Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
671/15.3T8AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: POSSE DE BOA FÉ
BENFEITORIAS ÚTEIS
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
LEVANTAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
MEDIDA DE RESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RP20181115/671/15.3T8AMT.P1
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 153, FLS 275-292)
Área Temática: .
Sumário: I - A indemnização pela realização de benfeitorias depende da verificação dos pressupostos legais que a prevêm, estando dependente da existência de um vínculo de quem as realiza à coisa, assumindo-se também como relevante determinar a modalidade das benfeitorias realizadas, já que nem todas são susceptíveis de ser indemnizadas.
II - O possuidor de boa fé, sendo-lhe exigida a entrega do prédio pelo proprietário, tem o direito a ser indemnizado pelas obras que fez que constituem benfeitorias necessárias destinadas a tornar o prédio habitável ou benfeitorias úteis que não podem ser retiradas sem detrimento do mesmo de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do art.º 1273.º do C.Civil, independentemente das obras terem sido autorizadas pelo proprietário.
III - O enriquecimento sem causa de uma parte verifica-se com a obtenção por ela de uma vantagem patrimonial, à custa de outra parte que fica empobrecida, sem que exista causa justificativa para tal deslocação patrimonial. Se em muitos casos há equivalência entre o valor que sai do património do lesado e aquele que entra no património do enriquecido, nem sempre as coisas se passam nesses termos, já que há situações em que não se verifica essa equivalência.
IV - Decorre do art.º 479.º do C.Civil que o beneficiário apenas está obrigado a restituir aquilo com que efectivamente enriqueceu, sendo este o limite da sua obrigação de restituir, não obstante o empobrecimento possa ter uma medida superior.
V - O direito do possuidor à indemnização pelas benfeitorias só pode ser exercido a partir do momento em que o proprietário reclama o imóvel, sendo só a partir daí que pode ter início a contagem do prazo de prescrição de três anos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 671/15.3T8AMT.P1
Apelação em processo comum e especial

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
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Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Vem a A. B..., intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra C..., pedindo inicialmente a condenação da R. no pagamento da quantia que se vier a apurar que correspondeu ao valor das benfeitorias por si realizadas no imóvel, em sede de prova pericial, que concretizou após ter sido convidada pelo tribunal para o efeito, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 82.100,00 a título de benfeitorias úteis e necessárias realizadas no imóvel que identifica, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido que realizou benfeitorias numa casa onde sempre viveu e que foi pagando para a passarem para o seu nome, sendo as aludidas benfeitorias necessárias e úteis, pelo que sendo-lhe agora peticionado que saia da habitação, pretende o pagamento das benfeitorias que realizou com o seu marido.
Regularmente citada a R. veio contestar, pugnando em último termo pela improcedência da acção e formulando pedido reconvencional contra a A. no sentido da mesma ser condenada a entregar-lhe o imóvel e a pagar-lhe a quantia de € 10.150,00 pelos danos patrimoniais sofridos em consequência das obras ilegais, acrescida de juros desde a data de citação/notificação até integral e efectivo pagamento. Requer também a condenação da A. como litigante de má fé e no pagamento de uma multa diária até à entrega efectiva do imóvel num valor mínimo de € 30 (trinta euros) diários a favor do Estado.
Invoca a incompetência do tribunal em razão do território; a ilegitimidade da A. que veio a ser devidamente suprida com a intervenção do seu marido; invocou também que a A. não podia formular um pedido genérico, o que foi sanado com o convite ao aperfeiçoamento. Mais alegou que foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda em relação a tal imóvel com o filho menor da A., onde consta que não terão direito a indemnização por obras. Refere que nunca teve conhecimento das obras em causa, sua dimensão ou sequer que as autorizou. Alega, ainda, que terá custos com a legalização das obras e que a A. deve abandonar o imóvel.
A A. vem apresentar réplica, mantendo no essencial o já alegado na petição inicial e pedindo agora a condenação da R. como litigante de má-fé.
Foi conhecida a alegada incompetência territorial e foi admitida a intervenção principal provocada do então marido da A.
O tribunal convidou a A. ao aperfeiçoamento da petição inicial, ao que a mesma respondeu positivamente, tendo-se a R. pronunciado sobre ela.
Foi fixado o valor da acção e admitido o pedido reconvencional apresentado pela R.
Procedeu-se à elaboração do despacho saneador com a fixação do objecto do litígio e dos temas da prova que não sofreram quaisquer reclamações.
Foi apresentado articulado superveniente, que mereceu impugnação e foi liminarmente admitido, tudo como consta de fls. 278 e ss..
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. e ao chamado, a título de benfeitorias, a quantia de € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros), acrescida de juros à taxa de 4% ao ano desde a data da citação até integral pagamento; mais julgou a reconvenção parcialmente procedente, condenando a A. e o chamado ao pagamento à R./reconvinte do valor de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa de 4% ao ano desde a data da citação até integral pagamento, bem como a A. na entrega do imóvel dos autos à R. após o pagamento por esta do valor das benfeitorias. Mais concluiu não haver factos concretos conducentes à condenação em litigância de má fé.
É com esta decisão que a R. não se conforma e dela vem interpor recurso, concluindo pela revogação da sentença proferida e pela sua absolvição do pedido, apresentando para o efeito as seguintes conclusões corrigidas após convite à sua síntese, que se reproduzem:
1-As benfeitorias/ prescrição/doc. de fls.48 (assinado pela recorrente e D..., na qualidade de pai do E..., menor em 2005)
Como se alcança pelo referido documento, o então casal não subsumiu as obras à permissão dada pela proprietária, e passando além das “necessárias” e “legais” excederam em 6 vezes a área coberta do prédio já existente e de forma ilegal, sem licença e projecto. Tais obras foram realizadas logo após a aquisição do prédio ela recorrente em 2005, constam da p.i e não foram impugnadas pela recorrente na contestação, mas deveriam ter sido limitadas ao teor dos artº 64 e ss. da mesma contestação, sendo realizadas pela mão do casal ( sucateiros) e amigos, e daí, a muito má realização quanto à obra em si mesma - cfr 1ª peritagem fls.136 e ss. pag. 3 e 5 do relatório dos peritos, e ponto IV al) j) e l) ,K), M), Q), V) das alegações, e concepção quanto à distribuição das partes componentes.
Ora, atento ao tempo decorrido desde 2005, nos termos do artº 482 do C Civil, tal direito “prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete (realização do custo) e da pessoa do responsável”… Cumprindo disposto no artº 479.2, (existe outro meio de facultar ao empobrecido eventual ressarcimento, nomeadamente o de colocar o imóvel em venda, a recorrente retira o que lá gastou – custo e encargos da aquisição e custo do capital, e impostos, mais os encargos desta acção ( cerca dos 65 mil – cfr supra), e todo o sobrante é para os AA, meio este mais justo e participativo dos AA na venda, o que se pode fazer, transparentemente, por uma IMOBILIÁRIA à escolha, mesmo pelos AA.) porque de outra forma, como o fez o Tribunal a quo, que determinou um valor muito excessivo para o que poderá ser o locupletamento da recorrente, não se fez Justiça, e enriquece-se os AA à custa da Ré, na medida em que jamais recuperará o capital investido e seus encargos, quando somada a pesadíssima indemnização em que foi condenada, o que gera empobrecimento, e perda pela certa.
Assim, não se verifica o enriquecimento da Ré, ou pelo menos no valor fixado em sentença, mas apenas em cerca de 5 mil (valor efectivamente acrescido ao já investido e a investir para legalizar).
2-abuso de direito/ documento / obras ilegais, mal concebidas e realizadas, incompletas e manifestamente excessivas.
O Tribunal a quo ao admitir uma ampliação de 40 para 297 m2 (6 vezes mais) e considerar que tais benfeitorias são forçosamente necessárias para recuperar e habitar o imóvel velho adquirido, o que não se concede, pois, uma coisa é permitir a recuperação de uma casa velha, outra é, abusivamente, fazer um chalé como vem descrito na douta sentença “à REI GHOB”, conforme descrito nos pontos 12,13 e ss. da matéria dada como provada (fotos tidas em conta fls, 22 e ss/89 e ss segundo a sentença...) sendo as obras são de má qualidade, falta terminar algumas partes, estão ilegais, é preciso alterar as mesmas, demolir parte, e reconstruir para obter a licença da Câmara. Deve o Venerando Tribunal ter em conta o valor do documento de fls 48vº emitido pela recorrente em 2005, e assinado e reconhecido no Tribunal a quo pelo CHAMADO D..., referido acima em 4- d) e e). Tal documento é particular. Foi assinado livremente, com um conteúdo simples e claro, depois de debatido pela proprietária que acabava de comprar o imóvel em 2005, e o Sr. D..., na qualidade ali especificada de pai do menor E..., como promitente-comprador, cujos termos do contrato ainda não estava delineado. A sua existência e assinatura (s) não foi impugnada pelo chamado (artº 374 do C Civil), foi mesmo confirmada perante a Mmª Juíza a quo em julgamento. Reza o artº 376 do Codigo Civil que o documento particular cuja autoria seja reconhecida… faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor. Esta prova plena, provada por documento, afasta a admissão de testemunhas (artigo 393/2 do Codigo Civil) Podia ter sido arguida e provada a falsidade do documento, para afastar tal prova plena, o que não aconteceu, nem ao longo do Pº, nem perante o Tribunal em sede de julgamento. Acabou por ser admitido pelo Chamado D... ( seu co-autor) que até “foi usado para ligar a luz”. Por outro lado, a simplicidade do seu teor, a enumeração sucinta das suas apenas 3 cláusulas, é tão claro e transparente que não pode deixar dúvidas a qualquer pessoa que tenha apenas o mínimo de entendimento e saiba ler. Acrescentando, que de uma simples autorização escrita da proprietária para “fazer as obras que legalmente entender sem direito a indemnização pelas mesmas” e “as necessárias para habitar o referido prédio” (documento de fls. 48 vº) se transformaram de sucateiros em “construtores sem alvará”, implementando uma construção que os senhores peritos descreveram como muito ampliada em relação à casa existente (passando de 40m2 para 297 m2 – 6 vezes maior), e muito para lá das suas necessidades familiares, bem como alterações no terreno e imensas obras exteriores (jamais encomendadas pela Ré), e tudo isto “para quem não tem dinheiro para comprar o imóvel” e cuidou de “não pôr o carro à frente dos bois” É aqui, que a Recorrente vê o manifesto abuso de direito, que o Tribunal não reconheceu, e mal, a nosso humilde ver. Em face ao que supra se explanou sobre a autorização de obras só na casa velha (prédio urbano acabado de adquirir), a profundidade da ampliação de 40 para 297 m2 (6 vezes mais), tudo o que passa para além da razoabilidade acima excedida como suficientemente se demonstrou na matéria factual, é justo admitir que os AA. agiram em manifesto abuso de direito, o que deve ser reconhecido e censurado, e que o Tribunal a quo recusou. A nenhuma pessoa pode ser pedido que disponha de dinheiro vivo, de 68 mil €, mais as obras necessárias (cerca de 20 mil), para legalizar uma construção que não permitiu, que não encomendou, não indicou características ou arquitectura, realizada por um casal de apanhadores de sucata, não profissionais de construção civil (sem poder passar recibo fiscal relevante para efeitos de mais valias, e IRS) e não munidos do respectivo alvará para construir, com materiais medíocres, má realização, obras mal concebidas e inacabadas, sem pé direito, corredor estreito violando o REGEU, sem protecção dos vãos…. Tudo isto é abusar do direito, pois pela sua amplitude sai fora do direito, e torna-se ilegítimo.
3) - É ónus do recorrente nos termos do artº 640 do CPC especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do Pº que impunham decisão diversa da recorrida – perícias e transcrição de depoimentos), e a decisão que deva ser proferida no seu entender. Assim:
a) Pontos de facto que se considera incorrectamente julgados na sentença:
- os pontos referidos supra em I) A) 1,2,3,4, e 5 ou seja:
1- No ponto 4 “…um amigo do marido da A., QUE SE OFERECEU para emprestar o dinheiro ao casal em vez de estes recorrerem a um empréstimo bancário”…
2- No ponto17 “…obras…com conhecimento e sem oposição da R.”
3- No ponto 18 “…as…obras orçaram o valor de pelo menos € 68.000”;
4- No ponto 19 “o chamado (D..., ex-marido e pai do então menor E...) subscreveu o documento de fls.48vº apenas com o intuito de garantir que o imóvel seria seu e que poderia pedir luz para o imóvel”
5- No ponto 20 “é possível legalizar as obras…o que terá um custo de 9.500€”
b) - Meios probatórios que impunham decisão diversa:
-A ausência de qualquer tipo de prova credível de que alguém, no seu perfeito juízo, se oferecesse para emprestar 35 mil €, sem fiador ou garantia real, a um casal, sem profissão e nem rendimentos estáveis (que ainda hoje não têm), em vez de estes recorrerem ao Banco. Por não contestadas, a existência de obras de facto pela Aª e D..., Mas, jamais autorizadas por escrito, nem oralmente, pela proprietária, com a grande ampliação da casa antiga (6 vezes), ao nível da construção ilegal, sem autorização da Câmara, sem plano, sem fiscalização por entidade competente, obras que além de clandestinas, foram levadas a cabo por não profissionais, pelo casal sucateiro, sem alvará, e familiares, sem conhecimentos de construção civil. Partindo das duas perícias: Obras que podiam ou não ter custado 68 mil €, não se sabe se em materiais (de má qualidade) e mão-de-obra (não qualificada), ou só aqueles, mas que pela forma como a construção foi realizada, resultando má, não acrescentam igual valor. (cfr. peritagens, violação de regras)
B. 1) - São os peritos em engenharia civil e arquitetura, que o afirmam e apontam para uma depreciação de cerca de 40%, que o Tribunal a quo não teve em conta.
B. 2) - A valorização pelo perito do Tribunal é de 30 mil € (cfr 1º peritagem pág. 3 do relatório).
B.3) - O documento de fls 48 vº que o D... admitiu ter assinado visa muito mais que autorizar a ligação da luz na sua clausula 3, sendo que é inadmissível e incompreensível que o Tribunal tenha separado/dividido o seu conteúdo Pois, Ou o admite no seu todo, ou não o considera como existente, como válido, e fazendo prova plena do que nele consta, e tendo sido assinado há mais de 12 anos, nunca foi posto em crise pelo casal, (aliás confirmado em julgamento) sugeridos esclarecimentos, ou aditamentos por escrito.
B.4) - Sendo certo, que no imóvel a proprietária, e aqui recorrente, já investiu 35 mil na compra (conforme douta Petição Inicial), acrescentou o valor da escritura, registo predial, IMI (s) e custo do dinheiro, a falta de rendimento, em cerca de 50/55 mil, acrescidos dos enormes custos desta acção, em termos de encargos com peritagens, taxa de justiça, e honorários (do Pº e conhecimento do julgador), o que tudo redondo oscilará em cerca de 60/70 mil €.
B.5) - O que significa que, a douta sentença ao fixar o valor a entregar aos AA. em 68 mil euros e seus juros desde a citação (note-se que na douta Petição Inicial não foi indicado o valor das obras – quantia incerta -, remetendo para a perícia, e por isso os juros só deviam ser contabilizados desde a condenação), acrescidos dos 60/70 mil, fará que o investimento rondará os 128/138 mil, aos quais acrescerá as inevitáveis obras de adaptação necessárias (cfr supra IV al.m) esclarecimentos dos peritos à 1ª peritagem e 2ª) que poderão subir a mais 20 mil, ou seja cerca de 150 mil €,
B.6) - Quando o valor da propriedade/imóvel segundo a F..., não vai além dos 68.500 €, (licenciado) (cfr. relatório de fls. ou o indicado pelos peritos do Tribunal e AA. que anda por valores semelhantes).
B.7) Ou seja, a douta sentença, não só não faz Justiça, como prejudica fortemente a investidora RECORRENTE, que apenas vê o valor do seu imóvel acrescido em cerca de 5 mil €.
B.8) – Enriquecendo, ao invés de indemnizar os AA, que sabiam que construíam ilegalmente, de forma a não acrescentar o devido e correspondente valor das obras, com materiais de má qualidade, e mal executadas, sem direcção e fiscalização de responsável por projecto e construção, aliás inexistente, bem sabendo que havia(m) renunciado aos gastos com obras com a aposição da assinatura no doc de fls. 48.
C) Sentido da decisão que a recorrente entende dever ser proferida:
a) Em função do documento de fls.48 vº, deve ser desde logo, declarado que os AA. prescindiram do direito à indemnização pelas obras;
b) Se assim não for, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto dada como provada, a saber:
• retirar o ponto 4 dos factos provados pelo Tribunal (no sentido em que vai a douta sentença quando justifica os factos não provados – parte final) (por não passar de uma astuta história contada ao Tribunal, “um choradinho” para mostrar credibilidade no depoimento, que não cabe na cabeça de uma qualquer pessoa minimamente avisada, e muito menos na pessoa de um sensato investidor, mormente em face do valor e risco do casal AA.);
• Introduzir que as obras com conhecimento e autorização da Ré eram apenas as que se podiam conter na autorização acordada e vertida no documento de fls. 48vº e, jamais as de ampliação enorme de 40 para 297 m2, muito para lá das necessidades familiares do casal com 2 filhos na altura (6 vezes maior).
• introduzir que independentemente do valor das obras (2ª peritagem com a desvalorização de 40% é de cerca de 42 mil), atenta a sua realização por pessoas não construtoras profissionais (sem alvará) e sem garantia de responsabilidade civil pelas mesmas, sem plano de obras, sem licenças, em parte inacabadas, e mal realizadas e com materiais de fraca qualidade, o valor acrescentado segundo o perito do Tribunal é de 30 mil €.(1º peritagem) e pela 2ª peritagem cerca de 5 mil efectivamente (cfr supra 4º m) (41.700 – cerca 37/38 já investidos dá os cerca de 5 mil E).
• recusar que o documento de fls. 48vº garanta ao D... que o imóvel seria seu e que só servia para pedir luz para o imóvel;
• alterar o ponto 20 e especificar que a legalização implica não só custos de licença, e documentos a apresentar na CM de ...,
• Mas, também, custos de cerca de 20 mil para obras a realizar no imóvel quer de acabamento, quer de adaptação e alteração de largura do corredor do 1º andar, pé direito dos compartimentos do 1º andar destinados a habitação, colocação de guardas de segurança nos vãos envidraçados no 1º andar, e os envidraçados dos quartos e sala no R/C aumentando para as áreas mínimas regulamentares, introduzir isolamentos e sistemas de ventilação.
4) -fixação da indemnização e contagem de juros
Estas devem ser fixadas em função da sentença transitada em julgado, e não da citação, porque, na pi não estava concretizado qualquer valor facturado, nem documentado.
5) É este o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas as normas de direito acima invocadas, devendo ser decidido:
-que os AA prescindiram da indemnização das obras,
-que assim não sendo, tal valor se encontra prescrito legalmente,
- e em último caso não é devido porque abusaram quantitativamente das obras, fizeram-nas ilegais, sem licenças e em desrespeito aos regulamentos de construção, em parte desnecessárias, e mal elaboradas, e mal concebidas, em manifesto abuso de direito.
- devendo ser atribuída uma quantia nunca superior a 5 mil€ a título de indemnização com carácter natural.
A A. e o Chamado vieram responder ao recurso interposto, referindo serem as conclusões do recurso complexas e pouco claras, concluindo a final pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da matéria de facto;
- do direito da A. e do Chamado a serem indemnizados pelo valor das benfeitorias realizadas e seu montante;
- da contabilização dos juros de mora.
III. Fundamentos de Facto
- da impugnação da matéria de facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, de um modo que não pode deixar de considerar-se confuso e pouco sistematizado e que nem sempre observa o ónus que lhe é imposto pelo art.º 640.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.
O art.º 662.º do C.P.C. com a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto” dispõe, no seu n.º 1 que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Por seu turno, o art.º 640.º do C.P.C. impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão de facto, estabelecendo o seguinte:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do artigo anterior, observa-se o seguinte:
a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considera relevantes;
b) (…)
A impugnação da matéria de facto pela parte deve assim obedecer a uma série de requisitos que o legislador enuncia neste artigo e designadamente, quando os pontos da decisão de facto impugnados se fundamentem em prova gravada, para além das especificações previstas nas várias alíneas do n.º 1, o Recorrente tem de indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes de cada depoimento em que funda o seu recurso.
A respeito da rejeição do recurso da matéria de facto, diz-nos Abrantes Geraldes, in. Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 128-129, as situações em que a mesma deve verificar-se, entre as quais: “Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda”. E acrescenta: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
No caso, verifica-se, que o Recorrente no recurso que apresenta não dá cumprimento ao disposto no art.º 640.º n.º 2 al. a) do C.P.C., não indicando as passagens da gravação dos depoimentos em que funda o seu recurso, não obstante algumas transcrições que efectua, o que constitui um obstáculo à reapreciação da matéria de facto que foi objecto de impugnação à luz dos mesmos e que só não implica, nos termos da norma mencionada, a imediata rejeição do recurso, no que a estes pontos da impugnação da matéria de facto se refere, pela circunstância da Recorrente indicar também documentos e os relatórios periciais realizados, à luz dos quais importa fazer a reavaliação da decisão do tribunal de 1ª instância.
A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto quanto ao teor dos pontos 4, 17, 18, 19 e 20 considerados provados e embora concretize alguns elementos de prova constantes do processo para fundamentar a sua discordância com a decisão do tribunal, como sejam documentos ou relatório pericial, não faz a efectiva correspondência de cada um desses meios de prova que indica com cada um dos factos que contesta, não cumprindo devidamente as exigências do art.º 640.º n,º 1 al. b) do C.P.C.
Também se verifica alguma confusão na indicação da decisão pretendida pelo Recorrente quanto a cada um dos factos impugnados, que não é nada clara, em incumprimento do disposto no art.º 640.º n.º 1 al. c) do C.P.C. e que é apresentada nos seguintes termos:
“a) Em função do documento de fls.48 vº, deve ser desde logo, declarado que os AA. prescindiram do direito à indemnização pelas obras;
b) Se assim não for, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto dada como provada, a saber:
• retirar o ponto 4 dos factos provados pelo Tribunal (no sentido em que vai a douta sentença quando justifica os factos não provados – parte final) (por não passar de uma astuta história contada ao Tribunal, “um choradinho” para mostrar credibilidade no depoimento, que não cabe na cabeça de uma qualquer pessoa minimamente avisada, e muito menos na pessoa de um sensato investidor, mormente em face do valor e risco do casal AA.);
• Introduzir que as obras com conhecimento e autorização da Ré eram apenas as que se podiam conter na autorização acordada e vertida no documento de fls. 48vº e, jamais as de ampliação enorme de 40 para 297 m2, muito para lá das necessidades familiares do casal com 2 filhos na altura (6 vezes maior).
• introduzir que independentemente do valor das obras (2ª peritagem com a desvalorização de 40% é de cerca de 42 mil), atenta a sua realização por pessoas não construtoras profissionais ( sem alvará) e sem garantia de responsabilidade civil pelas mesmas, sem plano de obras, sem licenças, em parte inacabadas, e mal realizadas e com materiais de fraca qualidade, o valor acrescentado segundo o perito do Tribunal é de 30 mil €.(1º peritagem) e pela 2ª peritagem cerca de 5 mil efectivamente (cfr supra 4º m) (41.700 – cerca 37/38 já investidos dá os cerca de 5 mil E).
• recusar que o documento de fls. 48vº garanta ao D... que o imóvel seria seu e que só servia para pedir luz para o imóvel;
• alterar o ponto 20 e especificar que a legalização implica não só custos de licença, e documentos a apresentar na CM de ...,
• Mas, também, custos de cerca de 20 mil para obras a realizar no imóvel quer de acabamento, quer de adaptação e alteração de largura do corredor do 1º andar, pé direito dos compartimentos do 1º andar destinados a habitação, colocação de guardas de segurança nos vãos envidraçados no 1º andar, e os envidraçados dos quartos e sala no R/C aumentando para as áreas mínimas regulamentares, introduzir isolamentos e sistemas de ventilação.”
Tendo em conta a forma como as questões são expostas, constata-se que se relativamente a alguns dos factos impugnados é possível ao tribunal, com esforço, perceber a decisão que é pretendida como correcta, relativamente a outros a exposição é de tal forma confusa, apresentando a Recorrente conclusões e referência a outra matéria que não consta dos factos impugnados, que não conseguimos sequer perceber quais são efectivamente as alterações pretendidas.
Será por isso a respeito de cada facto impugnado que se avaliará da possibilidade de conhecer do recurso, tendo em conta o cumprimento ou não pela Recorrente do ónus de indicar os concretos meios de prova que justificam uma decisão diversa ou mesmo a resposta que entende ser a adequada e pretendida quanto a cada facto.
- Quanto ao ponto 4 da decisão de facto é a seguinte a sua redacção:
4. No entanto, a A. e o marido não possuíam o capital necessário para o pagamento do preço acordado com os vendedores, o que foi transmitido a um amigo do marido da A., que se ofereceu para emprestar o dinheiro ao casal em vez de estes recorrerem a um empréstimo bancário, ficando o imóvel registado em seu nome ou de quem este indicasse, até ao pagamento integral da dívida, o que veio efectivamente a acontecer.
Impugna a Recorrente este facto no seguinte excerto: “…um amigo do marido da A., QUE SE OFERECEU para emprestar o dinheiro ao casal em vez de estes recorrerem a um empréstimo bancário”
Quanto ao sentido da decisão que deve ser proferida, refere a Recorrente: “retirar o ponto 4 dos factos provados pelo Tribunal (no sentido em que vai a douta sentença quando justifica os factos não provados – parte final) (por não passar de uma astuta história contada ao Tribunal, “um choradinho” para mostrar credibilidade no depoimento, que não cabe na cabeça de uma qualquer pessoa minimamente avisada, e muito menos na pessoa de um sensato investidor, mormente em face do valor e risco do casal AA.)”
Parece a Recorrente pretender que se considere não provado a parte do ponto 4 que impugna, que expõe que “um amigo do marido da A. que se ofereceu para emprestar o dinheiro ao casal em vez destes recorrerem a um empréstimo bancário”, por “ausência de qualquer tipo de prova credível.”
Em primeiro lugar, constata-se que não faz sentido impugnar aquele excerto específico do ponto 4 e não o mesmo na sua totalidade, já que da sua parte final consta “ficando o imóvel registado em seu nome ou de quem este indicasse, até ao pagamento integral da dívida, o que veio efectivamente a acontecer.” Parece por isso contraditória a contestação da existência de um empréstimo ao casal, sem que haja a impugnação do pagamento da dívida.
Em segundo lugar, a Recorrente não indica qualquer meio probatório que imponha uma decisão diversa, limitando-se a dizer que não passou de uma astuta história contada ao tribunal.
Finalmente importa ter em conta a motivação apresentada na sentença recorrida, que conferiu credibilidade às declarações de parte da A. e do chamado, considerando relevantes as mesmas na indicação de que foi um amigo do casal de nome G... que lhes emprestou o dinheiro para a compra do prédio, que por sua indicação e exigência veio a ficar em nome da sua companheira, a ora R., até ao pagamento do empréstimo, cujo dinheiro a R. ou o G... iam receber a sua casa, tal como o pagamento do IMI.
Tudo isto determina que se considere improcedente o pedido de alteração da decisão deste ponto 4 tido como provado.
- Quanto ao ponto 17 da decisão de facto, tem o mesmo o seguinte teor:
17. As obras em causa foram realizadas pela A. e seu marido de forma gradual, consoante as suas possibilidades económicas e com o conhecimento e sem a oposição da Ré.
A Recorrente impugna este ponto na parte que respeita a “…obras…com conhecimento e sem oposição da R.”
Quanto à decisão pretendida, refere a Recorrente: “Introduzir que as obras com conhecimento e autorização da R. eram apenas as que se podiam conter na autorização acordada e vertida no documento de fls. 48 vº e, jamais as de ampliação enorme de 40 para 297 m2, muito para lá das necessidades familiares do casal com 2 filhos na altura (6 vezes maior).”
Alega a Recorrente que jamais autorizou por escrito ou oralmente a grande ampliação da casa antiga e a sua construção ilegal, e que só estavam autorizadas as obras legais, necessárias para a habitação do prédio e sem direito a indemnização, como consta do documento de fls. 48 vº, socorrendo-se também das duas perícias para atestar a dimensão das obras realizadas e o facto de não estarem licenciadas.
Impõe-se um esclarecimento prévio, chamando a atenção para a circunstância da matéria de facto que consta do ponto 17 se reportar ao conhecimento das obras pela R. e à sua não oposição às mesmas, ali não se referindo qualquer autorização, designadamente dele não se retirando que as obras foram expressamente autorizadas pela R.
A motivação apresentada pelo tribunal dirige-se ao facto da R. e o seu companheiro serem visita da casa da A. e do chamado e terem por isso conhecimento das obras que por eles foram sendo realizadas – declarações da A. e do Chamado e depoimento da testemunha H....
O momento temporal a que alude o facto provado é contemporâneo ou posterior à realização das obras e a resposta que a R. pretende refere-se a um momento anterior às mesmas.
De registar ainda, que o que a R. enfatiza é uma sua posição em abstracto, no sentido de que não autorizou a realização das obras ilegais ou da dimensão que as mesmas vieram a ter, não indicando qualquer acção ou comportamento em concreto da sua parte relativamente às obras que foram feitas.
O que a mesma indica quanto à sua posição é o que ficou a constar do documento de fls. 48 vº que invoca, documento denominado contrato promessa de compra e venda, datado de 20 de Maio de 2005, assinado pela R. enquanto promitente vendedora e pelo Chamado enquanto representante de um seu filho menor como promitente comprador. Não estando naturalmente aqui em causa avaliar da validade, quer do ponto de vista formal, quer substantivo, do indicado contrato promessa de compra e venda alegadamente celebrado entre a R. e um filho menor da A. e do Chamado e assinado por este, sempre se dirá, por um lado, que tal documento tem uma data anterior àquela em que as obras foram realizadas, pelo que não é susceptível de pôr em causa o que consta do ponto de facto impugnado que respeita ao conhecimento das obras realizadas posteriormente e não oposição às mesmas; por outro lado, considerando que na própria versão da R. o prédio em causa era para ser vendido ao filho da A. e do Chamado, que dele tomava posse imediata, o natural era que a R. não estivesse preocupada em autorizar ou impedir a realização de obras num prédio que já havia prometido vender.
Em conclusão, os meios probatórios indicados não admitem a alteração deste ponto da matéria de facto no sentido pretendido.
- Quanto ao ponto 18 da decisão de facto, é a seguinte a sua redacção:
18. As obras executadas (com exclusão da piscina), além de indispensáveis à habitabilidade do prédio, não podendo ser levantadas sem detrimento do mesmo, orçaram no valor de pelo menos € 68.000,00.
A Recorrente impugna a parte deste facto que indica que: “…as…obras orçaram o valor de pelo menos € 68.000”.
Pretende a mesma que fique a constar; “Independentemente do valor das obras (2ª peritagem com a desvalorização de 40% é de cerca de 42 mil euros), atenta a sua realização por pessoas que não construtoras profissionais (sem alvará) e sem garantia de responsabilidade civil pelas mesmas, sem plano de obras, sem licença, em parte inacabadas, e mal realizadas e com materiais de fraca qualidade, o valor acrescentado segundo o perito do tribunal é de 30 mil € (1ª peritagem) e pela 2ª peritagem cerca de 5 mil efectivamente.”
Quanto a este ponto de facto verifica-se que o que a Recorrente contesta não é verdadeiramente o valor que as obras possam ter custado e que consta do ponto impugnado, mas antes a circunstância de não poder considerar-se que esse foi o valor acrescentado ao prédio e a medida da sua valorização, como veio a entender-se na sentença proferida.
Invoca para o efeito o 1º relatório pericial realizado, no excerto em que o perito do tribunal refere que a valorização do imóvel é de € 30.000,00 e o 2º relatório em que os peritos apontam para uma depreciação do valor despendido nas obras que o tribunal não considerou.
Verifica-se que o tribunal a quo omitiu a resposta aos factos relativos à questão da valorização do prédio da R., invocada pela A. na petição inicial e que é um valor que tem autonomia em relação ao valor despendido na realização das obras, fazendo por isso sentido o aditamento pretendido pela Recorrente quanto a esta matéria. Tal matéria integra-se no objecto do litígio e é essencial para a determinação do valor a que a A. e o Chamado podem ter direito, caso se entenda que as benfeitorias por eles realizadas devem ser compensadas pela R., na medida em que tal compensação se efectua de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, tal como considerou o tribunal e como dispõe o art.º 1273.º n.º 2 do C.Civil.
Torna-se por isso indispensável a ampliação da decisão de facto, de modo a abranger esta questão, o que levaria à primeira vista a considerar haver que anular-se a decisão proferida, com vista ao seu aditamento, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 2 al. c) do C.P.C. Afigura-se, no entanto, que este tribunal tem ao seu dispor todos os meios de prova produzidos em 1ª instância, designadamente, com relevância para esta matéria, os relatórios das perícias realizadas, que permitem, com segurança, uma decisão sobre esta questão de facto que consiste em saber em que montante ficou o prédio da R. valorizado com as obras realizadas, possibilitando o aditamento da decisão de facto em conformidade com o estabelecido na norma mencionada, sem necessidade de se anular a decisão proferida.
Para a determinação desta matéria importa essencialmente ter em conta os dois relatórios periciais juntos aos autos respectivamente a fls. 202 ss. e 263 ss., o primeiro complementado com os esclarecimentos dos peritos a fls. 251 ss., os relatórios de avaliação do prédio de fls. 136 ss. e 186 ss. juntos respectivamente pela A. e pela R. e ainda o documento de fls. 285 que corresponde a uma carta enviada pela R. à A., já que nem as declarações das partes, nem os depoimentos das testemunhas revelam conhecimento ou razão de ciência sobre esta matéria em concreto – o conhecimento revelado por algumas testemunhas é essencialmente sobre as obras realizadas no imóvel e não sobre o montante pecuniário em que o mesmo possa ter ficado valorizado com as mesmas.
A avaliação do prédio que consta de fls. 136 ss. junta pela A. e que se apresenta detalhadamente justificada e fundamentada atribui ao imóvel um valor de € 82.100,00 referindo ter sido levada em consideração uma depreciação do seu valor em 37% para a realização de trabalhos de acabamentos em falta, mais considerando as alterações efectuadas legalizáveis. Já a avaliação de fls. 286 ss. junta pela R. aponta para um valor de € 68.500,00 e pressupõe que o prédio está legalizado.
Os peritos que realizaram a primeira perícia nos autos, apresentam valores que divergem um pouco entre si quanto ao montante que previsivelmente foi despendido pelos AA. na realização das obras (€ 80.275,00/ € 53.975,00/ € 70.825,00), mas são unânimes em considerar que a valorização do imóvel não deve incorporar a totalidade do valor das obras realizadas, pelo facto das mesmas não cumprirem a legislação em vigor e terem má qualidade, apontando respectivamente para uma valorização do imóvel de € 40.000,00/ € 20.000,00 e € 30.000 o perito do tribunal. Importa ainda ter em conta que os peritos se pronunciam sobre o valor de venda imediata do prédio, apontando para € 125.000,00/ € 75.000,00 e € 85.000,00 o perito do tribunal. Dos esclarecimentos que os mesmos são chamados a prestar decorre que é possível o licenciamento das obras que terá um custo estimado de € 9.000,00.
Na segunda perícia realizada, cujo relatório se encontra a fls. 263 ss. resulta que o perito indicado pela R. toma uma posição e que os peritos indicados pela A. e pelo tribunal convergem numa posição conjunta. É entendimento destes peritos que o imóvel tem um valor de € 69.500,00 sendo pelos mesmos referido que tal valor já incorpora um factor de depreciação de 40% designadamente por considerarem os custos de licenciamento que estimam em € 9.500,00; estes peritos apontam para uma valorização do imóvel em € 41.700,00 em razão das obras realizadas.
Importa finalmente ter ainda em conta o documento junto aos autos a fls. 285 que constitui uma carta enviada pela R. à A. em que lhe propõe a compra do imóvel pelo valor de € 50.000,00 aí também indicando o seu custo de aquisição em 2005 pelo valor de € 35.000,00, quantia esta que, conforme resulta dos factos provados nos pontos 3 e 4 da decisão de facto foi sendo paga pelos AA. Daqui se retira que a própria R. aponta para um valor de venda do imóvel que representaria para si uma incorporação de capital que ascenderia a € 85.000,00 indicando que o valor que a mesma estima para o imóvel se aproxima do valor indicado pelos peritos, coincidindo até com o valor de venda referido pelo perito do tribunal que interveio na primeira perícia.
Da conjugação de todos estes elementos probatórios resulta que, não obstante as obras realizadas pelos AA. no imóvel tenham tido um custo de pelo menos € 68.000,00 não pode considerar-se que a valorização que as mesmas conferem ao imóvel é correspondente a esse valor, na medida em que tem de entrar-se em linha de conta com dois factores que o depreciam e que são, por um lado, a má qualidade das obras realizadas e por outro lado os custos com o seu licenciamento, quer na realização de trabalhos que o possibilitem, quer com os custos administrativos.
Tendo em conta o valor de aquisição em 2005 de € 35.000,00 reconhecido pelas partes e os valores de venda apontados para o imóvel na actualidade, destacando-se a este respeito os que são indicados pelos peritos do tribunal nos dois relatórios e que são respectivamente de € 85.000,00 e € 69.500,00 valores apontados que já levam em conta a depreciação resultante do facto das obras terem má qualidade e de não estarem licenciadas (com a ponderação dos custos do licenciamento, quer administrativos, quer com a realização de obras adicionais), bem como a valorização que os mesmos atribuem ao prédio em razão das obras realizadas, que é respectivamente de € 30.000,00 e de € 41.700,00 temos como adequado considerar que as obras realizadas pelos AA. valorizaram o prédio em € 40.000,00.
Determina-se por isso o aditamento em conformidade ao ponto 18 da decisão de facto, que passa a ter a seguinte redacção:
18. As obras executadas (com exclusão da piscina), além de indispensáveis à habitabilidade do prédio, não podendo ser levantadas sem detrimento do mesmo, orçaram no valor de pelo menos € 68.000,00 tendo valorizado o prédio em cerca de € 40.000,00.
Procede nesta parte a impugnação apresentada.
- Quanto ao ponto 19 da decisão de facto, é o seguinte o seu teor:
19. O chamado subscreveu o documento de fls. 48 v.º apenas com o intuito de garantir que o imóvel seria seu e que poderia e pedir luz para o imóvel.
Ao pronunciar-se sobre o sentido da decisão que entende dever ser proferida a Recorrente diz: “recusar que o documento de fls. 48 vº garanta ao D... que o imóvel seria seu e que só servia para pedir luz para o imóvel.”
Quanto a esta impugnação, considera-se que a Recorrente não dá o devido cumprimento ao disposto no art.º 640.º n.º 1 al. c) do C.P.C. por não indicar a decisão de facto que no seu entender deve ser proferida sobre esta matéria, limitando-se a dizer o que deve ser recusado, não se percebendo com um mínimo de certeza qual a resposta que entende adequada quanto ao facto impugnado.
Por outro lado, a resposta a este facto tem de ser conjugada a decisão relativa aos factos não provados que não foi impugnada pela Recorrente e que refere na sua al. B): “A 20 de Maio de 2005 a R. prometeu vender o imóvel em causa a E..., então menor, filho da A. e de D..., pelo valor de € 70.000,00 e aceitaram que não haveria lugar a indemnização pelas obras realizadas.”
O documento em questão, do qual a Recorrente pretende retirar a ilação de que a A. e o Chamado renunciaram a qualquer indemnização por benfeitorias realizadas no prédio em causa, representa um denominado contrato promessa de compra e venda celebrado com o filho daqueles, que não é parte neste processo, nunca podendo dele retirar-se a ilação pretendida, sendo além do mais um documento que embora assinado pelo Chamado o é em nome e representação do seu filho e no qual a A. não teve sequer qualquer intervenção. Não pode por isso retirar-se de tal documento, sem mais, a existência de qualquer acordo das partes no sentido pretendido, ou vinculação da A. ao aí estabelecido.
De qualquer forma, por não ter sido cumprido pela Recorrente quanto a este facto que impugna, o ónus de especificação a que alude o art.º 640.º n.º 1 al. c) do C.P.C., rejeita-se a impugnação apresentada quanto a este ponto de facto.
- Quanto ao ponto 20 da decisão de facto, a sua redacção é a seguinte:
20. É possível legalizar as obras em causa, designadamente, com a elaboração de projecto de construção e especialidades, taxas para licença de construção e utilização, certificado energético e averbamentos à matriz e ao registo predial, o que terá um custo global de € 9.500,00.
Insurge-se a Recorrente quanto a esta decisão parte em que refere que: “é possível legalizar as obras…o que terá um custo de 9.500€”
Pronunciando-se sobre o sentido da decisão que entende dever ser proferida, refere a Recorrente: “alterar o ponto 20 e especificar que a legalização implica não só custos de licença, e documentos a apresentar na Câmara Municipal ..., mas também custos de obras a realizar no imóvel quer de acabamentos, quer de adaptação e alteração da largura do corredor do 1º andar, pé direito dos compartimentos do 1º andar destinados a habitação, colocação de guardas de segurança nos vãos envidraçados do 1º andar, e os envidraçados dos quartos e sala no R/ch aumentando para as áreas mínimas regulamentares, introduzir isolamentos e sistemas de ventilação.”
Invoca para o efeito os relatórios periciais e esclarecimentos prestados aos mesmos pelos peritos, na parte em que que referem a necessidade de obras de adaptação necessárias à legalização do prédio.
Tem razão a Recorrente com esta questão, quando refere que o custo de € 9.500,00 para a legalização das obras respeita apenas aos elementos que constam do ponto 20 dos factos provados, existindo outros custos adicionais que se prendem com a necessidade de realizar outras obras para que sejam cumpridos os requisitos legais e regulamentares que possibilitam a legalização, daí a expressão “designadamente” que também consta da resposta dada, que, em bom rigor não pode considerar-se errada.
Os peritos que elaboraram a primeira perícia concretizam as situações que não cumprem os critérios legais (a fls. 252, al. m)) em consonância com a alteração que a Recorrente pretende que se introduza àquele ponto 20.
Considera-se por isso que tal meio de prova permite a alteração do ponto 20 dos factos provados, no sentido de concretizar melhor o seu teor, devendo ser aditada tal matéria, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
20. É possível legalizar as obras em causa com a elaboração de projecto de construção e especialidades, taxas para licença de construção e utilização, certificado energético e averbamentos à matriz e ao registo predial, o que terá um custo previsível de cerca € 9.500,00 e com a realização das seguintes obras: de adaptação ou alteração para os valores legais da largura do corredor do 1º andar e do pé direito dos compartimentos do 1º andar destinados a habitação, colocação de guardas de segurança em alguns vãos envidraçados do 1º andar, alteração para as medidas regulamentares dos envidraçados dos quartos e sala no r/c, introdução de isolamentos e sistemas de ventilação.
Procede nesta parte a impugnação apresentada.
*
Em razão da procedência parcial da impugnação da matéria de facto, são os seguintes os factos que resultaram provados:
1. A A. foi casada com D..., chamado nos autos.
2. Na constância do matrimónio, a A. e o marido decidiram comprar um terreno para construir a sua habitação.
3. Pelo que, no início do ano de 2005, em dia e mês que não conseguem precisar, visitaram o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob a ficha n.º 1379, tendo-se decidido pela compra do mesmo, pelo valor de € 35.000,00.
4. No entanto, a A. e o marido não possuíam o capital necessário para o pagamento do preço acordado com os vendedores, o que foi transmitido a um amigo do marido da A., que se ofereceu para emprestar o dinheiro ao casal em vez de estes recorrerem a um empréstimo bancário, ficando o imóvel registado em seu nome ou de quem este indicasse, até ao pagamento integral da dívida, o que veio efectivamente a acontecer.
5. Assim, a escritura de compra e venda foi efectuada entre os proprietários do prédio à data, I... e J..., na qualidade de vendedores e a Ré, na qualidade de compradora.
6. Desde o dia 23 de Maio de 2005 encontra-se inscrito a favor da Ré o prédio urbano sito no ..., actualmente Rua ..., freguesia ..., deste concelho de Amarante, a confrontar a Norte e Poente com K...; Sul e Nascente com L..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 322 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob a ficha n.º 1379.
7. A partir da data da compra do imóvel, a A. e o seu marido entraram na posse do mesmo, que a A. mantém até hoje, uma vez que atravessou um processo de divórcio desde 2014, tendo ficado a partir daí apenas a A. a residir em tal imóvel.
8. A A. e o seu marido apenas conseguiram passar a habitar definitivamente o imóvel com a realização de obras, porque a construção implantada no prédio apenas possuía um aglomerado de pedras ao nível do rés-do-chão, sem telhado, divisões e no meio de um matagal.
9. Para além das obras necessárias a tornar o prédio habitável, a A. e o seu marido executaram obras no próprio terreno e reparações.
10. À data da aquisição pela Ré, 23 de Maio de 2005, o prédio tinha a seguinte descrição: casa de rés-do-chão, andar e logradouro, com área total de 940 m², área coberta de 40 m2 e descoberta de 900 m².
11. À data de hoje, para além das obras executadas, o imóvel possui uma área de implantação de 297 m2.
12. A A. e o seu marido executaram, designadamente, as seguintes obras no imóvel: prepararam o terreno para a entrada de máquinas e viaturas; prepararam a pedra existente no local para a construção da habitação; fizeram a estrutura da habitação, através do aumento da área existente; executaram as coberturas, as alvenarias e carpintarias, a rede de abastecimento de água, a construção de fossas, as instalações eléctricas, as serralharias/vidraceiros; o revestimento de tectos, paredes e pavimentos; a colocação de equipamento sanitário; as pinturas; muraram os limites do prédio assim como, os jardins e leiras existentes; colocaram paralelo na parte exterior e alcatrão em algumas áreas; executaram os passeios exteriores; fizeram uma piscina; uma churrasqueira; uma garagem; galinheiros; um tanque; um poço com uma bomba de água e respectivo compartimento; colocaram árvores de fruto, nomeadamente, duas tangerineiras, três oliveiras, uma laranjeira, uma cerdeira e um limoeiro; adornaram os jardins com plantas e flores e cultivaram o terreno com produtos hortícolas.
13. A A. construiu uma habitação de rés-do-chão e primeiro andar com as seguintes divisões: no rés do chão uma cozinha, uma sala, casa de banho e arrumos; no andar superior três quartos, uma sala de estar e uma casa de banho.
14. Na cozinha executou, ainda, uma lareira e colocou todo o mobiliário, balcões e banca da louça.
15. Todas estas obras foram efectuadas a expensas dos rendimentos da A. e do seu marido, que financiaram todos os materiais e mão-de-obra necessários para o efeito.
16. Por carta datada de 27 de Junho de 2014, a R. interpelou a A. para apresentar uma proposta de compra e, caso não o fizesse, abandonar a habitação em 30 dias, não tendo a A. meios económicos para comprar o imóvel.
17. As obras em causa foram realizadas pela A. e seu marido de forma gradual, consoante as suas possibilidades económicas e com o conhecimento e sem a oposição da Ré.
18. As obras executadas (com exclusão da piscina), além de indispensáveis à habitabilidade do prédio, não podendo ser levantadas sem detrimento do mesmo, orçaram no valor de pelo menos € 68.000,00 tendo valorizado o prédio em cerca de € 40.000,00. (alterado).
19. O chamado subscreveu o documento de fls. 48 v.º apenas com o intuito de garantir que o imóvel seria seu e que poderia e pedir luz para o imóvel.
20. É possível legalizar as obras em causa com a elaboração de projecto de construção e especialidades, taxas para licença de construção e utilização, certificado energético e averbamentos à matriz e ao registo predial, o que terá um custo previsível de cerca € 9.500,00 e com a realização das seguintes obras: de adaptação ou alteração para os valores legais da largura do corredor do 1º andar e do pé direito dos compartimentos do 1º andar destinados a habitação, colocação de guardas de segurança em alguns vãos envidraçados do 1º andar, alteração para as medidas regulamentares dos envidraçados dos quartos e sala no r/c, introdução de isolamentos e sistemas de ventilação.
IV. Razões de Direito
- do direito da A. e do Chamado a serem indemnizados pelo valor das benfeitorias realizadas e seu montante
Alega a Recorrente que não há lugar ao pagamento de qualquer valor resultante das obras realizadas no prédio, o que sempre constituiria um abuso de direito atenta a sua dimensão e falta de legalização e sempre estaria prescrito o direito por já terem decorrido mais de 3 anos sobre a realização das obras sem que o direito tenha sido exercido.
A sentença recorrida considerou que a A. e o Chamado têm a posse do prédio onde habitaram como se fosse seu e onde realizaram obras, de boa fé, como se tratasse de coisa sua por estarem a pagar o empréstimo contraído para a sua aquisição, obras que qualifica de benfeitorias necessárias ou úteis que não podem ser levantadas sem deterioração do prédio, concluindo pela sua indemnização de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, avaliando como não prescrito o direito e concluindo também não existir abuso de direito.
Importa ter em conta que a Recorrente não põe em causa que a A. e o Chamado realizaram benfeitorias no prédio, antes entendendo que não há lugar a qualquer indemnização pelas mesmas, contestando, em último termo, o valor indemnizatório atribuído.
É o art.º 216.º do C.Civil que nos dá a noção de benfeitorias, dispondo:
1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
As benfeitorias consistem assim numa acção sobre a coisa destinada à sua conservação ou melhoramento, sendo previstas três modalidades diferentes de benfeitorias: as necessárias que têm por vim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, do que podemos dar como exemplo a reparação do telhado de um imóvel; as úteis, que não sendo necessárias à conservação da coisa, aumentam o seu valor, como acontece por exemplo com o aumento da área habitável de um imóvel e as voluptuárias que são definidas também por exclusão de partes – não se destinam à conservação da coisa nem aumentam o seu valor, servindo apenas para satisfação de quem as realiza, como acontece por exemplo com a pintura de um imóvel de uma côr diferente.
A indemnização pela realização de benfeitorias depende da verificação dos pressupostos legais que a prevêm, estando dependente da existência de um vínculo de quem as realiza à coisa, assumindo-se também como relevante determinar a modalidade das benfeitorias realizadas, já que nem todas são susceptíveis de ser indemnizadas.
A lei confere ao possuidor o direito de, em determinadas circunstâncias, ser indemnizado das benfeitorias realizadas no prédio, distinguindo consoante se tratem de benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias.
O art.º 1273.º do C.Civil rege a respeito da indemnização das benfeitorias necessárias e úteis, nos seguintes termos:
“1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”
Quanto às benfeitorias voluptuárias dispõe o art.º 1275.º do C. Civil:
“1. O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas.
2. O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito.”
Na situação em presença, os factos provados revelam que a A. e o Chamado pretendendo comprar o imóvel em causa e por não disporem de dinheiro, recorreram a um empréstimo de um amigo, ficando o prédio registado nome da R. por indicação dele até ao pagamento da dívida. A partir da compra do imóvel, aqueles entraram na posse do mesmo onde foram realizando obras, melhor descriminadas no ponto 12 a 15 dos factos provados e onde passaram a habitar, continuando a ser habitado pela A. na sequência de um processo de divórcio, agindo como se proprietários fossem.
A questão suscitada pela Recorrente de que a A. e o Chamado renunciaram à indemnização de quaisquer benfeitorias realizadas no prédio, estava dependente da procedência da impugnação da matéria de facto sobre esta matéria, que não veio a verificar-se, não permitindo os factos provados concluir nesse sentido.
Tal como considerou a sentença recorrida a A. é legítima possuidora do prédio, à luz do que dispõe o art.º 1263.º do C.Civil, tendo a A. e o Chamado vindo a exercer a posse sobre o prédio como se fossem os seus proprietários, nele habitando e realizando os trabalhos que consideraram necessários ou úteis à finalidade pretendida de nele habitarem com a sua família, não obstante o facto do imóvel não estar registado em seu nome em razão do empréstimo que contraíram para a sua aquisição, tendo porém a expectativa de que com o pagamento do empréstimo o prédio passasse para o seu nome.
Enquanto legítimos possuidores de boa fé e sendo-lhes exigida a entrega do prédio pelo proprietário, já se vê que os mesmos têm o direito a ser indemnizados pelas benfeitorias realizadas nesse mesmo prédio de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do art.º 1273.º do C.Civil, já que tiveram despesas em resultado das obras feitas, que constituem benfeitorias necessárias destinadas a tornar o prédio habitável, ou benfeitorias úteis que não podem ser retiradas sem detrimento do mesmo.
Alega a Recorrente que não autorizou as obras realizadas, que não estão legalizadas e que sempre o valor indemnizatório atribuído é excessivo.
Quanto à primeira questão que se refere à invocada não autorização das obras, importa referir que a autorização do proprietário não constitui qualquer requisito da indemnização das benfeitorias, não exigindo genericamente o legislador que as obras realizadas pelo possuidor de boa fé tenham de ser autorizadas pelo proprietário, nem resultando dos autos qualquer acordo das partes no sentido de que tal autorização tivesse de existir. Além do mais, ficou provado que a R. tomou conhecimento das obras que foram sendo realizadas e não manifestou qualquer oposição.
Depois de discorrer sobre o regime do enriquecimento sem causa, a sentença recorrida fixou em € 68.000,00 o valor devido pelas benfeitorias, referindo que tal foi a quantia despendida com as mesmas, representando por isso a medida do empobrecimento dos AA. e do enriquecimento da R. que não tem causa. A decisão recorrida considerou por isso como equivalente o valor do empobrecimento e do enriquecimento das partes.
O valor indemnizatório devido pelas benfeitorias realizadas que não podem ser retiradas sem detrimento da coisa, deve ser fixado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, como dispõe o art.º 1273.º do C.Civil. No caso, regista-se que a Recorrente não põe em causa a qualificação das benfeitorias realizadas como necessárias e úteis, bem como que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa.
O instituto do enriquecimento sem causa vem regulado nos art.º 473.º ss. do C.Civil.
O art.º 473.º do C.Civil estabelece o princípio geral do enriquecimento sem causa, referindo no seu n.º 1 que: “Aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.” Acrescenta o nº 2 deste artigo que a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido em virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
O enriquecimento sem causa de uma parte verifica-se com a obtenção por ela de uma vantagem patrimonial, à custa de outra parte que fica empobrecida, sem que exista causa justificativa para tal deslocação patrimonial. Se em muitos casos há equivalência entre o valor que sai do património do lesado e aquele que entra no património do enriquecido, nem sempre as coisas se passam nesses termos, já que há situações em que não se verifica essa equivalência- vd. neste sentido, Antunes Varela, in. Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 327.
O objecto da obrigação de restituir compreende tudo o que tenha sido obtido à custa do empobrecido mas não pode exceder a medida do locupletamento, tal como prevê o art.º 479.º nos seus n.º 1 e 2.
Decorre deste princípio que o beneficiário apenas está obrigado a restituir aquilo com que efectivamente enriqueceu, sendo este o limite da sua obrigação. Tal como nos diz Antunes Varela, in. ob. cit. pág. 348: “… a obrigação de restituir a que se referem os artigos 473.º e seguintes não visa reparar o dano do lesado – esse é o fim próprio da responsabilidade civil – mas suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem.” Este autor continua, dando precisamente como exemplo a situação das benfeitorias realizadas pelo possuidor, referindo: “Se as benfeitorias custaram 20 e apenas valorizaram a coisa em 10, a obrigação de restituir não excederá o montante de 10, por ser este o valor com que o proprietário se enriquece à custa da outra parte.
Revertendo ao caso em presença e atentando nos factos provados, verificamos que os possuidores despenderam com a realização das benfeitorias o montante de € 68.000,00 tendo ficado empobrecidos nesse valor. Contudo, conforme se apurou também a R. não viu o seu património enriquecido ou valorizado nesse mesmo montante, mas em valor inferior, pelo facto das obras realizadas não terem sido correctamente feitas, de acordo com a legislação em vigor e não terem sido licenciadas, apurando-se que apenas valorizaram o património da R. em cerca de € 40.000,00.
Naturalmente que a este valor de valorização do imóvel não tem de abater-se o valor de aquisição do mesmo de € 35.000,00 como pretende a Recorrente, que nem sequer se apurou se ou em que medida foi pago pelos AA., nem a Recorrente indica em que fundamentar tal posição. Isso apenas teria de acontecer se partíssemos de outros elementos para calcular a valorização do imóvel, como seja partir do valor actual do prédio e ao mesmo subtrair o valor pelo qual o mesmo foi adquirido devidamente actualizado.
Nestes termos e tendo em conta o disposto no art.º 479.º do C.Civil determina-se que a R. apenas está obrigada a indemnizar as benfeitorias realizadas pelos possuidores no prédio pelo valor de € 40.000,00 que corresponde à medida da melhoria da sua situação patrimonial.
De notar porém que esta é a valorização do prédio da R., em resultado das obras efectivamente realizadas pelos possuidores e incorporadas no imóvel, não obstante as mesmas não estarem licenciadas, sendo que, conforme já se referiu a respeito da impugnação da matéria de facto, a medida da valorização do prédio é efectivamente mais pequena precisamente por esse facto – se as obras tivessem uma qualidade superior e tivessem sido feitas de acordo com a legislação em vigor e licenciadas, a valorização do prédio da R. seria seguramente superior e se assim fosse, sempre seria maior o montante do seu enriquecimento e consequentemente o valor a indemnizar.
Invoca ainda a Recorrente a prescrição do direito de indemnização pelas benfeitorias, por terem decorrido mais de três anos sobre a realização das obras, atento o disposto no art.º 482.º do C.Civil.
O art.º 482.º do C.Civil, com a epígrafe “prescrição” dispõe: “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.”
O conhecimento relevante para efeitos do início do prazo da prescrição reporta-se aos elementos factuais constitutivos do direito, sendo ainda necessário, para o início do curso do prazo da prescrição, que o lesado tenha a possibilidade de exercer o seu direito, devendo conjugar-se esses dois factores: conhecimento do direito e possibilidade de o exercer.
O art.º 306.º n.º 1 do C.Civil, a respeito do início do curso da prescrição, estabelece que o prazo da prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito puder ser exercido.
A razão de ser da prescrição pode ser encontrada nos princípios de certeza e segurança jurídica que norteiam o nosso ordenamento jurídico. Tal como nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2017 no proc. 540/12.9TVLSB.L1.S1 in. www.dgsi.pt : “A prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador.”
O direito do possuidor à indemnização pelas benfeitorias realizadas na coisa apenas pode ser exercido no momento em que a coisa de que tem a posse lhe é reclamada, neste caso pelo proprietário. Além do mais, naturalmente que tendo a A. e o Chamado a expectativa de que a aquisição do prédio fosse registada em seu nome, assim formalizando o seu direito de propriedade sobre o mesmo, quando o empréstimo que contrairam para a sua aquisição estivesse pago, não havia qualquer justificação para demandar da R. o pagamento das benfeitorias por si realizadas no imóvel, quando da sua realização.
O direito do possuidor à indemnização pelas benfeitorias só pode ser exercido a partir do momento em que a proprietária reclama o imóvel, sendo forçoso concluir pela improcedência da excepção da prescrição suscitada por não estar demonstrado que tal ocorreu há mais de três anos, não merecendo censura a decisão recorrida quando considerou não se verificar a invocada prescrição do direito.
Alega ainda a Recorrente que se verifica uma situação de abuso de direito por os AA. terem “abusado quantitativamente das obras”, fazendo-as ilegais e sem licenças.
O instituto do abuso de direito tem a sua previsão no art.º 334.º do C.Civil que estabelece que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito. Está em causa o exercício anormal de um direito em termos reprovados pela lei, ou seja, é respeitada a estrutura formal do direito, mas violada a sua afectação substancial, funcional ou teleológica.
Não é qualquer conduta que é susceptível de integrar o conceito de abuso de direito, já que a norma em questão impõe que o titular do direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Dizem-nos a este propósito, com grande propriedade, Pires de Lima e Antunes Varela, in. Código Civil anotado, pág. 217, em anotação a esta norma: «Exige-se, no entanto, que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem pois fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. Manuel de Andrade refere-se aos direitos “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (Teoria Geral das Obrigações, pág. 63). O Prof. Vaz Serra refere-se, igualmente, à “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (Abuso do direito, no Bol. N.º 85, pág. 253).»
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2002, in. www.dgsi.pt refere a este respeito: “a teoria do abuso de direito serve, como se sabe, de válvula de segurança para casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.
Razões de lealdade e confiança são inerentes ao princípio da boa fé, que se impõe, quer na negociação dos contratos, quer na sua execução, conforme dispõem, respectivamente o art.º 227.º e 762.º n.º 2 do C.Civil.
Feito este breve enquadramento e passando agora ao caso concreto, verifica-se que em face dos factos que resultaram provados, não podemos falar de qualquer abuso de direito por parte da A. em pedir uma indemnização pelas benfeitorias que realizou no imóvel, em face da circunstância da R. estar a reclamar a sua entrega.
Senão vejamos.
Quanto à questão suscitada pela Recorrente de que algumas obras que foram feitas não eram necessárias à habitabilidade do prédio pela A. e Chamado, não se põe em causa, efectivamente, que algumas das obras realizadas não fossem absolutamente necessárias a garantir a habitabilidade do prédio, do que é exemplo precisamente a construção de uma piscina. Contudo, tal questão está ultrapassada pelo facto do legislador, como já se viu, prever não só a indemnização das benfeitorias necessárias à conservação da coisa, mas também das úteis que lhe aumentam o valor e que não podem ser levantadas sem detrimento do imóvel. Além do mais, o facto do valor indemnizatório dever ser encontrado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa vem sempre salvaguardar ou defender a posição do proprietário, que como se viu, não está obrigado a indemnizar todas as despesas realizadas pelos possuidores, mas apenas a medida do seu enriquecimento.
Já a circunstância da indemnização pretendida se reportar a obras realizadas que não foram licenciadas não constitui fundamento bastante para que possa concluir-se que há uma situação de abuso de direito quando é peticionada a indemnização pelas mesmas, ainda para mais quando estamos perante obras que são legalizáveis.
É certo que as obras realizadas no prédio não foram legalizadas e têm uma dimensão relevante, designadamente em termos de área construída, se se considerar a realidade do prédio anterior às mesmas. Contudo, não se vê como ter a sua realização como abusiva quando se constata, por um lado, que as mesmas foram feitas pela A. e pelo seu marido de forma a tornar o prédio habitável, já que como resulta do ponto 8 dos factos provados, inicialmente a construção existente correspondia a um aglomerado de pedras sem telhado, divisões e no meio do matagal e por outro lado, importa não esquecer que aqueles entraram na posse do imóvel com a expectativa de que o mesmo viesse a passar para o seu nome, quando pago o empréstimo que solicitaram para a sua aquisição, pelo que podiam sentir-se mais à vontade para realizar as obras que tivessem por convenientes sem receio de estar a lesar de alguma forma a proprietária, que até tinha conhecimento das mesmas e não se opôs.
Tendo investido no imóvel que tinham a expectativa que viesse a passar para o seu nome e verificando-se que a proprietária, ora R. veio a solicitar a sua entrega, não se apresentando a passar o mesmo para o nome dos possuidores, por razões que não foram alegadas nem inteiramente apuradas nestes autos (registando-se que ficaram muito pouco ou quase nada esclarecidos os termos e condições do negócio feito entre os possuidores e o adquirente do prédio de que a R. terá sido beneficiária), não se vê que haja qualquer abuso na pretensão dos AA. em serem indemnizados pelas benfeitorias que realizaram no imóvel, quando dele têm de abrir mão.
Pelo contrário, o que poderia ser considerado um abuso de direito, por ilegítimo, seria o facto da proprietária do imóvel que foi entregue aos AA. quando da sua aquisição pretender reaver o mesmo valorizado com as benfeitorias que nele foram realizadas, porventura até com o valor da sua aquisição parcial ou totalmente pago pelos AA. na liquidação do empréstimo, sem qualquer contrapartida.
De referir ainda que a circunstância do valor indemnizatório das benfeitorias necessárias e úteis realizadas ser fixado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, não sendo devido pela R. mais do que o valor com o qual viu o seu património enriquecido ou valorizado por força daquelas, constitui uma válvula de segurança para qualquer abuso que pudesse existir no comportamento dos AA.
Não se verifica por isso qualquer situação de abuso de direito.
Pelo exposto, conclui-se, tal como na sentença recorrida, que é devida aos AA. uma indemnização pelas benfeitorias realizadas no imóvel, alterando-se porém o valor fixado pelas mesmas para o montante de € 40.000,00 que corresponde à medida da melhoria da situação patrimonial da R.
- da contabilização dos juros de mora
Alega a Recorrente que os juros de mora apenas são devidos a partir do trânsito em julgado da decisão e não da citação, pois só a decisão é que concretiza o valor devido, não tendo a A. sequer formulado inicialmente um pedido líquido, antes remetendo para o montante que viesse a ser definido.
A sentença recorrida considerou serem devidos juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento, sobre o valor que a R. foi condenada a pagar pela indemnização das benfeitorias.
Está em causa avaliar se e em que termos são devidos juros de mora pela R., sendo certo que, conforme a expressão indica, a atribuição dos juros de mora está dependente da verificação da mora do devedor. É a mora do devedor que constitui o fundamento da reparação dos danos causados ao credor, como prevê o art.º 804.º n.º 1 do C.Civil, constituindo-se o devedor em mora quando não efectua a prestação no momento devido, por causa que lhe seja imputável, como refere o n.º 2.
O art.º 806.º n.º 1 do C.Civil estabelece que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar da constituição em mora.
Quanto ao momento da constituição em mora, rege o art.º 805.º do C.Civil que no seu n.º 1 estabelece a regra de que o devedor só fica constituído em mora depois de ser interpelado para cumprir, judicial ou extrajudicialmente. O n.º 2 deste artigo elenca os casos em que a mora se verifica independentemente da interpelação do devedor e o n.º 3 ressalva uma situação em que não há mora embora haja interpelação para cumprir, reportando-se ao caso em que o crédito é ilíquido, não havendo mora enquanto não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
Na situação em presença, verifica-se que a A. embora formulando na sua petição inicial o pedido de condenação da R. a pagar a quantia que se vier a apurar em sede de prova pericial ter sido despendida com a realização das benfeitorias úteis e necessárias no imóvel, veio mais tarde a aperfeiçoar a petição inicial, a convite do tribunal, liquidando a quantia devida pela realização das obras em € 82.100,00 e pedindo a condenação da R. no seu pagamento.
Assim sendo, é verdade que não pode dizer-se que quando da citação da R. para a acção a mesma se constituiu em mora, uma vez que não foi pela A. liquidado qualquer valor creditício, pelo que a mesma não estava em condições de efectuar a prestação por facto que não lhe é imputável.
Contudo, a notificação da nova petição inicial aperfeiçoada, em que a A. liquidou o que entendeu ser o seu crédito pelas benfeitorias sobre a R., não pode deixar de considerar-se ser uma interpelação judicial para cumprir, tendo-se constituído a R. em mora a partir dessa data, à luz do que dispõe o art.º 805.º n.º 1 do C.Civil, não podendo qualificar-se o crédito como ilíquido.
Assim sendo, considera-se que os juros de mora à taxa legal de 4% são devidos pela R. não a partir da citação, como entendeu a sentença recorrida, nem a partir da decisão como pretende a Recorrente, mas antes a partir da data em que a R. foi notificada da petição inicial aperfeiçoada, que representa a data em que a mesma se constituiu em mora.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto pela R. parcialmente procedente, alterando-se a sentença recorrida na parte em que se pronuncia sobre o pedido formulado pela A., condenando a R. a pagar à A. e ao Chamado a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a notificação da petição inicial aperfeiçoada, até integral pagamento, absolvendo-a do demais pedido.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique.
*
Porto, 15 de Novembro de 2018
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva