Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1590/19.0T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: HOMEBANKING
FRAUDE INFORMÁTICA
DIREITO DE REGRESSO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
SOLIDARIEDADE
Nº do Documento: RP202209261590/19.0T8AVR.P1
Data do Acordão: 09/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A instituição bancária que reembolsa o seu cliente dos montantes por este perdidos em resultado de uma operação de homebanking não autorizada tem direito de regresso sobre os responsáveis pela execução ou facilitação da fraude informática que permitiu aquela operação.
II - Apesar de o Banco responder contratualmente perante o seu cliente e de ser extracontratual a responsabilidade do terceiro que efetua ou facilita a operação ilegítima, existe solidariedade entre ambos relativamente ao lesado, uma vez que o art. 497.º, nº 1 CC não exige, como pressuposto daquela figura, que as obrigações provenham do mesmo facto jurídico.
III - Nos termos do n.º 2 daquele normativo, no confronto entre as culpas – a presumida contratual ou pelo risco legal do Banco e a efetivamente demonstrada do terceiro – é de considerar prevalente a segunda, cabendo a este último reembolsar o Banco naquilo que satisfez ao seu cliente em consequência da operação não autorizada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1590/19.0T8AVR.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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AUTORA: Banco 1... S.A., com sede social na Av. ..., ..., Lisboa.
RÉU: AA, solteiro, residente na R. ..., n.º ..., 2.º dt.º, ..., Aveiro.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Por via da presente ação declarativa, pretende a A. obter a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de €19.692,05, acrescida de juros civis à taxa legal, a contabilizar desde a citação até ao efetivo pagamento.
Para tanto alegou ter o R. recebido em conta bancária sua, mediante transferência efetuada por desconhecidos e sem qualquer motivo legítimo, a quantia global de € 16.397, 34 (da qual veio a devolver € 255,40), valor este que, mediante burla informática, foi obtido da conta bancária de cliente da A., o qual instaurou contra esta ação judicial que culminou na condenação da ora A. a pagar ao seu cliente € 16.141,94, de capital; € 1.151,28, de juros remuneratórios; € 1.174,83, de juros morais; € 1.224,00, de custas de parte. A A. satisfez estes valores a tal cliente.

Contestou o R., admitindo ter recebido aquele valor na sua conta bancária, o que sucedeu por ter recebido proposta de trabalho por correio eletrónico, que, na sua inocência, curou ser para entidade bancária, no âmbito da qual deveria receber na conta determinados valores que, depois, levantaria e remeteria para terceiros, algures na Rússia. Não é, pois, o autor da fraude informática, nem se apropriou das verbas aqui em questão.

A A. apresentou novo articulado.

Realizado julgamento, veio a se proferida sentença, datada de 4.3.2022, a qual decidiu condenar o R. a pagar à A a quantia de €10.761,29, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, no mais improcedendo a ação.

Desta sentença recorre a A., visando a condenação do R. no pedido integral, mediante argumentos que assim concluiu:
1. O presente recurso tem o seu objeto limitado à parte em que a douta sentença recorrida foi desfavorável à aqui apelante;
2. Não obstante a norma do art. 630º nº 1 do CPC é de admitir a impugnação de decisões que recorram ao uso de poder discricionário naqueles casos em que tribunal recorrido afronte as regras que balizam a aplicação do juízo de equidade, como foi o caso;
3. O art. 4º do C.C. estipula um regime de verdadeira excecionalidade do recurso à equidade, o que significa que só em casos muito contados pode tal juízo ter aplicação;
4. Apesar de a douta sentença não o mencionar expressamente depreende-se que o juízo de equidade que foi aplicado in casu foi-o com fundamento no art. 494º do C.C.;
5. Os critérios objetivos e cumulativos que estão subjacentes à aplicação desta norma legal – art. 494º do C.C.- não foram respeitados, concretamente no que concerne ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado, bem como às demais circunstâncias do caso que tal justifiquem;
6. Quanto ao grau de culpabilidade do agente não se justifica o recuso à equidade quando o grau de culpa constatado in casu se revele grosseiro, mas apenas nos casos de culpa leve ou levíssima, o que não foi o caso, tendo o apelado anuído com grosseira negligência e com intuito lucrativo a que a sua conta bancária servisse de “conta mula” para permitir a dissipação dos fundos ilicitamente retirados da conta do sr. BB, cliente da aqui apelante, não se importando com a proveniência destes fundos nem com a total falta de documentação dos mesmos conforme resulta dos pontos 20, 22 a 27, 29, 30 e 31 da douta fundamentação de facto, com especial relevo para os pontos 29, 30 e 31 bem como da matéria não provada constante das alíneas c) a j);
7. Basta ler o teor e conteúdo dos e-mails que o apelado juntou aos autos como prova dos seus contactos com a sua alegada “entidade patronal” para facilmente se concluir que banco algum usa este tipo de abordagem para contratar colaboradores, isto já para não dizer que banco algum recorreria a conta bancária de um empregado seu para proceder a transferências bancárias internacionais, sendo que as ditas tinham de ser processadas para os respetivos destinatários com enorme celeridade e em dinheiro vivo a através de empresas como a W... e M..., sendo certo que o apelado era um cidadão com estudos universitários, logo com capacidade cognitiva para perceber que a sua conta bancária estava a ser usada para finalidade contrária à lei, como efetivamente foi;
8. Já quanto ao requisito respeitante à situação económica do lesante e da lesada nada está demonstrado/provado nestes autos que possa servir de amparo ou fundamento para se fazer atuar a equidade;
9. Desconhecendo o Tribunal a quo qual a real situação económica do apelado quer à data da sentença (os factos verificaram-se no ano de 2014) quer, até, à data da prática dos factos, não se pode aceitar como verificado ou existente o requisito respeitante à situação económica do lesante e da lesada pelo que não podia o Tribunal dar como adquirido que a situação económica do apelado podia de alguma forma justificar a aplicação de um juízo de equidade nos termos do art. 494º do C.C.;
10. Quanto ao requisito “quando as demais circunstâncias do caso o justifiquem” o Tribunal não concretizou qual foi o “circunstancialismo fáctico” constante da matéria de facto provada em que se fundamentou para concluir pela aplicação do juízo de equidade, o que limita o contraditório à apelante no que respeita à impugnação deste juízo, limitando-se praticamente a reproduzir o juízo conclusivo constante da própria fórmula legal escrita no art. 494º do C.C. sendo certo que o circunstancialismo fáctico que resulta dos factos provados em nada abona a conduta do apelado nem desculpa ou justifica ou ameniza os factos que praticou;
11. Aliás, a douta sentença ao reduzir o quantum indemnizatório limitando-o a 2/3 do dano efetivo premeia com a aplicação do juízo de equidade um comportamento fortemente censurável do apelado sem o qual a pessoa ou pessoas que acederam ilicitamente à conta bancária do cliente da apelante não teriam logrado apoderar-se, a final, do dinheiro;
12. Ao deixar usar a sua conta bancária como uma conta “mula”, lucrando com este “negócio” a sua “comissão” bem como ao proceder ao imediato levantamento em dinheiro vivo das quantias que para lá foram transferidas, e ao agilizar a sua imediata migração para destinatários na Rússia o apelado foi uma peça chave fundamental para a consumação do ilícito e premiar o apelado com uma substancial redução do montante indemnizatório que efetivamente deveria ter de suportar por conta dos danos que causou não é a melhor forma de contribuir para morigerar comportamentos nem na sociedade nem no próprio apelado;
13. A apelante logrou provar que a ilícita transferência de fundos da conta do seu cliente para a conta bancária do aqui apelado não ocorreu por qualquer falha ou fragilidade do seu sistema informático ou do serviço ... on line, ao contrário do que o apelado alegou e sustentou na sua contestação;
14. A douta sentença recorrida deveria ter aplicado o princípio geral constante do art.562º do C.C. que prevê que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, não se verificando in casu os requisitos para a aplicação do art. 494º do mesmo diploma legal;
15. E se tivesse aplicado de forma correta este princípio consideraria a totalidade dos prejuízos que o apelado deve indemnizar, sem recurso à equidade;
16. Deveria o apelado responder nesta ação pelo menos pelas quantias que a Banco 1... teve de desembolsar a título de reembolso de capital na sua totalidade (16.141,94 €) e não apenas a quantia de €10.761,29, bem como os juros remuneratórios de €1.151,28 que igualmente teve de suportar, e, ainda as custas que teve de suportar com a ação nº 8903/15.1T8LSB no valor de €1.224,00.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Questão a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil:
- da natureza da responsabilidade do R. para com a A.;
- da não aplicação do disposto no art. 494.º CC e do valor a pagar pelo R. à A.

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
Os factos que interessam à decisão do recurso são os elencados em primeira instância que agora se reproduzem:
1) BB, cliente da Autora Banco 1... (doravante Banco 1...), aderiu ao serviço ... on line (HOMEBANKING da Banco 1...) através do qual realizava operações de consulta e de pagamentos sobre as contas bancárias de que é titular com os nºs conta à ordem n.º ... e conta poupança n.º ... sem ter de se deslocar a qualquer dependência bancária.
2) No dia 25/09/2014 foram transferidos diretamente da conta a prazo do sobredito cliente da A. para uma conta bancária de CC junto da Banco 1..., € 3.461,36.
3) No dia 26/09/2014 foram transferidos € 3.610,55 da conta a prazo do sobredito cliente da A. para a sua conta à ordem e, posteriormente, esses mesmos € 3.610,55 para uma conta do réu DD, com o n.º ... também junto da Banco 1....
4) No dia 29/09/2014 foram transferidos € 3.841,79 da conta a prazo do sobredito cliente da A. para a sua conta à ordem e, posteriormente, esses mesmos € 3.841,79 para uma conta do réu DD, também junto da Banco 1....
5) No dia 30/09/2014, foram transferidos para a conta do réu DD € 3.867,70, provenientes da conta a prazo do sobredito cliente da A. e daí transferidos para a sua conta à ordem e, após, para a conta deste R. junto da Banco 1.... 6) No dia 01/10/2014, foram transferidos € 3.866,75 da conta a prazo do sobredito cliente da A. para a sua conta à ordem e, posteriormente, esses mesmos € 3.866,75 para uma conta do aqui réu DD, também junto da Banco 1....
7) No dia 3/10/2014 foram transferidos diretamente da conta à ordem do cliente da A. para a conta do Réu junto da ré Banco 1... € 1.210,55.
8) BB queixou-se à A. que estas transferências foram realizadas à sua revelia, isto é, sem a sua autorização e conhecimento, instaurando seguidamente uma queixa criminal contra CC e contra DD, e ainda uma ação cível contra a Banco 1... S.A., CC e DD.
9) Na sequência da reclamação apresentada pelo seu cliente junto dos seus serviços a Banco 1... logrou recuperar extrajudicialmente € 255,40 junto da conta beneficiária da transferência dos fundos n.º ..., do aqui R. DD e € 2.100,00 junto da conta beneficiária dos fundos n.º ..., de CC, tendo tais verbas sido creditadas na conta n.º ..., titulada pelo cliente BB em 2014.12.30.
10) O beneficiário da transferência de € 3.461,55, CC, autorizou a Banco 1... a proceder à devolução o que a Banco 1... fez, tendo creditado na conta do seu cliente aquela quantia.
11) Da mesma forma foi contactado pela Autora o beneficiário das restantes transferências no valor global de €16.397,34, o Réu DD, que apesar de ter atribuído as referidas transferências ao pagamento de um alegado contrato de trabalho com entidade estrangeira, veio a admitir que tinha sido “beneficiário de forma inadvertida por estar convicto que as operações tinham proveniência legal” tendo autorizado a devolução de € 255,40, única quantia de que ainda dispunha no seu saldo bancário.
12) A A. declinou qualquer responsabilidade nas transferências ocorridas, tendo o seu cliente BB intentado ação no foro cível, a qual correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, processo nº 8903/15.1T8LSB, Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2.
13) Na ação cível intentada por BB contra a Banco 1..., DD e CC pediu aquele a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia de € 17.503,30 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde 3.10.2014 até 27.03.2015 no montante de €335,68 e ainda no valor de € 3.500,00, por danos extra patrimoniais, num total global de € 21.338,98, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal para as operações civis sobre o capital de € 17.503,30 até integral pagamento e sobre o capital de € 3.500,00 (danos morais), contabilizados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
14) DD e CC, citados em 08.04.2015 não contestaram a ação, tendo apenas a aqui A. contestado tal ação.
15) Procedeu-se ao julgamento no sobredito processo cível, tendo no mesmo sido considerados provados, em primeira instância, os factos constantes do documento de fls. 111 a 159, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido.
16) A mencionada sentença cível condenou no seguinte, que se transcreve:
“(…) Julgar parcialmente procedente, por provada, a ação e, por via disso, condenar os Réus, solidariamente, a pagar ao Autor as seguintes quantias, a título de danos patrimoniais: 1 - Condenar a Ré Banco 1... S.A. a pagar ao Autor a quantia de 17.503,30 Euros, acrescida dos juros remuneratórios devidos nos termos dos contratos de depósito bancário entre Autor e Ré outorgados, juros vencidos e vincendos até integral pagamento, sendo aqueles a contar de 3.10.2014 e abatendo o valor entretanto restituído pelo Réu CC na pendência da ação conforme referido nos factos discriminados em III -, A) 25 - (2.100,00 Euros) e 40 – a 43 -; 2 - Condenar o Réu CC a restituir ao Autor a quantia de 3.461,36 Euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, a contar da citação e à taxa legal vigente para os créditos dos não comerciantes, imputando-se o valor já restituído por este Réu (a totalidade do montante em cuja restituição é condenado, de 3.641,36 Euros) nos juros vencidos e, após, no capital, considerando-se, para o efeito da imputação aludida, as datas das efetivas restituições parciais do aludido montante total e referidas em III -, A), 25 - (2.100,00 Euros ) e 40 - a 43 -, sendo a liquidação resultante de mero cálculo aritmético; 3 – Condenar o Réu DD a pagar solidariamente ao Autor a quantia de 16.397,34 Euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, a contar da citação e à taxa legal vigente para os créditos dos não comerciantes.4 - Condenar todos os Réus a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais por ele sofridos, a quantia de 3.500,00 Euros, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento e a contar do trânsito em julgado da decisão, à taxa legal sucessivamente em vigor para os créditos dos não comerciantes”.
17) Da sentença foram interpostos recursos quer pelo aqui Réu, quer pela Banco 1... tendo na sequência destes recursos sido proferido Acórdão pela Relação de Lisboa, com data de 10.05.2018, e já transitado em julgado – cfr. acórdão de fls. 163 a 231, cujo teor integral se dá aqui por inteiramente reproduzido, o qual, alterando a sentença de primeira instância deliberou o seguinte:
«a) Julgou improcedente a apelação da Banco 1...;
b) Julgou parcialmente procedente a apelação do réu DD, em consonância com o referido em III supra julgar que ocorre erro na condenação solidária do réus e em consequência revogam o dispositivo da sentença que se substitui por estoutro nos seguintes termos:
“Julga-se parcialmente procedente por provada a ação e por via disso condena-se: 1- A Banco 1... S.A. a pagar ao A. a quantia de 17.503,30 € dos 19.858,70 € que da conta do A. foram indevidamente transferidos para as contas dos co-RR. CC e DD, do modo descrito em III dos factos dados como provados acrescida dos juros remuneratórios devidos nos termos do contrato de depósito bancário entre o A. e R. outorgados, juros vencidos e vincendos até integral pagamento, sendo aqueles a contar de 03.10.2014 e abatendo o valor entretanto restituído pelo R. CC na pendência da ação conforme referido nos factos discriminados em III-A 25 (pelo valor de 2.100,00 €) e 40 a 43; 2- O R. CC a restituir ao A. a quantia de 3.461,36 € que da conta do A. para a sua foram transferidas acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento a contar da citação e à taxa legal vigente para os créditos dos não comerciantes imputando-se a totalidade do montante já restituído pelo mesmo R., de 3.461,36 € nos juros vencidos e, após no capital referido em 1 (19.858,70 €), considerando-se para o efeito da imputação as datas das efetivas restituições parciais dos aludidos montantes total e referidas em III-a) 25 (pelo valor de 2.100,00 €) e 40 a 43 sendo a liquidação resultante de mero cálculo aritmético;
3- O R. DD a restituir ao A. a quantia de 16.397,34 €, quantia essa que indevidamente da conta do A. para a sua lhe foi transferida e do montante global de 19.858,70 € referida em 1, valor esse a imputar no montante de capital e juros referido em 1, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, a contar da citação e à taxa vigente para os créditos dos não comerciantes;
4- Cada um dos RR. no montante de 1/3 do valor global e não questionado fixado em 3.500,00 €, a título de danos não patrimoniais a favor do A., acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento e a contar do trânsito em julgado da decisão à taxa legal sucessivamente em vigor para os créditos dos não comerciantes”.
18) Por força destas decisões judiciais, a Banco 1... creditou na conta à ordem n.º ..., titulada por BB, o montante de € 19.692,05, sob referência “Proc. ...”, sendo €16.141,94 referentes a capital, €1.151,28 de juros remuneratórios, €1.174,83 de danos morais e €1.224,00 de custas de parte.
19) Terceiros cuja identidade se desconhece acederam às contas bancárias do cliente da aqui A. BB e na sequência de se terem apropriado através do método de phishing – ou outro - dos códigos de acesso e password que lhes permitiram aceder às contas bancárias do cliente da Banco 1... BB procederam às transferências da conta bancária deste para a conta bancária do aqui R. como se tivesse sido o próprio a fazê-las.
20) O R. DD acordou em ceder a utilização de sua conta bancária com terceiros, como conta intermediária, a fim de ali receber as transferências bancárias que aqueles ordenassem, provenientes das contas bancárias de terceiros e em proceder ao imediato levantamento das quantias em numerário mediante recurso aos serviços da M... ou da W... para indivíduos desconhecidos que se encontravam na Rússia, recebendo a quantia correspondente a 5% de todas as transações assim realizadas.
21) Neste contexto, para a conta uni-titulada pelo Réu (a conta nº ..., da Banco 1...) foram transferidas as seguintes quantias (no montante global de €16.397,34), a partir da conta com o IBAN ...:
- No dia 26/09/2014, foi transferida a quantia de 3.610,55€;
- No dia 29/09/2014, foi transferida a quantia de 3.841,79€;
- No dia 30/09/2014, foi transferida a quantia de 3.867,70€;
- No dia 01/10/2014, foi transferida a quantia de 3.866,75€;
- No dia 03/10/2014, foi transferida a quantia de 1.210,55€.
22) Foi também acordado entre tais indivíduos, cuja identidade se desconhece, e o Réu que as transferências só seriam efetuadas para a sua conta bancária se o mesmo tivesse uma disponibilidade quase imediata para levantar tais quantias em numerário ao balcão e proceder ao subsequente envio para destinatários no estrangeiro que lhe seriam oportunamente indicados, sendo, para o efeito, previamente contactado, a fim de confirmar tal disponibilidade.
23) Quantias estas que não lhe pertenciam, como sabia.
24) O R., relativamente às transferências acima indicadas, mal as mesmas se encontraram disponíveis na conta foram por este de imediato levantadas em numerário, numerário este que foi pessoalmente remetido pelo R. de imediato via W... e M... para outras contas de terceiros, no estrangeiro, assim permitindo e facilitando a dissipação e desaparecimento destas quantias, inviabilizando que a aqui A. Banco 1... pudesse “bloquear” a conta do R., assim impedindo que o dinheiro fosse dissipado, como foi.
25) Bloqueio este que o banco tentou fazer assim que foi alertado pelo seu cliente para a existência de transferências que repudiava, mas sem o resultado pretendido.
26) Nos exatos dias das transferências realizadas para a sua conta, o R. procedeu ao levantamento das quantias infra mencionadas da respetiva conta e, através dos serviços da M... e da W..., procedeu ao imediato envio de numerário, em tranches, para pessoas distintas localizadas na Rússia, nos seguintes termos (e que totalizam o valor de €14,999,00):
- No dia 26/09/2014, o R., na qualidade de “estudante”, enviou 1.534,00€ em numerário via M... para EE, na Rússia;
- No dia 26/09/14, o R., na qualidade de “estudante”, enviou 1.759,00€ em numerário via M... para FF, na Rússia;
- No dia 29/09/2014, o R. enviou 1.628,00 em numerário via W..., para GG, na Rússia;
- No dia 29/09/2014, o R. enviou 1.877,00€ em numerário via W..., para HH, na Rússia;
- No dia 30/09/2014, o arguido enviou 1.903,00€ em numerário via M..., para II, na Rússia;
- No sai 30/09/2014, o R. enviou 1.629,00€ em numerário via M..., para JJ, na Rússia;
- No dia 01/10/2014, o R. enviou 1.901,00€ em numerário via W..., para KK, na Rússia;
- No dia 01/10/2014, o R. enviou 1.628,00€ em numerário via W..., para LL, na Rússia;
- No dia 03/10/2014, o R. enviou 1.140,00€ em numerário via W..., para MM, na Rússia.
27) Do dinheiro transferido para a sua conta bancária e com exceção da quantia de 255,40 €, o R. DD guardou para si e fez sua a importância remanescente, que era pertença do titular da conta BB.
28) A A. teve de repor na conta do seu cliente os valores referidos em 18), o que não sucederia, caso o R. não tivesse permitido que a sua conta bancária servisse de “conta mula” para permitir a dissipação dos fundos ilicitamente retirados da conta do (cliente da A.) BB.
29) O R. aceitou receber na sua conta bancária as aludidas transferências desacompanhadas de qualquer documentação, recibo, ou fatura, relativos à propriedade e proveniência de tal numerário, e que de alguma forma documentassem um qualquer negócio jurídico legítimo que lhes estivesse subjacente.
30) Tal como aceitou levantar e reenviar de imediato tais quantias em numerário, não se importando com a proveniência destes fundos que lhe foram parar à conta.
31) Decidiu agir conforme descrito, visando obter benefício económico correspondente à comissão que cobrou, propósito este que concretizou.
32) O aqui R. frequentava, à data destes factos, curso superior de economia/gestão.
33) Todas as transferências bancárias acima indicadas foram autenticadas, registadas e contabilizadas na Banco 1... mediante a prévia introdução dos códigos de acesso corretos não tendo as mesmas sido afetadas por nenhuma avaria técnica ou qualquer outra deficiência do sistema informático da A.
34) Foram corretamente inseridos no sistema informático da R. os elementos/códigos de autenticação necessários e corretos (credenciais de autenticação no serviço ...) para que as operações fossem autorizadas pela Banco 1..., sendo que esta processou as transferências porque tais elementos e códigos de autenticação forma corretamente introduzidos no sistema.
35) A Autora confirmou que o seu sistema informático não foi violado às datas e momentos em que as transferências foram efetivadas, e que não se encontrava avariado, pelo que as transferências não decorreram de ataques de hackers ao seu sistema informático ou de qualquer outra situação resultante de um mau funcionamento deste.
36) Em Junho de 2014 o réu era estudante universitário e desejava ter uma ocupação a tempo parcial que fosse compatível com o curso que tirava na Universidade.
37) A irmã do Réu NN que estudava economia recebeu um email, no dia 13 de Maio de 2014, com o “Assunto” Job description, enviado do endereço eletrónico ...@gmail.com e subscrito por OO, HR manager, V... Limited, 2014 – cfr. documento de fls. 278, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido. E em 16 de Maio de 2014 a irmã do Réu recebe do mesmo endereço eletrónico um novo email, cujo “Assunto” é “Bank details”, subscrito por OO - cfr. documento de fls. 279, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido. 38) Em 15 de Junho de 2014, o Réu envia um email para o endereço eletrónico ...@gmail.com demostrando interesse na proposta que foi enviada à sua irmã. Após lhe ter sido solicitado, envia os seus dados pessoais e em 16 de Junho de 2014 recebe emails/comunicações eletrónicas idênticas às recebidas pela sua irmã em 13 e 16 de Maio de 2014 – cfr. documentos de fls. 280, 281 a 283, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido.
39) Após o Réu trocou vários emails com o denominado OO (cujo endereço eletrónico era ...@gmail.com) até 25.09.2014 - cfr. documentos de fls. 284 a 293, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido.

Foram dados como não provados os factos seguintes:
a) O R. recebeu a quantia correspondente a 10% de todas as transações realizadas.
b) No momento mencionado em 38. o Réu vivia totalmente a expensas dos seus pais, o que o angustiava, pois sentia que os pais faziam sacrifícios na vivência do dia-a-dia em virtude do dinheiro que lhes gastava em consequência dos seus estudos, pelo que queria ter uma ocupação para permitir que os pais tivessem algum desafogo financeiro.
c) O réu estava convencido que ia fazer um estágio e ter um formador, que seria um trabalho/part time a sério. Apesar de encarar o trabalho como um part time (pois estudava simultaneamente) estava convencido que iria trabalhar, que a proposta era séria e que passaria pela assinatura do contrato de trabalho. O réu realizou as operações solicitadas julgando fazê-las no âmbito de um trabalho lícito, pois achava que estava a trabalhar para um banco e a fazer operações para os clientes deste.
d) O réu era totalmente inexperiente nunca antes tendo trabalhado.
e) Em momento algum o réu equacionou como possível estar a prejudicar quem quer que seja, ou a praticar um qualquer ato ilícito.
f) Em momento algum o réu representou como possível que a sua conduta no desempenho do seu novo trabalho pudesse lesar alguém.
g) O réu apenas aceitou realizar as operações de transferência, levantamento e envio de dinheiro porque acreditou convictamente que o estava a fazer no âmbito de um contrato de trabalho e logo que teve motivos para duvidar imediatamente fez abortar toda a situação, tendo-se dirigido diretamente do banco (quando pela 1ª vez viu o nome BB na sua conta) e à Policia Judiciária de Aveiro onde expôs a situação e apresentou queixa contra desconhecidos.
h) Ficou com muito receio do que essas pessoas pudessem continuar a fazer com o acesso à sua conta e por esse motivo cancelou-a de imediato. i) A sua participação na Polícia Judiciária deu lugar a processo crime nº 327/14.4JAAVR-H.
j) Em momento algum o réu teve conhecimento que as quantias que movimentou pertenciam a pessoas diversas dos clientes do banco para quem trabalhava.
k) Se assim não fosse não teria feito qualquer transferência e teria de imediato – mais cedo – denunciado a situação.
l) O sistema informático do A. é frágil e permitiu que estranhos a partir de país estrangeiro acedessem aos códigos que permitiram ter acesso às contas bancárias e disponibilidade dos respetivos saldos do cliente da Autora. Situação que permitiu e propiciou a que o Réu fosse ludibriado por tais pessoas e levado pelo engano a praticar atos de que hoje se envergonha.
m) Os valores que recebeu na sua conta bancária foram transferidos no mesmo dia para alegadamente clientes da que pensava ser sua entidade patronal. O Réu agiu sempre na convicção de que tais montantes pertenciam a clientes da sua alegada entidade patronal.
n) O réu era muito ingénuo.
o) O réu opôs-se à aplicação da pena de multa proposta no âmbito do processo crime referido em 8), e requereu que fosse realizado julgamento a fim de provar a sua inocência.

Fundamentos de Direito
Ficou indicado como objeto do recurso, no primeiro item, a natureza da obrigação do R. perante a A.
A sentença referiu tratar-se de ação de responsabilidade civil extracontratual, enunciando os respetivos requisitos.
Alude ao disposto nos arts. 490.º e 497.º, n.º 1 CC para exprimir ter a atuação do R. – detentor da conta intermediária ou conta-mula – consistido no auxílio aos autores (desconhecidos) da fraude informática que possibilitou o acesso à conta bancário do cliente da A.
Todavia, por esta via delitual, o R. é, na verdade, responsável perante o cliente da A., posto que se apoderou – embora como intermediário – dos dinheiros daquele, causando-lhe uma diminuição do património.
O lesado direto é, por isso, o cliente bancário e não a Banco 1..., a qual respondeu perante o mesmo por força da relação contratual que os unia.
A Banco 1... só se viu lesada quando pagou ao seu cliente o prejuízo que este teve.
Quer isto dizer não ser a A. lesada direta, pois o dano provocado pelo R. teve por objeto o património do cliente BB, e o dano de que a A. se pretende ver ressarcida tem por causa imediata um vínculo negocial e não a atuação do R.
Qual, então, o direito que a A. aqui exercita?
Na visão que se nos afigura mais correta, é de direito de regresso que se trata.
No ac. da RL que recaiu sobre a sentença que condenou A. e R. a pagar ao lesado determinadas quantias em consequência dos factos aqui ajuizados, escreveu-se o seguinte:
“responsabilidade solidária dos devedores só existe, como acima dissemos quando resulte da vontade das partes (que não resulta no caso concreto) ou da lei. Só existiria responsabilidade solidária entre a Banco 1... e o ora réu se se concluísse que para além da responsabilidade contratual a Banco 1... assumia também responsabilidade extracontratual por facto ilícito neste tipo de operações bancárias por via electrónica (art.º 497 do CCiv) ou pelo risco, ou seja que a actuação do Banco se encontra numa qualquer relação de comitente/comissário com os restantes réus e que a responsabilidade dos réus pessoas singulares também se pudesse subsumir no caso concreto à responsabilidade pelo risco, isto nos termos do art.º 499 do CCiv”.
Excluindo a existência da solidariedade entre a Banco 1... e o aqui R., relativamente ao lesado, BB, esta decisão parece afastar o direito de regresso da A. que indemnizou o lesado.
Mas se assim fosse, nada legitimaria a A. a pretender do R. uma indemnização com base em facto ilícito delitual, pois o R. em nada buliu com o património da A.
Este património – da A. - viu-se empobrecido por força de um vínculo negocial.
Na nossa ótica, é de verdadeiro direito de regresso que se trata, pois nenhuma outra fonte se perfila em que assente o direito da A. a obter o pagamento do R., sendo que, como já referimos, a A. não é lesada pela atuação deste R. e só viu diminuído o seu património porque indemnizou o verdadeiro lesado.
Sucede aqui algo semelhante à situação da seguradora que paga ao seu sinistrado os danos que para este resultem de acidente de viação e, posteriormente, demanda o lesante. Ninguém duvida que a seguradora não é a vítima do sinistro e que o seu direito sobre o responsável civil promana da situação de regresso, ainda que indiretamente o contrato tenha sido acionado por força da atuação do lesante sobre o verdadeiro lesado.
Bom, mas por que consideramos verificar-se solidariedade entre o responsável contratual e o responsável por factos ilícitos relativamente ao mesmo dano em contrariedade com o exposto naquele acórdão?
A questão não é nova e já foi tratada sob a designação de concurso de títulos de aquisição da prestação, estando regulada no art. 497.º, n.º1, CC, que dispõe:
Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
Teixeira de Sousa, na sua dissertação de doutoramento (O Concurso de Títulos de Aquisição da PrestaçãoEstudo sobre a dogmática da pretensão e do concurso de pretensões, 1988), já mencionava a doutrina que entendia não ser a solidariedade destruída quando um devedor responde contratual e o outro delitualmente, afirmando “é que a faculdade de exigibilidade definida por esse concurso de títulos de aquisição é simultaneamente contratual e delitual, pelo que nada impede que a solidariedade específica da responsabilidade ex delicto (art. 497.º, n.º1 CC) seja aplicada a essa faculdade, porque ela, sendo contratual, também é delitual” (p. 320-321).
Igualmente Antunes Varela (Das Obrigações em geral, Vol. I, 6.ª ed.), perante a questão sobre se constitui também requisito da solidariedade a identidade de causa da obrigação, que haja entre as obrigações eadem causa obligandi, explica não existir “nada na lei nem na lógica dos bons princípios que exclua a possibilidade de a solidariedade (perfeita) vigorar entre pessoas que se obriguem em momentos sucessivos através de causas distintas. Não será frequente, mas nada há que exclua liminarmente a eventualidade da sua verificação”, embora exija uma comunhão de fim, ou seja, a colaboração dos devedores para a satisfação do mesmo interesse do credor, sem prejuízo da possibilidade de aplicação analógica deste regime (p. 730 e ss.).
Mais recentemente, Gabriela Fernandes (Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica, p.367-368), recenseando doutrina vária, escreve: “O n.º 1 do art. 497.º e o n.º 1 do art. 512.º não exigem, como pressuposto da solidariedade, a identidade da causa ou fonte da obrigação (…) nem exigem, de igual forma, que as obrigações provenham do mesmo facto jurídico”, acrescentando, “assim, nas hipóteses de concurso cumulativo (causalidade cumulativa não necessária) – em que dois ou mais eventos concorrem para a produção de um dano, sendo essa concorrência condição essencial ou necessária, pois cada uma das causas, só por si, não teria sido suficiente para que o dano se verificasse (…), a doutrina tem concluído pela imputação do dano aos vários agentes, aplicando o regime da solidariedade passiva que se encontra estabelecido no art. 497.º”.
Na jurisprudência encontramos exemplos de condenação solidária em indemnização ao lesado pelo responsável contratual e pelo responsável delitual.
Assim, no ac. STJ, de 22.1.2015, Proc. 125/06.9TBLGS.E1.S1: A condenação de dois réus em regime de solidariedade, ainda que cada um tenha contribuído diferenciadamente para o ato ilícito e respectivas consequências, não viola o princípio constitucional da igualdade. Deve ser considerado responsável o hospedeiro que faz anunciar em site da internet a possibilidade de atividade náutica de canoagem e que sugeriu e convidou a pessoa hospedada, que veio a falecer e família, para que usassem as diversas embarcações – ainda que pertencentes a outrem – que se encontravam em frente à casa de hospedagem, na praia da barragem contígua, a que os hóspedes tinham acesso direto e fácil. Emergindo tal responsabilidade também das obrigações, quanto a segurança, integrantes do contrato turístico de hospedagem/alojamento celebrado. Pertencendo a outro réu a gaivota, o qual a colocou ali sabendo poder ser utilizada por outras pessoas, com o buraco dum dos lados tapado apenas com uma rolha, concorreu este para o evento fatídico.
Assim, o direito que a A. aqui exercita é o de regresso, previsto no art. 524.º CC,.
No recurso não se coloca em causa a obrigação do R. perante a A., mas importa esclarecer o título donde emerge, uma vez que a medida do pagamento à A. depende do regime que for convocado. Se for responsabilidade civil, o R. deve indemnizar a A. e aplicam-se as regras de determinação do quantum indemnizatório; se se tratar de direito de regresso, aplica-se o disposto no n.º 2 do art. 497.º CC.
O ponto de discórdia da recorrente respeita ao valor em que o R. foi condenado.
A A. pretendia € 19.692, 05, assim descriminados:
Capital 16.141,94 €
Juros remuneratórios: 1.151,28 €
Danos morais: 1.174,83 €
Custas de parte: 1.224,00 €
A sentença decidiu condenar o R. a pagar à A. a quantia de € 10.761, 29, correspondente a 2/3 daquele capital de €16.141,94, por ter aplicado o disposto no art. 494.º CC e considerado: “Este circunstancialismo fáctico, aliado à situação profissional e económica do Réu (que, na altura dos factos, era estudante universitário e desejava ter uma ocupação a tempo parcial que fosse compatível com o curso que tirava na Universidade) e ao concreto grau de culpabilidade, impõe, segundo se entende, que a indemnização a atribuir à Autora, instituição financeira que disponibiliza aos seus clientes os serviços de “homebanking” mencionados na factualidade provada, seja fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, nos termos previstos no artigo 494.º do Código Civil”.
Nos demais segmentos do pedido, absolveu o R.
Em recurso, a A. conforma-se com a absolvição do R. quanto ao que pagou ao lesado pelos danos não patrimoniais, mas pretende a sua condenação em tudo o demais.
Resulta do n.º 2 do art. 497.º que o direito de regresso entre os responsáveis que respondam com fundamento em facto ilícito e culposo “existe na medida das respetivas culpas e das consequências que delas advieram”.
Sendo assim, não é do disposto no art. 494.º CC que se trata, pois este normativo refere-se à fixação da indemnização pela responsabilidade extracontratual e esta, como vimos, é de afastar.
Para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 497.º, quando concorrem culpas – ainda que por força de factos diversos – as mesmas presumem-se iguais, observando Ana Prata que este n.º 2 contém uma formulação “pouco inspirada” porque «distribui na relação entre os corresponsáveis, a obrigação em função da medida das culpas – e não das contribuições causais das condutas – e, numa precipitação difícil de compreender, liga causalmente às “culpas” as “consequências”» (Código Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Ed., p. 668).
Ora, a A. foi condenada a indemnizar o seu cliente por força da existência de um contrato de banca eletrónica.
Não se apurou qualquer atuação culposa por parte da Banco 1..., invocando-se no acórdão condenatório o disposto no Regime dos Serviços de Pagamento do DL 317/98, de 30.10, mais concretamente o teor dos arts. 68.º e 71.º que, no que aqui interessa, preceituam:
Artigo 68.º
Obrigações do prestador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento:
1 - O prestador de serviços de pagamento que emite um instrumento de pagamento tem as seguintes obrigações:
a) Assegurar que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento, sem prejuízo das obrigações do utilizador do serviço de pagamento estabelecidas no artigo anterior;
(…)
2 - O risco do envio ao ordenante de um instrumento de pagamento ou dos respetivos dispositivos de segurança personalizados corre por conta do prestador do serviço de pagamento.
Artigo 71.º
Responsabilidade do prestador do serviço de pagamento por operações de pagamento não autorizadas
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 69.º, em relação a uma operação de pagamento não autorizada, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve reembolsá-lo imediatamente do montante da operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, repor a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.
2 - Sempre que o ordenante não seja imediatamente reembolsado pelo respetivo prestador de serviços de pagamento nos termos do número anterior, são devidos juros moratórios, contados dia a dia desde a data em que o utilizador de serviços de pagamento haja negado ter autorizado a operação de pagamento executada, até à data do reembolso efetivo, calculados à taxa legal, fixada nos termos do Código Civil, acrescida de 10 pontos percentuais, sem prejuízo do direito à indemnização suplementar a que haja lugar.
Ali se concluiu que: Os factos dados como provados não são suficientes para provar a culpa do utilizador deste tipo de serviços, de resto nem ficou provado que o Autor tenha acedido antes durante ou depois das transferências ao serviço utilizando as credenciais (…). Mas a tudo isto não pode ser alheio o facto de os terminais do Autor como de qualquer utilizador deste serviço de pagamento à distância, via electrónica, não pertencerem ao Banco, ou não terem sido disponibilizados pelo próprio Banco com todos os sistemas de segurança que o sistema informático do próprio Banco comprovadamente possui antes sendo pertença do próprio utilizador, terminais esses que não são supervisionados pela Banco 1... ou sujeitos a sistemas de protecção contra vírus externos do próprio do Banco, pelo que o risco de invasão desses sistemas do utilizador por agentes exteriores deve considerar-se incluído pelo art.º 68/2 e por isso correr pelo próprio Banco.
Quer isto dizer que a A. não foi responsável pela fuga de dados que permitiram a terceiros aceder à conta bancária do seu cliente mediante um qualquer método de fraude informática.
Porém, do contrato de homebanking emerge como dever acessório de conduta do banco o de prestar um serviço eficaz e seguro que permita aos seus clientes confiar no sistema de acesso à sua conta bancária e respetiva movimentação via online (Carolina Barreira, Home banking: A Repartição dos prejuízos decorrentes de fraude informática, Revista Elétrónica de Direito, out. 2015, n.º 3, p. 35) e, tratando-se de uma relação contratual, aplica-se o disposto no art. 799.º, n.º1 CC (presunção de culpa do devedor), pelo que “é o banco que se encontra onerado com a prova de que o acesso de terceiros à conta do cliente não se ficou a dever a qualquer vulnerabilidade do sistema de segurança por si implementado. O facto de o risco de o sistema gerar prejuízos não imputáveis aos seus utilizadores recair sobre a entidade bancária compreende-se pois é a esta que cabe assegurar a regularidade do seu funcionamento e o controlo dos meios técnicos utilizados. Assim, é pela entidade bancária que corre o risco de uma intromissão fraudulenta nas contas bancárias dos seus clientes realizada através desse sistema, ou seja, em última análise, é esta que deve arcar com os prejuízos potenciados pela debilidade dos sistemas de pagamento que comercializa” (ibidem) – cfr. Ac. RP, de 4.6.2019, Proc. 1482/17.7T8PRD.P2 e ac. RL, de 12.7.2017, Proc. 476/15.4T8VNG-2.
Resulta, pois, que, quer pela via da culpa contratual presumida, quer do risco que a lei faz correr por conta do Banco, a responsabilidade da A. é quase responsabilidade pelo risco ou simplesmente presumida.
Ora, da aplicação do n.º 2 do art. 497.º resulta de imediato que, nas relações internas, entre os condevedores, a imputação a título de culpa consome a imputação a título de risco (assim, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª Ed., p. 509), não se vendo como a culpa efetivamente provada não afasta a simples culpa presumida.
Na verdade, relativamente ao R. o que se apurou foi um comportamento negligente, tal como se acentuou na sentença:
“a conduta do Réu evidencia uma atuação manifestamente negligente, dado que o mesmo aceitou receber na sua conta bancária as aludidas transferências desacompanhadas de qualquer documentação, recibo, ou fatura, relativos à propriedade e proveniência de tal numerário, e que de alguma forma documentassem um qualquer negócio jurídico legítimo que lhes estivesse subjacente. Tal como aceitou levantar e reenviar de imediato tais quantias em numerário, não se importando com a proveniência destes fundos que lhe foram parar à conta. E decidiu agir conforme descrito, visando obter benefício económico correspondente à comissão que cobrou, propósito este que concretizou”.
Sendo assim, no confronto entre as culpas – a presumida contratual ou pelo risco legal da A. e a efetivamente demonstrada do R. – não temos dúvidas em assacar a este último a responsabilidade pela totalidade dos valores que foram subtraídos da conta do cliente da A. e tiveram como destino a conta do R.
Deste modo, quer o capital integral, quer os respetivos juros cabem à A. que os deverá receber do R., por via do regresso.
Não já as custas de parte que a A. despendeu na ação contra si movida pelo seu cliente.
As custas de parte compreendem o que cada parte tenha despendido com o processo e tenha direito a ser compensada pela parte contrária (art. 529.º, n.º 4 CPC), não sendo, por isso, um valor atribuído ao lesado mercê do facto ilícito que suscita a responsabilidade contratual ou extracontratual.
Por não se tratar de um segmento da indemnização, não pode o devedor que pagou custas de parte repercuti-las no condevedor por via do regresso. É que o direito de regresso refere-se à satisfação do direito do credor, sendo que o direito do cliente da A. à indemnização não inclui aquelas custas de parte que apenas surgem porque este se viu forçado a instaurar ação judicial contra a Banco 1... a qual, ao contrário do estipulado na lei (citado art. 71.º, n.º1 ), o não reembolsou imediatamente do montante das transferências não autorizadas.
O recurso procede, assim, parcialmente.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, mantendo a absolvição no demais, revogar a sentença parcialmente, condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 17.293,22, com juros legais, desde a citação e até integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Porto, 26.9.2022
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Maria José Simões