Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4290/10.2TBGDM.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: DUPLICAÇÃO DE REGISTOS
POSSE
DIREITO DE PROPRIEDADE
Nº do Documento: RP201510284290/10.2TBGDM.P2
Data do Acordão: 10/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A fé pública associada ao registo exige que este esteja em conformidade com a situação jurídica substantiva do prédio, permitindo a terceiros, através dele, tomar dela conhecimento.
II - Existindo duplicação de registos prediais [e inscrições matriciais] sobre a mesma realidade física - o mesmo prédio -, não valem quer as regras da eficácia do registo em relação a terceiros, quer as de presunção da titularidade do direito, nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial. Nessa situação, nenhum dos titulares do registo pode beneficiar da presunção que este confere.
III - Não ocorrendo a circunstância excepcional acautelada pelo nº1 do artigo 1268º do Código Civil, ao facto de alguém estar na posse de determinada coisa, faz a lei corresponder a presunção – ilidível - de que é igualmente titular do direito sobre a mesma, exonerando do ónus de provar essa titularidade.
Presume-se que quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos actos que sobre ela pratica.
IV - Da posse, mesmo actual, deriva logo a presunção de propriedade, que só cede se for provado um registo anterior ao início da posse.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4290/10.2TBGDM.P2
Comarca do Porto
Gondomar – Inst. Local l – Secção Cível – J3

Relatora: Judite Pires
1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida
2º Adjunto: Des. Teles de Menezes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. B… e esposa, C…, residentes na rua …, …, …, Gondomar, intentaram acção declarativa de condenação, inicialmente sob a forma de processo sumário, contra D… e esposa, E…, residentes na rua …, …, ….
Alegaram os autores, em síntese, que são donos do prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial, que adquiriram por partilha judicial, e que desde essa altura têm estado na sua posse.
Afirmam que os réus têm vindo a afirmar serem proprietários do referido imóvel, invadindo-o quando bem entendem, chegando a destruir as culturas e sementes que por iniciativa dos autores haviam sido plantadas no dito imóvel.
Invocam que a conduta dos réus lhes tem provocado danos patrimoniais e não patrimoniais, para cuja compensação entendem adequada, respectivamente, a quantia de € 5.000,00 e de € 3.000,00.
Concluem pedindo:
a) o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o identificado imóvel, e a condenação dos réus a absterem-se de todos os actos ofensivos à posse e propriedade dos autores, não entrando nessa propriedade, não partindo cadeados colocados na entrada da mesma propriedade, nem praticando outros actos invasivos, e a reconhecerem os autores como donos e legítimos proprietários;
b) a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais;
c) a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 5.000,00 “pelos gastos com encargos judiciais, anteriormente gasto, por anteriores processos e pelos processos presentes quer cível quer criminal”;
d) a condenação dos réus a pagarem o valor dos “gastos de utensílios e objectos utilizados para impedir que os réus entrassem” na propriedade que os autores aqui reclamam;
e) a condenação dos réus a pagarem juros de mora sobre tais quantias, contados da citação e até integral reembolso.
Citados, os réus apresentaram contestação, na qual, em súmula, começam por reconhecer o teor literal de alguns dos documentos juntos pelos autores, designadamente a inscrição a favor dos réus, no registo predial, do prédio identificado no artigo 2º daquele articulado, prédio que referem ter adquirido por partilha.
Afirmam que são os autores, de há 4 anos a esta parte, que vêm abusivamente invadindo o prédio pertença dos réus, indevidamente ali tendo cortado árvores, colocado uma corrente com cadeado e contratado terceiro para ali plantar espécies agrícolas.
Invocam que, por si e antecessores, sempre possuíram o dito prédio sem qualquer perturbação para além dos actos praticados pelos autores nos últimos 4 anos, ali plantando, semeando, colhendo, derrubando, negociado e vendido árvores, pagando os respectivos impostos, recolhendo os seus frutos, o que fizeram à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercerem direito próprio.
Defendem ter adquirido por usucapião o direito de propriedade sobre o referido imóvel.
Impugnam os factos invocados pelos autores sobre os quais estes fazem assentar o direito de propriedade que invocam.
Negam serem os autores proprietários do imóvel a que se referem na sua petição.
Em sede de reconvenção, começam por dar por reproduzidas as alegações feitas a propósito da pretensão dos autores.
Afirmam serem proprietários do imóvel identificado no artigo 42º da contestação/reconvenção, e que pretendem o reconhecimento judicial do seu direito.
Invocam terem sido os autores a, nos últimos 4 anos, perturbar a posse e propriedade dos reconvintes sobre o dito imóvel, causando a estes danos não patrimoniais para cuja compensação entendem adequada a quantia global de € 6.000,00.
Concluem pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido, e a procedência do pedido reconvencional, e, em consequência:
a) ser judicialmente declarado, e os reconvindos condenados, a reconhecerem que os reconvintes são donos do prédio rústico inscrito no 1º serviço de finanças de Gondomar, sob o artigo 518º da matriz rústica da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 781/2000524, inscrito a favor dos réus;
b) serem os reconvindos condenados a reconhecerem que o prédio dos reconvintes corresponde ao prédio rústico assinalado a vermelho no documento junto com a contestação sob o nº 5, e a verde no nº 6;
c) a condenação dos reconvindos a absterem-se de limitar ou estorvar, por qualquer meio, o direito dos reconvintes sobre o referido imóvel;
d) a condenação dos reconvindos a pagarem aos reconvintes, a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia global de € 6.000,00, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso;
e) a condenação dos reconvindos a pagarem aos reconvintes, a título de compensação por danos não patrimoniais que venham a ser causados pela actuação dos reconvintes, quantia cuja liquidação pretende relegar para decisão ulterior.
Os autores apresentaram resposta à contestação, na qual, em síntese, impugnam os fundamentos da contestação/reconvenção, reafirmando que os réus ou os seus antecessores jamais ocuparam ou utilizaram o terreno cuja propriedade os autores agora reclamam.
Concluem como na petição inicial, pedindo a improcedência da reconvenção, com a sua absolvição dos respectivos pedidos.
O valor da acção foi oficiosamente alterado, em consequência determinando-se o prosseguimento da acção sob a forma ordinária de declaração.
Foi proferido despacho saneador, do qual não foi interposto recurso.
Procedeu-se à elaboração do elenco dos factos assentes e da base instrutória da causa, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.
Instruída a causa, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foram dadas respostas às questões de facto enunciadas na base instrutória, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.
Proferiu-se seguidamente sentença que:
- Julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os réus D… e E… dos pedidos contra si formulados pelos autores B… e C…;
- Julgou a reconvenção parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Declarou que o Réu D… é proprietário do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 518º da freguesia de …, encontrando-se tal prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 781/20000524, e aí inscrito a favor de D…;
b) Condenou os reconvindos B… e C… a não impedir, nem por qualquer meio limitar ou estorvar o direito do Réu D… sobre o prédio rústico acima identificado, abstendo-se de actos que perturbem a posse do referido D… sobre tal imóvel;
- Julgou a reconvenção improcedente na parte restante.
2. Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os Autores recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1.ª Dir-se-á, antes de mais e como questão prévia julgada pertinente, que, decidida que foi no despacho saneador, a fls. 185 a 189, qual a matéria assente (als. A, B, C, D, E, F, G) e que matéria seria necessária provar e constante da Base Instrutória (quesitos 1º a 18o), é sobre cada um daqueles quesitos que tem que versar a prova a produzir, não sendo lícito ao Tribunal, ao responder à matéria de facto, esquecendo e desvalorizando a prova produzida, misturar e aglutinar questões completamente díspares, como seja as descrições ora indicadas pelos A.A./apelantes, ora indicadas pelos R.R./apelados, dando azo a notória confusão e distorção do que se questiona em cada um daqueles quesitos, assim influenciando, erradamente, a decisão final, o que aliás aconteceu e se 
 constata na sentença.
2.ª Assim é que e antes de mais, é imprescindível separar as águas e expurgar do quesito 9º a aglutinação que o Tribunal “a quo” faz, da al. A) com a al. C), aglutinação, feita pelo Tribunal “a quo”, mas nem as peças processuais (p.i. e contestação), nem a prova produzida, nomeadamente em sede de audiência de julgamento, o consentem.
3.ª De igual forma e neste mesmo sentido, não sendo lícito ao Tribunal “a quo”, aquela mistura e aglutinação, ao arrepio da verdade e das regras processuais, para, após essa engenharia de consonância, condicionar a resposta a dar, mas em completa dissonância com matéria quesitada, submetida a julgamento, (confrontar a matéria quesitada com a decisão da matéria de facto), constituindo, deste modo, erro grosseiro de julgamento, assim se violando o preceituado nas als. b) e d), do n.º 1, do art. 615º, do C.P.Civil, o que inquina, a sentença, ora em crise, de nulidade, que aqui se argui para os legais efeitos.
4.ª Destarte, entendem, os apelantes, que o Tribunal “a quo” fez incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, designadamente, em audiência de discussão e julgamento, bem como uma inadequada interpretação e aplicação do direito aos factos, factos que constituem a causa de pedir.
5.ª E no que tange ao pedido reconvencional, cuja prova, incumbindo aos R.R./reconvintes, não foi minimamente feita, ao julgar parcialmente procedente, violou, o Tribunal “a quo”, as regras do ónus da prova, consignadas no art. 342º do C. Civil.
6.ª Na verdade, sendo, os apelantes, donos e legítimos possuidores do prédio inscrito na matriz sob o art. 1172º, que teve em 1945, o artigo 417º, e na Conservatória sob o n.º 1077, sendo que, actualmente, tem o n.º de R – 01960, da freguesia de … (agregação da freguesia de … com a freguesia de …), sendo que o seu titular continua a ser o A., B… (cfr. documento das Finanças, superveniente em 2014, que se junta como doc. 1), com a área de 2000m2, prédio esse, melhor identificado nas als. A), B) e E) da matéria assente, porque os apelados, ou melhor dizendo, o filho destes, de nome “F…”, duma só vez e pouco tempo antes, em determinada data, entrou no mesmo, ali destruindo culturas agrícolas, da testemunha G…, a quem os A.A./apelantes haviam, há três anos, arrendado o campo, invocando, o dito F…, que o campo pertencia aos seus pais.
7.ª E foi esse o motivo e a razão pela qual os A.A./apelantes, vendo ameaçada a sua propriedade e os seus legítimos e titulados direitos, intentaram a presente acção, na mesma formulando os seguintes pedidos:
“a) Reconhecida que seja a propriedade, sejam os Réus condenados a abster-se de todos os actos ofensivos à posse e propriedade dos Autores, não entrando naquela propriedade, não partindo cadeados colocados na entrada daquela propriedade ou outros actos invasivos e a reconhecerem os Autores como donos e legítimos proprietários.
b) que sejam condenados a pagar a quantia de 3.000,00 a titulo de danos não patrimoniais.
c) Bem como o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) pelos gastos com encargos judiciais, anteriormente gasto, por anteriores processos e pelos processos presentes quer cível quer criminal.
d) E ainda dentro do mesmo valor pelos gastos de utensílios e objectos utilizados para impedir que os Réus entrassem na sua propriedade.
e) Juros vincendos contados desde a citação dos Réus, ate integral e efectivo pagamento.”
8.ª Limitaram-se, por seu turno, os R.R., a contestar tal acção, onde em reconvenção, alegam serem proprietários, já não do prédio descrito pelos A.A., sito em …, …, denominado “H…”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º 781/20000524 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 518º, com apenas 1400 m2 (al. C) da matéria assente), pedindo naquela reconvenção:
“a) – Ser declarado judicialmente e os reconvindos serem condenados a reconhecer que os reconvintes são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio rústico inscrito no 1º serviço de finanças de Gondomar com o nº 518 da matriz rústica da freguesia de …, conforme os reconvindos já reconheceram no art. 2º da sua PI, encontrando-se tal prédio descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o art. 781/20000524, registado a favor dos RR. pela apresentação 5 de 2007/04/12.
b) – Os reconvindos serem condenados a reconhecer que o prédio dos reconvintes corresponde fisicamente ao prédio rústico assinalado a vermelho no doc. 5 e assinalado a verde no doc. 6 da peça processual dos RR./reconvintes.”
9.ª E é este imbróglio e a questão planteada naqueles precisos termos e não quaisquer outros, que é submetido ao Tribunal e sobre a qual terá que se pronunciar e deslindar, designadamente, quanto ao peticionado pelos A.A., o que o Tribunal “a quo”, não faz, incorrendo, desta forma, no vício a que alude o art. 615º, al. d), do C.P.Civil, o que inquina a sentença de nulidade, que aqui se argui.
10.ª Daí que, o presente recurso de apelação, interposto daquela douta sentença, tenha por objecto, a reapreciação da matéria de facto, nomeadamente da prova gravada e bem assim da matéria de direito, para o que, os apelantes dispõem do prazo de 40 (quarenta) dias, para apresentar as suas alegações, ao abrigo do disposto no art. 644º, n.º 1, al. a), 647º e 662º, n.º 1, do C.P.Civil.
Os depoimentos prestados na audiência final de julgamento, foram gravados, sendo por isso admissível a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto nos arts. 638º, n.º7 e 640º, do C.P.Civil.
11.ª Ora, na presente acção, os apelantes descrevem o seu prédio conforme consta das als. A) e B) da matéria assente, com 2000m2 e situado no …, freguesia de … e melhor identificado na avaliação de fls. 135 e ss., enquanto que os apelados dizem ser donos de outro artigo matricial, o 518º, com 1400m2, sito no … (cfr. art. 25º da contestação), pelo que a realidade é completamente diferente.
12.ª A fls...., foi elaborado o despacho saneador com descrição da Matéria Assente e Base Instrutória, devidamente estruturado.
13.ª Por isso o Tribunal “a quo” na análise e resposta à matéria de facto, não pode alterar e misturar, a seu bel prazer, a matéria quesitada e muito menos fazer alterações e acrescentos, assim aglutinando os pontos 1º, 4º, 10º e 11º e concentrando-os mediante uma entorse fáctico-jurídica (inaceitável), al. A) com a al. C) da matéria assente, sem que, por um lado, as próprias partes o tenham querido e alegado e por outro, sem que, previamente e em processo próprio – que não na presente acção – se tivesse procedido, caso o prédio seja o mesmo, à eventual eliminação/rectificação daquelas descrições.
14.ª Donde, na sequência das conclusões precedentes, os apelantes impugnam a decisão que o Tribunal “a quo” proferiu sobre os factos dados como provados, quesitados sob os quesitos 2º, 9º, 10º, 11º da Base Instrutória.
15.ª De igual forma, os apelantes impugnam a decisão que o Tribunal “a quo” proferiu sobre os factos dados como provados, quesitados sob o quesito 12º, da Base Instrutória.
16.ª Sendo que, o presente recurso, tem por objecto, por um lado, a decisão proferida sobre a matéria de facto, com reapreciação da mesma, mais concretamente sobre os aludidos quesitos (pontos) 2º, 9º, 10º, 11º e 12º da Base Instrutória e bem assim sobre os pedidos formulados pelos R.R./reconvintes sob as als. a) e b) (consubstanciados na decisão–item II, als. a) e b), a fls....).
17.ª Na sequência da incorrecta apreciação da prova produzida e junta aos autos, o objecto do presente recurso incide também sobre a inadequada interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão na presente demanda.
18.ª O Tribunal “a quo”, partindo dum juízo, salvo o devido respeito, eivado de alguma confusão, procede, primeiramente e “motu proprio”, à aglutinação dos quesitos 3º e 12º, em si mesmo inconciliáveis, de “motu proprio”, acrescenta-lhe matéria nova, designadamente, o constante da al. C) da matéria assente e que não constava da sua formulação, para depois, já misturados, dar aqueles quesitos como, de algum modo, “provados”, mas em desconformidade com o que ali é quesitado e, inclusive, aludindo a outros factos alheios ao que ali se questiona, incorrendo, assim, nulidade da sentença (art. 615º, n.º 1, al. d), do C.P.Civil), o que aqui se argui para os legais efeitos.
19.ª E o mesmo se passa com o quesito 5o, não podendo o Tribunal “a quo”, misturar e concentrar as descrições da al. A) (prédio titulado pelos A.A.), com as da al. C) (prédio titulado pelos R.R.), para, depois, sem se estribar em qualquer prova, dar como provado que os apelantes colocaram cadeados no prédio constante da al. C) (note-se que os R.R. situam no Lugar da Serra), o que também constitui nulidade de sentença (art. 615º, n.º 1, al. c), do C.P.Civil), que se argui.
20.ª Efectivamente, as descrições constantes do prédio, a que aludem as als. A) e al. E) dos apelantes, são diferentes das descrições do prédio da al. C) dos apelados, quanto às áreas, composição e confrontações, facto assente na al. E) (cfr. certidão do processo de inventário, a fls. 247 a 254 dos autos, por morte de I…, avô dos apelantes, falecido em 1945, no Brasil, e que era casado com “J…,” processo de inventário esse, sob o n.º 3205/05.4TBGDM, do 1º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Gondomar, e que deixou como herdeiros, os os filhos, K… (falecido em 30/07/1945) e L… (falecido em 31/08/1945), pai do A./apelante marido, B….
21.ª Como resulta daquela certidão, aliás junta pelos próprios R.R., se dúvidas tivesse, o Tribunal “a quo”, de que o questionado prédio é e sempre foi propriedade da família de I…, que foi casado em segundas núpcias com J…, passando, depois, a propriedade para o seu filho L… (filho do 2º casamento) e por último do filho deste para o aqui A./apelante, B…, declarada que foi a morte presumida do“de cujus”, I… (seu avô), tais dúvidas foram dissipadas com a junção daquela certidão, a par da exuberante prova testemunhal, a qual, sem qualquer sombra de dúvida, provou ser e estar o questionado prédio, da família dos A.A./apelantes, da qual nunca saiu, sendo, actualmente, dos apelantes que o detêm por direito próprio.
22.ª Daí que, como se vem concluindo nas conclusões que antecedem e por tudo que se expende ao longo das alegações, não é lícito ao Tribunal “a quo”, em notória distorção da matéria alegada pelas partes, incluir e fazer “acrescentos” abusivos e ilegítimos, incluindo a matéria da al. C) da matéria assente nos pontos 9º, 10º, 11º e 12º e bem assim na decisão da matéria de facto (pontos 1º, 4º, 10º, 11º, 2º, 3º e 12º, 5º, 6º e 7º, 8º, 9º e 18º), alusões de cuja alínea C), se impõe que, necessariamente, sejam expurgadas.
23.ª De facto, os apelantes, na sua p.i., afirmaram e demonstraram pertencer-lhes o prédio descrito nas als. A), B) e E) da matéria assente, sito em …, …, sem no entanto, o ligarem ao prédio identificado pelos R.R., sito no …, constante da al. C) e que os apelados dizem pertencer-lhe.
24.ª Porém, não pode, o Tribunal “a quo”, formular o quesito 9º, da forma em que o formulou e muito menos respondeu da forma que respondeu na decisão à matéria de facto, distorcendo, confundindo e misturando a matéria alegada pelos A.A./apelantes, com a dos R.R./apelados, pelo que, não é lícito aglutinar no questionado quesito, as als. A) e C) da matéria assente, realidades distintas.
25.ª E sendo certo terem afirmado, os A.A./apelantes, na sua p.i., serem donos e legítimos proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1077/20060914 e inscrito na matriz sob o art. 1172º (cfr. arts. 1º, 3º e 4º), nunca afirmaram serem donos do prédio situado pelos R.R., no …, com o artigo matricial 518º, nem que ambas as descrições daqueles dois prédios, assim identificados, se correspondem, descrições aquelas completamente diferentes, situando, os prédios, em locais diferentes, situando o prédio dos A.A./apelantes, denominado de “M…”, em …, freguesia de …, adquirido por estes, por sucessão hereditária em 2006/09/14, conforme consta da respectiva Conservatória Predial, sob o n.º 1077 e artigo matricial 1172º, actualmente, por união da freguesia de … e …, artigo R - 01960 (cfr. documento junto como doc. 1), enquanto que o prédio dos R.R./apelados, tem o artigo matricial 518º e na Conservatória o n.º 781.
26.ª Ora, como resulta da epígrafe “Relatório”, da douta sentença, os apelantes, alegando, no art. 1º da sua p.i., serem donos e legítimos possuidores do prédio rústico composto de 2000m2 denominado M…, sito em …, freguesia de …, concelho de Gondomar, confrontado, a Norte, por N…, a Nascente, por O…, a Sul, por P…, e, a Poente, pelo Rio …, descrito na competente Conservatória sob o nº 1077/20060914 e inscrito na respectiva matriz sob o no 1172º (conforme Certidão do Registo Predial junta aos autos com a p.i., a fls. 18, 19 e 20) e que aqui se dá por integralmente reproduzida para os legais efeitos).
27.ª Aquele prédio veio à posse dos A.A./apelantes, por sucessão hereditária de seus antecessores, avô e pai, respectivamente, sendo que tendo sido objecto de inventário e partilha judicial, a que se aludiu na conclusão 20.ª, ali sendo adjudicado ao A. marido (a fls. 247 a 254 dos autos).
28.ª Bem andou, no entanto, o Meritíssimo Juiz, pese embora, depois, não ter sido consequente na sua decisão final, quando na douta sentença, em I – O Direito, reconhece que “a descrição n.º 1077/2006914–…, refere-se a uma realidade predial distinta da n.º 781/20000524 – …”, sendo que a primeira (1077) veio à posse dos A.A./apelantes pela via sucessória, em partilha judicial, a que alude o proc. n.º 3205/05.4TBGDM, do 1º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Gondomar, junta pelos R.R., a fls. 247 a 254 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, facto, aliás, dado como assente na al. E), a fls. 186/187, ali se indicando, inclusive, o último “de cujus”, L… (pai do A. marido), do qual recebeu o questionado prédio, sob o artigo matricial 1172º e na Conservatória sob o n.º 1077.
29.ª Na verdade, pronunciando-se, o Tribunal “a quo”, quanto à versão dos R.R. (“B”), dando, como assente, o Tribunal “a quo” que, não obstante os R.R./apelados terem invocado a posse dos terrenos, acedendo á posição de seus antecessores “nada disto demonstraram”(cfr. resposta negativa aos pontos 13º a 17º da base instrutória).
30.ª Acontece que, na sequência do que se vem vertendo nas conclusões que antecedem, designadamente da certidão do Inventário do Proc. N.º 3205/05.4TBGDM, 1º Juízo Cível de Gondomar, a que se vem aludindo e junta pelos R.R. e onde o prédio foi adjudicado aos apelantes, como os próprios apelados reconhecem, então, face àquela superveniência documental objectiva, tornando-se necessário, para a efectiva descoberta da verdade material, esclarecer melhor a proveniência do questionado prédio, diligenciaram os A.A., no sentido de obterem elementos que demonstrassem estar detido, o aludido prédio, há mais de 60 anos pela sua família.
31.ª Após, obtiveram certidão do processo de inventário orfanológico de L…, pai do A./apelante, que correu termos na 1ª Secção, 1ª Vara Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º 29/1945, certidão com 26 fls., que aqui se junta, como doc. 2, ao abrigo do disposto nos arts. 651o e 425o do C.P.Civil, e se dá por integralmente reproduzida, para os legais efeitos, sendo que, devido a dificuldades de busca, só agora foi possível juntar.
32.ª Efectivamente, daquele inventário, no qual, ao tempo, o A./apelante, era menor, verifica-se que o prédio dos A.A., questionado estes autos, já ali foi relacionado em 1945, sob a verba 4, estando, ao tempo, inscrito na matriz antiga sob o art. 417º e não descrito na Conservatória, tudo como melhor resulta daquela certidão.
33.ª Destarte, alicerçando-se na exuberante prova documental e testemunhal, caso o Tribunal “a quo” tivesse sido consequente com aquela prova e tudo o que se discute nos presentes autos, tivesse interpretado correcta e mais eficazmente as provas produzidas, documentais e testemunhais, como seria suposto, teria, necessariamente, que ter tomado posição diferente, pois tais provas, impõem decisão contrária, isto é, a procedência da acção, com a condenação dos R.R./apelados nos pedidos formulados na p.i..
34.ª Tem, por conseguinte, o presente recurso, e como se disse, por objecto, a decisão proferida sobre a matéria de facto, erradamente interpretada, exigindo a necessária e mais consentânea e esclarecida reapreciação da mesma e mais concretamente sobre os factos provados sob os pontos 2º, 9º, 10º, 11º e 12º, primeiro da Base Instrutória (cfr. fls. 187 a 189), e a subsequente resposta à matéria de facto (cfr. fls. 282/288) e finalmente com a Fundamentação na douta sentença (a fls....), porquanto, o Tribunal “a quo”, tanto na “decisão da matéria de facto”, como na “Fundamentação”, introduz, abusivamente, “motu proprio”, elementos com contornos novos e diferentes e nem foram objecto da Base Instrutória, nem fruto de produção da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, e que inquina de nulidade a sentença (cfr. art. 615º, n.º 1, al. d), do C.P.Civil), facto que será fácil de verificar, com uma reanálise cuidadosa, por parte do Tribunal “ad quem”, como é seu timbre e como se espera.
35.ª Aliás, focando-nos na matéria dada como assente (als. A, B, C, D, E, F e G), e de que cumpria indagar e provar pelas partes (pontos 1º a 18º da BI), desde logo, não se enxerga que, em parte alguma, se questione ou se pergunte se as descrições e prédios constantes das als. A, B, C, E e F, são ou não a mesma realidade física e se o são porque detêm descrições, áreas, confrontações e composições diferentes e seus titulares inscritos também diferentes.
36.ª Acontece que, o Tribunal “a quo”, em desconformidade com a B.I., dissertando e pronunciando-se sobre questões que não lhe foram suscitadas, decidiu, contrariamente ao vertido pelas partes nas peças processuais e bem assim da prova testemunhal, na prossecução da razão argumentaria de cada uma delas, nomeadamente dos R.R./apelados, decidiu aglutinar as als. A) e C) (descrições completamente diferentes), admitindo uma sem anular outra (note-se) e fazendo ilações não lícitas, aglutinando, de igual forma, por grupos, alguns dos factos da B.I., inserindo sempre nos factos 1º, 4º, 10º, 11º, 2o, 3º e 12º, 5º, 6º e 7º, 8º e 9º, as descrições das als. A) e C), como sendo a mesma realidade, bem sabendo que tal não é lícito, sem que antes se tenha declarado, eventualmente, nulidade do registo/rectificação de uma daquelas descrições e inscrições, em processo autónomo próprio, onde, necessariamente, terá que ser exercido o direito do contraditório.
37.ª Regressando ao cerne da questão, que cada uma das partes alega, já na p.i., já na contestação/reconvenção, além daquela aquisição sucessória do prédio de que são titulares inscritos, “possuem-no de boa-fé, reiterada, pública, pacífica e titularmente” como donos, proprietários e usufrutuários, à vista de toda a gente (cfr. art. 4º da p.i., prédio esse, designado de “M…”, no local …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, freguesia de …, sob o n.º 1077/20060914 e inscrito na respectiva matriz com o art. 1172º rústico, cujos elementos constantes daquela certidão, aqui se deixam expressos e por integralmente reproduzidos, sendo que, actualmente e conforme doc. 1, antes junto, por força da união de freguesias, ficou a pertencer à freguesia de …, com o artigo R – 01960 (anterior artigo 1172º, de … e anterior 417º, de …):
Área de 2000m2;
Valor patrimonial: € 13,97;
Confrontações: Norte: N…, Sul: P…, Nascente: O…, Poente: Rio …;
Titulares: B… (cfr. docs. 1 e 2, a fls. 19 e 20 dos autos).
38.ª Foi e é sobre o aqui A./apelante, titular inscrito do questionado prédio, que incide o IMI, sendo que em 2014, reportado ao ano de 2013, pagou o respectivo IMI, no valor de 0,80.
39.ª Já o prédio de que os R.R./apelados, dizem ser donos, é o denominado de H…”, situado no …, com área de 1400m2, descrito na Conservatória do Registo Comercial de Gondomar sob o n.º 781/20000524 e inscrito a seu favor na Repartição de Finanças de Gondomar sob o artigo 518º, freguesia de …, cujos elementos constantes da documentação oficial, aqui se deixam expressos e por integralmente reproduzidos, para os legais efeitos:
Área: 1400 m2;
Valor patrimonial: 3.318$00, artigo 518;
Confrontações: Norte e Nascente: Q…; Sul: S…; Poente: Rio …;
Titular inscrito: D… (cfr. fls. 21 e 239 a 242).
40.ª Ora, dúvidas não poderão restar, além do mais, de que do confronto de ambos aqueles prédios–“contra facta, non est argumenta”–a quem quer que seja e muito menos ao Tribunal “a quo”, de que o prédio que se discute nestes autos, constante da conclusão 37.ª, cuja propriedade os A.A. pretendem que o Tribunal lhes reconheça, condenando os R.R./apelados a absterem-se de o invadirem e de incomodaram os A.A./apelantes, é diferente e não confundível com o prédio que os R.R./apelados identificaram e constante da conclusão 39.ª e que, conforme a documentação oficial, eles próprios situam o seu prédio no …, e por isso diferente do dos A.A. .
41.ª Resulta, igualmente, dos depoimentos das testemunhas, G…, T…, U… e V…, ao diante melhor identificados, todas elas conhecendo bem o prédio dos A.A./apelantes (vivem há dezenas de anos no mesmo lugar), depondo com razão de ciência e conhecimento de causa, e que afirmam, peremptoriamente, ter estado sempre, o prédio, ligado à família dos A.A. e seus antepassados, dos quais o B…, o herdou, facto, aliás, conhecido de toda a população do lugar).
42.ª E nunca este prédio saiu do domínio e posse daquela família, intitulada, a partir de 1945, de os “W…”, como também nunca fez parte do acervo hereditário dos antepassados dos R.R./apelados, com a alcunha de “X…”.
43.ª Dos depoimentos das testemunhas resulta, ainda, que o questionado prédio, após o avô do A./apelado, o I…, que se havia ausentado para o Brasil e terá falecido em 1945, foi sempre trabalhado pela sua mulher (2º casamento), a dita J…, da qual nasceu o pai do A./apelante, L… (falecido em 31/08/1945), tudo como melhor consta da aludida certidão do processo de inventário, a fls. 247 a 254, Proc. n.º 3205/05, 1º Juízo Cível, Tribunal Judicial de Gondomar.
44.ª E não obstante constarem dos autos os imprescindíveis elementos para que o Tribunal “a quo” tivesse proferido uma sentença justa, indo ao encontro daquela verdade material, enredando e emaranhando os termos submetidos a julgamento, lavra em total confusão, não obedece aos requisitos estatuídos no art. 607º, nºs 2, 3 e 4, do C.P.Civil. sendo que, toda ela se mostra obscura, confusa, ambígua, contraditória e até ininteligível, enfermando dos vícios a que aludem as als. b), c), d) e e), do n.º 1, do art. 615º, do C.P.Civil, o que aqui, expressamente, se invoca para os legais efeitos.
PROSSEGUINDO
45.ª Do vindo de expender e focando-nos na resposta à matéria de facto a fls. 282 a 288, planteada na BI, com a epígrafe Fundamentação e “provaram-se os seguintes factos”, da douta sentença, a fls....dos autos, constata-se que, à excepção dos factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 7, que corresponde às als. A), B), C), D), E) e G), da matéria assente (cfr. fls. 186/187), os restantes factos (5, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15) ou não têm correspondência com a resposta dada pelo Tribunal “a quo”, à matéria de facto, a fls. 282 a 288, ou estão desfocados, quer em relação ao que se pergunta nos referenciados pontos da BI, quer mesmo em relação à resposta que sobre os mesmos foi dada, o que, como é óbvio, consubstancia a causa de nulidade de sentença a que alude a al. c), do n.º 1, do art. 615º, do C.P.Civil, que aqui se invoca para os legais efeitos.
46.ª Desde logo, e aquando da elaboração do Despacho Saneador, na al. F) da matéria assente, descreve-se o prédio com o artigo 518º e descrito na Conservatória sob o n.º 781, da freguesia de …, objecto de partilha extrajudicial, ali sendo relacionado como tendo pertencido ao falecido pai do R./apelado, relacionado no facto 6 da Fundamentação, e que corresponderia à verba 9 da partilha datada de 10 de Novembro de 2006, como estando descrito na Conservatória sob o n.º 781 e inscrito sob o artigo 518º, designado de “H…”, que se situa no …, freguesia de …, conforme certidão predial, actualizada, pela Conservatória, datada de 28 de Fevereiro de 2008, a fls. 240 a 242, sendo tal prédio adquirido em “comum e sem determinação de parte” a favor de: 1) Y…, 2) Z…, 3) AB…, 4) AC…, 5) AD…, 6) D…, 7) AE…, todos do …, por sucessão hereditária a AF….
47.ª Acontece que, como se pode verificar da certidão remetida pela Conservatória, junta aos autos a fls. 317 a 320, a solicitação do M.o Juiz (cf. fls. 294 e 315), respeitante ao art. 518º da matriz, são feitos, a fls. 320, os seguintes averbamentos/anotações:
“of. de 2011/01/20 – Averbamento (Informação anterior) Averbamento de rectificação Urbano e
Ap. 5 de 2007/04/12 – Averbamento (Informação anterior) Averbamento de alterações Valor Tributável: 3.318,00 Escudos”,
tudo como melhor consta daquela certidão e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos.
48.ª E consta, por outro lado, da escritura de partilhas extrajudiciais, datada de - 66 - 10/11/2006, a fls. 67 a 80 (note-se), pois o óbito de AF…, falecido em 1976, mãe do A./marido, D… e AH…, falecido em 1978, declararam os seus herdeiros terem os “de cujus”, deixado no seu património, os prédios constantes das verbas ali indicadas (1 a 16) e, designadamente, a verba n.º 9, “descrita na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número setecentos e oitenta e um, de … e inscrito na matriz sob o artigo 518º, com o valor patrimonial de dezasseis mil euros e cinquenta e cinco cêntimos” (sic).
49.ª Também daquela partilha extrajudicial, consta que os prédios rústicos, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze e treze, todos da freguesia de … e com artigos matriciais não sequenciais, não estando descritos na Conservatória (omissos), foram descritos tardiamente – presume-se pela mesma ocasião, em 2000, e por isso, muito depois do falecimento dos pais do R. – sendo-lhe atribuído, sequencialmente, desde o n.º 773 ao 786, respectivamente, às verbas um, o n.º 773, à verba dois, o n.º 774 e assim sucessivamente, sendo que à verba 9 foi-lhe atribuído o n.º 781, tudo como melhor consta daquela partilha extrajudicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida para os legais efeitos.
50.ª Fácil é de verificar, pois, que, tal como o prédio dos apelantes, o artigo 1172º, rústico, se encontrava omisso à Conservatória, também o “engendrado” artigo 518º, pelos R.R., tinha que estar, naturalmente omisso, quer à matriz – e por isso não tem histórico, sendo que até se admite como urbano, nem tem artigo rústico antecedente – quer na Conservatória, ao contrário do art. 1172º, dos apelantes, cujo histórico já vem, pelo menos, do ano de 1945, pois foi descrito na partilha judicial dos antepassados do A./apelante, já de seu avô, já de seu pai, como se aludiu nas conclusões 42.ª e 43.ª que antecedem.
51.ª Debruçando-nos, ainda, sobre o facto 8 da Fundamentação da sentença, pode verificar-se que, de novo, o Meritíssimo Juiz mistura e confunde aqui dois pedidos distintos, “trata-se de dois prédios rústicos completamente diferentes” e “nada correspondendo entre um e outro: nem a área, nem a localização, nem as confrontações”, como o afirmam os R.R./apelados, nos arts. 12º e 13º, da sua contestação (cfr. fls. 50 e 51), não pode, o Meritíssimo Juiz, sem atender àquela confissão dos R.R./apelados, misturar o descrito na al. A), com o descrito na al. C) da matéria assente, metendo tudo no mesmo saco e, infundamentadamente, dar como provado, algo que nem sequer foi alegado pelas partes e acessório à questão de fundo. Diz o M.o Juiz:
“... os autores, após 30 de Março de 2006, contrataram pessoas para fresar o prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em A) e C), e, no decurso do ano de 2010, concederam autorização ao G… e à T… para, em nome dos primeiros, cultivarem o mesmo prédio e colherem os seus frutos, o que, desde então e até à data, de forma ininterrupta, o G… e a T… têm feito, à vista de toda a gente, nesse imóvel chegando a colocar uma corrente com cadeado”.
52.ª Percorrendo as peças processuais, não se vislumbra em que é que o M.o Juiz poderá fundamentar tal asserção, para dar por provado, a par de tal não ter sido invocado pelas partes, e no que à aglutinação da al. A) com a al. C) da matéria assente, concerne, não justifica, nem especifica, de facto e de direito, a razão de tal aglutinação, voltando a inquinar a sentença de nulidade, a que aludem as als. b), c) e d), do n.º 1, do art. 615º, do C.P.Civil, que se invoca.
53.ª No que respeita à não prova dos factos sob os quesitos 2º, 9º, 10º, 11º e 12º e que o Tribunal “a quo” deu, erradamente, como provados, em oposição à prova documental, designadamente, de fls. 18, 19, 20, 22 a 24 e 247 a 254, respeitante ao prédio dos A.A./apelantes, designado de “M…”, situado em …, a prova testemunhal produzida nos autos, não deixam dúvidas de que o prédio, a que aludem as als. A), B) e E), é, efectivamente, dos A.A./apelantes, os quais nunca afirmaram, como erradamente é dado por provado, no ponto 9º da B.I., pelo Tribunal “a quo”, que o prédio com a descrição mencionada em C) da matéria assente, lhes pertence, sendo que quem afirma que o prédio com esta descrição lhes pertence, são os R.R./apelados, prova que, aliás, nem fizeram.
54.ª E a corroborar o constante do vertido na conclusão que antecede, vejam-se os depoimentos de:
G…, que arrendou e cultiva o campo dos A.A./apelantes, há muitos anos e o vem explorando, ininterruptamente, sendo que conhece bem o terreno e “mora” em …, próximo do terreno, há 50 anos, conhece bem os A.A. (cfr. depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, início da gravação áudio: 05/03/2013, 00:00:41 e fim da gravação áudio: 05/03/2013, 00:50:45, com a duração total de 00:50:58);
T…, mulher da testemunha G…, que também conhece bem o terreno, vivendo no mesmo local (cfr. depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, início da gravação áudio: 05/03/2013, 00:01:31 e fim da gravação áudio: 05/03/2013, 00:37:25, com a duração total de 00:37:41);
U…, irmão do A./apelante e que foi cabeça de casal, no inventário em que se procedeu à partilha dos bens deixados pelo seu falecido avô e pai, respectivamente, I…, inventário a que alude nas conclusões 20.ª e 21.ª (cfr. depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, início da gravação áudio: 10/04/2013, 00:00:43 e fim da gravação áudio: 10/04/2013, 00:43:01, com a duração total de 00:43:41);
E ainda o depoimento da testemunha V…, com 73 anos de idade, pessoa credível e respeitável, a morar no local de …, que trabalhou o prédio em litígio, como rendeiro de J…, ao tempo mulher de I…, afirmando que ia levar a “renda ”à tal “W…”, mãe do L…, pai do B… (o aqui A.) (cfr. depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, início da gravação áudio: 10/04/2013, 00:00:33 e fim da gravação áudio: 10/04/2013, 00:31:11, com a duração total de 00:31:25).
55.ª Na verdade, o Tribunal “a quo”– e que aqui viu bem o problema – na motivação da resposta à matéria de facto (cfr. fls. 284/288), deixa claro que, não obstante não ter sido “expressamente indagado na base instrutória”, a questão em saber se há ou não “duplicação” de documentação, seja quanto às descrições prediais, seja quanto às matriciais, ponto que havia que apurar, suscitada que foi a questão, pelos R.R. – e que era fundamental para detectar o ardil enquadrado pelos R.R./apelados, que criaram um “suposto” prédio no …, dando-lhe fictícia descrição e inscrição (art. 518º), com área e confrontações (à excepção de Poente: Rio …, e que é falso), completamente diferentes do prédio real e físico dos A.A., e que é o descrito na conclusão 37.ª –tal não curou em saber.
56.ª Mas, mesmo não tendo curado daquela indagação, caso se tivesse debruçado, seriamente, sobre a documentação escritural e registral atinente ao prédio de que os A.A./apelantes se arrogam seus legítimos proprietários, detentores e usufrutuários, com o artigo 1172º, actualmente R–01960º e que teve antes o art. 417º, situado no local de …, conjugando tais factos com os depoimentos das testemunhas e a que se aludiu na conclusão 54.ª, em especial atendendo ao facto indesmentível, de que o questionado terreno, sempre esteve na posse e domínio da família dos A.A./apelantes, que sempre o exploraram ou arrendaram como coisa sua, pacificamente e à vista de toda a gente, durante a maior parte do tempo, afecto à dita “J…” e depois aos A.A., impunha-se, ao Tribunal “a quo”, decisão diferente da que foi tomada, isto é, impunha-se que tivesse julgado a acção procedente e a reconvenção improcedente.
57.ª E são, aliás, os R.R./apelados, que em desespero de causa, juntam aos autos, a fls. 255, o tal “recibo-promessa” datado de 1964, em que os aqui A.A. manifestam a intenção de vender a AH…, o direito e acção à herança ainda ilíquida e indivisa deixada por “nosso pai e sogro falecido L…”, ou seja “os bens que nos vierem a ser adjudicados em partilha caso esta se venha a realizar por não se fazer a venda antes da partilha”, venda que nunca se chegou a realizar, tanto mais que o preço, pese embora ali se dizer ter sido pago, na realidade não o foi (cfr. depoimento da testemunha U…).
58.ª Aliás, aquele documento particular, datado de 1964, mais não é, como declara o Meritíssimo Juiz, senão uma “intenção de venda” em abstracto, duma futura herança ilíquida e indivisa, documento esse há muito caduco, sem qualquer valor jurídico, não tendo, por isso, a virtualidade de, “per se”, sustentar uma hipotética transferência de propriedade, até porque, como ficou claro na sentença, os R.R./apelados, não demonstraram, de forma alguma, nos presentes autos, a posse por si e dos seus antepassados, do questionado terreno, razão pela qual–e bem–o Tribunal “a quo” deu por não provados os quesitos 13º a 17º, sendo que tampouco os R.R./apelados provaram que os seus antepassados tivessem pago qualquer quantia pelo dito terreno.
59.ª Caso fosse consequente, o Tribunal “a quo”, ao dar como deu, por não provados os quesitos 13ª a 17ª da B.I., cuja prova incumbia aos R.R./reconvintes, teria, necessariamente, que julgar totalmente improcedente a reconvenção, pelo que a sentença, também por esta banda, está inquinada de nulidade, o que aqui expressamente se invoca (art. 615º, n.º 1, al. c), do C.P.Civil).
60.ª É indiscutível que a valoração da prova produzida em audiência de julgamento, com vista à formação da convicção do Tribunal–diremos antes a desfocação da prova produzida, depois de “motu proprio” se ter incluído e aglutinado as descrições prediais, respeitantes a artigos diferentes e registos diferentes na Conservatória, inconciliáveis entre si–foi efectuada de modo parcelar e não empírico, sem atentar à correspondência, forma circunstanciada, objectiva, verosímil e plausível, exigíveis e atentas as regras da experiência, sem atender aos depoimentos prestados pelas testemunhas, G… (depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, início da gravação áudio: 05/03/2013, 00:00:41 e fim da gravação áudio: 05/03/2013, 00:50:45, com a duração total de 00:50:58); T… (depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, início da gravação áudio: 05/03/2013, 00:01:31 e fim da gravação áudio: 05/03/2013, 00:37:25, com a duração total de 00:37:41); U… depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, início da gravação áudio: 10/04/2013, 00:00:43 e fim da gravação áudio: 10/04/2013, 00:43:01, com a duração total de 00:43:41), cuja audição urge realizar com vista à reapreciação da matéria de facto produzida nos autos, após o que, como se espera, se poderá verificar do errado da sentença, quer no que tange à matéria de facto, quer quanto ao direito.
61.ª Na verdade, o depoimento das testemunhas supra identificadas, é esclarecedor no que respeita à titularidade, propriedade e utilização efectiva do prédio que se discute nestes autos e de que os A.A./apelantes são os seus efectivos donos e proprietários, prédio que há dezenas de anos é detido pela sua família e que lhes adveio à posse pela via sucessória, prédio esse que naturalmente exploram.
62.ª Assim é que, não só os documentos já aludidos, atinentes àquele prédio com o artigo matricial 1172º e na Conservatória 1077, sito em …, mas também os depoimentos verosímeis e unânimes das testemunhas, nomeadamente, G…, T…, U… e V…, todos eles bem conhecedores dos factos e que mereceram credibilidade do Tribunal, tendo deposto com isenção e razão de ciência, comprovam, insofismavelmente, que o prédio em questão foi sendo da família dos A.A./apelantes (seus antepassados) e é sua pertença, esclarecendo, ainda, nunca terem visto os R.R. a utilizá-lo, ou inclusive, a reivindicá-lo desde antanho até ao presente.
63.ª E afirmou a testemunha G…, quanto àquele terreno (depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, 05/03/2013, 00:14:25 a 00:15:15), que aqui se transcreve:
“G…: Os pais dele, não.
Advogado Autores: E a tal... É uma avó?
G…: Era uma avó. Não sei se... Devia ser a avó... os avós dele ou dos pais. Era da J….
[00:14:39] Advogado Autores: Avó de quem? Avó do senhor B… ou da dona C…?
G…: B….
Advogado Autores: Pronto. E essa senhora já era a dona do prédio, essa senhora J…?
G…: Diziam os meus pais que era. Diziam, não é, que ouvia falar.
[00:14:51] Advogado Autores: Portanto, o senhor não ficou surpreendido então quando...
G…: Não.
Advogado Autores: ...quando o terreno passou à esfera do senhor B…?
G…: Exactamente. Não fiquei surpreendido, não.
Advogado Autores: Porque já era da avó, foi isso?
G…: Já era da avó.”,
e ainda outros excertos deste depoimento, gravados e transcrito no item 4.2 de IV, designadamente a minutos 00:24:28 a 00:24:37; 00:30:53 a 00:31:26 e 00:32:12 a 00:32:26.
64.ª De forma semelhante, depôs a testemunha T… - depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, 05/03/2013, minutos 00:02:28, que se transcreve:
“[00:02:28] Advogado Autores: Pronto. Ele actualmente de quem é?
T…: Do senhor B….
Advogado Autores: Pronto. E antes de ser do senhor B…, que ele ainda é relativamente novo, antes de ser dele, de quem era o terreno?
T…: Era de familiares, da... da avó dele.
Advogado Autores: Da avó. Sabe como é que se chamava a avó do senhor B…?
T…: Chamava J….”,
e demais excertos deste depoimento, transcritos no item 4.3 de IV, designadamente a minutos 00:03:45 a 00:04:05; 00:08:55 a 00:09:09; 00:17:42 a 00:18:52.
E ainda à contra-instância da ilustre mandatária dos R.R., respondeu (depoimento registado no sistema H@bilus Média Studio, minutos 00:34:21 a 00:34:38):
[00:34:21] Advogada Réus: Os X… nunca tiveram nada a ver com este terreno?
T…: Que eu saiba, não.
[00:34:26] Advogada Réus: Nunca andaram lá a cortar madeira, a vender madeira, nunca alugaram este terreno a outras pessoas?
T…: Que eu saiba...
Advogada Réus: Mas a senhora mora lá perto há quantos anos?
T…: Eu há quantos anos moro lá?
[00:34:38]Advogada Réus: Sim, sim.
T…: Desde que eu nasci.
[00:34:32] Advogada Réus: E nunca viu lá ninguém desta família...
T…: Não.
Advogada Réus: ...no terreno?
T…: Nunca vi.
65.ª Torna-se, por demais evidente, face ao depoimento desta e da testemunha anterior, ambas residentes no lugar onde se situa o questionado “M…”, que com autorização dos A.A. fabricam há, pelo menos quatro anos, ali colhendo os respectivos produtos agrícolas, e conhecendo, em pormenor, o terreno, há décadas, e que sabe que os A.A. o herdaram por sucessão hereditária, dos seus antecessores, pais e avós, terreno que é referenciado por toda a gente da freguesia, como sendo o terreno da “J…”, a avó dos A.A., sem que vez alguma tivesse havido conhecimento dalguma eventual venda a outrem–nas aldeias tudo se sabe–afirmando, ainda, que nunca lhe constou que vez alguma fosse ou tivesse sido vendido aos R.R. .
66.ª E resulta do depoimento da testemunha U…, registado no sistema H@bilus Medio Studio, início da gravação áudio de 10/04/2013, minutos 00:0043 e fim da gravação áudio, 10/04/2013, minutos 00:43:01), tendo sido esta testemunha, irmão do A., que exerceu as funções de cabeça de casal, no processo a que se aludiu sob o n.º 3205/05.4TBGDM, onde o questionado bem foi adjudicado ao seu irmão, aqui A., bem conhecedor de toda a realidade factual no que tange ao terreno em causa, esclareceu que o prédio em questão, adveio aos A.A./apelantes, por força do seu direito sucessório, sendo que até à instauração da presente acção, nunca ninguém questionou que o referido prédio não pertencesse aos aqui A.A./apelantes.
Vejamos:
[00:02:38] Juiz: Pronto. Então conhece estes terrenos desde criança, é isso?
U…: Desde miúdo.
[00:06:08] Advogado Autores: Entretanto, os senhores também ficaram maiores, não é assim?
U…: E acontece o seguinte. Esse terreno ficou por partir porque o meu avô paterno ausentou-se para o Brasil, também, em 1945, no início de 1945.
Advogado Autores: O avô paterno do senhor como é que se chamava?
U…: O... o meu avô?
Advogado Autores: Paterno.
U…: I….
...
[00:08:20] Advogado Autores: Foi atribuída portanto ao irmão do senhor e à cunhada do senhor. O senhor tem assim de cabeça – se tiver, como é evidente – o número de matriz desse terreno, do terreno que está aqui em causa?
U…: O número de matriz?
Advogado Autores: Se tem o número de matriz, do artigo de matriz?
U…: Nesta altura é o 1172.
[00:02:38] AdvogadoAutores:1172?
U…: Sim.
[00:16:46] Advogado Autores: Cinquenta, sessenta, setenta anos... Nestes últimos sessenta, setenta anos, algum dia, tirando agora estes últimos, em que realmente houve essas questões que o senhor também já referiu, a família AI…s, os antepassados ou até o senhor D…, alguma vez cultivou aquele terreno?
U…: Não, não, não. Nunca cultivou.
[00:17:05] Advogado Autores: O senhor não tem dúvidas disso?
U…: Nunca cultivou. Não tenho dúvidas, senhor doutor.
67.ª Questionado, ainda, sobre o documento designado de “recibo-promessa”, segundo o qual o A., seu irmão, declarava prometer vender, a que já anteriormente se aludiu e datado de 1964, respondeu que: “Não conhecia”, muito se admirando, até porque ao tempo, nem ele, nem o seu irmão, sabiam a quem seria atribuído e “que nós sem ter a partilha, o meu irmão não podia vender”, esclarecendo ainda, a minutos 00:34:20, daquele mesmo depoimento:
[00:34:20] Advogada Réus: Mas ele assinou aqui a dizer que já tinha recebido.
U…: Sim, assinou. Mas nunca...
Advogada Réus: Ah.
U…: ...nunca pagou.
68.ª Desvalorizando o Tribunal “a quo” e esquecendo mesmo toda a exuberante prova, constante já dos autos e das conclusões que antecedem, apenas teve em conta para tomar a decisão sentencial, o facto do registo da descrição do prédio de que os R.R./apelados se arrogam proprietários, datar de 2000, enquanto a dos A.A./apelantes é de 2006, como se esta fosse a única prova, que não é, tendo destarte proferido a injusta e errada decisão, “contra facta et contra legem”.
69.ª E não sendo o registo na Conservatória a única prova – é uma mera declaração – impõe-se ao julgador que a conjugue com os outros meios de prova documental e testemunhal, tanto mais que, não correspondendo entre si, as descrições das als. A) e C) da matéria assente e, havendo prova à saciedade, complementar do prédio descrito nas als. A), B) e E) da matéria assente (o dos A.A./apelantes), ao contrário no que tange ao prédio de que os R.R./apelados se arrogam, mas que nenhuma outra prova fizeram, é de difícil compreensão a decisão tomada pelo Tribunal, tanto mais que é, expressamente, referido pelo M.o Juiz, a fls. 288, da resposta à matéria de facto, o seguinte:
“... há indicação no processo (cfr fls 21) que o artigo 518º-R da freguesia de … foi pela primeira vez inscrito na matriz no ano de 1981 (ou seja, bem após o falecimento do pai do réu marido, que ocorreu em 1978 – cfr fls 71)...” (negrito e sublinhado nossos), quando é certo que o actual art. 1172º da matriz, do questionado prédio dos A.A./apelantes, já se encontrava inscrito como artigo 417º, pelo menos desde 1945, como consta da verba n.º 4 da relação de bens (cfr. fls. 9), do inventário orfanológico – Proc. n.º 29/1945, da 1ª Secção, da 1ª Vara Judicial da Comarca do Porto, em que é inventariado L…, pai do A. marido, conforme certidão que já se juntou a fls. ... e que, de novo, aqui se dá por integralmente reproduzida para os legais efeitos.
70.ª E, ainda, no que à prova testemunhal concerne, e corroborando os anteriores depoimentos, a testemunha V… (cfr. depoimento registado no sistema H@bilus Studio, início da gravação áudio, 10/04/2013, 00:00:33 e fim da gravação áudio, 10/04/2013, 00:31:11), reafirma-se:
[00:04:01] “Advogado Autores: O rio …, pronto. O senhor conhece bem esse campo?
V…: Ui... Mas é aos palmos, senhor doutor.
Advogado Autores: Conhece o campo aos palmos. Sim, senhor.
V…: Ui, trabalhei lá muito.
[00:04:11] Advogado Autores: O senhor chegou a trabalhar nesse campo?
V…: Ui. Os meus pais fizeram muitos anos, muitos anos aquele campo.
Advogado Autores: É, mas o senhor...
V…: Eu tinha... tinha uns sete e foi para aí até aos doze, que me lembre. Mas pouco mais ou menos. Mas íamos levar a renda lá acima à J…, à J…, que era...
Advogado Autores: Quem é?
V…: ...uma tia do senhor B….
Advogado Autores: Tia ou avó?
V…: A avó, já não me lembro muito bem da avó.
Advogado Autores: Sim.
V…: E depois ficaram os herdeiros. Ela morreu... O avô já morreu há muito anos, não me lembra deles.”
E, afirmando mais:
V…: ...e íamos lá levar a renda sempre todos os anos à J…, que era... Depois ficou... Ela morreu, mas ficou uma, uma... uma irmã, uma tia do senhor B1…, do B….
Advogado Autores: Certo.
V…: Que era a AJ….
71.ª E à pergunta se o AH…, pai dos R.R., com a alcunha de “X…”, alguma vez possuíram ou cultivaram aquele terreno, respondeu que “não, não, não, nunca cultivaram”, “o H…, nunca cultivaram”, mas agora, “lá em cima, tinham à beira das casas, que é no …”, o que, aliado aos averbamentos/alterações ao artigo 518º a que já se aludiu, de urbano para rústico, conclusão do Tribunal “a quo” a fls. 288 (cfr. conclusão 69.º e conjugada com a conclusão 47.ª), considerando que os R.R./apelados “inscreveram, pela primeira vez – sabe-se lá como – o art. 518º nas Finanças, em 1981, bem após o falecimento do pai do R. marido, que ocorreu em 1978”, se pode inferir, com muita probabilidade, o ardil dos R.R./apelados, visando, daquele jeito, apropriar-se do questionado prédio, que nunca lhes pertenceu, nem pertence, e por isso situam-no no …, onde fisicamente nunca existiu.
72.ª Também esta testemunha, que sempre viveu no lugar onde se situa o questionado prédio, prédio que conhece bem, tendo-o, inclusive, cultivado como arrendatário, conhecendo bem, tanto a família dos A.A., com referência de os “W…”, como a dos R.R., com a referência de os “X…”, afirmou, com total isenção e razão de ciência, que o prédio sempre foi da família dos A.A., sendo actualmente do A. marido, o B…, que o herdou de seus antecessores.
73.ª E quanto aos depoimentos das testemunhas dos R.R./apelados, isto é, F… (filho) e AC…, Z… e AB… (todos irmãos do R./marido), depoimentos aqueles que, sendo completamente vagos, incongruentes e inconsistentes (sendo filho e irmãos do R./marido), nem sequer sabiam se o terreno tinha sido cultivado ou não pelos seus antepassados ou por outros, que não foram capazes de identificar, não mereceu qualquer credibilidade, sendo, consequentemente, julgados não provados os quesitos 13º a 17º da B.I., ónus que lhes incumbia.
74.ª Esqueceu também e não valorizou, além do mais, o Tribunal “a quo”, a prova documental de fls. 18, 19 e 20, 22, 23 e 24 e bem assim a certidão do proc. n.º 3205/05.4TBGDM, do 1º Juízo Cível de Gondomar, a fls. ... 247 a 254, onde o questionado prédio é relacionado, sendo que já à data de 1945, havia sido adjudicado ao pai do aqui A./apelante, I…, Proc. N.º 29/1945, 1a Secção, 1ª Vara Judicial da Comarca do Porto (certidão junta com as presentes alegações, como doc. 2 e que aqui se dá por integralmente reproduzida), ter sido adjudicado ao pai do A./apelante, pois já integrava a relação de bens, documentos aqueles que não podem deixar dúvidas a quem quer que seja e muito menos ao Tribunal, de que, o questionado prédio, titulado pelos A.A., sempre pertenceu à sua família, que coube primeiro ao pai do A. marido e depois coube ao A. no aludido processo de inventário n.º 3205/05, e como tal, pertence-lhe, sendo que, como provou, o usufruiu, pois até o arrendou à testemunha G….
75.ª Não teve, ainda, o Tribunal “a quo”, em devida conta, os depoimentos assertivos, isentos e credíveis das testemunhas, no que respeita à propriedade, ao cultivo e fruição do prédio, objecto dos presentes autos, por parte dos A.A./apelantes, designadamente, o depoimento de G… (cfr. item 4.2. de IV destas alegações), T… (cfr. item 4.3. de IV destas alegações), U… (cfr. item 4.4 de IV destas alegações) e V… (cfr. item 6 a IV das alegações), sendo que todos asseveraram e afirmaram, ter sido sempre, o questionado terreno, há mais de 30, 40 e 50 anos, pertença da família do A./marido, que, actualmente, o detém e usufrui por direito próprio, e nunca da família dos R.R..
76.ª Pelo que, do vindo de expender e da prova efectuada nos autos, atenta a inscrição do prédio na matriz sob o artigo 1172º, e na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1077, documentalmente titulado pelos A.A./apelantes, prédio a que alude a al. A) (com a correcção de 1172º - considera-se erro de escrita - e não 1772), B) e E), da matéria assente e a fls. 18, 19 e 20 dos autos, conjugados com os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas G…, T…, U… e V…, impõem que o Tribunal “a quo”, face àquela cabal prova, ao contrário do decidido, deva considerar, pura e simplesmente, como Provados, os quesitos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, em conformidade com a B.I. e sem qualquer referência à al. C) (que deve ser expurgada), da matéria assente, sem qualquer “acrescento” e alteração.
77.ª De igual forma, face à prova produzida e carreada para os autos, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto constante dos quesitos 2º, 9º, 10º, 11º e 12º da B.I., impõe-se que tais quesitos sejam dados por “NÃO PROVADOS”, como se indica:
Quesito 2º - Não provado, porque - frise-se - compulsando a contestação e reconvenção dos R.R., não se vislumbra em qualquer dos 51 artigos que estes se intitulem donos do prédio descrito na al. A) (art. 1172º) e por isso não pode, o Tribunal “a quo”, pronunciar-se sobre tal questão, dando como provada esta questão, mal formulada, além de que os A.A. não afirmaram, vez alguma, serem proprietários do prédio que os R.R./apelados identificaram (art. 518º) e afirmaram possuir no …;
Quesito 9º - Não provado, isto porque, nunca os A.A. afirmam nos autos que o prédio que os R.R. situam no lugar da Serra, com a matriz artigo 518º e descrito na Conservatória sob o n.º 781 (al. C) da matéria assente), lhes pertence, mas sim o prédio com o art. 1172 na matriz e 1077 na Conservatória, situado em … e com descrição completamente diferente da al. C), de que os R.R. dizem ser proprietários; e nunca disseram que o seu prédio (als. A) e E) da matéria assente) corresponde ao da al. C).
Também aqui o Tribunal “a quo” se pronuncia e dá como assentes afirmações e factos que as partes não plasmaram nas suas peças processuais, nem aceitaram, designadamente os A.A./apelantes, devendo, por isso, este facto, tem que ser dado por não provado;
Quesitos 10 e 11º - Não provados: Ao invés do que se questiona estes quesitos, mal formulados e, consequentemente, mal respondidos, pois como se alcança dos arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º da p.i., nos mesmos é alegado e fez-se prova de que ao contrário do vertido na sentença, completamente desconforme com o alegado, quem invadiu o prédio questionado nos autos, als. A) e E) da matéria assente, não foram os A.A./apelantes, sendo, aliás, estes que intentaram a presente acção, mas sim os R.R. que assim ameaçaram o direito de propriedade dos A.A., pelo que não é lícito ao Tribunal “a quo”, inverter as posições constantes da p.i., decidindo, depois, daquele jeito, contrariamente à verdade;
Quesito 12º - Provado, apenas, que o filho dos R.R., F…, entrou e destruiu, uma vez, as culturas agrícolas que o arrendatário G…, ali tinha plantado (é, aliás, o que os R.R. dizem na sua contestação).
78.ª E não será despiciendo, ainda, na senda da descoberta da verdade material e decisão contrária no que aos quesitos 2º, 9º, 10º, 11º e 12º da B.I. diz respeito, atentar no facto do M.º Juiz se ter apercebido e apreendido, dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos R.R. (filho e irmãos dos R.R., respectivamente), ser evidente e notório, o desconhecimento que demonstraram quanto ao prédio em questão, à sua posse, uso e fruição – era suposto, caso fosse da família, que o conhecessem - pois não conseguiram explicar porque é que só em 1981, mais de três anos depois do falecimento do seu pai e pai dos R.R., é que inscreveram o prédio na matriz, atribuindo-lhe o art. 518º, que dizem ser sua propriedade (o constante da al. C) da matéria assente) – antes estava omisso à matriz e à Conservatória – e o situam no …, e não em …, onde os A.A. situam o seu prédio, sendo que alguns daqueles seus irmãos nunca conheceram o prédio, nem sabe onde se situa (cfr. conclusão 69.ª).
79.ª Daí que – e com toda a assertividade -, o Tribunal “a quo” tenha, a fls. 287 e 288, referido o seguinte:
“Ora, a verdade é que nenhuma das testemunhas inquiridas mostrou conhecimento directo quanto à utilização deste imóvel pelos réus ou pelos seus antecessores.
Desde logo, os irmãos do réu marido apenas ocasionalmente visitaram o prédio, não logrando indicar, com previsão mínima, a identificação de quem tenha trabalhado o campo por conta dos réus ou antecessores (convenhamos, indicar o “AK…” ou um “AL…” como arrendatários de tempos antigos, desconhecendo o período em que esses contratos terão vigorado, ou mesmo as rendas pagas, simplesmente equivale a nada saber sobre tal matéria), tendo negado alguma vez terem presenciado a utilização do campo em apreço.”, para concluir que, “face à manifesta insuficiência de meios de prova”, julgava não provados os quesitos 13 a 17, conclusão que, natural e consequentemente, se impunha, de igual forma, quanto aos quesitos 2º, 9º, 10º, 11º e 12º, que deveria ter dado por não provados.
80.ª Na conformidade da prova produzida documental e, designadamente, em audiência de discussão e julgamento, e do que se vem de expender, a sentença recorrida deve der alterada, no sentido do supra alegado e que, salvo o devido respeito, se expende:
“Provados” – os factos constantes dos quesitos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º (parcialmente);
“Não Provados” – os factos constantes dos quesitos 2º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º e 18º.
81.ª Finalmente e no que à reconvenção concerne, tendo, os R.R., peticionado:
a) "- Ser declarado judicialmente e os reconvindos serem condenados a reconhecer que os reconvintes são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio rústico inscrito no 1º serviço de finanças de Gondomar com o nº 518 da matriz rústica da freguesia de …, conforme os reconvindos já reconheceram no art. 2º da sua PI, encontrando-se tal prédio descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o art. 781/20000524, registado a favor dos R.R. pela apresentação 5 de 2007/04/12.
b) –Os reconvindos serem condenados a reconhecer que o prédio dos reconvintes corresponde fisicamente ao prédio rústico assinalado a vermelho no doc. 5 e assinalado a verde no doc. 6 da peça processual dos R.R. reconvintes.
c) – Os reconvindos serem condenados a não impedir, nem por qualquer forma ou meio limitar ou estorvar o direito dos reconvintes sobre o mencionado prédio rústico, abstendo-se de actos que perturbem a pose dos reconvintes sobre tal prédio.
d) –Os reconvindos serem condenados a pagar aos reconvintes, a título de danos morais, o montante de 6.000,00 (seis mil euros), com juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, a que acrescerá o montante que se liquidar em execução de sentença como indemnização definitiva por todos os danos não patrimoniais que a actuação ilícita dos reconvindos tem vindo a provocar nos reconvintes, com as demais consequências legais.
e) – Os AA/reconvindos serem condenados em custas, procuradoria e demais encargos legais.”;
a sentença, em sede de decisão, no item IV, al. B), a fls. ..., julgou:
“Improcedente o pedido formulado sob a alínea b) da reconvenção”;
“Improcedente o pedido formulado na alínea d) e e)”;
e apenas procedente o constante nas als. a) e c), mas – note-se – quanto à inscrição nas Finanças do art. 518º e na Conservatória n.º 781, constantes da al. C) da matéria assente, prédio este reivindicado pelos R.R. (foi o que os R.R. peticionaram).
82.ª Vale isto por dizer, que a sentença, no que tange ao prédio reivindicado pelos A.A./apelantes, com a inscrição nas Finanças de Gondomar, sob o artigo 1172º, actualmente R – 01960 (por força da união de freguesias de … e …, determinada por lei – “vide” documento junto com estas alegações sob o n.º 1) e na respectiva Conservatória, sob o n.º 1077, não impôs, a douta sentença, aos A.A./reconvindos, qualquer condenação ou obrigação, sendo que, por outro lado, tendo julgado em III da mesma sentença, a “reconvenção improcedente na parte restante” (sublinhado e negrito nossos), impunha-se, nessa conformidade e segundo um raciocínio consequente e lógico, sustentado na prova, amplamente produzida e, designadamente em audiência de julgamento, que, conjugadas com a matéria assente das als. A), B) e E), julgasse, do mesmo modo, procedente a acção, declarando os A.A. como proprietários do prédio rústico inscrito sob o artigo 1172º, sito no …, freguesia de … e descrito na Conservatória de Gondomar, sob o n.º 1077/20060914.
83.ª É que, sendo a causa de pedir, na presente acção, o facto dos A.A. serem titulares do prédio descrito nas als. A), B) e E) da matéria assente, prédio que possuem e usufruem (factos estes que o Tribunal “a quo” deu como “assentes” – resposta positiva aos quesitos 1º, 4º e 5º da B.I.), dando, ao invés, como não provados os quesitos 13º a 17º, prova que incumbia aos R.R. – não pode dar como provados os quesitos 2º, 9º, 10º, 11º e 12º, dado que julgou, no essencial, a reconvenção improcedente (pedidos formulados nas als. b), d) e e)), razão pela qual importa, como atrás já se alegou, alterar as respostas à matéria de facto, no sentido que se vem propugnando.
84.ª Tudo para se concluir da sem razão do Tribunal “a quo”, prolação da sua decisão, ao julgar improcedente a acção, “contra facta et contra legem”, por um lado, em frontal contradição da matéria fáctica, amplamente provada – aliás aceite pelo Tribunal “a quo” – e que aponta na procedência da acção e, por outro lado, ter julgado parcialmente procedente a reconvenção, quanto aos pedidos constantes das als. a) e c) – frise-se que é em relação à inscrição e descrição do prédio indicado pelos reconvintes, art. 518º das Finanças e n.º 781 da Conservatória, e não ao indicado pelos A.A., na p.i. – e improcedente quanto aos pedidos formulados nas als. b), d) e e), o que não se pode aceitar.
85.ª Entendemos, destarte, e salvo opinião mais douta, que a decisão, não assentando em prova produzida credível, se mostra erraticamente infundada, quando julga a acção improcedente, absolve os R.R. e julga procedente, parcialmente, o pedido reconvencional, por outra que julgue a acção procedente e improcedente o pedido reconvencional, só assim se fazendo Justiça.
86.ª É surpreendente, por consequência, que o Tribunal “a quo”, sem dispor da imprescindível e concreta prova, por parte dos R.R./apelados, quanto à invocada propriedade do terreno, objecto do litígio concerne, tenha, “motu proprio”, e à revelia das partes (cfr. p.i. e reconvenção), incluído e aglutinado na inscrição e descrição indicada pelos R.R./apelados (prédio sob o art. 518º), a inscrição e descrição indicada pelos A.A./apelantes (als. A) e B), da matéria assente), para depois decidir da forma que decidiu, bem se sabendo não ser lícito ao Tribunal tal procedimento, inquinando a sentença de nulidade, por violação do disposto na al. d), n.º 1, do art. 615º, do C.P.Civil, o que se invoca.
87.ª Sempre e em qualquer das hipóteses, face à prova produzida, que, inelutavelmente, demonstra terem os apelantes adquirido o prédio em litígio por sucessão (art. 1317º, al. c), do C. Civil), detendo-o, possuindo e usufruindo-o – até o tendo arrendado há cerca de 04 (quatro) anos a G…, na convicção de que lhe pertencia e à vista de toda a gente, como resulta dos autos – por si e seus antecessores e ante- possuidores, que, igualmente, o detiveram (al. d) do citado art. 1317º e art. 1252º, n.º 1, do C. Civil) e ainda os arts. 1268º e 1276º e ainda o art. 7º do C.R.Predial e o art. 62º, n.º 1, da C. R. Portuguesa, devendo, por conseguinte, presumir-se a titularidade do direito, a favor do apelante, B…, que intentou a presente acção, ao abrigo do art. 1277º do C. Civil, sendo herdeiro e único sucessor do bem que lhe coube na partilha (o prédio em litígio) (art. 2119º do C. Civil), desde a abertura da herança do seu falecido pai, L… (Proc. N.º 3205/05), o qual, por sua vez, o havia herdado, já em 1945, do seu falecido pai, I… (Proc. N.º 29/1945, 1ª Secção, 1ª Vara Cível do Tribunal da Comarca do Porto), tudo como melhor consta dos autos e é explanado nas conclusões que antecedem, designadamente nas conclusões 20.ª, 21.ª e seguintes.
88.ª Entende-se, destarte e salvo o devido respeito que, face à prova que, efectivamente, foi produzida nos autos, por estes – em contraponto da não prova dos R.R./apelados, e que lhes incumbia fazer, violou, a douta sentença, as disposições legais constantes nos arts. 342º, 1317º, als. c) e d) e bem assim os arts. 1252º, n.º 1, 1268º, n.º 1276º, do C. Civil, e ainda o art. 7º do C.R. Predial e art. 62º, n.º 1, da C. R. Portuguesa.
Nestes termos e nos mais de direito, cujo douto suprimento se requer a V. Exa., deve conceder-se provimento ao presente recurso, de acordo com as precedentes conclusões, alterando-se a matéria de facto dada como provada e revogando-se a sentença em análise, substituindo-a por outra que julgue a acção procedente por provada e a reconvenção improcedente, como é de inteira JUSTIÇA”.
A apelada E… contra-alegou, pronunciando-se pela inadmissibilidade da junção dos documentos com as alegações de recurso, pugnando ainda pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:
- Se é admissível a junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso;
- Se a matéria de facto foi incorrectamente apreciada em primeira instância;
- Se a sentença padece de vício de nulidade;
- Se devia ser reconhecido aos Autores o direito de propriedade sobre o prédio rústico que os mesmos identificam como seu e, em contrapartida, ser julgada totalmente improcedente a reconvenção dos Réus.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1- Na Conservatória do Registo Predial de Gondomar mostra- se descrito sob o nº 1077/20060914 o prédio rústico denominado “M…”, situado em …, …, descrito como correspondendo a um terreno bravio, com a área de 2000 m2, a confrontar do norte com N…, do nascente com O…, do sul com P…, e do poente com o Rio …, inscrito na matriz sob o artigo 1772º.
2- Tal prédio encontra-se inscrito a favor dos autores mediante a inscrição ap.18 de 14 de Setembro de 2006.
3- Na Conservatória do Registo Predial de Gondomar mostra- se descrito sob o nº 781/20000524 o prédio rústico denominado “H…”, situado no …, descrito como correspondendo a um terreno com a área de 1400 m2, a confrontar do norte e nascente com Q…, do sul com S… e do poente com o Rio …, inscrito na matriz sob o artigo 518º.
4- Tal prédio mostra-se inscrito a favor dos réus mediante a inscrição Ap.5 de 12 de Abril de 2007.
5- No âmbito do processo de inventário por morte de I…, o qual correu termos no 1º juízo cível deste tribunal sob o nº 3205/05.4TBGDM, e onde o autor figurava como interessado, foi relacionado um imóvel, sob a verba nº 5, correspondente ao “prédio rústico designado por M…, sito no …, freguesia de …, Gondomar, a confrontar do norte com herdeiros de AM…, do sul com P…, do nascente com Q… e do poente com o Rio …, omisso na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 1172º daquela freguesia, com o valor patrimonial de € 13,97”, o qual, em sede de conferência de interessados realizada a 30 de Março de 2006, foi adjudicado ao autor.
6- Por escritura pública de partilha outorgada a 10 de Novembro de 2006, relativa ao acervo da herança aberta por óbito de AF…de AH…, onde o réu figura como outorgante, foi relacionado um imóvel, sob a verba 9, correspondente a um “prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 781, de …, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 518º, com o valor patrimonial igual ao atribuído de € 16,55”, o qual foi adjudicado ao réu.
7- Os réus endereçaram a G… uma carta datada de 22 de Junho de 2010, a qual consta de fls. 25, e que se dá aqui por integralmente reproduzida.
8- Os autores, após 30 de Março de 2006, contrataram pessoas para fresar o prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3-, e, no decurso do ano de 2010, concederam autorização ao G… e à T… para, em nome dos primeiros, cultivarem o mesmo prédio e colherem os seus frutos, o que, desde então e até à data, de forma ininterrupta, o G… e a T… têm feito, à vista de toda a gente, nesse imóvel chegando a colocar uma corrente com cadeado.
9- Os réus, após tomarem conhecimento da utilização do prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3- por parte do G… e da T…, perante estes e perante os autores afirmaram-se proprietários de tal prédio.
10- Pelo menos o filho dos réus, F…, com conhecimento e autorização dos seus pais, em Junho/Julho de 2010 entrou no prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3- e destruiu as culturas que o G… e a T… aí tinham plantado, tendo os réus enviado aos mesmos G… e a T… a carta cuja cópia consta de fls. 25 e 26.
11- O G… e a T… colocaram cadeados com aloquetes no prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3-, visando impedir a sua invasão, tendo aqueles sido destruídos.
12- Por força do litígio surgido quanto à propriedade do prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3-, os autores sofreram stress emocional, vexame, desgosto, inquietação, arrelias e aborrecimentos.
13- Os autores, por força do litígio surgido quanto à propriedade do prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3-, em diversas ocasiões deslocaram- se a Portugal vindos de França, onde são emigrantes, e pagaram taxa de justiça no âmbito dos presentes autos, tudo em valor global não concretamente apurado.
14- Os autores pelo menos desde 30 de Março de 2006 afirmam que o prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3- lhes pertence.
15-Por força do litígio surgido quanto à propriedade do prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3-, os réus sentiram-se vexados, nervosos, ansiosos e perturbados.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Questão prévia: admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso.
Antes de entrar na análise do objecto do recurso, importa indagar da admissibilidade da junção dos documentos apresentados pelos recorrentes com as alegações de recurso, firmando-se neles também para fundamentarem a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto e modificação da mesma.
Dispunha o artigo 693º-B do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/8, que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude de julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artigo 691º”.
O artigo 523º, nº1 do Código de Processo Civil naquela versão, estabelecia que os documentos destinados a fazer a prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”, acrescentando o nº 2: “se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”
Por sua vez, o nº1 do artigo 524º do mesmo diploma dispunha: “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”; e o seu nº 2: “os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo”.
Dispõe hoje o nº1 do artigo 651º que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais que se refere o artigo 425º[1] ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Por regra, os documentos devem ser apresentados com o correspondente articulado, ou seja, com a petição inicial, se pretenderem a demonstração dos factos fundamentadores da acção, ou com a contestação, se se destinarem a comprovar os fundamentos da defesa.
Como informa Abrantes Geraldes[2], “em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1ª instância (art. 524º)”, adiantando o mesmo Autor que “a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objectivos de celeridade”[3].
Os recorrentes juntam com as alegações uma certidão extraída do inventário orfanológico nº 29/1945, que correu termos pela 1ª Secção da 1ª Vara Judicial da Comarca do Porto, da qual fazem parte várias peças do referido processo: auto de declarações de cabeça de casal, descrição de bens, termo de declarações, auto de licitação, mapa da partilha, e sentença.
A referida certidão, que tem a data de 17.09.2014, apenas foi junta com as alegações de recurso, depois de proferida a sentença, a 17.12.2013 [a que se seguiu o incidente de habilitação de herdeiros do Réu D…, falecido a 12.08.2013, ficando, até decisão do mesmo, suspensa a instância], que foi desfavorável aos Autores, ora recorrentes, os quais, tendo instaurado a acção no ano de 2010, nem com a petição inicial, nem posteriormente, até ser proferida a referida sentença, cuidaram de obter e fazer juntar aos autos o documento que apresentam em sede recursiva, apesar da importância probatória que lhe imputam.
O documento apresentado com as alegações de recurso não é objectivamente superveniente e os apelantes limitam-se a invocar – conclusão 31ª - “dificuldades de busca” para tão tardiamente procederem à sua junção, quando é certo, porém, que nunca antes haviam sequer invocado a necessidade ou utilidade de procederem à sua junção.
Ao pretenderem os recorrentes que esta instância aprecie a prova documental que agora apresentam estarão certamente a olvidar o papel reservado à segunda instância em matéria de julgamento, pois, como lembra Abrantes Geraldes[4], “a fase de recurso não é naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação daqueles que tenham sido anteriormente apresentados”.
Deste modo, não se admite a junção do documento – certidão - apresentado com as alegações de recurso dos apelantes.
2. Reapreciação da matéria de facto.
2.1. Os apelantes em sede de recurso - através das massivas alegações que se alongam por 83 páginas, “sintetizadas” em 88 conclusões, muitas das quais repetidas... - manifestam-se discordantes da decisão que apreciou a matéria de facto. Assim:
2.1.1. Reputam de incorrectamente julgada a matéria constante dos pontos 2º, 9º, 10º, 11º e 12º da base instrutória, que, na perspectiva dos recorrentes, devia ter sido julgada não provada.
É a seguinte a matéria da Base Instrutória sobre a qual incide a impugnação:
- Ponto 2º: “Os réus, desde que os autores adquiriram o prédio descrito em A) que se intitulam seus donos?”;
- Ponto 9º: “Os autores, desde há cerca de 4 anos (por referência à data da contestação) que afirmam que o prédio descrito em C) lhes pertence e que corresponde ao prédio descrito em A)?”;
- Ponto 10º: “Invadindo-o, colocando uma corrente com cadeado que os réus retiraram e cortando diversas árvores?”;
- Ponto 11º: “Bem como mandaram, o referido G…, plantar espécies agrícolas?”;
- Ponto 12º: “Os réus sempre se opuseram ao referido em 9.º, 10.º e 11.º?
Sobre a matéria em causa, considerou o tribunal recorrido provado:
- pontos 1º, 4º, 10º e 11º - provado que os autores, após 30 de Março de 2006, contrataram pessoas para fresar o prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em A) e C), e, no decurso do ano de 2010, concederam autorização ao G… e à T… para, em nome dos primeiros, cultivarem o mesmo prédio e colherem os seus frutos, o que, desde então e até à data, de forma ininterrupta, o G… e a T… têm feito, à vista de toda a gente, nesse imóvel chegando a colocar uma corrente com cadeado;
- ponto - provado que os réus, após tomarem conhecimento da utilização do prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em A) e C) por parte do G… e da T…, perante estes e perante os autores afirmaram-se proprietários de tal prédio;
- pontos 3º e 12º - provado que pelo menos o filho dos réus, F…, com conhecimento e autorização dos seus pais, em Junho/Julho de 2010 entrou no prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em A) e C) e destruiu as culturas que o G… e a T… aí tinham plantado, tendo os réus enviado aos mesmos G… e a T… a carta cuja cópia consta de fls. 25 e 26;
- ponto - provado que os autores pelo menos desde 30 de Março de 2006 afirmam que o prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em A) e C) lhes pertence.
2.2. Dispunha o artigo 712º, nº1 do Código de Processo Civil, na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto podia ser alterada pela Relação nos casos aí expressamente especificados, ou seja:
“a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”.
O NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2003, de 26 de Junho introduziu significativas alterações no domínio dos poderes de reapreciação da matéria de facto consentidos à Relação, procedendo ao alargamento e reforço dos mesmos.
Dispõe hoje o nº1 do artigo 662º do novel diploma: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Por sua vez, os nº1 e 3 do artigo 640º do novo diploma reproduzem os nºs 1 e 5 do artigo 685º-B da anterior lei processual civil, correspondendo o nº2, com aperfeiçoamento da redacção e da sistematização, aos anteriores nºs 2 e 3 do normativo em causa do antecedente diploma, tendo neste sido amputado o respectivo nº4.
2.3. Importa relembrar que a sindicância cometida à Relação quanto ao julgamento da matéria de facto efectuado na primeira instância não poderá pôr em causa regras basilares do ordenamento jurídico português, como o princípio da livre apreciação da prova[5] e o princípio da imediação, tendo sempre presente que o tribunal de 1ª instância encontra-se em situação privilegiada para apreciar e avaliar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”[6].
Também é certo que, como em qualquer actividade humana, sempre a actuação jurisdicional comportará uma certa margem de incerteza e aleatoriedade no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Mas o que importa é que se minimize tanto quanto possível tal margem de erro, porquanto nesta apreciação livre o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas[7].
De todo o modo, a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.
Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.
A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[8], “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuís Muñoz Sabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.
Como decorre do artigo 607º, nº5 do NCPC, a prova testemunhal é livremente apreciada pelo tribunal, solução que emana do artigo 396º do Código Civil.
Livre apreciação que, todavia, não se confunde com arbítrio na apreciação desse meio de prova[9], “mas antes a ausência de critérios rígidos que determinam uma aplicação tarifada da prova, traduzindo-se tal livre apreciação numa apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objectivos existentes, quando se trate de questão em que tais dados existam”[10].
Trata-se de um meio probatório de particular importância[11], pela amplitude da sua produção, sendo o mais frequentemente usado em instrução, mas também por ser o único existente ou o único praticável.
Paralelamente, é também o meio probatório que reúne maiores riscos de falibilidade: por perigo de infidelidade da percepção e da memória da testemunha, por perigo de parcialidade da mesma, designadamente[12].
Por isso, e sem pôr em causa a liberdade de julgamento, deve o julgador colocar especial cuidado na avaliação e ponderação dos testemunhos prestados em audiência, valorando-os com um prudente senso crítico, pesando não apenas o seu sentido objectivo, mas ainda a forma como se manifestam.
2.4. Indignam-se os recorrentes por, designadamente, o Sr. Juiz do tribunal recorrido, na decisão proferida sobre a matéria de facto, haver condensado/aglutinado vários factos, referentes a questões que reputam de díspares e inconciliáveis, reportando-as aos dois prédios descritos nas alíneas A) e C) dos Factos Assentes, argumentando que “...decidida que foi no despacho saneador, a fls. 185 a 189, qual a matéria assente (als. A, B, C, D, E, F, G) e que matéria seria necessária provar e constante da Base Instrutória (quesitos 1º a 18º), é sobre cada um daqueles quesitos que tem que versar a prova a produzir, não sendo lícito ao Tribunal, ao responder à matéria de facto, esquecendo e desvalorizando a prova produzida, misturar e aglutinar questões completamente díspares, como seja as descrições ora indicadas pelos A.A./apelantes, ora indicadas pelos R.R./apelados, dando azo a notória confusão e distorção do que se questiona em cada um daqueles quesitos, assim influenciando, erradamente, a decisão final, o que aliás aconteceu e se constata na sentença” – conclusão 1ª.
Segundo os recorrentes, o tribunal recorrido deveria ter dado como não provados os factos a que se referem os artigos 2º, 9º, 10º, 11º, 12º da base instrutória, defendendo, quanto ao questionado no primeiro daqueles artigos que “...compulsando a contestação e reconvenção dos R.R., não se vislumbra em qualquer dos 51 artigos que estes se intitulem donos do prédio descrito na al. A) (art. 1172º) e por isso não pode, o Tribunal “a quo”, pronunciar-se sobre tal questão, dando como provada esta questão, mal formulada, além de que os A.A. não afirmaram, vez alguma, serem proprietários do prédio que os R.R./apelados identificaram (art. 518º) e afirmaram possuir no …”.
Lendo, todavia, a contestação/reconvenção dos Réus nela estes afirmam, entre o mais, serem donos e legítimos possuidores do prédio rústico que identificam no artigo 7º de tal articulado, denominado “H…”, inscrito na matriz sob o artigo 518º da freguesia de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar com o nº 781, o qual, acrescentam, é precisamente o prédio que os Autores alegam pertencer-lhes, fazendo-lhe corresponder o artigo matricial 1172 da mesma freguesia de … – artigo 11º da contestação -, referindo estarem convencidos que o prédio que os Autores alegam ser deles “só existe no papel, fisicamente não existe, ou, se existe, é noutro sítio que não precisamente o sítio onde se localiza o prédio “H…” dos RR.” – artigo 26º da mesma peça processual.
A motivação da decisão da matéria de facto é a esse respeito proficuamente esclarecedora: “No plano fáctico, o litígio a que os presentes autos dão forma tem na sua base uma questão não expressamente indagada na base instrutória através de ponto que a essa matéria directamente se refira – a duplicação de documentação (seja quanto às descrições prediais; seja quanto às inscrições matriciais) relativa à mesma realidade predial.
Mas dúvida não haverá que esta questão é o ponto de partida da controvérsia gerada entre as partes, e por isso em primeiro lugar deve ser abordada. Antes do mais evidente é que as partes estão convictas que os elementos documentais de que cada uma dispõe se referem à mesma parcela de terreno delimitada pelo Rio … – o que, não sendo em si decisivo, atenta a possibilidade não despicienda de erro, constitui indício forte pelo simples facto de se considerar regra básica do comportamento que cada um se preocupe com o que é seu, sobretudo em meios ainda envoltos na aura da ruralidade [e, se é verdade que os réus partilharam 11 prédios rústicos que integravam a herança de seus pais, manifestamente daí não se retira que sejam latifundiários desconhecedores do que lhes cabe por direito].
Mas como relevante temos também o facto de diversas testemunhas [G… e a T… (actuais arrendatários do prédio em litígio, tendo nascido e crescido naquela localidade); U… (irmão do autor marido, que conheceu bem este terreno em criança); V… (hoje com 73 anos de idade, sempre tendo vivido naquela localidade); e os diversos irmãos do autor (as testemunhas AC…, Z… e AB…)], que em audiência de julgamento declararam que aquele mesmo prédio (o que hoje está a ser fabricado pelas testemunhas G… e a T…) em tempos (há cerca de 70 anos) terá sido utilizado/usufruído por um antepassado dos autores [a famosa (em audiência de julgamento) «J…»]; a circunstância de os elementos documentais juntos (concretamente as inscrições matriciais antecedente e subsequente ao artigo 518º-R da freguesia de … – cfr fls 85, 277 e 278) com toda a segurança permitirem afirmar que a inscrição 518º-R da freguesia de … se refere a prédio junto ao Rio …, com a denominação de H…; terceiro, o depoimento em audiência de julgamento prestado pelos irmãos do réu marido (AC…, Z… e AB…) que sem dúvida indicaram o terreno em litígio como correspondendo ao que os autores afirmam ser seu, terreno que aqueles souberam localizar adequadamente, sobre o mesmo afirmando desde pequenos terem ouvido relatar que estaria ligado à sua família; e, finalmente, o documento cuja cópia consta de fls 255, que sem qualquer dúvida indica ter em 1964 ocorrido negócio (independentemente da sua forma) pelo qual os aqui autores manifestaram a intenção de alienar ao pai do aqui réu marido o que lhes viesse a caber na herança de L… (pai do autor marido, por sua vez filho de I… que havia sido casado com ... J… – cfr fls 247 a 254) – tudo elementos que com toda a segurança permitem afirmar estarmos na presença de um mesmo terreno que, por vicissitudes várias (de entre elas se destacando a possibilidade de se ter permitido a realização de uma primeira inscrição no registo de propriedade apresentando como título aquisitivo apenas uma escritura de partilha, com claro desrespeito do princípio da legitimação consagrado no artigo 9º do Código do Registo Predial), foi objecto de 2 registos e 2 inscrições matriciais”.
Do referido segmento da motivação, cuja clareza e exposição detalhada dispensa acrescidos esclarecimentos, conclui-se existir uma duplicação de registos [e também matricial] a incidir sobre o mesmo prédio rústico - que as testemunhas indicadas lograram identificar e localizar, designadamente por referência a alguns documentos juntos aos autos -, que ambas as partes disputam como seu, e que constitui a essência do litígio discutido nos autos.
Em causa está uma única realidade física, ainda que com distintos contornos documentais. Todavia, como recorda o Acórdão da Relação do Porto de 19.12.2005[13], “a função do registo predial é apenas a de definir a situação jurídica dos prédios, exonerando os titulares inscritos de demonstrarem o facto em que assenta a presunção que dimana do registo, ou seja, que o direito registado existe na sua esfera jurídica”, defendendo o Acórdão da mesma Relação, de 24.10.95[14], que “a presunção do artigo 7º do Código de Registo Predial não abrange os elementos identificativos do prédio, designadamente confrontações, áreas e limites, constantes da descrição registral do mesmo”.
Ou seja: não é o registo, nem a inscrição matricial que conferem a identidade ao prédio sobre que incidem.
Cada uma das partes reclama, com exclusão da outra, a propriedade de um determinado prédio rústico – descrito na alínea A) dos factos assentes, de acordo com a identificação fornecida pelos Autores, e descrito na alínea C) dos mesmos factos assentes, em conformidade com a identificação facultada pelos Réus.
Na tese dos Autores estão em causa dois prédios distintos – o identificado sob a alínea A) dos Factos Assentes, que lhes pertence, e um outro prédio, dele completamente distinto, o mencionado na alínea C) dos mesmos Factos Assentes, cuja propriedade pertence aos Réus, reclamando, por isso, que a decisão de facto e a decisão de direito se conforme com tais premissas.
Não encontram elas, porém, sustentação no resultado probatório alcançado, que claramente aponta - apesar da multiplicidade de registos e inscrições matriciais e da divergência na descrição do prédio de que cada uma das partes se arroga proprietária – no sentido de se estar perante uma única realidade física, existindo somente um prédio, reivindicado por ambas as partes, o que, de resto, explica o conflito, que, pelo menos com os contornos transmitidos nos autos, não teria justificação a existirem dois prédios distintos, cada um deles propriedade de cada uma das partes litigantes.
Como destaca o acórdão da Relação de Coimbra de 14.07.2010[15], “A identidade matricial (de imóveis) tem de apurar-se com base nos documentos dos serviços de finanças, mas a identidade física do prédio há-de apurar-se pela restante prova produzida, desde logo pela averiguação da existência de um qualquer outro prédio que com aquele possa ser correlacionado.
A inscrição matricial é apenas um elemento de identificação para o recenseamento fiscal dos imóveis, o qual pode até nem existir e nem por isso o prédio deixa de ter existência real”.
Confrontando-se os autos com a disparidade identificativa do prédio reivindicado, afigura-se ajustada a solução adoptada pelo Sr. Juiz de primeira instância ao enveredar, nas respostas dadas aos artigos 2º, 9º, 10º, 11º, 12º da base instrutória, pela referência ao prédio objecto do litígio como “prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em A) e C)”, nada obstando a que, por razões de coerência metodológica, se aglutinem vários factos, entre si interligados, ainda que dispersos por vários pontos da base instrutória.
Posto este esclarecimento, focalizando agora a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto objecto de impugnação nos seus pontos mais concretos, auditados os depoimentos prestados em audiência e analisada a documentação constante dos autos facilmente se constata a falta de razão dos recorrentes nas críticas que à mesma formula.
Assim:
- As testemunhas G… e T…, que cultivam o prédio rústico objecto de disputa desde 2010, prestaram um depoimento esclarecedor e confirmador da matéria factual dada em resposta aos pontos 1º, 4º, 10º, 11º, 2º, 3º e 12º da base instrutória, elucidando em que termos procedem a esse cultivo e utilização, o acordo que para o efeito estabeleceram com os Autores, aludindo ainda aos que, imediatamente antes deles, faziam tal cultivo. Referiram-se ainda aos actos praticados no prédio pelo filho dos Réus, com destruição de culturas nele existentes, e o facto de haverem recebido a carta cuja cópia consta de fls. 25 a 26.
- O depoimento da testemunha F…, filho dos Réus, admitindo a contenda que teve com a testemunha G…, por este ocupar o prédio que considera dos seus pais, e a destruição de culturas agrícolas nele existentes, contribui igualmente para a confirmação da factualidade constante dos artigos 2º e 12º da base instrutória.
- A factualidade vertida no ponto 9º da base instrutória sustenta-se, uma vez mais, no depoimento das mencionadas testemunhas G… e T… que, desde 2010, com anuência dos Autores, ocupam e cultivam o prédio de que estes se reclamam donos, sendo que antes deles já terceiros o faziam em idênticas circunstâncias, tendo na conferência de interessados realizada a 30 de Março de 2006, no âmbito do processo de inventário nº 3205/05.4TBGDM, que correu termos pelo 1º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Gondomar sido adjudicada aos Autores a verba nº5, que corresponde ao prédio que estes identificam como seu e cuja propriedade reivindicam – documentos de fls. 23 e 24.
Desta forma, reapreciada a decisão sobre a matéria de facto, na parte em que os apelantes, através da longa dissertação vertida nas alegações de recurso, dela se manifestam discordantes, não se vislumbra fundamento para as críticas contra ela formuladas, pelo que se mantém a mesma inalterada, assim improcedendo, desde já, e nessa parte, o recurso dos Autores.
3. Da nulidade da sentença.
Imputam os recorrentes, de forma persistente, designadamente nas conclusões 1ª a 3ª, 9ª, 18ª, 19ª, 34ª, 44ª, 45ª, 52ª, 59ª, 86ª das alegações, à sentença recorrida vícios de nulidade passíveis de integração na previsão das alíneas b), c), d) e e) do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Segundo o artigo 615º do NCPC,
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
Tal como o nº1 do artigo 668º do anterior diploma, também o nº1 do artigo 615º do NCPC contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[16], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[17].
Respeita o vício elencado na alínea b) do nº1 do artigo 615º da lei processual civil – normativo expressamente convocado pelos recorrente em apoio à nulidade que imputam à sentença - à omissão de fundamentação, quer de facto, quer de direito, da sentença. Como esclarecem, a propósito, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[18]: “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta embora esta se possa referir aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
(…) Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão.
Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar.
Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio a solução adoptada pelo julgador.
Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão; essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia”[19].
Importa ainda reter que “da falta absoluta de motivação jurídica ou factual - única que a lei considera como causa de nulidade —há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade”[20].
O entendimento de que só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade tipificada na citada alínea b) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil emerge, em última análise, dos ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis[21], tendo sido posteriormente defendida por outros processualistas.
Hoje, porém, face ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais imposto pelo artigo 205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, de modo que os seus destinatários as possam analisar criticamente, nomeadamente para efeitos de impugnação, quando seja admissível o recurso, começa-se a consolidar entendimento que confere àquele dever de fundamentação maior rigor e uma mais apertada exigência, equiparando à falta absoluta uma fundamentação insuficiente, quando esta se revele imperceptível aos seus destinatários judiciários[22].
No caso em apreço a sentença recorrida contém a enumeração dos factos que serviram de base à decisão de mérito[23], traduzindo ainda, de forma expressa e perfeitamente apreensível, o raciocínio jurídico que desembocou nessa decisão.
A sentença impugnada descreve todo o circunstancialismo fáctico que da actividade probatória produzida resultou demonstrado, aplicando o direito aos factos de forma fundamentada.
Com isso cumpriu integralmente o dever de fundamentação, cuja inobservância seria passível de integrar o vício que os recorrentes lhe imputam.
Na alínea c) do normativo antes citado enquadra-se o vício da sentença em que ocorra oposição entre os seus fundamentos e a decisão.
Não se cuida, no vício contemplado na referida alínea, de indagar se existe contradição/oposição entre a decisão que julga a matéria de facto e os fundamentos que a motivaram, como sucede na hipótese delineada pelo anterior artigo 653º da lei adjectiva, mas antes de averiguar se essa oposição ocorre entre a decisão que aprecia a matéria controvertida e os fundamentos quer de facto, quer de direito que contribuíram para essa mesma decisão.
Numa perspectiva silogística da sentença, a decisão nela contida deve estar numa relação lógica e coerente com as respectivas premissas, que a hão-de anteceder, sendo aquela o resultado natural decorrente das mesmas.
Isto é, “a decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de facto (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio. A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”[24].
Configura-se a nulidade tipificada no citado preceito quando “o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”[25].
Ou seja: “…se os fundamentos invocados conduzem logicamente, não ao resultado expresso da decisão, mas a resultado oposto ou pelo menos diferente, em última análise a decisão carece de fundamento”[26].
Dessa enfermidade[27] também não padece a sentença recorrida, que igualmente não se acha afectada do vício previsto na alínea e) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, que os recorrentes, sem fundamentarem, convocam na conclusão 44ª das suas alegações.
A propósito do vício inserto na alínea d) do aludido normativo, escreveu Anselmo de Castro[28]: «O vício relaciona-se com o dispositivo do art.° 660.°, n.° 2.° e por ele se tem de integrar. A primeira modalidade tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras; a segunda reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, como nesse preceito se dispõe.
A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a “fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sobre os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.
Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».
Também desse vício não se mostra afectada a sentença.
Não imputam, de resto, os recorrentes à sentença aqui escrutinada qualquer omissão/défice de pronúncia, como também não alegam factos capazes de indiciarem terem nela sido apreciadas questões que estava ao julgador vedado conhecer.
Concluindo, deste modo, pela inexistência de qualquer das patologias invocadas que viciem a sentença aqui sindicada, também nesta parte há-de improceder a apelação.
4. Do mérito do julgado.
Tal como a estruturaram os Autores, através da respectiva causa de pedir e pedidos formulados, a acção por eles proposta caracteriza-se como uma acção de revindicação, revestindo-se da mesma natureza a contra-acção desencadeada pelo Réus através da reconvenção deduzida contra os demandantes.
Segundo o nº1 do artigo 1311º do Código Civil, “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”, pois que o direito de reivindicar é uma manifestação da sequela própria do direito real.
Como explica Rodrigues Bastos[29]: “a reivindicação é a acção exercida por uma pessoa que reclama a restituição de uma coisa de que é proprietário. A reivindicação funda-se, portanto, na existência do direito de propriedade, e tem por fim a obtenção da coisa (...). O objecto da acção deve ser uma coisa determinada, móvel ou imóvel”, ou, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela[30], “a acção de reivindicação (...) é uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela”.
Ainda segundo o primeiro dos citados Autores, “a causa de pedir desta acção é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do autor, como a ocupação abusiva do imóvel pelo réu, sendo estes factos que o autor tem de provar para obter a procedência da acção, com condenação nos dois pedidos que deve formular: o do reconhecimento daquele direito e o da restituição da coisa reivindicada, nada impedindo que a esses pedidos se juntem outros, como o de indemnização, se se verificarem os requisitos legais da cumulação”[31].
Como se afirma no acórdão da Relação de Coimbra de 22.01.2002[32], “a natureza da acção de reivindicação resulta, imediatamente, da causa de pedir, objectivada no direito de propriedade, e do fim visado pelo autor, que é constituído pela declaração da existência da sua propriedade e pela entrega do objecto sobre o qual o seu direito de propriedade incide”.
Do que resulta exposto, evidencia-se já que a acção de reivindicação comporta necessariamente dois pedidos que se hão-de cumular: “o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio)[33].
Assim, proposta acção de reivindicação, com a causa de pedir e os pedidos apontados, para obter a procedência da acção, terá o autor de demonstrar ser o proprietário da coisa reivindicada e que o réu a possui ou detém[34].
Ainda segundo o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 22.01.2002, “na acção de reivindicação, compete ao autor a prova do seu direito de propriedade o que pressupõe a exibição de um título translativo, acompanhado da necessária demonstração de que o direito já existia no transmitente ou de que se operou a aquisição originária, por usucapião”.
Para obstar às pretensões do autor, deve o réu, por sua vez, demonstrar que aquele não é o proprietário da coisa reivindicada (no caso de se opor ao reconhecimento do direito de propriedade e subsequente obrigação de a restituir), ou que, não obstante o autor ser proprietário da referida coisa, ele, réu, é titular de um direito, real ou de crédito, que legitima a posse ou detenção e, consequentemente, a recusa na restituição[35].
Com os pedidos específicos da acção de reivindicação pode o autor, se as regras processuais não o impedirem, cumular com aqueles pedido de indemnização, nomeadamente pelos danos causados na coisa por quem a detém ilegitimamente, ou valor do uso que este dela fez[36].
No caso vertente, os Autores reclamam-se titulares do direito de propriedade sobre o prédio rústico que identificam no seu articulado inicial – designadamente, artigo 1º -, invocando como causa aquisitiva partilha judicial, alegando ainda que desde essa aquisição se acham continuamente na posse desse imóvel, exercendo essa posse de boa fé, à vista de todos, de forma pacífica, como se fossem donos do prédio em causa.
Por sua vez, os Réus intitulam-se proprietários do prédio rústico identificado no artigo 7º da reconvenção – e que os Autores haviam também identificado no artigo 2º da petição[37], imputando a propriedade do mesmo àqueles -, alegando haverem adquirido a propriedade sobre tal imóvel por partilha da herança aberta por óbito dos pais do Réu marido – AF… e AH… -, partilha titulada por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Valongo a 10.11.2006. Adiantam ainda que por si e seus antecessores – pais do Réu marido –, há mais de 60 anos, possuem o prédio denominado “M…”, cultivando-o, quer directamente, quer através de terceiros, a quem o deram de arrendamento, sempre à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercerem um direito próprio, sem prejuízo de ninguém.
Por regra, é insuficiente a invocação de uma forma de aquisição derivada por não ser constitutiva do direito de propriedade, mas somente translativa desse direito, a menos que se comprove que o direito já existia no transmitente. A prova do direito deve ser feita pelo autor [ou, no caso, do reconvinte], não bastando justificar a própria aquisição, sendo também necessário provar o dominium auctoris ou usucapião, como forma de aquisição originária. Por isso, terão de alegados factos dos quais resulte depois a prova da aquisição originária da dominialidade por parte do autor [ou reconvinte] ou da pessoa que lhe a transmitiu.
Só assim não será quando o autor beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registe.
Com efeito, como salienta o acórdão da Relação do Porto de 24.01.2012[38], “o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão e demais modos previstos na lei.
Destes modos legítimos de aquisição, uns são meros actos translativos do direito, também designados de "modos de aquisição derivada", como são os casos do contrato e da sucessão «mortis causa», enquanto outros são constitutivos do próprio direito e, por isso, designados de "modos de aquisição originária", como acontece na usucapião (art. 1287º), na ocupação (arts. 1318º e segs.) e na acessão (arts. 1325º e segs.).
A prova do direito de propriedade é feita através de factos que demonstrem a aquisição originária do domínio, por parte de quem quer ver declarado tal direito ou de qualquer dos seus antepossuidores. Se o “reivindicante” invoca como fonte do seu direito uma das formas de aquisição derivada, porque não constitutiva mas meramente translativa do direito, não lhe basta provar este modo aquisitivo para que possa ser considerado o titular do direito; por força do princípio "nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet" (ninguém pode transferir para outrem mais direitos do que aqueles que possui), terá ainda que demonstrar que esse direito já existia na titularidade do seu transmitente e, bem assim, as sucessivas aquisições dos seus antecessores até atingir a aquisição originária em algum deles.
Ressalvam-se, porém, os casos em que existe presunção legal da propriedade, como a resultante do registo (art. 7º do CRegPred) ou a decorrente da posse (art. 1268º), em que, por força do disposto nos arts. 344º nº 1 e 350º, cabe à parte contrária ilidir tais presunções (…)”.
De acordo com o artigo 7.º do Código de Registo Predial, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Se a aquisição do direito de propriedade do prédio se achar registada, beneficia o registrante da presunção de que o direito de propriedade existe e pertence ao titular inscrito, nos termos definidos no registo.
Assim, o artigo 7º do Código de Registo Predial faz presumir que o direito existe e que dele é titular a pessoa em cujo nome o mesmo se acha inscrito. Tal presunção, porém, não abrange os limites, confrontações, a área e demais elementos próprios da identificação física do prédio. Estes derivam quase sempre das próprias declarações dos interessados, escapando à confirmação e controle do conservador, apesar da sua intervenção oficiosa[39].
Voltemos à situação discutida nos autos.
Como atenta a sentença recorrida, “...o litígio a que os presentes autos dão forma tem na sua base a correspondência entre duas descrições prediais (e duas inscrições matriciais) e a mesma realidade física – já que, escusado seria dizê-lo, verdadeiramente nenhum litígio haveria caso se afirmasse que cada uma das descrições no 1077/20060914-… e no 781/20000524-… se refere a uma unidade predial distinta da outra.
Mas basta atentarmos na causa da criação de cada uma destas descrições, conjugando-a com o comportamento posterior dos beneficiários dos respectivos registos, para facilmente concluirmos tratar-se do mesmo prédio.
As duas descrições prediais que beneficiam as partes são fruto de partilhas [uma judicial (o caso dos autores – cfr fls 19 e 247 a 254); outra extra- judicial (o caso dos réus – cfr fls 65 a 81)] que recentemente (considerando-se recente o que aconteceu há menos de 10 anos) tiveram lugar (em Março de 2006, no caso dos autores; em Novembro de 2006, no caso dos réus), relativas a óbitos ocorridos em data bem anterior à criação das descrições [no caso dos autores, os óbitos que motivaram o inventário judicial ocorreram em 1945 (morte presumida de G…), 30 de Julho de 1983 (morte de K…) 31 de Agosto de 1945 (morte de L…) e 26 de Abril de 1996 (morte de AJ…); no caso dos réus, os óbitos que conduziram ao acordo de partilha ocorreram a 07 de Outubro de 1976 (morte de AF…) e 27 de Janeiro de 1978 (morte de AH...)].
Ou seja, em ambos os casos com toda a segurança se conclui que a criação das descrições prediais constituiu acto preparatório de cada uma das partilhas, na qual intervieram as pessoas que hoje para si reivindicam a propriedade de uma parcela de terreno.
Os autores, após Março de 2006, indiscutivelmente passaram a dar uso à unidade predial que continuam a afirmar ser sua (ponto 8- da matéria de facto provada); os réus, assim que se aperceberam da atitude dos réus, claramente assumiram comportamentos próprios de quem se considera proprietário daquele mesmo imóvel (pontos 7-, 9- e 10- da matéria de facto provada).
Na sequência, daqui apenas se pode concluir (sem esquecer o que a propósito já ficou dito quando da prolação de decisão sobre a matéria de facto, para onde a este propósito agora se remete), e salvo sempre melhor opinião, que na base da criação das duas descrições prediais esteve a convicção de que o documento se referia à unidade predial que posteriormente veio a ser ocupada pelo G… e pela T…”.
Temos, pois, como antes referido, e como a sentença impugnada explica, duas descrições e duas inscrições matriciais para uma única realidade física.
Referindo os Autores que adquiriram o prédio, cuja propriedade reivindicam, por partilha judicial e que estão na posse do mesmo desde o início dessa aquisição, tendo por base que a conferência de interessados em que o imóvel em causa lhes foi adjudicado ocorreu a 30 de Março de 2006, e não invocando os mesmos a seu favor exercício anterior de actos possessórios, ter-se-á por claramente insuficiente a alegação de factos tendentes ao preenchimentos dos pressupostos da aquisição originária através do instituto da usucapião.
Não se detectando essa insuficiência de alegação em relação aos Réus, sucumbiram estes, porém, na tarefa de demonstração da factualidade invocada – cfr. resposta aos pontos 13º a 17º da base instrutória.
Pode, por isso, concluir-se, tal como o faz a sentença recorrida, que “nem autores nem réus lograram demonstrar causa de aquisição eficaz relativamente ao terreno que todos reclamam”.
Certo é, como já se adiantou, que é o mesmo o prédio reivindicado por Autores e Réus, tendo sobre ele recaído duplicação de inscrições matriciais e de registos prediais.
Para equacionar a questão submetida à sua apreciação, o tribunal recorrido atribui relevância à presunção derivada do registo, sustentando, para o efeito: “não podemos esquecer que tanto autores como réus beneficiam da presunção decorrente do registo relativamente à mesma unidade predial, sobre a qual foi permitida a abertura de 2 descrições autónomas (pontos 1-, 3-, 8- e 11- da matéria de facto provada) – ou seja, estamos perante duas presunções de propriedade relativas a uma mesma parcela de terreno, ambas decorrentes da inscrição do direito de propriedade no registo”.
E prossegue “...as descrições não são susceptíveis de cancelamento – mas apenas de inutilização (o que deverá ser requerido junto da competente Conservatória do Registo Predial).
Mas a duplicação de descrições não afasta a regra absolutamente linear enunciada no nº 1 do artigo 6º do Código do Registo Predial (ainda aqui, não afectado pela recente reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 116/2008, de 04 de Julho) – o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos, e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes”.
Para assim concluir: “...analisando apenas o conflito registral, facilmente se conclui que a inscrição do direito de propriedade a favor dos herdeiros de AH… e AF…, feita com base em apresentação datada de 24 de Maio de 2000 (cfr fls 317 a 320), prevalece sobre a inscrição do direito de propriedade sobre o mesmo terreno a favor dos autores, feita com base em apresentação datada de 14 de Setembro de 2006 (cfr fls 19 e 20 e pontos 1- e 2- da matéria de facto provada).
Presumindo-se a titularidade do direito a favor de Y…, Z…, AB…, AC…, AD…, D… e AE…, na referida qualidade, a partilha da herança tem como efeito considerar-se cada herdeiro único sucessor dos bens que lhe couberam (artigo 2119o do Código Civil) – ou seja, pela partilha o falecido réu D… é considerado, quanto ao bem aqui em causa, único sucessor do AH… e da AF…, assim beneficiando da inscrição da titularidade do direito de propriedade feita em 24 de Maio de 2000.
Concluindo, nesta parte, pela aplicação das regras próprias do registo deve o falecido réu D… ser reconhecido como proprietário do prédio rústico relativamente ao qual foram abertas as descrições prediais nº 1077/20060914-… e nº 781/20000524-…, e criados os artigos matriciais 1172º e 518º”.
Não podemos comungar de tal entendimento.
Como se sabe, a forma de conferir perante terceiros eficácia aos direitos reais é através da sua publicidade, sendo o meio adequado para o efeito, tratando-se quer de prédios urbanos, quer de prédios rústicos, o registo predial, destinando-se este, como proclama o artigo 1º do Código de Registo Predial, “essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”.
A fé pública associada ao registo exige que este esteja em conformidade com a situação jurídica substantiva do prédio, permitindo a terceiros, através dele, tomar dela conhecimento.
Essa fé pública é abalada quando exista desconformidade entre a situação registral, publicitada, e a referida situação jurídica substantiva do prédio.
Recorde-se que que um dos efeitos mais importantes do registo é a atribuição ao seu titular da presunção da titularidade do direito, a qual se corporiza em duas presunções: (i) a de que o direito existe, tal como consta do registo; (ii) a de que pertence, nesses precisos termos, ao titular inscrito[40].
Como sublinha o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.02.2012[41], “Destinando-se [...] o registo a facilitar e a conferir segurança ao tráfico imobiliário, garantindo aos interessados que, sobre os bens a que aquele instituto se aplica, não existem outros direitos senão aqueles que o registo documenta e publicita.
Ora, a falada duplicação dos registos sobre o mesmo prédio, sobre a mesma realidade física, mas incidentes sobre diferentes realidades registais, inutilizou a função publicitária daqueles”.
Concluindo o mesmo acórdão que “...temos também como acertado que, face à duplicação de registos prediais sobre o mesmo prédio, não valem, desde logo, quer as regras da eficácia do registo em relação a terceiros (art. 5.º do CdRP), quer as de presunção da titularidade do direito (art. 7.º do mesmo diploma legal). Nenhuma das partes podendo delas beneficiar”.
Esse foi também o entendimento perfilhado pelo acórdão da Relação do Porto de 17.03.2011[42], versando sobre situação idêntica, quando nele se escreve: “face à duplicação de registos, de que poderiam beneficiar autora e réus, não pode ser invocada, em favor de qualquer das partes, a presunção sobre a existência do direito que derivaria do registo, nos termos do art. 7º do CRP. São registos formalmente distintos, mas retratam uma mesma realidade física, pelo que conduziriam a um resultado incompatível: a autora e os réus seriam titulares exclusivos do direito de propriedade sobre esse mesmo prédio. Daí que se considere que as presunções invocadas pelas partes se anulam uma à outra”.
E acrescenta o mesmo acórdão: “face a essa duplicação de registos, não valem também as regras da eficácia do registo em relação a terceiros (art. 5º do CRP), que tem a sua justificação, precisamente, na publicidade dos actos aquisitivos de direitos reais, que, pela sua inscrição registral, se presume serem válidos e eficazes e na confiança que ao público tem de inspirar essa sua inscrição [...]. Daí que nenhuma das partes deva beneficiar da eficácia do registo, prevalecendo a normas de direito substantivo[...]”[43].
Com efeito, sendo distintos os registos, retratam eles, todavia, a mesma realidade física, pelo que são entre si incompatíveis, “devendo [neste caso] prevalecer, não as normas registais, mas as de direito substantivo”, como defende o citado acórdão do STJ de 12.01.2012.
Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 1268º do Código Civil, “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”.
Ou seja: não ocorrendo a circunstância excepcional acautelada pelo referido preceito legal, ao facto de alguém estar na posse de determinada coisa, faz a lei corresponder a presunção de que é igualmente titular do direito sobre a mesma, exonerando do ónus de provar essa titularidade.
Presume-se, pois, que quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos actos que sobre ela pratica.
Segundo Mota Pinto, citado no mencionado acórdão de 12.01.2012 do STJ, “Esta presunção significa, portanto, que numa acção de reivindicação – uma acção em que se pretende obter a declaração de propriedade de uma coisa e a restituição da coisa ao proprietário – posta pelo proprietário contra o possuidor, este não tem o ónus da prova, cabendo, assim, ao reivindicante esse encargo.
(…)
Ora, isto – esta presunção legal estabelecida no art. 1268.º - pode ser muito importante, porque pode ser atribuída a propriedade ao possuidor (…), não propriamente porque o possuidor conseguiu provar que era proprietário, mas antes porque não foi provado que ele o não era.
Decorre daqui que, numa situação de dúvida, o impasse que esta suscita é superado em termos favoráveis ao possuidor.
É, aliás, esta doutrina que se exprime na velha máxima latina in pari causa melhor est condictio possidentis (em igualdade de circunstâncias é melhor a posição de possuidor)”.
E no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.01.1997, publicado in RLJ 132, escreveu-se: “O art. 1268 do C. Civil estatui que o possuidor goza da presunção de titularidade do direito excepto se existir a favor de outrem presunção fundada em registo anterior ao início da posse. [...]
Mais importante que a situação escrita é a situação real.
Se o registo não for anterior ao início da posse prevalece a presunção derivada daquela. Isto, mesmo, que o interessado só tenha conseguido provar a posse actual.
Da posse, mesmo actual, deriva logo a presunção de propriedade, que só cede se for provado um registo anterior ao início da posse.
Se o titular do registo não provar também a anterioridade deste em relação à posse, não goza da presunção de propriedade”.
Transpondo o que se deixa exposto para a situação dos autos, considerando o quadro factual neles apurado - resulta comprovado que:
- “os autores, após 30 de Março de 2006, contrataram pessoas para fresar o prédio rústico a que se referem as descrições mencionadas em 1- e 3-, e, no decurso do ano de 2010, concederam autorização ao G… e à T… para, em nome dos primeiros, cultivarem o mesmo prédio e colherem os seus frutos, o que, desde então e até à data, de forma ininterrupta, o G… e a T… têm feito, à vista de toda a gente, nesse imóvel chegando a colocar uma corrente com cadeado – ponto 8º dos factos provados.
- No âmbito do processo de inventário por morte de I…, o qual correu termos no 1º juízo cível deste tribunal sob o nº 3205/05.4TBGDM, e onde o autor figurava como interessado, foi relacionado um imóvel, sob a verba nº 5, correspondente ao “prédio rústico designado por M…, sito no …, freguesia de …, Gondomar, a confrontar do norte com herdeiros de AM…, do sul com P…, do nascente com O… e do poente com o Rio …, omisso na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 1172º daquela freguesia, com o valor patrimonial de € 13,97”, o qual, em sede de conferência de interessados realizada a 30 de Março de 2006, foi adjudicado ao autor” – ponto 5º dos factos provados.
- Tal prédio encontra-se inscrito a favor dos autores mediante a inscrição ap.18 de 14 de Setembro de 2006 – ponto 2º dos factos provados.
- Por escritura pública de partilha outorgada a 10 de Novembro de 2006, relativa ao acervo da herança aberta por óbito de AF… e de AH…, onde o réu figura como outorgante, foi relacionado um imóvel, sob a verba 9, correspondente a um “prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 781, de …, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 518º, com o valor patrimonial igual ao atribuído de € 16,55”, o qual foi adjudicado ao réu – ponto 6º dos factos provados.
- Tal prédio mostra-se inscrito a favor dos réus mediante a inscrição Ap.5 de 12 de Abril de 2007.
Deste acervo factual resulta demonstrado que, sendo o mesmo o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial com o nº 1077 (inscrito na matriz sob o artigo 1772º) e o descrito com o nº 781 (inscrito na matriz sob o artigo 518º), dele têm os Autores posse actual, cujos actos correspondentes vêm exercendo desde 30 de Março de 2006.
Desse circunstancialismo deriva a presunção de propriedade sobre o referido imóvel [que não se mostra ilidida], uma vez que o registo de que beneficiam os Réus não é anterior ao início da posse dos Autores (sendo estes, de resto, titulares de registo anterior ao registo dos Réus).
Do que se conclui que não funcionando, no caso concreto, a presunção da titularidade do direito, nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial, não beneficiando nenhuma das partes dessa presunção, beneficiam os Autores da presunção da propriedade em relação ao prédio reivindicado, em função da posse que sobre ele vêm exercendo, nos termos do nº1 do artigo 1268º do Código Civil, presunção que não é afastada pela existência de registo anterior ao início dessa posse.
Deve, consequentemente, reconhecer-se aos Autores o direito de propriedade do prédio rústico relativamente ao qual foram abertas as descrições prediais nº 1077/20060914-… e nº 781/20000524-…, e criados os artigos matriciais 1172º e 518º, condenando-se os Réus a reconhecerem esse direito e a absterem-se da prática de actos que o ofendam, improcedendo, em contrapartida, a reconvenção, com a consequente absolvição dos Autores/Reconvindos.
Procede, nessa parte a apelação, com alteração da sentença recorrida em conformidade.
*
Síntese conclusiva:
- A fé pública associada ao registo exige que este esteja em conformidade com a situação jurídica substantiva do prédio, permitindo a terceiros, através dele, tomar dela conhecimento.
- Existindo duplicação de registos prediais [e inscrições matriciais] sobre a mesma realidade física - o mesmo prédio -, não valem quer as regras da eficácia do registo em relação a terceiros, quer as de presunção da titularidade do direito, nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial. Nessa situação, nenhum dos titulares do registo pode beneficiar da presunção que este confere.
- Não ocorrendo a circunstância excepcional acautelada pelo nº1 do artigo 1268º do Código Civil, ao facto de alguém estar na posse de determinada coisa, faz a lei corresponder a presunção – ilidível - de que é igualmente titular do direito sobre a mesma, exonerando do ónus de provar essa titularidade.
Presume-se que quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos actos que sobre ela pratica.
- Da posse, mesmo actual, deriva logo a presunção de propriedade, que só cede se for provado um registo anterior ao início da posse.
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:
I - Julgar improcedente o recurso quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
II – Julgar, quanto ao mais, procedente a apelação, alterando a sentença recorrida, decidindo:
1. Julgar a acção parcialmente procedente, reconhecendo aos Autores o direito de propriedade sobre o prédio rústico relativamente ao qual foram abertas as descrições prediais nº 1077/20060914-… e nº 781/20000524-…, e criados os artigos matriciais 1172º e 518º, e condenando os Réus a se absterem de todos os actos ofensivos da posse e direito de propriedade dos Autores relativamente ao prédio em causa, mantendo o decidido [não tendo os Autores impugnado recursivamente nessa parte a sentença] quanto à absolvição dos Réus dos pedidos de indemnização contra eles formulados;
2. Julgar a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo os Autores/Reconvindos em relação a todos os pedidos reconvencionais contra eles deduzidos.

Custas:
a) Em primeira instância:
- Da acção: por Autores e Réus, na proporção de 2/10 e 8/10, respectivamente;
- Da reconvenção: pelos Réus.
b) Nesta instância: pelos apelados.

Porto, 28 de Outubro de 2015
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Teles de Menezes
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[1] Que corresponde ao nº1 do artigo 524º do anterior diploma.
[2] “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2ª ed. revista e actualizada, pág. 228.
[3] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 184.
[4] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág. 226.
[5] Artigos 396º do C.C. e 607º, nº5 do Novo Código de Processo Civil.
[6] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Ac. desta Relação de Coimbra de 11/03/2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20/09/2005, proferido no processo 05A2007, www.dgsi.pt, podendo extrair-se deste último: “De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)”.
[7] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Vol. 3º, pág. 173 e L. Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1ª Ed., pág. 15 7.
[8] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[9] Até porque sobre o julgador recai, como já se mencionou, o dever de fundamentar a sua convicção no que concerne ao julgamento da matéria de facto.
[10] Acórdão da Relação de Coimbra, 19.01.2010, processo nº 495/04.3TBOBR.C1, www.dgsi.pt
[11] Na expressão de Bentham, é na prova testemunhal que estão os olhos e os ouvidos da justiça…
[12] Cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, págs. 614, 615; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 276, 277; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 342.
[13] Processo nº 0556452, www.dgsi.pt.
[14] Processo nº 9520443, www.dgsi.pt.
[15] Processo nº 800/03.0TBSRT.C1, www.dgsi.pt.
[16] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[17] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[18] “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 687 e segs.
[19] Cf. em idêntico sentido, Acórdão STJ de 19/03/02, “Rev. nº 537/02-2ª sec., Sumários, 03/02”; Acórdão Relação de Coimbra de 16/5/2000, www.dgsi.pt; Acórdão STJ de 13/01/00, “Sumários, 37-34”; Acórdão Relação Lisboa, de 01/07/99, BMJ 489-396.
[20] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141.
[21] “Código de Processo Civil anotado”, Coimbra Editora, 1984, vol. V, pág. 140.
[22] Neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 17.04.2012, processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, www.dgsi.pt.
[23] Sendo a decisão relativa à matéria de facto anterior à sentença e autónoma em relação a esta, não se exige que da sentença reproduza a fundamentação [motivação probatória] da decisão da matéria de facto, já constante desta.
[24] Acórdão do STJ, 07.05.2008, processo nº 3380/07, www.dgsi.pt.
[25] Alberto dos Reis, ob. cit., vol. V, pág. 141; cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, ob. cit., pág. 690.
[26] Anselmo de Castro, ob. cit., pág. 142.
[27] Que não se confunde com o juízo acerca do mérito ou demérito da solução jurídica encontrada para os factos apurados, a apreciar numa outra sede.
[28] “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 142.
[29] “Notas ao Código Civil”, vol. V, 1997, pág. 64.
[30] “Código Civil anotado”, vol. III, pág. 112.
[31] ob. cit, pág. 65-66.
[32] Processo nº 3233/2001, www.dgsi.pt.
[33] Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 113; no mesmo sentido, Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, págs. 846-847, Acórdão da Relação de Lisboa, 15/5/74, Boletim do Ministério da Justiça 237º-298.
[34] cf. Acórdão Relação de Lisboa, 10/5/78, Colectânea de Jurisprudência 1978, 3º-931; Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 25/1/74, Boletim do Ministério da Justiça 233º-195.
[35] Artigo 342º, nº2 do Código Civil.
[36] cf. Antunes Varela e Pires de Lima, ob. cit., pág. 113.
[37] Tendo a classificação de urbano posteriormente sido corrigida para rústico.
[38] Processo nº 2886/08.9TBOAZ.P2, www.dgsi.pt.
[39] Cfr. artigos 60.º, 90.º e 46.º do Código do Registo Predial, Acórdãos do STJ de 11 de Maio de 1995, 17 de Junho de 1997, 25 de Junho de 1998, 11 de Março de 1999, 10 de Janeiro de 2002 e 28 de Janeiro de 2003, CJ/STJ, respectivamente, III-II-75, V-II-126, VI-II,134, VII-I-150; Sumários/2002, 28 e 249; Sumários/Janeiro, 2003; Acórdãos do STJ de 30.09.2004, Proc. 04B2578, de 15.05.2008, Proc. 08B856, ambos em www.dgsi.pt.
[40] Artigo 7º do Código de Registo Predial.
[41] Processo nº 74/1999.P1.S1, www.dgsi.pt.
[42] Processo nº 74/1999.P1., www.dgsi.pt.
[43] No mesmo sentido, cfr. Acórdão do STJ de 21.04.2009, processo nº 5/09.6YFLSB, www.dgsi.pt.