009, pág. 171. [22] Cfr. acórdão desta Secção Social do TRP de 14/07/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1337/18.0T8MTS.P1. [23] Vd. acórdão do STJ de 11/12/2012, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 116/07.2TBMCN.P1.S1. [24] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 117. [25] Vd. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, “Do Abuso de Direito – Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais”, Almedina, Reimpressão da edição de 1999, pág. 55. [26] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 53338/21.0T8MTS.P1, que cita Menezes Cordeiro, in “Litigância de má-fé, Abuso de Direito de Ação e Culpa In Agendo”, Almedina, 2006, págs. 91/92, que refere que as ações judiciais intentadas contra a confiança previamente instilada ou em grave desequilíbrio, de modo a provocar danos máximos a troco de vantagens mínimas, são abusivas: há abuso do direito de ação judicial. |